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resumo HESPANHA, Cultura jurídica europeia, 40­67

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Resumo do texto 1. HESPANHA, Cultura jurídica europeia, 40­67 
  
 
3.1. Modelo estadualista e sua crise 
A teoria política liberal e o positivismo jurídico estabeleceram o conceito de que poder                           
político tinha a ver com “Estado”. A história e a ciência política consideravam relevantes                           
apenas as instituições, mecanismos e etc. instituídos por ele. 
Scott considerou como “estabelecer o Estado”: alargar os espaços de domínio construindo                       
unidades políticas maiores, com técnicas de governar “em grande”. “Ver como o Estado” é                           
observar a sociedade como o todo organizado sem detalhes locais e sujeito à regulação                           
universal, geral e abstrata. Esse modelo se impôs como filtro da realidade histórica: poder                           
político e regulação jurídica se refere ao Estado e a lei.  
O Estado, os modelos de viver a política e de contato com o poder tal como foram                                 
concebidos pela teoria política liberal vem desaparecendo. O paradigma do Estado vê­se                       
em crise: igualdade se vê embargada pelas pretensões de garantias de diferença; o                         
interesse geral é suplantado por pretensões particularistas; o império da lei é atacado pela                           
sua sujeição a valores superiores de justiça e ideias de negociação, passando a ideia de ser                               
um contrato entre Estado e particulares. O Estado, em crise de eficiência e legitimidade não                             
mantêm sua função reguladora e racionalizadora de pulsões sociais díspares, abandonando                     
o modelo político que previa: 
(i) Separação entre sociedade política (Estado munido de ​imperium​) e sociedade civil                       
(arranjos privados do cotidiano) 
(ii) Distinção da natureza dos poderes quanto aos quais o Estado é titular (poderes públicos)                             
ou titularidade dos particulares (poderes privados) 
(iii) Instituição de mecanismos de mediação, fundados na “representação”(produto da                   
vontade, concebido por mandato), por meio dos quais a sociedade civil participa da                         
sociedade política 
(iv) Direito identificado com a lei, sendo ela a vontade absoluta do Estudo, que corporiza a                               
vontade da geral da sociedade 
(v) Justiça oficial sendo única instância de resolução de conflitos 
 
3.2. O pós­estatalismo: diferenciação, localismo, pluralismo e micro­história 
Foucault trabalhou sobre condicionamentos exercidos de forma imperceptível (regras                 
implícitas de discurso, constrangimento sentido por quem se sente observado, etc.) sobre                       
indivíduos, constatando que tudo isso afeta a soberania do sujeito, mas sem afetar sua                           
autoimagem de ser livre e autodeterminado, pois não se caracterizava com o que era                           
reconhecido como “poder”: imposição visível, externa e a cargo de instituições públicas. 
Concluiu que o poder é disperso por toda a sociedade. 
Concomitantemente (1960), a antropologia jurídica chegou ao “pluralismo”: coexistência de                   
diversas ordens jurídicas, legais ou costumeiras, no mesmo espaço social. Essa ideia se                         
combinou com a de que arranjos dos sistemas de poder variam localmente, sendo tais                           
combinações mútuas de ordens normativas que dependiam do contexto onde estavam                     
inseridas. 
A modernidade se organizou com modelos universais e racionais, considerando irracionais                     
organizações baseadas em particularismo e diferença. A crítica a modernidade mostrou                     
como o Estado procurou desarticular ou tornar invisível essa dimensão. Esses ataques                       
teóricos lançaram o estatalismo na erosão.  
No plano institucional, a soberania do Estado e sua forma de regulação são sujeitas a                             
instâncias supraestaduais de regular (FMI, ONU, União Europeia, Mercosul e etc), e até por                           
entes não estatais (FIFA), que emitem normas para vigorar em Estados, sem a sanção dos                             
mesmos. 
O imaginário estadualista lia sistemas jurídicos e políticos passados, retendo apenas o                       
concernente a centralização estadual do poder e monopólio legalista do direito, privilegiando                       
formas de coerção visíveis e oficiais. O Cuidado a ter agora é visibilizar maneiras menos                             
aparentes de regular e disciplinar. 
A tendência é a de historiadores do direito alargarem a pesquisa além do direito oficial, e o                                 
pluralismo jurídico vem desafiando a ideia que o direito se resume à constituição e códigos                             
estaduais. 
O modelo de sociedade auto­organizada num modelo pluralístico e pouco interligado de                       
ordens políticas jurídicas permite resolver aparentes paradoxos da história política e jurídica                       
da sociedade europeia na Época Medieval e Moderna. 
Logo conclui­se que a política se resumir ao Estado, o direito à lei e a governação ao                                 
governo oculta pólos de disciplina e regulação social. 
 
3.3. A “textura” da comunicação política 
O historiador deve estar aberto a todas as formas de manifestação do direito. Sanjay relatou                             
que historiadores europeus na Índia acreditavam que o modo europeu era o único possível                           
de fazer história, não reconhecendo que na cultura indiana era feito por outros gêneros                           
literários, que para europeus seriam drama, poesia e etc. Assumir texturas (características                       
formais no texto) em um discurso especializado (direito, história) nos impede de reconhecer                         
formas diferentes (gênero literário, formas de raciocinar) de tratar temas. No direito, isso nos                           
leva ao desconhecimento da relevância jurídica de discursos religiosos, morais e etc.  
A cultura jurídica (inclusive historiadores do direito) assume como natural falar sobre direito                         
numa certa forma e determinado suporte de comunicação (grupo social especializado,                     
textos e livros jurídicos com características materiais). 
Para o historiador, essas características formais carregam sentido, contribuindo para                   
dignidade dos textos ou estabelecer filtros (econômicos, culturais) à utilização e difusão                       
sociais, selecionando os utilizadores do direito. 
Salienta­se que características formais não são necessárias para o discurso jurídico, de tal                         
modo que poderiam ser excluídos da história do direito discursos sem requisitos formais do                           
direito da época. Consoante as épocas, o discurso jurídico pode assumir diversas formas                         
(oral, litúrgico). A forma de comunicação escolhida terá consequência para o sentido do                         
texto e sua distribuição, podendo, até, em determinado contexto, ser considerada imprópria                       
para divulgar o direito, mas nenhuma delas fará parte da natureza formal da comunicação                           
jurídica. 
 
3.4. Produção, receção, reutilização, tradição dos discursos jurídicos 
A história jurídica não constitui um desenvolvimento linear, progressivo, necessário e                     
escatológico. Há importância do contexto na fixação do sentido nas manifestações                     
históricas. 
A natureza contextual do sentido faz com que a teoria dos saberes substitua a perspectivado autor e da criação pela do leitor e da receção. Tal substituição, quanto à fixação do                                 
sentido (receção) de um texto, significa que o contexto original (produção) é substituído pelo                           
contexto atual (de receção) desse texto, que seu sentido não é original, mas o de suas                               
(re)leituras. Nos textos jurídicos essa referência metodológica é importante, pois                   
compreende­se como o sentido de um texto vai mudando ao longo da história (receção dos                             
textos direito romano, primeiro no período justinianeu, depois na Idade Média e na Idade                           
Moderna). Se a ideia de leitura, receção e apropriação prejudica a ideia de continuidade,                           
compatibiliza­se com a ideia de ​tradição. A primeira (continuidade) pressupõe continuidade                     
de um sentido fixado no momento da criação do texto, a segunda (tradição) insere no                             
sentido um elemento dinâmico, que não deixa de ser portador de algo que vem desde a                               
origem, e vai sofrendo modificações que derivam da diversidade dos contextos culturais em                         
que a mensagem original é lida.  
 
3.5. A ideia de continuidade e a subordinação da história à política 
A questão da continuidade envolve questões relativas ao que “continua” e ao que “muda” no                             
processo temporal. Desde a Escola dos Annales os historiadores exprimem esta                     
desconfiança em relação à continuidade trans­histórica, insistindo no conceito de “rutura”,                     
entendido como uma quebra radical de sentidos vindos do passado em virtude das                         
modificações dos contextos históricos. 
Diz­se que as ideias de familiaridade e de continuidade entre o direito histórico e o direito do                                 
presente são formas ideológicas de justificar a conservação do direito do passado,                       
naturalizando os modelos estabelecidos de poder, que são produto de um espírito humano                         
transtemporal, instruindo o presente com as lições do passado. A história teria um papel                           
legitimador, esclarecendo e justificando os dogmas políticos e jurídicos contemporâneos a                     
partir das suas manifestações na história. A história, ganhava com esta perspetiva: como                         
sabe que se lida com o tempo, teria a função de permitir a comunicação entre as épocas,                                 
tornando possível o diálogo espiritual entre os de hoje e os de ontem. O presente                             
enriquecia­se e justificava­se. Assim, o passado, ao ser lido (e apreendido) através do                         
presente, tornava­se uma prova do caráter intemporal dessas mesmas categorias, não                     
podiam deixar de ser formas contínuas e necessárias da razão jurídica e política.  
Essa continuidade sendo produto do olhar do historiador não se parecia estar consciente. 
Além de poder ser lida como registo de “permanência”, a continuidade podia ser lida no                             
registo da “evolução”. A “continuidade” era concebida semelhante à continuidade dos seres                       
vivos. A sabedoria político­jurídica da Humanidade continuaria do passado e não perderia                       
os seus ensinamentos, se aperfeiçoando. 
Institui­se uma visão progressista da história do poder e direito, transformando a instituição                         
atual no ponto final da civilização política e jurídica. O Estado liberal­representativo e o  
direito legislado seriam o apogeu dos processos de “modernização”. Aqui, A visão  
histórica servia para documentar essa contínua luta pelo direito. Os dogmas do direito                         
histórico não são, como dito antes, testemunhos da justeza dos dogmas jurídicos atuais,                         
mas testemunhos da atividade de libertação da Razão jurídica em relação à força e aos                             
preconceitos.  
A continuidade era o pressuposto deste uso legitimador da história. A ideia de que o saber                               
do presente se enraizava no do passado e que recebia deste as categorias sobre as quais                               
trabalhava. A continuidade do saber mascarava o caráter inovador de cada época desta                         
continuidade, cada qual repousando sempre sobre uma leitura inovadora da tradição                     
herdada. 
 
3.6. A ideia de rutura e a recuperação da alteridade do direito do passado. Algumas                           
ilustrações 
A ideia de continuidade é um errôneo entendimento da evolução dos saberes no tempo.                           
Ignorava­se que a tradição de leitura e reutilização dos textos ia criando novos sentidos, em                             
virtude da interação entre o texto e sucessivos contextos. 
As figuras textuais não prendem­se a uma racionalidade jurídica sempre igual a si mesma,                           
independente da história. Esta intemporalidade (imutabilidade) do sentido conduzia a um                     
sentido de familiaridade com o passado que levava a uma trivialização da “diferença” que                           
nos separa dos agentes históricos. 
Na história do direito, a continuidade era essencial para a metodologia do direito: a ideia de                               
continuidade era a demonstração de que a razão do direito era intemporal. A ideia de que                               
existia uma razão jurídica indiscutível constituía a legitimação do saber jurídico europeu. Se                         
esta firmeza de convicções na racionalidade do direito e do saber jurídico fosse substituída                           
pelo relativismo, pela ideia de que o direito e seus valores dependem de descontinuidades                           
inexplicáveis, o projeto de universalização da cultura jurídica letrada europeia estava                     
ameaçado. 
J.M.Scholz, com a proposta de “historicizar a história do direito”, importou para a disciplina                           
metodologias da Escola dos Annales: promoveu a observação do direito no seu contexto                         
social e introduziu a ruptura na história do direito. O passado jurídico devia ser lido dando                               
conta do caráter “local” das soluções jurídicas e dos instrumentos técnico­dogmáticos                     
utilizados para as justificar. O corte com as continuidades da tradição jurídica dissolvia a                           
permanência dos dogmas jurídicos do passado e introduziria um relativismo historicista que                       
afetava a legitimação do direito do presente como emanação de uma razão intemporal.                         
Scholz dirigia­se contra a história dos dogmas, que fazia um estudo dos conceitos jurídicos                           
como se se desenvolvessem no tempo, alheios às conjunturas envolventes, e                     
aproximando­se assim de uma versão liberta do tempo. 
Grossi também se distanciava­se da história dos dogmas, não via textos históricos do direito                           
como antecedentes de uma história futura. Esse método desatende a continuidade  
aparente dos conceitos, destacando como ele evoca coisas diferentes, em diferentes                     
contextos em que aparece. Grossi limita­se a observar quadros dogmáticos em sua                       
respectiva época, lê os textos “por de cima do ombro daqueles que os escreveram”. 
Esta alteridade do passado, com uma leitura adequada das fontes históricas, abandonou                       
os pontos de vista historiográficos que apenas consideravam os níveis estatal do poder e ooficial do direito. 
Antes da ideologia estatalista, a Europa vivera num universo político e jurídico plural. 
Coexistiam centros autônomos de poder, sem que isso gerasse problemas. A normação                       
realizava­se a vários níveis (Divina, pela Revelação; da Criação, onde as coisas se                         
organizavam naturalmente e outros complexos normativos particulares a esses) Havia                   
hierarquia entre estas ordens, mas não privava­se as inferiores da sua eficácia nos âmbitos                           
que lhes eram próprios. 
Clavero desenvolveu um modelo do âmbito jurídica do Antigo Regime: Na ordem jurídica                         
dessa época, o direito, não sendo produto do Estado, tem fronteiras fluidas com outros                           
saberes normativos. E a faculdade de dizer o direito é vista como dispersa na sociedade, a                               
jurisdição suprema apenas harmoniza entre si os níveis mais baixos da jurisdição.  
A visão pluralista do poder e do direito atrai a atenção para instituições não estatais que                               
possuem centralidade política e disciplinar (como família e Igreja). O Estado impõe e obriga,                           
sob a ameaça de castigos. As coisas são diferentes nas comunidades domésticas e                         
similares, onde amor e solicitude são mecanismos de disciplina. O discurso normativo, aqui,                         
não se limita a descrever, estabelece normas que disciplinam a sensibilidade e os                         
comportamentos. Os seus enunciados não são como os do direito de tipo estadual, mas                           
antes como descrições de uma psicologia correta dos afetos. 
Por outro lado, o Estado contemporâneo, se não regula por leis, cria meios de  
permanente observação dos cidadãos e de indução de sentimentos que promovem a                       
autodisciplina 
 
3.7. A via para o conhecimento da alteridade – uma leitura densa das fontes 
A diversidade de texturas que o direito pode ter pede que a investigação da história jurídica                               
esteja preparada para usar métodos que leiam o direito nas formas diferentes das que são                             
identificadas como jurídicas pela nossa cultura. 
A especial metodologia de leitura das fontes jurídicas, consciente da multiplicidade de                       
formas de direito, ​tomava os textos a sério, respeitando tudo que é dito​, não os                             
desvalorizavam como metáforas; não os liam através das categorias do presente; não                       
esperavam encontrar todo o direito nos textos de leis. Pretende­se preservar a lógica                         
original das formas alternativas de direito. O sentido superficial tem de ser afastado para                           
deixar lugar às camadas  
sucessivas de sentidos subjacentes. 
O esforço é o de recuperar a estranheza, não a familiaridade, do que é dito; o esforço de                                   
evitar deixar­se levar por leituras pacíficas; o de ler e reler, pondo­se porquês a cada                             
palavra, e procurando as respostas, não na nossa lógica, mas na própria lógica do texto. 
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