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Apostila da USP 2014 atualizada

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Prévia do material em texto

Fonte: http://introducaoaodireito.info/wpid 
 
 
 
 
 
 
01. Do ensino médio ao ensino superior 
A passagem para o ensino superior deve ser encarada como um marco na vida 
intelectual do aluno, que, normalmente, acaba de deixar o ensino médio. Como toda 
transição, pode ser sentida de um modo positivo ou negativo. 
Há uma diferença essencial entre o ensino médio e o ensino superior: no primeiro, o 
professor está, em sua maioria, lidando com crianças que se tornam adolescentes; no 
segundo, está lidando com adolescentes que se tornam adultos. Ora, o papel do 
professor deve ser diferente em cada um dos casos. 
O professor de ensino médio deve cuidar de todo o processo de aprendizagem do aluno. 
Não basta apresentar os temas em aula, mas deve também acompanhar e supervisionar 
o trabalho individual de estudo do aluno. Isso significa entregar ao aluno material de 
leitura (livros e apostilas) pré-selecionado, fazer exercícios rotineiros para verificar o 
aprendizado e interferir constantemente nas atividades. 
Por que o professor de ensino médio deve se comportar desse modo? Simples: seus 
alunos não possuem, ainda, maturidade suficiente para a aquisição do conhecimento. 
Precisam contar com a supervisão de um profissional para fazerem as melhores 
escolhas. 
Mas isso não ocorre no ensino superior. Neste momento, os alunos caminham para a 
maturidade. Ser maduro significa ser capaz de tomar as decisões mais importantes de 
sua vida. O aluno torna-se adulto. É capaz de pensar e de fazer escolhas. 
O papel do professor se modifica. Ao lidar com adolescentes que se tornam adultos, não 
deve assumir uma posição de controle e de supervisão. Sua função é simplesmente 
indicar os caminhos a serem trilhados. O aluno escolhe como e quando percorrer. 
Grande parte dos professores do ensino superior limita-se a expor o conteúdo da 
matéria em sala de aula e a indicar um livro-base que trata do tema. Somente isso. O 
resto, é com o aluno. Ele terá que anotar a aula, ir atrás do texto indicado e estudá-lo. 
Sozinho. Apenas procurando o professor para tirar suas dúvidas. 
A primeira coisa que todo universitário deve aprender é justamente a diferença entre o 
ensino médio e o ensino superior. Quanto antes perceber isso, menos traumática e mais 
gostosa será a passagem 
 
 
 
 
 
 
02. Requisitos para o estudo: vontade, tempo, organização 
Os estudantes de direito que desejam adquirir todos os conhecimentos sobre um 
determinado tema de aula, devem seguir o Roteiro Completo de Estudo. Para tanto, é 
indispensável possuir duas coisas: 1. vontade e 2. tempo. 
Quanto ao requisito “vontade“, devemos constatar que nem sempre o tema estudado 
despertará o interesse do aluno. É perfeitamente normal que, em um curso de 
introdução ao direito, haja temas que pareçam mais interessantes ou menos 
interessantes. Assim, sugerimos que o aluno adote todos os passos para estudo 
daqueles temas que reputar mais interessantes, e “pule” alguns passos quando estudar 
temas de que goste menos. 
Em outras palavras, diria simplesmente: estude mais aquilo de que você gosta e menos 
aquilo de que você não gosta. É sempre mais chato e menos promissor fazer o que é 
desagradável; é mais interessante e estimulante fazer o que é agradável. 
Por outro lado, o requisito “tempo” nem sempre é tão subjetivo quanto o anterior. Muitas 
vezes o aluno possui “vontade” de estudar o tema, mas carece de “tempo” para fazê-lo. 
Na nossa sociedade capitalista, a grande maioria das pessoas depende de um emprego 
para sobreviver. Ser assalariado em grandes cidades, por exemplo, toma quase todo o 
“tempo” do estudante, seja pelos afazeres típicos da profissão, seja pelo cansaço 
gerado por outros fatores, como o transporte precário e o desgaste emocional do 
cotidiano. 
Com isso, o estudante precisa desenvolver uma habilidade específica e fundamental: 
organização. Por mais que disponha de “vontade” para estudar um tema, o “tempo” 
poderá ser curto. Então, o aluno precisará gerenciar seu tempo, escolhendo quais os 
passos do Roteiro Completo de Estudo irá seguir e os distribuindo nos períodos 
disponíveis durante a semana. 
Mas cuidado: consulte o Roteiro Mínimo de Estudo ao gerenciar seu tempo. É muito 
importante que você não elimine medidas essenciais para seu aprendizado, sem as 
quais estará gerenciando mal seu tempo, ficando, ao final, desestimulado e sem 
“vontade”. 
 
 
 
 
 
 
03. Roteiro Completo de Estudo 
Pensando no aluno ideal do ensino superior, apresentamos o Roteiro Completo de 
Estudo. Tal roteiro pode ser utilizado em quase todas as disciplinas, embora tenha sido 
elaborado para aquelas de cunho teórico. 
Roteiro Completo: 
1. Informando-se sobre o tema (antes da aula) 
• pesquise na internet sobre o tema a ser estudado (procure definições e conceitos) 
• leia rapidamente artigos de periódicos eletrônicos (jornais e revistas) 
• procure textos sobre o tema na biblioteca (em livros e revistas) 
• anote suas dúvidas iniciais 
• formule perguntas sobre o tema 
2. Assistindo à aula 
• ouça atentamente o discurso do professor 
• interprete o que foi dito 
• anote conforme seu entendimento 
• crie tópicos para organizar seu caderno 
• anote suas dúvidas e faça perguntas assim que possível 
• anote as respostas às perguntas 
• peça sugestões de leitura 
3. Estudando (após a aula) 
• leia as anotações de aula 
• busque compreender tais anotações 
• leia integralmente o texto-base sobre o tema 
• releia, com mais cuidado, o texto-base, grifando as ideias principais 
• “fiche” o texto (resuma as ideias principais grifadas) 
• leia outros livros, conforme seu interesse pelo tema, e, se for o caso, faça novos 
“fichamentos” 
• feche os livros e escreva um texto sobre o tema, usando como referência o 
caderno e as “fichas” 
• anote suas dúvidas e consulte o professor 
• pense nos pontos principais e elabore perguntas sobre eles 
• responda, por escrito, às perguntas 
4. Consolidando o estudo 
• antes de estudar o novo tema, releia seu caderno, a “ficha” do texto-base e seu 
texto sobre o tema anterior 
• tente entender os conceitos e as ideias 
• após cada leitura, feche os olhos e pense no tema 
• repita, pelo menos, uma vez a cada quinze dias os procedimentos deste tópico 
para todos os temas estudados 
LEMBRE-SE: 
1. “Entenda” as aulas 
2. Tire suas dúvidas 
3. Anote sempre que possível 
4. Estude todos os dias 
5. Converse com os amigos sobre os temas estudados 
 
 
 
 
 
 
 
 
04. Roteiro Mínimo de Estudo 
Seja por falta de vontade, de tempo ou de organização, o aluno pode ter dificuldades 
para seguir o Roteiro Completo de Estudos. Quando, excepcionalmente (assim 
esperamos), isso ocorrer, recomendamos a adoção do presente Roteiro. 
Roteiro Mínimo de Estudo: 
• assistir às aulas e anotá-las 
• tirar suas dúvidas 
• reler, semanalmente, as anotações de aula 
• escrever um resumo (de cabeça) para cada tema estudado 
• ler, se possível, o texto-base 
CUIDADO: 
• fazer menos do que o roteiro mínimo é plantar para colher dificuldades na véspera 
das provas 
• se for estudar apenas na véspera da prova, limite-se a ler e a resumir as 
anotações de seu caderno; NÃO leia, pela primeira vez, o texto-base neste momento, 
pois você terá mais dúvidas do que certezas 
 
 
 
 
 
05. Nomenclatura – histórico normativo 
Se observarmos os livros que pretendem introduzir os alunos ao direito, notaremos, de 
antemão, que possuem títulos muito parecidos, porém com uma diferença nos termos 
utilizados. Qual a razão para essa diferença? 
Podemos, vasculhando a história dos cursos de direito, encontrar uma possível 
explicação: existem normas que, em diferentes momentos históricos, trazem uma 
nomenclatura diferente para a disciplina. 
Chegamos, assim, ao Decreto n. 19.852, de 1931, que exige o oferecimento, nos cursos 
de Direito,de uma disciplina denominada “Introdução à Ciência do Direito”. Tal nome é 
mantido até a Resolução n. 3, de 1972, que passa a chamá-la de “Introdução ao Estudo 
do Direito”. Por fim, a Portaria 1886, de 1994, refere-se, simplesmente, à “Introdução ao 
Direito”. 
Curiosamente, a atual Resolução n. 9, de 2004, que rege o funcionamento dos cursos 
jurídicos, foi omissa quanto a conteúdos introdutórios ao direito e/ou à sua ciência. 
De qualquer modo, ficamos com duas possibilidades: Introdução ao Direito ou 
Introdução à Ciência do Direito. Será que, independentemente das razões históricas, 
haveria outros motivos para a diferença? Desenvolveremos a questão noutro momento 
 
 
 
 
 
 
 
 
06. Introdução à Ciência ou ao Direito? 
 
Vimos, noutra postagem, que as normas referentes ao funcionamento dos cursos de 
direito referiram-se a nossa disciplina como Introdução à Ciência do Direito, Introdução 
ao Estudo do Direito e Introdução ao Direito. A partir daí, surgiram manuais enfatizando 
um ou outro dos títulos. 
No exterior, uma rápida pesquisa em francês e em inglês seria capaz de revelar que a 
expressão Introdução ao Direito é preferida: Introduction au Droit e Introduction to Law. 
Mas, será que a distinção revela alguma diferença conceitual? Ou trata-se apenas de 
uma preferência terminológica, sem consequências práticas? 
Podemos constatar que existem duas finalidades básicas de uma disciplina do gênero: 
1. Apresentar o aluno a um fenômeno social chamado direito; 
2. Apresentar o aluno ao estudo desse fenômeno social. 
Pois bem, a distinção pode revelar a preferência do autor do livro. Os livros que 
recorrem à expressão Introdução à Ciência do Direito (e sua variante mais frequente, 
Introdução ao Estudo do Direito) consideram que a função básica da disciplina é mostrar 
ao aluno o modo de se estudar o direito. O fundamental seria, assim, mostrar quais as 
principais abordagens possíveis ao fenômeno social e quais os temas básicos discutidos 
pelos estudiosos do direito. 
Já os livros que recorrem à expressão Introdução ao Direito enfatizam o fenômeno 
social. O objetivo básico é descrever, para o aluno iniciante, as características básicas 
desse fenômeno. Em outras palavras, mostrar ao aluno o que é o direito, que será 
estudado nas inúmeras disciplinas dogmáticas. 
Por fim, devemos constatar que, não obstante a diferente postura apontada, os livros 
escritos no Brasil terminam por apresentar uma semelhança estrutural muito grande, 
não fugindo a uma mescla básica de apresentar a ciência que estuda o direito e o direito 
enquanto fenômeno social ao mesmo tempo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
07. Natureza e Cultura 
O ser humano destaca-se dos outros animais. Em sua existência, não se limita a aceitar 
o mundo natural que o rodeia, mas o modifica, construindo a civilização. 
Podemos considerar a natureza como o conjunto de todas as coisas que existem em 
estado bruto, ou seja, independentemente da interferência humana. Não foram os seres 
humanos que construíram as florestas, os rios, os minerais, as estrelas… Todas essas 
coisas já existiam antes do nascimento do primeiro humano e poderão continuar a existir 
após o desaparecimento da espécie. 
O ser humano, porém, destaca-se dos demais primatas justamente pela capacidade de 
modificar a natureza. Não se limita a aceitar aquilo o que é dado quando de seu 
nascimento, mas age no sentido de modificar o seu entorno. 
Desde cedo aprendeu a utilizar lascas de pedra e pedaços de madeira como 
instrumentos, construindo lanças e outros utensílios. Aprendeu a manipular o fogo, 
ocupando lugares até então inóspitos aos primatas. Graças a sua capacidade de 
transmitir seus inventos e suas modificações a seus descendentes, o homem passa a 
produzir cultura. 
Podemos, assim, definir a cultura como o conjunto de tudo aquilo o que o homem 
constroi modificando a natureza. Incluímos no conceito não apenas objetos materiais, 
mas também objetos espirituais, como comportamentos, crenças e manifestações 
artísticas. 
Os bens culturais, diferentemente dos naturais, não existem sem a participação humana. 
Ao contrário, é imprescindível que o ser humano aja para que se produza a cultura. 
Assim, em resumo, constatamos que a natureza é um DADO, enquanto a cultura é um 
CONSTRUÍDO. 
Bibliografia básica: 
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lições I e II. 
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, cap. III a V. 
 
 
 
 
 
 
 
 
08. Sociedade, valores e controle social 
O estudo do Direito deve partir, necessariamente, da constatação de que se trata de um 
fenômeno SOCIAL. Ou seja, o direito só existe na sociedade. 
Dito isso, torna-se um requisito definir a sociedade. Numa disciplina de Introdução ao 
Direito, essa definição corre o risco de ser classificada de superficial. Não é seu papel 
problematizar a noção, feito reservado a outra disciplina, a Sociologia. 
Porém, mesmo correndo o risco da simplificação exagerada, é importante apresentar 
uma definição, pois sua falta acarretaria prejuízos maiores para o aluno que busca 
compreender o direito. 
Muitos pensadores concordam que o ser humano é naturalmente dotado da 
sociabilidade, ou seja, tende a constituir sociedades. O mesmo fenômeno seria 
observável em outros animais, como as abelhas e as formigas, por exemplo. Mas 
somente o ser humano é capaz de transformar sua sociedade natural em uma 
sociedade cultural, modificando-a conforme seus objetivos. 
Podemos definir a sociedade como um conjunto de pessoas que se comportam para 
atingir determinados objetivos. Não existe sociedade com apenas um indivíduo, mas, 
sim, com vários. Não existe sociedade com apenas um comportamento, mas com um 
conjunto de comportamentos. 
Há de se notar que os comportamentos humanos em sociedade tendem a se pressupor, 
ou seja, cada comportamento espera outro comportamento de outra pessoa e foi, do 
mesmo modo, esperado pelos demais. Os comportamentos são marcados, assim, pela 
previsibilidade. 
A razão de as pessoas se comportarem de um modo previsível é justamente o fato de a 
sociedade buscar a realização de valores. Espera-se que cada comportamento e/ou a 
soma dos comportamentos permita à sociedade transformar alguns valores desejáveis 
em realidade, modificando essa realidade. Podemos afirmar, ainda, que a sociedade 
natural torna-se uma sociedade cultural a partir dessa busca valorativa. 
Mas, o que é um valor? O valor é uma qualidade ideal que se pode atribuir às coisas, 
constatando-se que, caso essas coisas correspondam ao valor almejado, tornar-se-ão 
satisfatórias. Por exemplo: o respeito é um valor. Quando uma pessoa se relaciona com 
outra e demonstra respeito nesse relacionamento, seu comportamento será bem visto, 
pois corresponde a um valor esperado. Do contrário, se a pessoa demonstra 
desrespeito, seu comportamento não possui a qualidade valorativa que dele se espera, 
sendo considerado indesejável. 
Ora, os seres humanos se reúnem em sociedades culturais e se comportam de um 
modo previsível porque, precisamente, buscam concretizar nas relações sociais 
determinados valores. Uma sociedade ideal, por exemplo, seria aquela em que os seres 
humanos, entre outros valores, concretizariam, em todas as relações com os demais, o 
valor dignidade da pessoa humana. 
Infelizmente, todavia, nem sempre é fácil identificar quais os valores efetivamente 
concretizados por uma sociedade. Nem sempre esses valores verificados na realidade 
correspondem aos valores proclamados pela sociedade como almejados. As sociedades 
capitalistas, por exemplo, pregam buscar a concretização de vários valores mas, na 
prática, muitas vezes, apenas buscam concretizar um valor, de natureza econômica, 
chamado valor de troca. 
Supondo que se identifiquem os valores efetivamente buscadospor determinada 
sociedade, logo se detecta que existe um risco: as pessoas podem se comportar de um 
modo que não os realize. A fim de evitar comportamentos indesejáveis ou até de corrigi-
los, as sociedades desenvolvem mecanismos de controle social. 
Surgem instrumentos que permitem à sociedade padronizar, de antemão, os 
comportamentos desejáveis, geralmente por meio de regras (normas). Os instrumentos 
mais comuns são: religião, moral, costumes e direito. 
Chegamos, assim, ao direito. Consiste em um instrumento de controle social que se 
destaca dos demais, pois procura dirigir as condutas de forma a concretizarem 
determinados valores por meio de um conjunto de normas preciso e bem estruturado, 
tornando-se um mecanismo que gera maior segurança e certeza para as pessoas. 
Recorrendo às normas jurídicas, os membros de uma sociedade sabem exatamente 
qual o comportamento que devem adotar para a concretização dos valores sociais. 
Autor: prof.Adriano Ferreira (53 Posts) 
Prof. Dr. Adriano de Assis Ferreira Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito 
(USP) Doutor em Ciência Política (PUC-SP) Doutor em Literatura Brasileira (USP) 
Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie) Mestre em Teoria Literária (USP) 
Graduado em Direito (USP) Professor na Universidade São Judas Tadeu (SP) email: 
prof.adriano@gmail.com 
 
 
 
 
 
 
 
 
09. Normas físicas 
Se definimos a natureza como o conjunto de objetos que existem independetemente da 
ação humana, isso não significa que essas coisas sejam “imóveis” ou não se 
modifiquem ao longo dos tempos. 
Um olhar mais atento, ao contrário, revela que a natureza é uma soma de fenômenos e 
processos em constante transformação, que levam à criação (natural) de algumas 
coisas e ao desaparecimento (natural) de outras. Os climas, os relevos, a fauna e a flora 
transformam-se constantemente, mesmo sem a interferência dos seres humanos. 
Além disso, os objetos naturais relacionam-se entre si continuamente. Corpos se 
chocam, animais se enfrentam, raios incendeiam florestas… Diuturnamente a natureza 
dá provas de seu dinamismo. 
Os seres humanos, talvez impressionados pela grandeza natural do globo, talvez 
movidos pelo espírito curioso que lhe é peculiar, buscam, desde os mais remotos dias, 
compreender as relações e as transformações que se desenvolvem na natureza. 
Observando os objetos naturais, descobrimos que existem algumas constâncias em 
seus comportamentos. Percebemos, por exemplo, que dois corpos que possuem massa 
tendem a se atrair reciprocamente, movidos por uma aceleração contínua; ou ainda, que 
algumas substâncias, em determinadas condições, alteram seu estado físico, passando 
de sólido a líquido e de líquido a gasoso. 
Essas constâncias podem ser descritas como “normas” ou “regras” físicas (a palavra 
grega phýsis significava “natureza”; assim, a palavra “física” equivale a “natural”). Tais 
normas enunciam as relações entre objetos naturais, constatando que, dadas 
determinadas causas, haverá, necessariamente, uma consequência. 
Um exemplo é a chamada “Lei da Gravidade”, citada acima. Os homens, como dito, 
constataram que massa atrai massa. A Terra, dado seu tamanho, atrai todas as coisas 
com massa para seu núcleo, fazendo com que as coisas caiam. Trata-se, assim, de uma 
norma física ou natural: se soltarmos qualquer objeto com massa, ele cairá em direção 
ao centro da Terra. Há uma relação de causa e efeito: se um corpo ficar “solto” no ar, 
tende a cair na direção do centro de nosso planeta. 
Outro exemplo é a chamada “Lei de Darwin”, ou teoria da evolução das espécies. O 
renomado cientista, após observar o comportamento de inúmeros animais, formulou 
uma regra que, conforme sua visão, explica o movimento de extinção e de surgimento 
de espécies. 
Convém destacar que as normas físicas contêm consequências “dadas” pela própria 
natureza e não escolhidas pelo homem. Não é uma escolha do cientista dizer qual será 
o resultado de um fenômeno natural; a própria natureza já ligou ao fenômeno uma 
consequência necessária. 
Ninguém escolhe qual será o resultado de um aquecimento da água a cem graus 
Celsius, ou qual será o resultado do arremesso de uma bola para o alto. A água, 
necessariamente, irá evaporar; a bola, necessariamente, irá cair. 
Como a norma física é o resultado da observação de um cientista, nada impede que o 
observador venha a se enganar. Em outros termos, nada impede que seja criada uma 
norma que pretende explicar todos os fenômenos naturais do gênero, mas não 
consegue fazê-lo, pois está errada. 
Quando um cientista constata que os fenômenos observados não levam à consequência 
esperada pela norma, então pode ser o momento de se reelaborar dita norma. Se, por 
exemplo, as pessoas constatarem que as espécies não evoluem do modo proposto por 
Darwin, o erro não está na natureza, que simplesmente existe, mas no modelo 
normativo criado para explicá-la, que deve ser reavaliado. 
Costuma-se dizer que, quando a norma natural é contrariada pelos fatos, prevalecem os 
fatos, em detrimento da norma, que deve ser alterada 
 
 
 
 
 
 
 
 
10. Normas culturais 
O processo de transformação das sociedades humanas naturais em sociedades 
culturais envolve a busca pela concretização de alguns valores, colocados como 
objetivos dessa passagem. As sociedades culturais, assim, movimentam-se em 
determinadas direções, evoluindo (ou regredindo…) constantemente. 
As transformações pelas quais passam as sociedades culturais e as forças que operam 
essas transformações, ou as impedem, podem ser descritas mediante observações 
realizadas por cientistas. Dessas observações são criadas “regras” ou “normas” que 
tentam explicar a realidade social. 
Por outro lado, no interior das sociedades culturais nem sempre os comportamentos se 
manifestam de modo cooperativo, havendo ocasiões em que surgem os conflitos. Esses 
conflitos podem colocar em risco a própria continuidade do agrupamento humano, 
levando a sua dissolução. A fim de evitar esse risco, desenvolvem-se as “normas” ou 
“regras” de controle social. 
Diferentemente das normas físicas, essas normas são direta ou indiretamente criadas 
pelos seres humanos, podendo, assim, ser chamadas de normas culturais. Conforme 
dividido acima, podem ser de duas espécies: compreensivas (explicativas) ou éticas. 
As normas compreensivas ou explicativas assemelham-se às normas físicas, com 
uma ressalva importante: tentam explicar o funcionamento de fenômenos culturais, ou 
seja, cuja existência depende da ação humana, e não se referem a fenômenos naturais. 
Por tentarem explicar o funcionamento de fenômenos culturais, essas normas, enquanto 
mecanismos operacionais desses objetos, são, por sua vez, também criadas pelos seres 
humanos, embora indiretamente. 
Vejamos alguns exemplos dessas normas culturais: 
1. As normas sociológicas derivam da observação dos fatos sociais, realizada pelos 
sociólogos. Tais cientistas buscam formular regras que expliquem os comportamentos 
sociais, indicando as razões pelas quais as pessoas permanecem vivendo em 
sociedade, mesmo quando esta não seja capaz de satisfazer suas necessidades 
básicas. Com a descoberta das normas sociológicas, espera-se compreender e explicar 
o funcionamento das sociedades; 
2. As normas históricas, por sua vez, derivam da observação dos acontecimentos 
históricos, realizada pelos historiadores, que buscam encontrar regras que expliquem as 
transformações ocorridas e, quem sabe, antecipem as transformações futuras; 
3. As normas econômicas, por fim, derivam da observação dos fatos econômicos, 
realizada pelos economistas, cujo objetivo é encontrar regras que expliquem o 
funcionamento global da economia. Uma regra econômica muito famosa é a “lei da 
oferta e da procura”, que explica a variação de preços em economias liberais. 
É preciso destacarque, tal qual ocorre com as normas físicas, podemos considerar que 
as normas culturais compreensivas também “submetem-se” aos fatos. Em outras 
palavras, quando um cientista percebe que criou uma norma para explicar um fenômeno 
cultural e que as consequências previstas pelo cientista na norma não se verificam em 
concreto, então surge a necessidade de se refazer dita norma. 
Os cientistas sociais, historiadores e economistas, para ficarmos em nossos exemplos, 
explicam seus respectivos objetos culturais de estudo por meio de normas cujo 
conteúdo precisa, efetivamente, corresponder aos fatos sociais, históricos e 
econômicos. Em havendo divergências, a norma cultural compreensiva é descartada ou 
modificada. 
Outro gênero de normas culturais é o gênero das normas éticas. Diferentemente das 
compreensivas, seu objetivo não é explicar a realidade cultural, mas determiná-la ou 
comandá-la. 
Essas normas correspondem aos mecanismos de controle social criados pelas pessoas 
para neutralizarem os conflitos, permitindo à sociedade sua permanência e reprodução. 
Sua estrutura interna revela um comando dirigido aos agentes sociais buscando 
determinar seus comportamentos obrigatórios, permitidos ou proibidos, estabelecendo o 
que deve ou pode ser feito por cada um para se concretizarem os valores buscados 
coletivamente. 
Assim, são exemplos de normas éticas as normas jurídicas, morais, religiosas e de trato 
social. Todas estabelecem os limites socialmente toleráveis do comportamento humano. 
Referências bibliográficas: 
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lição III. 
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, capítulos III a V 
 
 
 
 
 
 
 
11. Normas éticas: caracteres gerais 
As normas éticas são espécies de normas culturais. Sua finalidade não é compreender 
ou explicar os fenômenos culturais, mas determiná-los ou controlá-los no sentido de 
permitirem a concretização de valores. 
Considerando que as normas éticas surgem em sociedades culturais, seu objetivo é 
especificar os comportamentos humanos permitidos, proibidos e obrigatórios, limitando 
as possibilidades de transformação ou de existência dos fatos àquelas que permitam a 
concretização dos valores sociais. 
Alguns comportamentos humanos podem resultar em situações indesejáveis 
socialmente, sendo, então, proibidos pelas normas éticas; outros comportamentos, 
porém, podem ser indispensáveis para a concretização dos valores sociais, tornando-se, 
assim, obrigatórios. 
Embora existam normas éticas de diversas espécies, como as normas jurídicas, 
religiosas, morais e de trato social, podemos considerar que ambas apresentam 
caracteres comuns, quais sejam: imperatividade, violabilidade e contrafaticidade. 
1. Imperatividade: toda norma ética indica uma direção considerada “normal” que deve 
ser seguida pela sociedade possibilitando a concretização dos valores. Por haver 
limitação nas possibilidades de ação dos seres humanos, consideramos que as normas 
éticas sejam imperativas, pois derivam de uma relação de autoridade. 
Também podemos definir a imperatividade em oposição à causalidade das normas 
físicas. Estas indicam uma consequência necessária a uma condição, representada pela 
fórmula se A é, B é (ou seja, se ocorre um fenômeno, sua consequência 
necessariamente ocorrerá também). As normas éticas, por sua vez, indicam uma 
consequência esperada, mas apenas possível, para uma condição, sendo representada 
pela fórmula se A é, B DEVE SER. 
Comumente se identifica o mundo das normas éticas como o mundo do DEVER SER, 
em oposição ao mundo natural, que é o mundo do SER. No campo ético, a indicação de 
um comportamento desejável não é uma garantia de que ele se verificará na prática. 
Podemos exemplificar imaginando uma situação na qual algumas pessoas busquem 
concretizar um determinado valor, como a educação. Podemos supor que essas 
pessoas estejam reunidas em uma sala de aula na qual o professor ministre sua 
disciplina. Ora, dada a condição acima (pessoas reunidas em sala de aula buscando a 
educação), podemos estabelecer uma consequência ética: “deve ser respeitado o 
silêncio”, ou, simplesmente, “é proibido conversar”. 
A norma é imperativa, pois deriva de uma autoridade que limita as possibilidades de 
comportamento dos presentes na sala de aula. Também é imperativa porque indica 
limites que DEVEM SER respeitados, não havendo qualquer garantia de que SERÃO 
respeitados. 
2. Violabilidade: justamente esse caráter imperativo da norma ética revela outro caráter 
específico, que é a possibilidade de o comando não ser respeitado, sendo, assim, 
violado. Toda norma ética considera sempre presente essa possibilidade de não ser 
cumprida, pois é dirigida a seres humanos, que podem escolher um comportamento 
diferente daquele estipulado. 
Tendo-se em vista essa possibilidade constante da violação, as normas éticas 
costumam existir aos pares: uma norma ética limita o comportamento e outra norma 
ética estipula uma consequência que estimula o comportamento limitado e/ou coíbe o 
comportamento “anormal”. Esta segunda norma ética chama-se sanção. 
Voltando ao exemplo acima, um professor, tendo-se em vista o objetivo de concretizar o 
valor educação, pode criar uma norma dizendo que o silêncio deve ser respeitado 
(“proibido conversar”) e, sabendo que existe a possibilidade de os alunos não 
respeitarem sua determinação, pode criar uma segunda norma, dizendo que o aluno 
conversador deve ser punido com uma advertência. 
3. Contrafaticidade: toda norma ética pode enfrentar uma oposição dos fatos, ou ser 
desmentida pela realidade. A norma ética criada em nosso exemplo, dizendo que o 
silêncio deve ser respeitado na sala de aula, pode ser desmentida pela verificação fática 
de que os alunos conversam. Uma norma ética jurídica pode não corresponder ao 
comportamento da maioria da população, que a descumpre impunemente. 
Nesses casos, porém, não podemos dizer que a norma ética tenha deixado de existir ou 
não sirva para mais nada. As normas éticas não existem para se adequarem aos fatos, 
mas, ao contrário, para adequar os fatos a elas. Caso haja uma oposição entre a 
realidade e uma norma ética que consagra um valor atual, devemos modificar a 
realidade, não a norma. A isso chamamos contrafaticidade. Trata-se de uma 
característica contrária à apresentada pelas normas físicas e pelas normas culturais 
compreensivas. 
Conforme especificado, os caracteres acima são peculiares às normas éticas e, 
inclusive, as diferenciam de outros tipos de normas. 
Referências bibliográficas: 
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lição III 
 
 
 
 
12. Normas éticas: tridimensionalidade 
Quando nos referimos a normas éticas, devemos sempre ter em mente que 
correspondem a apenas uma das pontas de um fenômeno tridimensional que também 
envolve fatos e valores. 
Os fatos sociais são aqueles acontecimentos que, por derivarem de ações humanas 
culturais, concretizam determinados objetivos, aos quais denominamos valores. Os 
valores são justamente os objetivos perseguidos pelos seres humanos em seus atos 
culturais. 
As normas éticas partem da constatação de que nem sempre os fatos sociais realizam 
os valores mais desejáveis para a sociedade. Para evitar que valores indesejáveis se 
concretizem, elas limitam as possibilidades de escolha das pessoas envolvidas nos 
fatos, direcionando-as a objetivos socialmente aceitos, por meio de permissões, 
proibições e obrigações. 
Os três elementos, fato, valor e norma, sempre se fazem presentes em situações 
envolvendo a conduta ética humana. Também não podemos esquecer que ambos se 
somam para explicar o fenômeno normativo. 
Podemos ilustrar com um exemplo. Imaginemos uma situação concreta na qual uma 
pessoa trabalhe muito e receba um saláriopequeno. Podemos avaliar essa situação a 
partir de um valor, a proporção ou o “equilíbrio entre as prestações”: como houve um 
desequilíbrio na troca entre o trabalhador e seu empregador, diremos que a situação, 
sob tal ponto de vista, é injusta e indesejável. O desejável seria que, se a pessoa 
trabalha muito, seu salário fosse elevado. 
Estudiosos podem constatar que a situação descrita se repita com frequência em nossa 
sociedade, descrevendo o fenômeno por meio de normas culturais compreensivas 
sociológicas ou econômicas. Inspirados por tais descrições, os legisladores podem 
reputar necessário dirigir a sociedade para o rumo correto, realizando o valor “equilíbrio 
entre as prestações”. Esse direcionamento dar-se-á mediante a criação de uma norma 
ética afirmando que o salário deve ser equivalente à quantidade de trabalho e 
estabelecendo uma punição para aqueles que a descumprirem. 
Nosso exemplo é fictício. Será que poderia ocorrer na prática? Será que, numa 
sociedade capitalista, o valor do salário de todos os trabalhadores poderia ser 
equivalente à quantidade de trabalho? Economicamente, isso seria impossível. Sem o 
desequilíbrio entre o valor do salário e o tempo de trabalho, não há produção de lucro. 
Sem a produção de lucro, o capitalismo não prospera. 
Porém, a norma ética pode refletir um grau de desequilíbrio que seja o menor possível 
dentro da sociedade. A diferença entre o valor do salário e a quantidade de trabalho 
pode ser apenas aquela que permita sobrevivência lucrativa das empresas. Então, o 
valor se concretiza nos limites das possibilidades sociais. 
A norma ética, assim, corresponde a um equilíbrio socialmente possível entre o valor 
desejável e as condições fáticas da realidade. Não faz sentido pensarmos nela sem 
pensarmos nos fatos e nos valores a que se referem. 
Esse equilíbrio é sempre momentâneo. A evolução social modifica os fatos e os valores 
ininterruptamente. Tais mudanças exigem que as normas éticas sejam também 
alteradas, a fim de se atualizarem. Nem sempre, entretanto, esse ritmo de atualização 
normativa acompanha o ritmo das transformações sociais, deixando muitas normas 
éticas defasadas 
 
 
 
 
 
 
 
13. Sanção 
As normas éticas são imperativas e suscetíveis de serem descumpridas. Elas referem-
se a comportamentos que DEVEM SER respeitados, contendo em sua essência a 
possibilidade do descumprimento, pois dirigem-se a seres humanos, dotados da 
liberdade de escolher sua conduta. 
O ideal seria que todos os membros de uma sociedade compreendessem a importância 
de buscarem a concretização dos valores consagrados pelas normas éticas em seus 
relacionamentos, manifestando ações de respeito mútuo e solidariedade, aperfeiçoando 
cada vez mais a vida comum. Todavia, esse ideal não se materializa. Nem sempre as 
pessoas se comportam dentro dos limites estabelecidos pelas normas éticas. 
Para tentar minimizar o índice de descumprimento das normas éticas que limitam os 
comportamentos sociais, surgem outras normas (também éticas) chamadas “sanções”. 
A sanção, assim, é uma consequência atribuída à observância ou não de um 
comportamento previsto em uma norma ética anterior, que pode estimulá-lo ou reprimi-
lo. 
Numa sociedade hipotética, pode-se considerar proibido o comportamento de olhar os 
mais velhos diretamente nos olhos. Como nem todos podem vir a cumprir tal norma 
ética, cria-se (espontânea ou conscientemente) uma consequência negativa para 
aqueles que olharem nos olhos dos mais idosos: uma admoestação. Assim, se uma 
pessoa olhar nos olhos de outra mais idosa, DEVE SER aplicada a sanção, qual seja, 
uma bronca. 
Na mesma sociedade, o Estado pode considerar inadmissível a conduta de um ser 
humano matar outro. Cria-se uma norma ética jurídica proibindo o homicídio (a vida 
deve ser respeitada). Para garantir que essa norma seja respeitada, o Estado cria outra 
norma ética jurídica, a sanção, determinando que se alguém matar outra pessoa, DEVE 
SER preso. 
É importante fazer um apontamento: enquanto a norma ética que descreve os 
comportamentos sociais permitidos, proibidos ou obrigatórios se dirige para todos os 
membros da sociedade, a norma ética que descreve a sanção se dirige apenas àqueles 
que têm, na sociedade, a competência para tornar concreta a consequência. São essas 
pessoas que devem aplicá-la. 
Nos nossos exemplos, a primeira sanção se dirige à própria pessoa que foi olhada nos 
olhos, que deve dar uma bronca no ofensor; a segunda, por sua vez, dirige-se aos 
funcionários do Estado que têm a competência para punir uma pessoa que tenha 
matado outra, que devem prender o homicida. Nos dois casos, ressalte-se, qualquer 
pessoa pode ser punida, mas somente algumas pessoas terão a competência de aplicar 
a sanção. 
Outro apontamento necessário diz respeito ao fato de a sanção também ser, sob todos 
os aspectos, uma norma ética. É imperativa, violável e contrafática. Isso significa que 
nada ou ninguém pode garantir que a pessoa que DEVE aplicar a sanção realmente o 
faça. O senhor que foi olhado nos olhos pode não dar uma bronca no ofensor; o 
funcionário do Estado que deve prender o homicida pode não o fazer. Estamos, 
novamente, no reino da liberdade. 
Muitas vezes, porém, a sanção se dirige a pessoas específicas e determinadas, que 
possuem algumas características que diminuem as possibilidades de não serem 
aplicadas. Assim, as sanções jurídicas dirigem-se a funcionários públicos que, caso não 
as apliquem às pessoas condenadas, correm sério risco de serem, eles próprios, vítimas 
de outras sanções e punidos. 
É interessante notar que as sanções não são apenas consequências ruins dirigidas 
àqueles que violam as normas éticas. Podem ser também boas consequências, 
aplicadas àqueles que se comportam conforme os padrões normais. 
As sanções “ruins” são chamadas de negativas. São punições que devem ser impostas 
àqueles que descumprirem outras normas éticas. Já as sanções “boas” são chamadas 
de positivas ou premiais e consistem em consequências benéficas atribuídas àqueles 
que cumprem outras normas éticas, tendo o objetivo de estimular esse comportamento. 
Há inúmeros exemplos de sanções negativas, como a prisão, a multa e a perda de 
cargos. As sanções positivas podem consistir em descontos oferecidos a contribuintes 
que pagam seus tributos dentro de prazos determinados, em isenções tributárias a 
empresas que se instalam em determinadas regiões ou na concessão de honrarias a 
pessoas que fazem determinadas coisas. 
Um aspecto interessante na análise da sanção é verificar como ela é aplicada. 
Dissemos que a sanção é uma norma ética dirigida a determinadas pessoas dentro das 
sociedades, que têm a competência para aplicá-las. Quem são essas pessoas? Há 
limites quanto ao grau da consequência? 
Conforme a sociedade humana, há, sim, diferentes modos de se aplicarem as sanções e 
diferentes pessoas com a competência de fazê-lo. 
Em determinadas sociedades, predomina o sistema da vingança social: quando uma 
pessoa descumpre uma norma ética de uma comunidade, deve ser aplicada, por toda 
essa comunidade, a sanção. Haverá, assim, uma punição coletiva contra o ofensor. 
Noutros locais, surge a vingança privada: apenas a pessoa ofendida, ou sua família, 
podem aplicar a sanção contra o ofensor. A punição, nesse caso, torna-se 
personalizada, não sendo levada a cabo por todos os membros da coletividade. 
A vingança privada passa a ser controlada por regras que delimitam o grau de sua 
abrangência. Em certos casos, o ofensor será submetido, pelo ofendido, à vontade dos 
deuses (ordálios); noutros, a vingança seguirá as regras dos duelos; ou ainda, a 
vingança será controlada pela regra do Talião, determinando que a sanção seja 
proporcional ao dano sofrido (“olho por olho, dente por dente”). 
Nas sociedades contemporâneas é frequente a tentativa de monopólioestatal da 
sanção. Muitas regras estabelecem os critérios para sua aplicação, que se torna 
exclusividade dos funcionários do Estado, sobretudo nos casos das normas éticas 
jurídicas. 
Em resumo, podemos dizer que a sanção consiste em uma norma ética que garante o 
comportamento previsto em outra norma ética. Ela se dirige a determinadas pessoas, 
que devem aplicá-la. No caso do direito, o Estado monopoliza essa aplicação. 
Referências bibliográficas: 
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lição VI 
 
 
 
 
 
 
 
 
14. Normas éticas – análise comunicativa 
As normas éticas são marcadas pela imperatividade, pela violabilidade e pela 
contrafaticidade. Os dois primeiros caracteres indicam que existe apenas uma 
possibilidade de o comando ser cumprido. Pensando nisso, surge uma dúvida: sempre 
que houver uma indicação de um comportamento que DEVE SER respeitado, feita por 
qualquer pessoa, haverá uma norma ética? Em outras palavras, quando um comando 
possui alguma possibilidade de ser obedecido, transformando-se em uma norma ética? 
O tema pode ser abordado sob o ponto de vista da teoria da comunicação. Toda 
comunicação pode ser reduzida a um processo genérico, no qual existe um Emissor que 
cria e transmite uma Mensagem para um Receptor, que a interpreta (E -> M -> R). 
Haverá comunicação sempre que houver a recepção da mensagem transmitida. 
Toda norma ética é uma mensagem; nem toda mensagem, como é óbvio, é uma norma. 
Nossa questão é descobrir, com base na teoria da comunicação, quando uma 
mensagem pode ser considerada uma norma. 
Toda norma ética limita as possibilidades de um fato, estabelecendo o que é permitido, o 
que é proibido e o que é obrigatório. Seu comando se manifesta pela expressão DEVER 
SER, que caracteriza toda norma: o comportamento permitido DEVE SER garantido; o 
comportamento proibido DEVE SER evitado; o comportamento obrigatório DEVE SER 
realizado. 
Podemos concluir, por ora, que somente poderá ser uma norma aquela mensagem que 
se expressar, direta ou indiretamente, por um DEVER SER. Mas, será que toda 
mensagem que indique limitações ao fato que DEVEM SER respeitadas é uma norma? 
Imaginemos duas situações muito parecidas: na primeira, um professor afirma que é 
proibido conversar em sala de aula; na segunda, um aluno franzino, na ausência do 
professor, afirma que é proibido conversar na sala. Em ambos os casos há uma norma 
ética? 
Não obstante a mensagem, nos dois casos, ser a mesma, com facilidade visualizamos a 
norma ética no primeiro, mas, dificilmente, no segundo. O que faltaria ao segundo caso? 
Simples: o emissor da mensagem não possui autoridade para criar uma norma. 
Um professor é uma autoridade em sala de aula, podendo, em virtude da relação 
contratual entre alunos e Universidade, criar regras disciplinares. Caso um aluno 
descumpra uma regra disciplinar criada por um professor, será punido pela 
Universidade, com respaldo do Estado brasileiro. 
Por outro lado, o aluno franzino que pediu silêncio não possui autoridade previamente 
reconhecida pelos colegas para criar mensagens normativas. Por mais que sua 
mensagem pareça uma norma, não será. 
Podemos concluir, assim, que o caráter normativo de uma mensagem não venha 
apenas do seu conteúdo (DEVER SER), mas, principalmente, da existência de 
autoridade entre seu emissor e seu receptor. Uma mensagem, para ser norma, deve ser 
criada por um emissor que possua algum nível de autoridade (física, moral, 
intelectual…) reconhecido pelo receptor. 
Voltando ao segundo caso, quando o aluno franzino afirmou ser proibido conversar na 
sala, não criou uma norma, pois não houve o reconhecimento de qualquer autoridade 
exercida por ele sobre os colegas, receptores da mensagem. Porém, caso o aluno fosse 
uma pessoa, por qualquer motivo, respeitada pelos demais, então, sua mensagem 
poderia vir a se tornar uma norma ética, pois existiria autoridade na relação. O que 
mudaria, portanto, não seria a mensagem em si, a mesma, mas a relação entre os 
comunicadores, imbuída ou não de autoridade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15. Normas éticas: características distintivas 
Todas as normas éticas (etiquetas sociais, jurídicas, morais e religiosas) possuem as já 
citadas características comuns da imperatividade, violabilidade e contrafaticidade. 
Representam, além disso, um ponto de equilíbrio entre fatos e valores, limitando os fatos 
para se atingir o máximo possível de um valor. 
Existem, todavia, outras características que se fazem presentes em algumas das 
normas éticas e podem, inclusive, servir como critério para diferenciá-las. São elas: 
1. Heteronomia: algumas normas éticas são heterônomas, ou seja, são elaboradas por 
outras pessoas que não os próprios destinatários, os quais devem obedecê-las 
independetemente de aceitá-las ou não internamente. Outras normas éticas são 
autônomas, no sentido de que somente podem ser verdadeiramente obedecidas se 
houver a convicção interna de quem se comporta ou são diretamente criadas por tal 
pessoa. 
Uma norma jurídica, assim, é heterônoma se preencher dois requisitos: a) ser criada por 
outra pessoa que não seu destinatário; b) ter imperatividade mesmo que o destinatário 
não deseje aceitá-la. 
Podemos citar um exemplo: não importa se a pessoa que paga um tributo criado pelo 
Estado concorda com ele, acatando interiormente a norma; apenas interessa ao direito 
que a pessoa manifeste externamente o comportamento de pagar. 
2. Coercibilidade: algumas normas éticas são coercíveis, ou seja, podem invocar a 
força física para impor as limitações que trazem aos fatos. Outras, não. 
Hoje, uma norma religiosa não pode resultar na prisão de um fiel que a descumpra, nem 
prever um castigo físico para puni-lo. Não há, assim, coercibilidade na religião em nosso 
país. 
Devemos, ainda, distinguir “coerção” de “coação”. Dissemos que algumas normas éticas 
são coercívies, palavra derivada de coerção, assim como coercibilidade. 
Simplificadamente, podemos definir coerção como “ameaça”. Algumas normas éticas 
buscam concretizar seu dever ser por meio da ameaça da aplicação da sanção 
negativa. 
Já a palavra “coação” (cujos derivados e sinônimos são coatividade, coativo e coercitivo) 
significa o uso concreto da força, a materialização da ameaça. Quando a norma ética 
recorre à sanção e impõe uma pena a seu destinatário, constatamos que houve a 
coação. Assim, a norma é coerciva enquanto ameaça e se torna coativa quando 
concretiza a ameaça. 
3. Bilateralidade: toda norma ética é socialmente bilateral, pois refere-se a uma relação 
que envolve mais de um indivíduo; nem toda é, contudo, axiologicamente bilateral, pois 
nem sempre há uma proporção valorativa estabelecida entre as pessoas relacionadas 
de modo a buscar o bem comum. 
Uma norma ética somente será axiologicamente bilateral se determinar os limites das 
condutas dos envolvidos em um fato sem ignorar a existência de ambos e a 
necessidade de se atingir um valor externo a eles, que não pode ser reduzido a qualquer 
um, qual seja, o bem comum. 
Se a norma ética busca, em última instância, atingir o bem individual de uma das partes 
da relação, acima da busca do bem comum, então ela pode ser classificada como 
axiologicamente unilateral. 
As normas religiosas não são axiologicamente bilaterais, pois consideram apenas os 
indivíduos em sua relação com Deus, estabelecendo valores que realizam o sagrado no 
indivíduo, sem considerá-lo independentemente disso. Já as normas jurídicas, por outro 
lado, sempre olham os dois envolvidos em uma relação, distribuindo direitos e deveres 
conforme os valores que devem ser realizados, levando a relação ao bem comum, não 
se identificando com qualquer deles. 
4. Atributividade: há normas éticas que atribuem a uma pessoa o poder de exigir de 
outra comportamentos em determinada relação.Esse poder é garantido por alguma 
espécie de entidade social, que atuará para protegê-lo. 
Podemos dizer que tais normas éticas conferem uma exigibilidade garantida a certas 
pessoas envolvidas em fatos por elas regulados. Uma norma de etiqueta social, por 
exemplo, não possui atributividade, pois não confere poderes de exigibilidade garantida 
para as pessoas. 
Em resumo, podemos distinguir as normas éticas conforme as características acima: 
a. normas jurídicas: são heterônomas, coercivas, axiologicamente bilaterais e atributivas 
(possuem todas as características); 
b. normas de moral social (etiqueta): são heterônomas e axiologicamente bilaterais. 
c. normas de moral individual e religiosas: não possuem tais características 
 
 
 
 
 
 
 
16. Relações entre o Direito e a Moral 
Há relações necessárias entre o Direito e as normas morais de uma sociedade? Será 
que as normas jurídicas precisam ser consideradas boas pela população? Ou inexiste 
qualquer ponto de contato entre o direito e a moral? 
Uma primeira resposta a tais indagações é trazida pela Teoria do Mínimo Ético, 
delineada pelo jurista Georg Jellinek (1851-1911). Tal teoria afirma que todas as normas 
jurídicas são normas morais. Especificamente, considera-se que as normas morais mais 
importantes da sociedade são transformadas, pelo Estado, em normas jurídicas. 
Nesse sentido, a sociedade sempre considera corretas as normas jurídicas, não 
podendo existir tais normas que sejam vistas como imorais. Há normas morais que não 
se convertem em normas jurídicas, pois não são consideradas as mais importantes da 
sociedade. 
Por exemplo, a proibição ao homicídio é uma norma moral que a sociedade, por meio do 
Estado, dada sua importância, transformou em jurídica. Por outro lado, existem regras 
de etiqueta social como, por exemplo, um cavalheiro abrir a porta para uma dama, que 
não são transformadas em jurídicas pelo Estado. 
Mas nem todos concordam com a teoria do Mínimo Ético. Muitos afirmam que existem 
normas jurídicas imorais (contrárias à moral) e normas jurídica amorais (indiferentes à 
moral). A norma que define o valor do salário mínimo, por exemplo, é, inegavelmente, 
jurídica. Muitos, todavia, argumentam que seja imoral, tendo-se em vista o baixo valor 
especificado. 
Há normas, ainda, amorais. São normas de caráter meramente técnico, cujo conteúdo 
não pode ser avaliado nem de modo positivo nem de modo negativo pela moral. Por 
exemplo, a norma jurídica que especifica que os carros devem parar na luz vermelha do 
semáforo. Por que a cor vermelha para parar? Por que não outra? Essa escolha não 
envolve questões morais, mas uma mera convenção técnica. 
Uma última objeção ainda pode ser levantada: será que existe uma única moral na 
sociedade? Ou será que a sociedade possui várias morais que convivem 
simultaneamente? Se esta segunda pergunta puder ser respondida afirmativamente, 
então não podemos dizer que o direito sempre seja visto como moral por todos os 
membros da sociedade, pois existem várias morais sociais. 
Outra teoria busca explicar essas relações, mas de um modo diametralmente oposto: a 
Teoria da Separação entre o Direito e a Moral. 
Thomasius (1655-1728) afirma que não há ponto de contato entre as esferas analisadas. 
A Moral é um conjunto de regras que regula a esfera íntima dos seres humanos, sendo 
aplicável apenas no nível da consciência. O Direito, por sua vez, é um conjunto de 
regras que apenas regula a esfera externa dos comportamentos humanos, ou seja, a 
manifestação e a concretização desses comportamentos. 
A teoria de Thomasius não explica satisfatoriamente, contudo, as regras da chamada 
moral social (costumes, etiqueta etc.), que se referem a comportamentos externos, sem 
grandes preocupações com a esfera íntima. Também não explica os casos em que o 
direito se preocupa com a esfera íntima das pessoas, como no caso da verificação de 
dolo ou culpa na prática de um crime (é necessário saber se o autor teve ou não a 
intenção de praticá-lo). Assim, não parece ser um critério adequado para justificar a 
separação entre os campos. 
Ainda afirmando a separação entre Direito e Moral, podemos apontar o jurista Hans 
Kelsen (1881-1973). Sua visão, contudo, difere da de Thomasius. 
Para Kelsen, não há qualquer diferença essencial entre as esferas. As regras morais 
são em tudo idênticas às normas jurídicas, salvo por um aspecto, por assim dizer, 
externo: as normas jurídicas são as normas morais com maior condição de se impor 
socialmente de modo eficaz. A diferença estaria no grau da força coercível por detrás da 
norma: o emissor da norma jurídica é mais “forte”, no sentido de poder concretizar 
socialmente sua ameaça, do que o emissor de uma norma moral. 
Além disso, ele adota o princípio da relatividade da moral, admitindo que toda sociedade 
possui mais de um conjunto de regras morais, que podem julgar o direito de modos 
diversos. Um grupo social, que adota sua moral própria, pode considerar uma regra 
jurídica justa; outro grupo, da mesma sociedade, mas adotando outra moral, pode 
reputar tal regra jurídica injusta. 
O fato de os grupos sociais poderem julgar o direito, todavia, não interfere no seu 
funcionamento. Em outras palavras, as normas jurídicas são criadas pelo próprio direito 
e somente deixam de existir se revogadas por ele. Enquanto existem, 
independentemente da opinião dos destinatários, podem impor seu comportamento. No 
momento em que uma nova norma jurídica é criada, basta que ela siga os 
procedimentos do próprio direito, sem precisar referir-se às outras normas morais, para 
passar a existir. 
A visão de Kelsen afasta do direito a pretensão de estar preso, necessariamente, a um 
conteúdo superior ou distinto dele. Revela, com enorme precisão, que o direito moderno 
pode servir a diversas moralidades ao mesmo tempo, sem, contudo, ser reduzido a 
qualquer delas. Enquanto a força que impõe o direito (no caso, o Estado) for 
socialmente mais eficaz do que outras, suas regras deverão ser cumpridas 
independentemente das avaliações morais que possam receber. 
Alguns autores, porém, perplexos ante a revelação kelseniana, refutam a possibilidade 
de relativismo moral e de o Direito não possuir qualquer ponto de contato com a Moral. 
Adotando a Teoria dos “círculos secantes”, elaborada por Claude du Pasquier, 
afirmam simplesmente que o conjunto das normas morais é parcialmente coincidente 
com o conjunto das normas jurídicas. 
Assim, para tais autores, haveria regras morais não jurídicas e regras jurídicas amorais 
e imorais. Além disso, ambos os conjuntos possuiriam regras comuns, que são ao 
mesmo tempo morais e jurídicas. O exemplo outrora citado da proibição ao homicídio 
pode ser resgatado, estando, simultaneamente, em ambos os conjuntos. 
Podemos filiar Miguel Reale à teoria dos círculos secantes. Para ele, embora possam 
existir normas jurídicas fora do universo da moral, seria desejável que o maior número 
possível delas estivesse de acordo com a moral. 
Três teorias, em síntese, tentam explicar as relações entre as normas jurídicas e as 
normas morais. A Teoria do Mínimo Ético defende que as normas morais mais 
importantes são transformadas em normas jurídicas. A Teoria da Separação do Direito e 
da Moral afirma que não há ponto de relação necessário entre ambos os campos. 
Thomasius afirma que o objeto das normas morais é um (esfera íntima) e das normas 
jurídicas é outro (comportamento externo); Kelsen, por sua vez, afirma que existem 
diversos grupos de normas morais e o direito não se prende necessariamente a 
qualquer deles, sendo um campo próprio e autônomo. Por fim, a Teoria dos “círculos 
secantes” estabelece que há um núcleo comum entre a Moral e o Direito, composto por 
normas simultaneamente morais e jurídicas. 
Referências: 
Betioli, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva,2011. 
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. Coimbra: Armênio Amado, 1984, pp. 
48-55 e 93-107. (itens I.5 e II) 
 
 
 
 
 
 
 
 
17. Direito: etimologia 
O fenômeno jurídico, ao longo da história, vem sendo designado por duas palavras 
derivadas de radicais distintos: Direito e Jurídico. Podemos apresentar uma breve 
etimologia dessas palavras (ou seja, buscar as palavras originárias que se 
transformaram nelas). 
A palavra direito não foi utilizada pelos romanos para designar o fenômeno que hoje 
recebe seu nome. Apenas no final da Idade Média os estudiosos passam a utilizá-la. 
Seu radical latino é rectum e directum, que significam, basicamente, “reto” e “em linha 
reta”. Podemos dizer que uma coisa está directum se estiver conforme uma regra 
(“reta”). 
Se pensarmos nas principais línguas ocidentais, todas possuem um termo derivado 
dessas palavras latinas: em alemão, Rechts e, em inglês, right, derivadas de rectum; em 
português, direito, em espanhol, derecho, em italiano, diritto e, em francês, droit, 
derivadas de directum. 
A palavra Jurídico, por sua vez, deriva daquela palavra usada pelos romanos para 
designar o fenômeno do direito: jus. Uma série de palavras hoje utilizadas também 
derivam desse mesmo radical: jurisconsulto, judicial, judiciário, jurisprudência… 
Conforme dito, jus significava, em latim, direito. Há, contudo, controvérsias quanto a sua 
origem remota. Alguns autores derivam-na de jussum, particípio passado de jubere, que 
significa “mandar”, “ordenar” (significando, assim, mandado, ordenado). A palavra jus, 
nessa visão, reforçaria o aspecto da garantia atribuída pelo direito aos envolvidos numa 
relação, destacando sua força ordenatória. 
Outros autores, porém, defendem que a palavra derivaria de justum, que significa 
“justo”, “em conformidade com a justiça”. Nesse caso, o aspecto valorativo do direito é 
reforçado, considerando-se o fenômeno como um caminho para a realização do bem 
comum. 
É interessante notar que a incerteza quanto à origem etimológica de jus revela a tensão 
própria da palavra em seu sentido contemporâneo: nosso direito é, ao mesmo tempo, 
uma força que ordena (“manda”) e busca realizar a justiça (o bem comum). 
Referência: 
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: RT. (cap. 1 – O 
conceito de direito 
 
 
 
 
18. Direito: simbologia 
Comumente se representa o direito ou o Poder Judiciário por meio de uma balança, 
colocando-se ambos os pratos em um mesmo nível, indicando que há um equilíbrio ou 
uma igualdade de pesos. 
Podemos nos perguntar: o que estaria em cada prato? O que deve estar em uma 
situação de equilíbrio? 
Não seria equivocado supor que em cada lado da balança possa estar uma das partes 
envolvidas em uma relação social. A norma jurídica distribui, a partir dos valores que 
levam ao bem comum, uma medida de poderes e deveres às pessoas. Se elas se 
comportam conforme essa medida, a balança permanece em equilíbrio. Se uma das 
partes faz o que não pode (o que é proibido) ou deixa de fazer o que deve (o que é 
obrigatório), então haverá um desequilíbrio na balança, subindo-se um prato e 
descendo-se o outro. 
Por exemplo, suponhamos que uma pessoa seja proprietária de um relógio de ouro. 
Enquanto proprietária, ela possui o direito de que outras pessoas não danifiquem seu 
objeto, ou seja, todas as outras pessoas, que não são proprietárias do relógio, estão 
proibidas de fazerem algo que o danifique. 
Se uma pessoa, movida por desígnios misteriosos, resolve derreter a pulseira de ouro 
do dito relógio, terá violado a norma proibitiva e causado um dano ao proprietário. A 
balança ficará desequilibrada. 
Caberá ao juiz encontrar uma medida judicial que possa reequilibrar a balança. No caso 
exemplar, ele poderá condenar a pessoa que derreteu a pulseira de ouro a pagar um 
valor indenizatório, reparando os prejuízos materiais. Se o relógio, além disso, tivesse 
algum valor sentimental, o juiz também precisaria condená-la a reparar esse dano moral. 
Assim, em cada prato da balança está uma das pessoas envolvidas em uma relação 
social. Quando ocorre um comportamento que desrespeita uma norma jurídica, há um 
desequilíbrio. Cabe ao direito, por meio dos juízes, encontrar uma medida que 
reequilibre a relação. 
Devemos destacar que a medida deve ser precisa, no sentido de que não pode haver 
um excesso nem uma falta. Se o juiz encontra uma medida que não repara todo o dano 
causado por uma pessoa a outra, essa medida será insuficiente para o equilíbrio; se a 
medida, por outro lado, for exagerada, então haverá outro desequilíbrio, dessa vez 
causado pelo juiz. 
Desde a Antiguidade o símbolo da balança aparece nas mãos de uma deusa. No caso 
dos gregos, a deusa é Diké, filha de Zeus e Themis. Originariamente, ela possui os 
olhos abertos, carrega a balança na mão esquerda e uma espada na mão direito. 
Quando os pratos atingem o equilíbrio (íson), a deusa encontrou a medida a ser tomada 
e profere o direito (díkaion). 
Os romanos criaram sua representação original para a deusa Iustitia, depois modificada 
ao longo da história. Essa deusa, ao contrário da grega, possui os olhos vendados e 
segura a balança com as duas mãos, sem ter uma espada. Há um fiel na balança que 
atinge a posição reta quando a deusa encontra a medida a ser adotada (de + rectum), 
levando a deusa a manifestar-se, declarando o direito (jus). 
Comparando-se as deusas, notamos que os olhos abertos de Diké revelam uma 
preocupação com a busca especulativa e abstrata da justiça (os olhos simbolizam o 
pensamento). Ao mesmo tempo, a existência da espada revela a importância dada pelos 
gregos ao uso da força para concretização do direito. 
Já a deusa romana revela outras concepções. Os olhos vendados mostram que a deusa 
não vê os fatos nem os conflitantes, exigindo, por outro lado, que ambos narrem para 
ela os acontecimentos. A deusa somente conhecerá aquilo o que lhe for trazido pelas 
partes, ignorando toda a profundidade do conflito. Isso exigirá dela “prudência”, a virtude 
romana dos juristas: deve equilibrar a necessidade de refletir sobre o que ouviu com a 
necessidade premente de uma decisão que solucione o problema. Deve refletir o 
suficiente para não cometer uma injustiça; esse tempo não pode ser tão longo a ponto 
de tornar a decisão inútil. 
Além disso, a deusa Iustitia não possui espada. Isso revela que seu mero 
pronunciamento já é suficiente, na cultura romana, para revelar o direito. Executá-lo é 
outra questão, fora da alçada divina. Em concreto, o estado romano limitava-se, por 
meio de um processo, a declarar o direito, concedendo ao particular o poder de agir, por 
conta própria, para assegurá-lo. 
Para finalizar estas reflexões sobre a simbologia que envolve o direito, não podemos 
deixar de apontar uma extraordinária alteração no modo como a deusa é representada. 
Consolidou-se uma imagem de deusa que possui os olhos vendados, a balança na mão 
esquerda e a espada na mão direita, fundindo as duas deusas anteriores. 
Pois essa representação, no caso do direito brasileiro e de grande parte do direito 
ocidental, não é fortuita. Nossos juízes estão com os olhos “fechados” para os conflitos, 
exigindo que as partes os narrem e só reconhecendo os fatos que forem previamente 
trazidos nas petições. Possuem a balança para tentar encontrar a medida exata que 
permite o equilíbrio da situação desequilibrada, sem faltas ou excessos. E possuem a 
espada, revelando a primazia do Estado no uso da violência e das medidas para garantir 
o direito. Não há direito sem essa garantia. 
Referência: 
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas. 
(item 1.1 e item 1.2) 
 
 
 
 
 
 
19. O Direito: a imprecisão da palavra 
Um problema sempre enfrentado pelos juristas consiste na imprecisão do vocábulo“direito”. Trata-se de uma palavra polissêmica, ou seja, com muitos significados. 
Nesse sentido semântico (a semântica busca os significados dos signos, das palavras), 
portanto, é inútil buscar um único significado denotativo que defina “direito”. Em um 
sentido “próprio”, a palavra pode significar coisas diversas, como norma, faculdade, 
justiça, ciência ou fato social. A força desses significados é, muitas vezes, equivalente. 
Sob a perspectiva sintática (a sintática analisa as palavras combinadas entre si, quanto 
às funções que cumprem umas em relação às outras) verificamos a mesma imprecisão. 
De um lado, podemos usar a palavra “direito” como substantivo (o direito brasileiro 
prevê…), como adjetivo (não é um homem direito) ou, até mesmo, como advérbio (Ele 
não agiu direito). De outro, notamos que o vocábulo pode ser conectado a palavras 
sintaticamente diferentes, como verbos (meus direitos não valem), substantivos (o direito 
é uma ciência) ou adjetivos (o direito é injusto). 
Como se não bastassem as imprecisões semântica e sintática do termo, ainda convém 
destacar que, pragmaticamente (a pragmática enfoca a relação estabelecida entre os 
comunicadores e a função da mensagem nessa relação), o “direito” é uma palavra de 
forte carga emotiva. Normalmente é usado em contextos de reivindicações, de lutas 
sociais, de desilusões. 
Assim, pensando na teoria da comunicação, constatamos que sob todos os enfoques a 
palavra “direito” é imprecisa. Por isso afirmamos que defini-la torna-se um problema. 
Referência: 
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas 
 
 
 
 
 
 
 
 
20. O Direito: significados 
Por se tratar de um termo impreciso, definir o direito requer a apresentação de mais de 
um significado. 
Muitas vezes utilizamos a palavra “direito” para designar uma norma ou um conjunto 
de normas. Ao afirmarmos, por exemplo, o direito brasileiro proíbe o furto, podemos 
considerar que o significado do termo, no caso, é “a legislação brasileira”, ou seja, o 
conjunto de normas legais do país. No mesmo sentido poderíamos dizer o direito obriga 
ao pagamento de impostos ou, ainda, o direito permite o uso da propriedade. 
Novamente, em ambos os casos, referimo-nos às normas jurídicas ou, especificamente, 
às leis. 
Pelo fato de as normas situarem-se “fora” dos indivíduos envolvidos nas relações a que 
elas se referem, muitos, no sentido estudado, utilizam a expressão “direito objetivo”. O 
direito objetivo, portanto, é a norma jurídica ou o conjunto de normas jurídicas. 
Ainda podemos destacar outras expressões em que a palavra direito surge no 
significado “conjunto de normas”: direito positivo (conjunto de normas criadas, ou postas, 
por decisão), direito natural (conjunto de normas que deriva da natureza), direito 
costumeiro (conjunto de normas que deriva dos hábitos), direito estatal (conjunto de 
normas positivado pelo Estado), direito não-estatal (conjunto de normas não positivado 
diretamente pelo Estado). 
Outro significado da palavra é poder ou faculdade. No caso, a palavra é usada para 
indicar o poder que pertence a uma pessoa individual ou coletiva. Utilizamos o termo 
nesse sentido, por exemplo, nas seguintes frases: o comprador tem o direito de receber 
a coisa comprada, o credor tem o direito de cobrar a dívida, o réu tem o direito de 
apresentar a contestação. 
Pelo fato de o poder sempre pertencer a uma pessoa, a um sujeito, utiliza-se a 
expressão “direito subjetivo”. Convém destacar que, no presente, tende a haver uma 
complementaridade entre o direito subjetivo e o direito objetivo: o Estado, por meio da 
norma jurídica (direito objetivo) estabelece limites a uma situação fática, atribuindo 
poderes aos sujeitos e garantindo o exercício desses poderes (direito subjetivo). 
Conclui-se, assim, que a razão última da existência do direito objetivo (conjunto de 
normas jurídicas) é distribuir poderes garantidos aos membros de uma sociedade 
(direitos subjetivos). Por outro lado, a garantia máxima que um direito subjetivo pode 
possuir é aquela conferida pelo Estado, por meio das normas jurídicas (direito objetivo). 
Em alguns momentos históricos que suscitaram revoluções como a Francesa (1789) ou 
a Russa (1917) houve um gritante descompasso entre o direito objetivo e o direito 
subjetivo. Muitos poderes subjetivos que a maioria da sociedade gostaria de ver 
garantidos pelo Estado não o eram. Durante as revoluções citadas, novos direitos 
subjetivos foram reconhecidos pelo direito objetivo, graças à ação dos revoltosos. 
Outro significado de extrema importância da palavra direito é conforme a justiça ou 
devido por justiça. Quando afirmamos que “não é direito viver na miséria” ou “não é 
direito roubar”, simplesmente expressamos o sentimento de que a situação está em 
desconformidade com a justiça, ou “não é justo”; já se dizemos que “pagamento é direito 
do credor” ou “educação é direito das crianças”, sem pensarmos em um caso concreto, 
trazemos a ideia de que os bens “pagamento” e “educação” são devidos, por justiça, às 
pessoas mencionadas. 
Convém deixar claro, assim, que, no sentido de justiça, podemos usar a palavra direito 
para: 1. avaliar um fato conforme o critério do justo; 2. indicar que um bem é devido a 
uma pessoa como exigência da justiça. 
Torna-se difícil estabelecer, dos três significados já apresentados, qual o mais 
importante. Se dissemos que o direito-norma e o direito-poder são dois pares que se 
complementam, não podemos omitir que essa complementaridade tem em vista o 
terceiro significado do direito, qual seja, a justiça. 
Em termos ideais, uma sociedade deve reconhecer, por meio do direito objetivo, todos 
os poderes que permitirão aos indivíduos uma vida justa, transformando-os em direitos 
subjetivos. As normas jurídicas devem, assim, distribuir poderes para os sujeitos, de tal 
forma que conduzam as situações fáticas ao ideal valorativo do justo. 
Durante os anos em que uma pessoa estuda direito, por outro lado, talvez não haja 
outro significado mais importante para a palavra do que o científico. É comum os 
alunos afirmarem que “fazem direito”. O direito feito pelos alunos não é a norma ou a 
justiça, mas a ciência. 
Existe, assim, uma ciência que estuda o fenômeno jurídico. Essa ciência busca 
sistematizar o conhecimento sobre tal fenômeno, a fim de torná-lo compreensível e 
manipulável. O nome dessa ciência, como destacado, também é “direito”. 
Por fim, há um significado sociológico da palavra “direito”. Entre os fatos sociais 
estudados pelo sociólogo, existem fatos religiosos, econômicos, políticos e, também, os 
jurídicos. Trata-se de um setor da vida social, com características próprias, também 
chamado de direito. 
Os significados aqui apresentados não esgotam as possibilidades de definições do 
“direito”. Em outros campos do saber, a palavra indica reta (segmento direito), perfeição 
aritmética (cálculo direito), perfeição moral (homem direito) ou, simplesmente, um dos 
lados de qualquer coisa (lado direito, oposto ao esquerdo). 
Referências: 
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva. (Lição VIII) 
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: RT. (cap. 1 – o 
conceito de direito) 
 
 
 
 
 
 
 
21. O Direito: definição de Miguel Reale 
Segundo Miguel Reale, o direito é a ordenação ética coercível, heterônoma e bilateral 
atributiva das relações sociais, na medida do bem comum. Sua definição, portanto, 
apresenta a soma das características gerais e distintivas das normas éticas. 
Analisando-se os termos utilizados pelo autor na definição, verificamos, primeiro, que o 
direito é uma ordenação. A palavra ordenação pode ser entendida como o conjunto de 
normas que organizam alguma coisa. Por ser uma ordenação ética, essas normas 
organizam a esfera ética da culturahumana. 
O direito, assim, é um conjunto de normas éticas (uma “ordenação ética”). Todas as 
normas éticas compartilham de determinadas características gerais, como dito acima: 
são imperativas (impõem uma conduta; regem-se pelo princípio da imputação – “dever 
ser”), violáveis (a conduta pode ser respeitada ou não) e contrafáticas (ainda que sejam 
desrespeitadas, as normas éticas não perdem seu valor). 
Além disso, o direito possui todas as características distintivas das normas éticas, 
conforme especificado por Miguel Reale: 
1. É coercível, ou seja, busca minimizar o índice de violabilidade mediante ameaças 
de recurso à força; 
2. É heterônomo, pois as normas jurídicas são elaboradas pelo Estado e devem ser 
cumpridas independentemente da aceitação íntima do destinatário; 
3. É axiologicamente bilateral pois busca concretizar valores que não estão reduzidos 
a uma das partes da relação fática, e sim valores que levam ao bem comum; 
4. É atributivo pois atribui poderes garantidos aos destinatários das normas jurídicas. 
Convém destacar, por fim, que tal definição congrega os três elementos da 
tridimensionalidade ética: fato, valor e norma. O direito busca valores ligados ao bem 
comum (bilateralidade axiológica) por meio da criação de normas éticas heterônomas 
que limitam os fatos de modo coercível e atributivo 
 
 
 
 
 
 
22. Historicidade do Direito 
O direito é um fenômeno histórico. Afirmar isso significa, primeiramente, que não existe 
“o” direito, enquanto conceito absoluto, eterno e imutável. Buscar-se uma definição 
universal para o direito, válida em todos os momentos e em todas as sociedades 
humanas, seria esforço inútil e pouco produtivo. 
Na Grécia Antiga, o direito possuía caracteres muito peculiares, ligando-se ao exercício 
da cidadania e à delimitação do espaço político por meio das normas. Não era um 
campo autônomo, pois pressupunha a política e concretizava a ética. Durante o Império 
Romano, o direito torna-se um mecanismo de resolução de disputas, com rituais 
próprios e relativa autonomia dos outros campos. 
Avançando para a Idade Média, o direito passa a confundir-se como os poderes dos 
nobres, ligados à propriedade privada da terra. No Absolutismo, o direito transforma-se 
em uma decorrência do poder divino dos reis, derivando da vontade real. 
Apenas no capitalismo recente o direito é identificado com a norma jurídica, em especial 
a lei, o contrato e a sentença. O direito de um povo passa a ser entendido como o 
conjunto de normas jurídicas criado ou reconhecido pelo Estado que o representa. Mais 
precisamente, passamos a chamar direito ao processo contínuo de criação de normas 
jurídicas. Algo, portanto, bem diferente daquilo o que já foi o fenômeno jurídico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
23. Positivação do Direito e Ciência Dogmática 
O direito Contemporâneo, típico das sociedades capitalistas, transforma-se em uma 
tecnologia de resolução de conflitos com um mínimo de perturbação social. Seu 
elemento fundamental é a norma jurídica positiva, revestida da forma de lei, contrato e 
sentença. 
A ideia de direito positivo significa que as normas jurídicas são criadas de um modo 
específico, em detrimento de outros. De modo genérico, podemos reconhecer três 
modos pelos quais uma norma é criada: revelação, costume ou positivação. 
As normas reveladas são aquelas cuja autoria se atribui a um ser divino e, no mais das 
vezes, transcendente, que escolheria algumas pessoas a quem transmiti-las (“revelá-
las”). As normas costumeiras são criadas por força de hábitos sociais reiterados, não se 
podendo identificar uma vontade que as estabelecem. Por fim, as normas positivas são 
aquelas criadas por força de uma decisão, individual ou coletiva. 
O direito contemporâneo torna-se positivo recentemente. Um marco dessa passagem é 
a Revolução Francesa, que traz a noção de que o poder jurídico emana do povo, sendo 
exercido por representantes e pelo Estado. A manifestação máxima desse poder é a 
norma jurídica, especialmente na forma da lei, mas também na forma de contratos e 
sentenças. 
O direito pós Revolução Francesa é um direito criado por força de decisões estatais (a 
lei e a sentença de modo direto; o contrato de modo indireto). Ele torna-se positivo, 
portanto. Cumpre notar que cada nova decisão que cria uma nova norma jurídica 
(positiva), para ser aceita, deve derivar de outras decisões que criaram previamente 
outras normas jurídicas, as quais conferem autoridade para a nova criação. 
Falar de direito positivo, pois, significa falar de uma teia de decisões que são 
pressupostas para a positivação de uma nova norma. Assim, para que o juiz possa criar 
uma sentença, antes já foram tomadas decisões que criaram as leis que lhe deram 
competência e fundamentos; tais leis, por outro lado, pressupõem outras decisões que 
criaram outras normas que possibilitaram sua existência. 
O fenômeno jurídico transforma-se numa constante produção de decisões que criam 
normas. Podemos, inclusive, afirmar que esse direito transformou-se de uma praxis em 
uma poiesis. 
Aristóteles classificou a ação humana com os termos acima, adotando o critério de 
analisar o resultado ou o fim dessa ação. A praxis é aquela modalidade de ação cujo 
resultado é um “bem” (no sentido valorativo do termo). A poiesis é aquela modalidade de 
ação cujo resultado é um produto, elaborado durante a ação. 
Se um conjunto de alunos se reúne para reivindicar, por meio de um abaixo-assinado, 
um direito da sala, essa ação não tem como resultado o documento em si, mas a busca 
de um “bem” por meio desse instrumento. Trata-se de praxis. Quando uma pessoa 
resolve fazer um bolo, o resultado de sua ação é o alimento finalizado, tratando-se, 
portanto, de poiesis. 
A classificação aristotélica da praxis também especifica o “bem” buscado pela ação. 
Quando se busca um bem individual, ele chama a ação de ética; quando se busca um 
bem coletivo, a ação é chamada de política. O direito corresponderia às normas 
derivadas da ação política que especificam, limitam, o espaço ético de cada indivíduo, 
dentro da cidade. Seria, portanto, uma modalidade de praxis. 
Com a positivação do direito, ele transformar-se-ia, hoje, em uma poiesis. A ação 
jurídica realizada pelo profissional do direito deixa de preocupar-se, fundamentalmente, 
com o “bem”, e passa a centrar-se no processo de produção das decisões que criam as 
normas. 
Pensando no exemplo do abaixo-assinado, imaginemos uma situação em que uma sala 
de aula se especializasse na elaboração desses documentos. Toda a turma passaria a 
fazer, imprimir e distribuir textos de abaixo-assinados para outras salas de aula. Para 
essa turma, o documento em si transformar-se-ia no objetivo de sua ação; essa ação, 
portanto, de praxis tornar-se-ia poiesis. 
Pois é exatamente isso o que ocorreu com o direito. Os profissionais especializaram-se 
de tal modo na elaboração das chamadas “peças processuais” (note-se o termo “peça”, 
dando a entender que algo será montado ou produzido), que sua atividade cotidiana 
pode ser reduzida à mecânica produção desses documentos. 
Se voltarmos à praxis da Antiguidade, notaremos que havia uma condição absoluta para 
que um ser humano a praticasse: ele deveria ser minimamente virtuoso. A ação 
fundamental da praxis é a política. Somente as pessoas mais virtuosas de uma cidade 
podem participar dessa ação e, por consequência, criar o direito. Conforme o regime de 
governo, modifica-se a abrangência de pessoas virtuosas: democracia (com 
abrangência máxima, pois considerava-se que todos os cidadãos, cerca de 10 a 20% 
das pessoas de uma cidade, eram virtuosos o suficiente para participarem da política), 
aristocracia (somente alguns cidadãos são virtuosos o suficiente) e monarquia (apenas 
uma pessoa possui virtudes suficientes para criar as normas). 
Se, na Antiguidade grega,

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