205 pág.

Pré-visualização | Página 8 de 50
e minha pesquisa se orienta por este conhecimento. Se nunca vi um anel, as pessoas explicarão que é uma espécie de aro, que ouro é um metal amarelo ou avermelhado e eu terei 12 Participo de um grupo de estudos (desde 1991) coordenado pelo Prof. Dr. Luís Cláudio Figueiredo, que vem se dedicando a leitura de Ser e Tempo [1927] e outras obras de Heidegger. 13 À pesquisa do sentido do ser Heidegger denomina ontologia fundamental 14 “Tratando-se de uma e até da questão fundamental, seu questionamento necessita, portanto, de uma transparência conveniente.”(HEIDEGGER, S&T §2 p30) 30 alguma noção do que é aro, metal, cor, etc., dando-me um conhecimento pré- reflexivo sobre aquele anel, o que será fundamental para a minha busca. Se o homem vem, há séculos, se perguntando “quem sou eu?” é porque tem algumas idéias sobre si e parte do princípio de que ele (que faz a pergunta) existe e está em algum lugar. Na verdade, o homem, tem alguma compreensão do que é, mas não é capaz de explicá-lo intelectualmente, tenta de diversas maneiras, mas está sempre insatisfeito, porque sente que alguma coisa lhe escapa. Talvez as pessoas possam dizer o que não são ou escrever poesias ou músicas ou fazer representações artísticas sobre o que é o ser humano, mas não conseguem escrever ou falar explicitamente sobre o que é ser, “... de tudo isto se podendo concluir que os homens são incapazes de dizer quem são se não puderem alegar que são outra coisa...” (SARAMAGO, 1989, p42). Tudo que temos é uma “compreensão vaga e mediana” (HEIDEGGER, S&T §2 p31) do sentido do ser. A investigação da questão fundamental (qual o sentido do ser?) é orientada pela noção prévia do que é ser em geral, tornando circular o estudo desta questão. Este estudo, que Heidegger chama de analítica existencial, propõe-se a explicitar e descrever o fenômeno que é o ser humano. O método de investigação é o da hermenêutica15 fenomenológica: “trata-se de interpretar de forma a trazer à luz o que está presente mas dissimulado e oculto nas experiências” (FIGUEIREDO, 1994a p51). Deste modo, um dos caminhos em direção ao ser se dá procurando conhecer quem é que faz a pergunta, ou seja, quem é este ente que nós mesmos somos (ente ontológico)16 a quem Heidegger chama de dasein, em português ser-aí ou pre- sença17. 15 “Ora bem, posto que o ser das coisas e do próprio Dasein é tal, antes de mais [nada] na linguagem como, por outro lado, a existência é constitutivamente relação com o ser, hermenêutica, isto é, interpretação, encontro com a linguagem, é a própria existência na sua dimensão mais autêntica” (VATTIMO, 1971 p29). O circulo hermenêutico se dá quando após compreender algo, se interpreta esta compreensão; se fala sobre ela. 16 Aos outros entes, que não a pre-sença, Heidegger chama de entes simplesmente dados (entes intramundanos) que podem ser apreendidos através do pensamentos categorial. 17 Adoto aqui o termo pre-sença por ser a tradução de Dasein escolhida por Márcia de Sá Cavalcante na edição de Ser e Tempo (1988) que utilizo. Em nota explicativa a tradutora diz que se decidiu por este termo: 1) para não ficar aprisionada “às implicações do binômio metafísico essência- existência; 2) para superar o imobilismo de uma localização estática que o “ser-aí” poderia sugerir.(...); 3) para evitar um desvio de interpretação que o `ex’ de existência’ suscitaria (...)”. Explica ainda que: “pre-sença não é sinônimo nem de homem, nem de ser humano, nem de humanidade 31 Assim como a etologia estuda os animais no seu habitat natural, a melhor maneira para conhecer a pre-sença é estudá-la como ela se mostra no dia a dia “em sua cotidianidade mediana, tal como ela é antes de tudo e na maioria das vezes”. (HEIDEGGER, S &T §5 p44). É fazer a “fenomenologia do cotidiano” (FIGUEIREDO, 1994a p51), descrever como a pre-sença se mostra, não apenas no que é “ visível mas desentranhar o sentido do ser dos fenômenos que se dão espontaneamente a ver”18 (idem, p51). Quais são os modos de ser, de existir, da pre-sença? Quais são, portanto, seus existenciais? É através desta análise que poderemos nos aproximar e intuir ou entrever o ser da pre-sença mas não apreendê-lo, por que o ser “não se deixa capturar, não sendo portanto expressável ” (Figueiredo, 1994a p60) na linguagem corriqueira. Assim a pre-sença: é existindo na sua facticidade (ser-aí), pois foi lançada no mundo e aí está; é um “ter-que-ser sem razão suficiente e circunscrito pelo horizonte finito do tempo originário” (Loparic, 1994 p15)19; é no mundo (ser-em), está sempre interagindo com o mundo; só é na sua relação com o mundo que é o aberto da abertura, portanto uma dimensão da pre- sença; é em contato com os outros (ser-com), o mundo da pre-sença é sempre o mundo da co-presença; é um mundo já compartilhado e antes de tudo e na maior parte das vezes20, compartilhado com o outro de existência plural: o impessoal (“os outros”, “a gente”, “nós”, “todo mundo”) no modo da “de-cadência”21; é um poder-ser (ser-para-a-morte), a possibilidade mais própria da pre- sença é a sua morte. Ao ser lançada no mundo a pre-sença é jogada na mortalidade que não é algo exterior a ela mas faz parte dela própria; está no seu ser. É o seu pré, (seu futuro, o que vai inevitavelmente acontecer), a sua abertura para o vazio. embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade” (p 309) 18 Grifo do autor 19 Grifo do autor 20 Expressão freqüentemente utilizada por Heidegger no decorrer de sua obra Ser e Tempo (1927). 21 Para Heidegger “este termo não exprime qualquer avaliação negativa não tem sentido pejorativo. Pretende apenas indicar que, em primeira aproximação e na maior parte das vezes, a pre-sença está junto e no ‘mundo’ das ocupações”. (S&T §38 p236), ou seja, no mundo do cotidiano, do impessoal, do falatório, da curiosidade, onde todos vivemos mergulhados. 32 A pre-sença se dá existindo no mundo e o termo existência (ek-sistere), em Heidegger, aponta para o estar-fora, estar ex-posto ao inesperado ao acontecimento, ao encontro. A noção de ek-stase “... refere-se ao estar fora, ao estar-no-fora, ao existir da pre-sença (do homem) como abertura e possibilidade. Antes de ser um sujeito minimamente limitado e delimitado de seus objetos, o homem é o seu fora, o seu aí.” 22 (Figueiredo, 1993c p9). A este modo de ser da pre-sença, que sempre tem possibilidades abertas e não realizadas e que, portanto, é um ser sempre pendente em direção às suas possibilidades, Heidegger chama de cura. São tantas e tão variadas as possibilidades do ser humano que ele não poderá realizá-las todas. Tal como nos jogos interativos, sempre que faz uma escolha segue por um caminho e perde a oportunidade de trilhar os que não escolheu. A única possibilidade que, seguramente, se irá concretizar é a da morte e, quando o ser humano se defronta com esta certeza ao ser dominado pela convicção de que poderá “não mais estar pre-sente”(S&T, §50 p32) mergulha na angústia, assustado ante a possibilidade do nada. Estes momentos de angústia são radicalmente de ordem diferente daqueles momentos em que se está pensando na própria morte, ou na dos outros, planejando seu funeral, ou imaginando a vida eterna. Faço uma digressão para relatar que, enquanto escrevia sobre este tema estava também lendo “Paula”, de Izabel Allende (1996). Frente à expectativa da morte