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Madeira e sua qualidade

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU - USJT 
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu 
Arquitetura e Urbanismo 
 
 
 
 
 
O USO DA MADEIRA NA ARQUITETURA: 
SÉCULOS XX e XXI 
 
 
 
 
 
SIDNEI SÉRGIO ESPÓSITO 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Doutor ALEXANDRE EMÍLO LIPAI 
Co-orientador: Profª. Doutora MARTA VIEIRA BOGÉA 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2007 
 
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU - USJT 
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu 
Arquitetura e Urbanismo 
 
 
 
 
 
 
 
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO 
 
 
 
 
 
 
 
 
Área de Concentração: 
Percepção, Representação e Produção do Espaço Habitado 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2007 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Espósito, Sidnei Sérgio 
O uso da madeira na arquitetura dos séculos XX e XXI./ Sidnei Sérgio Espósito. - São Paulo,
2007. 172 f.: il.; 30 cm 
 
Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2007. 
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Emílio Lipai 
Co-orientador: Profª. Dra. Marta Vieira Bogéa 
 
1. Arquitetura - Séc. XX e XXI. 2. Arquitetura – Madeira. 3. Arquitetura Moderna. I. Título 
 
 
 CDD- 720 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Ao meu orientador, Prof.. Alexandre Emílio Lipai pelo interesse, incentivo, confiança e por 
compartilhar seus conhecimentos que tanto contribuíram ao longo desse tempo para a 
elaboração desse trabalho; 
à Profª. Marta Bogéa, sempre presente com sábias palavras que tanto contribuíram para o 
enriquecimento de desenvolvimento da presente pesquisa, com carinho e sabedoria; 
Ao Prof. Yopanan Rebello no incentivo e a simplicidade em dividir seus conhecimentos e 
pelo incentivo desde o tempo da graduação; 
Também ao Prof.. Edison Eloy, pelo apoio e companheirismo durante a jornada de estudo e 
pesquisas e que, além de professor, é um amigo ainda, a todos os professores que direta ou 
indiretamente acompanham minha busca pelo conhecimento; 
aos meus familiares que além do apoio e incentivo, abriram mão dos momentos de convívio 
para que este trabalho fosse realizado; 
aos meus pais, pela formação proporcionada, ajudando-me a acreditar que poderia chegar até 
aqui. 
Enfim, a todos que, embora aqui não mencionados, em algum momento participaram desta 
caminhada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A madeira vive sua primeira vida para si mesma, deixando-nos colher suas frutas, 
que os passarinhos disputam conosco e com outros bichos. As florestas compõem 
chuvas, rios, cachoeiras e se alimentam de si mesmas e dos raios de sol. 
A segunda vida da madeira é gerada pela mão e pelo espírito humano. São objetos de 
madeira que saem da nossa imaginação e ganham formas reais, passando a conviver 
conosco e continuam assim durante gerações, transformando-se, impregnando-se de 
vivência, servindo de testemunho e mantendo a utilidade; Ogum é o encontro entre a 
ferramenta e a madeira. A luta da mão contra a tora bruta que não servirá à 
humanidade, se não for vencida e se transformar. 
Há muitos milhares de anos, a madeira revive em forma de objetos, desaparece no fogo 
por vontade do homem ou apodrece ao ar livre por vontade dos deuses. 
 
José Zanine Caldas (1919-2001) 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
RESUMO..........................................................................................................................................................15 
ABSTRACT......................................................................................................................................................17 
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................21 
1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA TRADIÇÃO, CULTURA 
E TÉCNICA NAS PRÁTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA..............................................27 
1.1. História: Experimentação e prática...............................................................................27 
1.2. Autóctone e Tectônica....................................................................................................30 
1.3. Tradição e Cultura...........................................................................................................50 
1.4. Técnica..............................................................................................................................55 
1.5. Tecnologia........................................................................................................................56 
1.5.1. Madeira Compensada..................................................................................................60 
1.5.2. Aglomerado...................................................................................................................60 
1.5.3. MDF...............................................................................................................................61 
1.5.4. MDP...............................................................................................................................61 
1.5.5. OSB................................................................................................................................62 
1.5.6. Madeira Laminada........................................................................................................63 
1.5.7. A pesquisa no Brasil.....................................................................................................70 
2. SEVERIANO MÁRIO PORTO............................................................................................................75 
2.1. Restaurante Chapéu de Palha 1967...............................................................................79 
2.2. Hotel e Pousada da Ilha de Silves 1980.......................................................................91 
2.3. Centro de Proteção Ambiental da Usina Hidrelétrica de Balbina 1988................103 
2.4. Aldeia SOS do Amazonas 1997..................................................................................113 
3. TADAO ANDO........................................................................................................................................121 
3.1. Pavilhão do Japão Expo’92 Sevilha 1992..................................................................131 
3.2. Museu da Madeira 1994................................................................................................143 
3.3. Templo Komyo-Ji Saijo 2000......................................................................................155 
4. RENZO PIANO.......................................................................................................................................169 
4.1. Prometeo – Espaço Musical 1984................ .............................................................173 .
4.3. Escritório Renzo Piano
4.2. IBM – Pavilhão Itinerante 1988..................................................................................187 
 (Building Workshop) 1991.....................................................197 
4.4. Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou da Nova Caledônia1998...............................207 
4.5. Palco da Música de Roma 2002...................................................................................225 
5. MARCOS DE AZEVEDO ACAYABA..............................................................................................2415.1. Quiosque na Fazenda Arlinda 1980...........................................................................247 
5.2. Residência Hélio Olga 1990.........................................................................................253 
5.3. Residência Andréa Calabi 1991...................................................................................265 
5.4. Residência Ricardo Baeta 1991...................................................................................275 
5.5. Residência Osmar Valentin 1995................................................................................287 
5.6. Residência Marcos Acayaba 1997...............................................................................297 
5.7. Sede do Parque Estadual de Ilha Bela 1998..............................................................307 
CONCLUSÃO...............................................................................................................................................315 
DOUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA.................................................................................................323 
1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA TRADIÇÃO, CULTURA 
 E TÉCNICA NAS PRÁTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA...................323 
2. SEVERIANO MÁRIO PORTO..................................................................................324 
3. TADAO ANDO..............................................................................................................326 
4. RENZO PIANO.............................................................................................................328 
5. MARCOS DE AZEVEDO ACAYABA.....................................................................330 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................................335 
Livros......................................................................................................................................335 
Teses e Dissertações.............................................................................................................338 
Revistas...................................................................................................................................339 
Revistas Eletrônicas..............................................................................................................341 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
A análise das obras selecionadas dos arquitetos Severiano Mario Porto, Tadao Ando, 
Marcos Acayaba e Renzo Piano, nos leva a uma revisitação da arquitetura tradicional. 
Esta dissertação busca detectar se a atual arquitetura em madeira significa ecos de 
uma tradição em se trabalhar com esse material, ressonância de culturas que o homem 
incorporou ao seu conhecimento do nascimento de novos tempos nas práticas 
arquitetônicas no mundo, da recuperação de certos princípios nas obras em madeira. 
O objetivo desta pesquisa é contribuir para investigar melhor o uso da madeira, 
enfocado para soluções de projeto. 
 
 
 
 
 
 Palavras-chave: arquitetura, cultura, madeira, tradição, tecnologia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
 
ABSTRACT 
 
 
 
From the analysis of some architects’ selected work Severiano Mario Porto, Tadao 
Ando, Marcos Acayaba e Renzo Piano; it leads us to realize a kind of revisit to the 
traditional architecture. This written essay aims to detect if the current wooden 
architecture is an echo of the tradition in working with this material, a resonance of 
cultures which man incorporated to his knowledge of the origin of a new era in the 
architectonic practice in the world, a recovery of certain principles in the wooden 
work. The objective of this research is to contribute to the investigate the use of the 
wooden, focusing to the design project solutions. 
 
 
 
 
 
 Key-words: architecture, culture, wood, tradition, technology 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 A madeira é um material peculiar presente nas construções humanas desde os 
primórdios. Esta pesquisa se iniciou com a investigação das influências culturais da tradição no uso 
da madeira, tendo em vista as técnicas e sua reinvenção no correr dos anos. O norte que a instigou 
foi a atenção à arquitetura vernacular japonesa e sua precisa competência técnica. 
 A avaliação do processo histórico-cultural da transformação do uso da madeira 
permitiu conhecer e identificar relações, diferenças ou, ainda, convergências de técnicas, ou 
recorrentes influências de tradição e cultura, através da produção de quatro arquitetos conceituados 
que têm a madeira como matéria prima de seus projetos. 
 Quais reflexos daquele saber ainda se apresentam na arquitetura contemporânea? 
Essa pergunta é feita naturalmente por pesquisador-arquiteto que está atento às possibilidades do ato 
de projetar. 
 Esta pesquisa busca detalhar o trabalho fundamentado na tecnologia e métodos de 
utilização da madeira em algumas culturas. Tem ainda, esta dissertação, como objetivo mostrar os 
diferentes modos de utilização da madeira na produção arquitetônica em suas diferentes técnicas 
construtivas na segunda metade do século XX. 
O aporte no desenvolvimento tecnológico em relação ao uso da madeira como 
material construtivo não só ocorre em pequenas construções como também para edificações de 
grande porte, a partir de obras de alguns arquitetos contemporâneos, que apresentam domínio no 
uso desse material. 
 Severiano Mário Porto, Tadao Ando, Renzo Piano e Marcos Acayaba são os 
arquitetos estudados através da identificação, descrição do funcionamento e análise de desempenho 
das soluções encontradas. Foram selecionados por critério de recorrência no uso da madeira como 
material presente em projeto e pela evolução nas técnicas e tecnologias aplicadas. Também por 
transformarem o material, objetivando o desempenho estético e estrutural, caracterizando em 
algumas delas as peculiaridades da madeira, a simplicidade da mão-de-obra local ou exigências de 
uma mão-de-obra especializada. 
 A partir da análise das obras, tendo em vista cultura, tradição e técnica, num primeiro 
momento metodológico, apresentamos as peculiaridades que os distinguem. Atos contínuos 
21 
 
assinalaram-se valor e a coerência de materiais, técnicas construtivas e a disponibilidade do material e 
da mão-de-obra. 
 
 O Capítulo 2, que trata das obras de Severiano Mario Porto, apresentou estudo 
referente às peculiaridades no uso da madeira em uma arquitetura autóctone e regional. 
Considerações com o clima e o lugar, material e a mão-de-obra local são as bases para sua arquitetura 
em madeira, numa época em que o concreto armado se apresenta no Brasil como material mais 
recorrente na construção civil. 
 O trabalho de Severiano Porto é reconhecido pelas soluções que apresenta no 
encontro das tecnologias modernas e tradicionais, pelo respeito ao contexto físico e cultural e pela 
coerência na adequação da arquitetura ao clima tropical. Soluções que sempre atraíram a admiração 
da crítica, principalmente pelas obras que envolvem o uso da madeira, atenção ao clima, material e 
local para a implantação da arquitetura. Com decisões justificadas pela racionalidade, seus projetos se 
desenvolveram de acordo com a realidade da região, buscando adequações ao rigor do clima, 
empregando os materiais disponíveis e respeitando as características do lugar. Em sua obra, talvez a 
mais representativatenha sido o Centro de Proteção Ambiental de Balbina, que será analisado em 
detalhes no desenvolvimento desta dissertação. 
 
 O Capítulo 3 analisa-se as obras de Tadao Ando, que expressam sua profunda 
proximidade com a cultura japonesa, buscando sempre fazer de seus projetos uma expressão do 
lugar. O arquiteto, que realizou projetos a serem inseridos em contextos culturais e sociais diferentes 
do seu, recebem uma influência contundente da arquitetura moderna em que predomina o uso do 
concreto armado, tendo por referência Le Corbusier e, principalmente, Louis I. Kahn. Portanto, o 
uso da madeira, como material em sua arquitetura, será restrito às obras de exceção, como o Pavilhão 
Japonês na Expo’92, em Sevilha e o Museu da Madeira. Entretanto, cabe destacar nessa produção 
significativa as fortes raízes que mantém na tradição. Tadao Ando busca referenciais nas antigas 
construções do Japão, como os templos religiosos, na modulação, na espiritualidade do espaço e 
principalmente no material, conforme mostra o projeto de reforma do Templo Komyo-ji Saijo. Os 
exemplos de sua arquitetura em madeira trazem o enraizamento cultural e a tradição que 
fundamentam a coexistência da arquitetura milenar com a tecnologia moderna, deixando presente o 
simbolismo que o material traz. 
22 
 
No Capítulo 4, são estudadas as obras de Renzo Piano. Pode-se perceber que suas 
obras têm aportes, principalmente, na tecnologia e nos conceitos aplicados diretamente na 
competência e apropriação do material e suas descobertas na construção. Renzo Piano é um 
arquiteto que não possui raízes na tradição da arquitetura em madeira, já que a Itália (seu local de 
trabalho) se caracteriza por uma arquitetura em pedra e alvenaria. Entretanto, revela o rigor da 
competência que desenvolveu através das obras selecionadas para este trabalho, como é o caso do 
Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou em, Nouméa. 
Na arquitetura de Renzo Piano, poderá ser notado ainda o uso de “sistemas 
especializados”, na competência de um sistema construtivo aliado ao material que lhe permite uma 
arquitetura arrojada. 
Uma arquitetura que revela a preocupação tectônica 1 pela busca da expressão plástica 
do edifício por meio de suas articulações construtivas. Uma síntese entre a paisagem e a construção, 
através de rigoroso esquema tecnológico e construtivo. 
A madeira nas obras de Renzo Piano tem se mostrado como um material que atende 
às exigências do arquiteto, pela flexibilidade, que oferece condições à construção de elementos 
estruturais de grande porte e que possibilitam uma produção em série, viabilizando construções pré-
fabricadas ou até mesmo arquitetura itinerante. Em seus projetos, constata-se ser culturalmente 
enriquecedor o diálogo com os valores, tradições e sensibilidades locais. 
 
O Capítulo 5 analisa-se as obras de Marcos Acayaba, permitindo demonstrar que a 
madeira, a partir de um determinado momento, passa a ser protagonista em seus projetos. Verificou-
se ainda que sua competência já havia sido demonstrada na elaboração de projetos em concreto 
armado no início de sua carreira, como exemplo a residência Marcos e Marlene Milan Acayaba. O 
arquiteto viabiliza um ideal, com a possível inserção de arquitetura sem danos ao ambiente natural, 
permitindo a racionalidade e a flexibilidade não só do material, mas também da forma. A madeira 
utilizada foi a de “manejo sustentado”. Feito o levantamento das espécies existentes, adota a solução 
de usá-las em sua forma maciça, beneficiada e aparelhada em suas obras. Sua arquitetura é 
desenvolvida a partir dos conceitos de obras modernas (escola e formação). Podemos perceber, ainda, a 
busca por inovação no sistema construtivo e uma visão formal adequada e baseada em modular que 
ssível de inspiração, a arquitetura japonesa. pode ter como uma hipótese po
                                                             
1 A palavra tectônica vem do radical grego tektoniké, que significa “arte de construir”. Entendendo como tectônica a arte de construir edifícios, enquanto 
essência da forma arquitetônica. Um estudo da síntese da construção, de maneira que uma estrutura arquitetônica se organiza em um corpo único de 
uma construção lógica. 
23 
 
O arquiteto utiliza muitas vezes os protótipos de suas buscas para chegar ao módulo 
que se repete e constrói um padrão para um sistema construtivo. Peças de madeira, junções e 
articulações metálicas podem ser manuseadas sem exigirem especialização de mão-de-obra. A 
repetição dos módulos possibilita atender a vários programas e suas dimensões possibilitam variações 
de volumes, formas e geometria estrutural. 
 
Por essa razão, requerem-se soluções que permitam a introdução de melhorias no uso 
da madeira na construção. Não obstante, a realidade indica que o domínio de técnicas, vindas das 
influências culturais causadas pela ressonância do uso da madeira na arquitetura, não são ecos de uma 
civilização universal ou transformações agregadas por valores culturais e de tradição ao homem dos 
séculos XX e XXI. Embora, na maioria dos casos, sejam gerados pelas diferenças regionais que estão 
próximas das culturais e dentro de um plano em que se detectam similaridades no manuseio do 
material, técnicas aplicadas e produto desenvolvido. 
Faz-se também a verificação das influências culturais causadas pela ressonância do 
uso da madeira, mudando, perpetuando, ou ainda se agregando aos valores culturais do homem 
contemporâneo. A possibilidade de relacionar o uso da madeira em culturas muitas vezes 
consideradas primitivas hoje serve de exemplo para outras que não mantêm a tradição deste material, 
muitas vezes pela escassez e pela dificuldade de obtenção. Atualmente, as condições de transporte e 
técnica voltadas a este tipo de material para a construção facilitam o comércio do produto e aumento 
da produção arquitetônica em madeira. 
A madeira se revela material adequado e rico em possibilidades, aliada à condição de 
sustentabilidade por ser renovável e de fácil reciclagem. Soma-se a isso a enorme facilidade de ser 
trabalhada, não necessitando de processos industriais complicados e poluidores para o seu 
processamento. Esses são fatores que colocam a madeira numa posição bastante interessante em 
relação aos outros materiais. Há a necessidade, porém, de desenvolvimento de tradição em pesquisas 
com o uso da madeira aplicada à Arquitetura em nosso país, fato que já vem acontecendo no âmbito 
acadêmico em algumas Universidades brasileiras, ainda em escala reduzida. A investigação para 
ampliar o conhecimento tecnológico adequado à nossa realidade, aliada a um planejamento 
econômico estratégico, poderiam desvendar novos e diversificados caminhos para a utilização da 
madeira de forma sustentável. 
 
 
24 
 
1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA TRADIÇÃO, CULTURA 
E TÉCNICA NAS PRÁTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1: Viollet-Le-Duc e o primeiro abrigo. 
 
 
 
 
 
 
26 
 
1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA TRADIÇÃO, CULTURA 
E TÉCNICA NAS PRÁTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA 
 
 
1.1. História: Experimentação e prática 
 
 
O uso da madeira não é novidade na arquitetura, visto ser um dos mais antigos 
materiais de construção. Sua utilização como matéria-prima para as construções mais simples e a 
técnica construtiva empregada nos edifícios é uma constante na historia da arquitetura. 
As primeiras habitações construídas são datadas por estudiosos, arqueólogos e 
historiadores, do período pré-histórico. Construções cuja estrutura era constituída empiricamente 
com ramos e galhos cobertospor aglomerado de folhas, palhas, longas fibras vegetais e até peles. 
A idéia do primeiro abrigo, arquétipo e origem, estão representados por alguns 
significativos teóricos da arquitetura, como Viollet-Le-Duc (imagem 1). 
A arquitetura mostra através de sua história como se transforma por meio do 
surgimento ou influências de novas técnicas, associação de outras culturas e tradições. Nesse sentido 
é importante observar os métodos e processos geradores dessa transformação a partir de soluções 
autóctones para os materiais orgânicos, ou quando, estes materiais foram sendo superados por 
outros. 
A técnica aplicada à construção é uma atividade quase tão antiga quanto à 
humanidade e seu desenvolvimento está relacionado com a observação da natureza e com o 
aprendizado empírico durante a prática de construir. As primeiras técnicas construtivas surgem da 
observação da natureza e da imitação de suas estruturas para responder às necessidades humanas de 
abrigo, locomoção, entre outras. 
Com o passar do tempo, a manipulação dos materiais naturais pelo homem vem 
permitindo o acúmulo de conhecimento e habilidades num processo de aprendizagem empírico 
durante seu trabalho. De forma prática a humanidade conseguiu grandes evoluções na arte de 
construir propiciando edificação complexas e grandiosas. 
Através da construção de casas, silos, estradas, pontes, teatros, templos e barragens 
são alguns exemplos de como a humanidade desde a antigüidade vem moldando a natureza de forma 
a desenvolver sua capacidade em edificar. 
27 
 
 
2: construção sendo realizada por mulheres da tribo de Gabra, África. 
 
 
3: desenho esquemático da construção de Gabra, por Dominique Cazajus. 
28 
 
À primeira vista a arquitetura não parece relacionada com o relato acima exposto. Na 
realidade, está e de maneira significativa. 
Alguns exemplos próximos e similares às tipologias primitivas são vistos nos tempos 
atuais nas construções de diversas tribos africanas ou latino-americanas, em geral, construídas por 
uma estrutura circular formada por galhos finos, em forma de arco, presos por uma trama de fibras 
ou galhos mais finos amarrados em seu perímetro que suporta uma cobertura de fibras vegetais 
(imagens 2 e 3). Deste modo, as exigências de um abrigo para algumas tribos aborígines, ficavam 
satisfeitas com uma simples armação de ramos ou pequenos troncos de árvores, que se cobriam com 
folhas, fibras ou casca de árvores. 
Os diversos procedimentos com que se realizavam as uniões de objetos e/ou 
materiais diversos, são determinados pela qualidade das ferramentas, mais ou menos sofisticadas, que 
os diversos povos desenvolveram. Em muitas partes do mundo a união das peças de madeira era 
realizada apenas com o auxílio de cordas tecidas com as fibras de folhas e com lianas2. Estas uniões 
eram muito resistentes e graças a sua grande flexibilidade, resistiam às forças da natureza como os 
ventos fortes. 
A grande variedade de casas construídas à base de peças de madeira unidas entre si 
com fibras vegetais, fala por si mesmo da solidez da sua construção e da sua segurança estrutural, 
constituindo assim o método mais eficaz e mais econômico de utilização de materiais naturais que se 
encontram em toda a parte do mundo. 
Algumas dessas estruturas alcançaram um nível tão grande de desenvolvimento que a 
tecnologia moderna tem pouco a acrescentar. Estas construções chegaram até hoje, como 
testemunho da sua extraordinária qualidade. 
Em qualquer lugar que fosse possível encontrar facilmente materiais orgânicos (como 
a madeira) aptos para a construção, estes eram aproveitados para serem utilizados em qualquer tipo 
de estrutura de madeira. Troncos que serviam de apoio e suporte para simples cobertura, foram os 
precursores das estruturas de madeira atuais cuja evolução técnica foi gradual e ao longo dos séculos 
servindo às necessidades do homem. 
A evolução das construções em madeira ocorreu em função das características do 
material predominante e das técnicas construtivas em madeira em cada região. A diversidade cultural 
dessas regiões traz modificações nas soluções arquitetônicas, evidenciadas pelo uso de diferentes 
ção. Acrescida de espaços e ornamentos peculiares às culturas que as técnicas e materiais de constru
                                                             
2 Designação comum a diversas trepadeiras lenhosas, epífitas, de caule extenso (até 70m), que abundam nas florestas tropicais. HOLLANDA 2004. 
29 
 
30 
 
constroem, as edificações em madeira passaram a ser expressão arquitetônica de uma tradição 
cultural. 
 
 
1.2. Autóctone e Tectônica 
 
 
Palavras como autóctone3, vernacular, tectônica, técnica e tecnologia, cultura e 
tradição, estão presentes no vocabulário do arquiteto contemporâneo, em discussões de estudiosos e 
pesquisadores, e, como palavras-chave para se pensar ou elaborar um projeto arquitetônico. Sendo 
usado com mais freqüência que em outros momentos da história da arquitetura, esse vocabulário, 
também faz parte de outras áreas circunvizinhas à arquitetura que, hoje formam uma 
interdisciplinaridade mais explicita, em áreas como, antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, 
entre outras. 
Pode-se verificar a relevância da análise das arquiteturas vernaculares através de 
estudos realizados por alguns conceituados pesquisadores acadêmicos em várias partes do mundo. 
Bernard Rudofsky, em Arquitectura sin Arquitectos de 1964, faz uma rápida, porem significativa 
introdução a essa natureza de construção. O livro é um lembrete da legitimidade e imenso 
conhecimento inerente em edifícios vernaculares, das cavernas de sal polonesas às rodas de água 
gigantescas da Síria (imagens 4 e 5). Sua quase imutabilidade apontada por Rudofsky como dado de 
uma perfeição indica uma recorrência que se apura ao longo do tempo. 
A definição pode incluir uma variedade ampla de edifícios como casas, silos agrícolas, 
edifícios industriais e estruturas. São formas geradas freqüentemente pelo empirismo desde os 
tempos mais antigos. 
As novas arquiteturas construídas a partir do conhecimento empírico manifestam-se 
fisicamente, perpetuando então, normas culturais e acúmulo de conhecimento de como construir. O 
edifício vernacular foi elogiado por muitos autores por sua adaptação sofisticada a seu ambiente e às 
necessidades de seus usuários. Compuseram uma parcela grande do ambiente construído durante 
toda a história da humanidade. 
 3 Autóctone, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (eletrônico, 2002), tudo que é próprio de um país, ou da região em que habita e 
descende de raças que ali sempre viveram, ambas autonímias de “ádvena”: estrangeiro ou estranho vindo de fora por via culta. Já por acepção dos 
termos pode-se aferir aspectos que caracterizam a arquitetura autóctone ou vernacular: uma relação direta com o sítio de implantação e a presença de 
tradição. 
 
4: estrutura das cavernas de sal, Polônia século XI. 
 
 
5: roda d’água, Síria s/d. 
31 
 
“La arquitectura vernácula no sigue los ciclos de la moda. Es casi inmutable, inmejorable, dado que 
sirve su propósito a la perfección. Por lo general, el origen de las formas de la edificación y los métodos 
de construcción, se han perdido en el pasado”.4 (RUDOFSKY 1973) 
 
As análises de Rudofsky revelam a utilização de diversos tipos de materiais por este 
homem que dominava as técnicas de seu tempo (hoje muitas delas esquecidas). Mostra também a 
evolução dos sistemas construtivos, possível a partir da identificação das características dos materiais, 
aplicando novas técnicas aos modelos existentes com o intuito de aperfeiçoá-los. Existe uma 
correspondênciaentre o modelo tradicional e o processo de transformação, que procura sustentar a 
hipótese de que os modelos formais presentes na transformação não constituem uma influência 
cultural proveniente do mundo externo através de um processo de universalização ou aculturamento, 
mas, sim, de elementos formais presentes na arquitetura tradicional, com a incorporação de novos 
materiais e sistemas construtivos. 
 A palavra tectônica vem do radical grego tektoniké, que significa “arte de construir” 
(HOLLANDA 2004) e para COLQUHOUN a definição estrita de tectônica é a arte de construir 
edifícios. Mas, no discurso arquitetônico, o termo tem sido em geral ligado ao problema ideológico de 
considerarmos se a estrutura que confere forma à construção deve ser revelada ou mascarada. 5 
 
O pesquisador Kenneth Frampton6 é a favor da “tectônica” enquanto essência da 
forma arquitetônica. Um conceito de síntese construtiva, isto é, o modo como uma estrutura 
arquitetônica se organiza em um único corpo de uma construção lógica. A arquitetura destes últimos 
séculos (XX e XXI), tem sido caracterizada pelo conceito da “invenção” como um fim em si, tendo 
como ponto alto um abstracionismo da forma obtida através de um exagero no exercício estrutural 
amparado em um sofisticado suporte tecnológico. Sistemas construtivos avançados e novos materiais 
aliam-se a pensamentos e manifestações que se expressam através de geometrias complexas e 
instrumentais informatizados de projeto que visam uma ênfase no uso da unidade estrutural como a 
essência da arquitetura contemporânea. Estes novos processos têm presença constante nas obras 
contemporâneas dos arquitetos Santiago Calatrava, Frank Gehry e, entre outros, Renzo Piano, cuja 
obra será apresentada em capítulo específico por tratar com profundidade o uso da madeira com um 
ultura e necessária contextualização de um projeto. olhar na tecnologia e outro na c
                                                             
4 RUDOFSKY, B. Arquitectura sin Arquitectos. Editoria Universitatia de Buenos Aires, 1973, p. 01. 
5 Entrevista de Alan Colquhoun sobre usa obra Modernidade e tradição clássica", d sponível em i
0
6 NESBITT. K. Uma nova agenda para a arquitetura. Cosacnaify. São Paulo, 2006. 
http://www.vitruvius.com.br/entrevista/colquhoun/colquhoun_2.asp - 25/05/20 6. 
32 
 
Entre os sistemas construtivos usuais que avançam em aprimoramentos pode-se 
observar que em relação ao uso da madeira alguns sistemas de construção permanecem com suas 
características mais antigas, como é o caso das construções do Japão e dos países nórdicos. 
A arquitetura Nórdica que se caracteriza pela largura das paredes capazes de isolar o 
frio, configura uma construção maciça bem diferente da Oriental, porém, também muito interessante 
quanto à manutenção de processos construtivos de tecnologia simples embasada em conceitos 
ancestrais. 
Há civilizações nas quais o uso da madeira na arquitetura autóctone é expressiva, 
destacando-se formas peculiares, significativas no estudo da arquitetura: o Extremo Oriente é uma 
dessas civilizações, com uma arquitetura leve, porém resistente e feita para suportar os freqüentes 
terremotos e, portanto, rica em conhecimento no uso de detalhes de encaixes que permitem absorver 
movimentos violentos a que um edifício é solicitado quando submetido a um tremor do solo. 
As civilizações orientais, diferentemente das ocidentais, levam consigo a aura de 
“mistério”, de “desconhecido”, de crenças profundas, de uma cultura rica que até há pouco tempo 
permanecia praticamente intacta. Em algumas delas ainda podemos ter a impressão de que a 
globalização nunca teria lugar, pois a cultura enraizada é muito forte. 
Entre as diversas culturas onde ainda encontramos manifestações contemporâneas 
com lastro nos conceitos de autóctone e tectônico, destaca-se, com maior riqueza de exemplos, a 
cultura japonesa e sua arquitetura singular. São maneiras distintas de se trabalhar a madeira, com o 
caráter do artesão tradicional, ao lado da qualidade de um material natural, orgânico, que simbolize o 
ressurgimento de um estágio pré-industrial e pré-tecnológico. 
As edificações no Japão revelam que o uso da madeira na arquitetura é fruto de um 
tratamento delicado e sensível do material e os conceitos aplicados vão desde o uso, do manuseio 
técnico até conceitos espaciais tais como a mobilidade na produção dos espaços, a permeabilidade e a 
transparência. 
A arquitetura japonesa dispõe de um vasto repertório de exemplos de execução em 
madeira, desde a arquitetura religiosa dos Santuários Xinto, os Templos Budistas, os Toriis, as 
habitações antigas, os palácios, os castelos e as tradicionais Casas de Chá. De certo modo, todas essas 
tipologias seguem um padrão recorrente em relação ao material, às técnicas de corte da madeira e à 
construção. As variações ocorrem nos detalhes construtivos e ornamentos, conforme o uso da 
edificação. Dentro desta diversidade de detalhes uma delas é a estrutura imbricada dos telhados e 
beirais que, pela multiplicação de pequenas peças que são ligadas entre si, desempenham um papel 
33 
 
estrutural muito importante num sistema de vigamento caracterizado pela ausência de elementos de 
estabilidade triangulares. Estes elementos da ossatura se desenvolveram com o tempo das mais 
variadas formas (imagem 6). 
Boa parte dessa condição se deve a uma cultura na qual a tradição tem um valor 
inestimável. Conforme Noburo (1990:2) as primeiras construções com o piso elevado surgiram no 
século III a.C. com telhado estruturado em duas águas. As construções eram realizadas pelos “Inabes” 
(construtores de embarcações), configurando uma arquitetura que não ostenta grandiosidade e, sim, 
uma maior riqueza em detalhes e técnicas de construção que foram aprimoradas em relação à China, 
Coréia, Tailândia. 
 
 
 
6: detalhes de encaixes, sistema construtivo japonês. 
 
 
 
34 
 
 
7: Torii tradicional - Yoyogi-koen Park, Tókio. 
 
 
 
8: Templo Hôryû-ji (607 – século VII) – Nara. 
Construído totalmente em madeira, considerado a construção em madeira mais antiga do mundo, é patrimônio da 
humanidade desde 1993. 
 
35 
 
 
9: detalhe do beiral do telhado - Templo Todaiji Daibutsu, século VIII, Nara. 
 
 
 
10: detalhe capitel, arquitetura japonesa. 
 
 
36 
 
O Santuário de Ise (imagem 11) é uma das mais antigas construções encontradas no 
Japão, sua construção é toda em madeira de troncos roliços, com encaixes para a fixação das peças 
umas nas outras e cobertura em palha. A construção é um exemplo de como se erguiam as 
edificações com os pilares cravados diretamente no solo. Posteriormente, usaram-se pedras para 
isolar a madeira da umidade, prolongando seu tempo de uso. 
 
 
11: Santuário de Ise século VII, Ise. 
 
Outro elemento que mostra a capacidade dos japoneses de construir em madeira é o 
Pagode (imagem 12), talvez a mais forte expressão arquitetônica da cultura e tradição de um povo na 
construção em madeira. 
A estrutura do Pagode encontra equilíbrio no eixo central por meio de um pilar 
cravado no solo que segue até o alto da edificação. Seus beirais vão se sobrepondo amparados pelo 
equilíbrio interno. São construções muito antigas e possuem tipologias diferenciadas de acordo com 
a data e segmento religioso. 
 
37 
 
 
12: pagode Templo Horyu-ji, século VII. 
A coluna central funciona da parte inferior à parte superior com eixo do pagode. Todos os pagodes construídos no Japão 
têm tal coluna, chamada de shinbashira. Poucas das torres em madeira similares existentes na China e na República da 
Coréia têm esta coluna. É provavelmente uma característica distintiva dos pagodes em madeira do Japão.Outro exemplo significativo da arquitetura japonesa é o Palácio de Katsura (imagens 13 e 
14) que apresenta modulação precisa, divisão espacial coerente com essa modulação, e a sobriedade 
típica desta cultura. 
A singularidade dos ambientes surpreende pela nitidez e grandeza das formas, por 
seus princípios de composição modular, pela diferenciação entre cheios e vazios; transparência e 
continuidade do espaço. Outros aspectos a destacar são a planta livre – valor inspirador em muitas 
obras dos arquitetos do Movimento Moderno - a supressão de ornamentos e a valorização do 
detalhe, bem como o desenvolvimento tecnológico (como os painéis corrediços), o revestimento 
com materiais fibrosos e o sistema construtivo, tão distante dos sistemas ocidentais de coluna, lintel e 
arcos. 
 
38 
 
 
13: Palácio Imperial Katsura Rikyu, 1650. 
 
 
14: Palácio Imperial Katsura Rikyu. 
 
 
15: sala de chá tradicional. 
39 
 
Há questões que se apresentam como problemas intrínsecos da constituição físico-
química do material, independentemente do contexto geográfico ou cultural onde se encontram. 
Referem-se ao comportamento do material em si que por ser de natureza orgânica possui grande 
vulnerabilidade ao ataque da umidade quando em contato direto com o solo, como ocorre no seu 
uso aplicado a fundações de edifícios. Em diferentes culturas o problema procura resolver a essência 
desta questão, porém, de modos diferentes de acordo com o conhecimento obtido da 
experimentação e da técnica desenvolvida. 
 
 
16: fundações, sistema construtivo japonês. 
 
Nessas construções, pode-se verificar uma interessante estratégia adotada para 
impedir que a umidade do solo atinja as peças de madeira, elevando toda a construção do solo. Os 
pilares roliços de madeira de pequeno comprimento estão em contacto com uma base de pedra 
enterradas poucos centímetros acima no solo, estas pedras ficam com uma parte exposta onde 
dificulta a absorção da umidade que vem da terra (imagem 16). 
É interessante verificar que, quando a tradição aparece como referência formal e 
simbólica, sua identidade é inconfundível como na arquitetura em madeira do arquiteto Tadao Ando. 
A comparação dos pilares do Templo Todaiji Daibutsu com os pilares da construção do Templo 
Momyo-ji Saijo não deixam duvidas a esse respeito (ver capítulo que trata a Arquitetura de Tadao Ando). 
40 
 
Já a arquitetura dos países nórdicos (localizados na região norte e nordeste da Europa, 
compreendem os territórios da Finlândia, Noruega, Suécia e Dinamarca), possui um repertório de arquitetura em 
madeira tão grande quanto o Japão. 
A abundância de bosques no norte e leste da Europa constituíam um elemento básico 
para que a madeira fosse utilizada na construção. Apresentam uma arquitetura maciça e robusta, sem 
transparência, apoiadas em fundações rasas de pedra ou pequenos muros tipo baldrame que 
sustentam o peso dos troncos roliços empilhados paralelamente. 
Os troncos horizontais são unidos entre si mediante diversos tipos de junções. Esta 
disposição horizontal dos troncos teve maior aceitação do que a disposição vertical, devido á maior 
estabilidade que conferiam à construção. 
 
 
17: fundações, sistema construtivo nórdico. 
 
O principal inconveniente da disposição horizontal dos troncos consistia na maior 
dificuldade em conseguir que os espaços entre eles fossem vedados para evitar a infiltração de ventos 
e águas. Esta estanqueidade era conseguida, calafetando as fendas com telas tecidas na cor da 
madeira ou, nas casas mais humildes, com argila, musgo ou terra. 
Outro inconveniente na disposição horizontal dos troncos consistia no fato dos topos 
dos troncos ficarem a descoberto ficando facilmente á mercê do apodrecimento. 
 
 
41 
 
Na Escandinávia, a construção em madeira foi inicialmente executada á base de 
estruturas em aduela7, mas a partir do século XV, este sistema foi substituído pela construção em 
troncos. Porém, apresentam uma arquitetura maciça e robusta, sem transparência, apoiadas em 
fundações rasas de pedra ou pequenos muros tipo baldrame que sustentam o peso dos troncos 
roliços empilhados paralelamente (imagens 17 a 20). 
A arquitetura nórdica é adaptada ao rigor climático do local. A abundância de matéria 
prima também é um fator que possibilita esse tipo de construção, cuja origem vem desde a civilização 
Viking (século VIII a XI). 
A arquitetura religiosa também aparece como referencial importante na utilização da 
madeira para estas construções maciças. A quantidade de edifícios religiosos, erguidos durante 
séculos, e estes se encontram espalhados pela Escandinávia, Polônia e Hungria, havendo até alguns 
exemplares na Rússia. 
As igrejas de madeiras são caracterizadas por grandes pilares sobre longarinas de 
madeiras apoiadas nas fundações de pedra. Além do vedo em madeira estas são recobertas por 
pequenas pranchas de formatos e desenhos diferentes, já as residências possuem somente os troncos 
sobrepostos cruzando nas extremidades num ângulo de 90º; nestas, longarinas aparecem em alguns 
casos conforme a dimensão da edificação. 
 
18: I
                                                            
greja tradicional dos países nórdicos, Noruega s/d. 
 
7 Tábua encurvada com que se forma o corpo de tonéis, pipas, etc. Também é usada com pedra em forma de cunha secionada, que se emprega na 
construção de arcos e abóbadas de cantaria. HOLLANDA 2004. 
42 
 
Quanto maior o edifício maior é sua base e, como as fundações são rasas, nesse caso, 
o peso da madeira precisa ser distribuído por igual, obtendo-se um equilíbrio estrutural no qual a 
dimensão da base corresponde à dimensão da peça de madeira apoiada. 
Neste aspecto encontra-se semelhança com o sistema de apoio da arquitetura 
japonesa; entretanto os nórdicos ao usarem desta solução adotam uma estrutura que não se apóia 
sobre pedras isoladas como na arquitetura leve do Japão e, sim, sobre bases maciças feitas com 
pedras. 
Enquanto a arquitetura japonesa, tanto residencial quanto religiosa, faz o uso de um 
processo de imbricamento de pequenas peças, a arquitetura residencial e religiosa nórdica traz como 
peculiaridade um sistema de empilhamento de troncos, conhecido como “blockbau” (detalhe imagens 
20 e 21). Esse sistema é tradicionalmente construído por uma mão de obra não especializada. 
 
 
 
 
19: Vila Kaileia, Finlândia. 
43 
 
 
20: detalhes construtivos do sistema “blockbau”. 
 
 
21: detalhe construtivo nórdico, parede, beiral e fundações. 
 
Hoje estes países já dispõem de sistemas de pré-fabricação de residências neste estilo. 
Pode-se concluir que, mesmo dentro das inovações contemporâneas, a cultura e a tradição da 
construção em madeira nórdica não se diminuíram diante dos avanços tecnológicos, mas se 
mantiveram com a mesma matriz construtiva (imagem 21). 
Somente os países em que a madeira continuou sendo um recurso amplamente 
disponível, a tradição construtiva permaneceu. Certamente, os países Escandinavos, Alemanha, Suíça 
e outros do leste da Europa, Canadá e Estados Unidos mantiveram durante todos estes anos uma 
44 
 
produção constante de residências em madeira. Entretanto, mesmo nas regiões onde o uso de 
madeira estava sendo substituída por outros materiais, a carpintaria tradicional não desapareceu 
totalmente, embora limitada a casos singulares. Basicamente são os países em que historicamente 
prevaleceram à tecnologia de se construir com madeira. 
No Brasil não há, além da experiência indígena, uma cultura e uma tradição em 
construções em madeira tão consolidada como nos países citados. Com exceção da região Sul, que 
teve uma imigração de povosdo Norte e Leste europeu como os alemães, poloneses, húngaros etc., 
poucas regiões mantêm essa tradição. Os sistemas e técnicas adotados são referências das 
construções de seus países de origem, como o sistema mais usado: o enxaimel (no qual a ossatura do 
edifício é constituída de madeira maciça, com seção retangular, e preenchida com alvenaria. Em 
construções mais antigas, com esse sistema o preenchimento era feito em taipa (imagem 22). 
 
 
 
22: casas em enxaimel na Alemanha (em Tecklenburg). 
 
 
 
45 
 
As construções no Norte do Brasil que utilizam madeira têm um caráter empírico, 
uma arquitetura autóctone, indígena. 
O uso da madeira disponível no local dá uma peculiaridade à arquitetura regional. Os 
referenciais vernaculares desta região decorrem das arquiteturas indígenas e caboclas de populações 
ribeirinhas. Tais usos mostram ao homem moderno soluções simples para lidar com o clima quente e 
úmido da região (imagens 23 e 24). 
 
 
 
23: casas sobre palafitas no Rio Negro, adequadas às cheias do rio. 
 
 
24: maloca Makuna, região noroeste do Amazonas. 
 
46 
 
As soluções construtivas ainda são muito similares às das construções primitivas: 
troncos com dimensões maiores e mais rígidos são usados para a estrutura principal, enquanto 
outros, de menor porte e flexíveis, vão sendo dispostos de maneira que possam ser entrelaçados 
entre si ou amarrados, dando condições para receber a cobertura final em palha. Este processo é 
usado por várias tribos indígenas que habitam a região amazônica da América do Sul, não se 
restringindo somente ao território brasileiro. 
 
No Brasil, a produção arquitetônica predominante no período contemporâneo, é em 
concreto e aço. Por não se ter referências de construções em madeira com uma tecnologia mais 
avançada do que a indígena, a madeira durante muito tempo ficou impregnada por um preconceito, 
de material secundário, só atenderia à construção civil como cimbramento, fôrmas para concreto 
armado e outros usos menos importantes. 
Por inúmeras circunstâncias, uma camada da população mais pobre se aproveita das 
sobras da construção civil para erguer suas habitações. Caracterizam-se pela precariedade e condições 
da implantação e pela ausência de recursos tecnológicos na utilização do material para a construção. 
São as conhecidas “favelas”. Esta característica de precariedade contribuiu muito para que o restante 
da população passasse a ver a madeira como um material não relacionado à possibilidade de se ter 
uma habitação de qualidade. Isso não se tornou uma regra, mas contribuiu para um distanciamento 
no uso deste material. 
Por outro lado, em regiões de populações com mais recursos, de economia mais 
estável, nos deparamos com construções luxuosas em madeira, como casas de campo e praia, 
especialmente para lazer. 
Na América Latina, em especial na arquitetura brasileira, nosso estudo percorre o uso 
da madeira nas construções vernaculares tendo referências importantes na arquitetura de Zanine 
Caldas (imagens 25 e 26) e, em especial, de Severiano Mário Porto (imagens 27 e 28) cujas principais obras 
com estas características serão apresentadas em capítulo especial desta pesquisa. 
A produção de ambos inclui como precedente outra forma de olhar para o material 
como elemento principal numa obra arquitetônica. Esses arquitetos criaram um repertorio próprio, 
incentivam as gerações posteriores na busca por elementos de culturas e técnicas tradicionais que 
possam ser aplicadas às condições de nossa realidade. 
 
 
47 
 
 
 25: estrutura da cobertura Residência Itaipava, RJ. 26: estrutura da cobertura Residência Brasília, DF. 
 
 
27: vista fachada Leste, residência do arquiteto em Manaus. 28: Instituto de Arquitetos do Brasil, Manaus 1984. 
 
Um exemplo contemporâneo da aplicação da madeira na arquitetura brasileira não 
inspirada em características autóctones ou vernaculares, mas com outro olhar, são as obras do 
arquiteto Marcos Acayaba que, em sua arquitetura, busca relações entre material, forma e processos 
de produção industrial. O arquiteto, por outro lado, não mantém um vínculo com raízes culturais ou 
tradição, como os europeus ou japoneses. Seu sistema de construção é constituído de encaixes, 
baseado nos modelos praticados pela carpintaria tradicional (imagem 29), com o uso de acessórios e 
ligações metálicas. Sua obra reflete um trabalho de busca por uma tecnologia sem mistérios, uma 
industrialização prática e que, possibilite resultados além dos que já foram obtidos. 
48 
 
 
29: exemplos de sambladuras (fonte: Traité Pratique de Charpente – Barberot). 
 
 
As experiências mostradas evidenciam um rico universo da arquitetura em madeira, 
apenas esboçado, mas que revela uma diversidade de técnicas, manuseio e detalhes, tão distante da 
impressão corriqueira de que arquitetura em madeira implica sempre em uma mesma configuração 
tipológica. Há um “saber fazer” que se tornou universal ao incorporar: conhecimento de 
propriedades físico-químicas e comportamento do material em si, experimentações que se tornaram 
tradição, transformaram-se em técnica e foi objeto de troca entre diferentes culturas que por sua vez 
tornaram-se práticas naturais encontradas em grande parte do mundo ocidental. A exceção se destaca 
em culturas orientais com especial resultado na arquitetura japonesa. O conhecimento pelo contato 
com a tradição e cultura que gerou uma determinada técnica é um importante meio de aprendizado 
para o aprimoramento da pesquisa. 
 
 
49 
 
1.3. Tradição e Cultura 
 
 
A tradição em arquitetura pode ser descrita como um conjunto de precedentes conhecidos e de uso 
consagrado, parcialmente repetidos, parcialmente modificados, dos quais o arquiteto se utiliza quando 
projeta um edifício. (...) que torna possível a quem projeta ir direto às prioridades, poupando-lhe o 
trabalho de reinventar o que já foi inventado. 8 STROETER (1986) 
 
 
Temos como definição de tradição o processo de transmissão de dados culturais de 
geração em geração numa determinada sociedade. Fonte de conhecimento histórico e social. 
A origem da palavra tradição tem um sentido de conhecimento singular, uma 
memória preservada e transmitida de século para século, pela palavra, pelo exemplo, pela prática, pela 
arte e ofício. Depois, no domínio do conhecimento, dos costumes e das artes, é uma maneira, ou um 
conjunto de modos de pensar, de fazer ou de agir, que representa uma herança do passado. 
A tradição é um produto do passado que tem uma atualidade. Podemos até definir 
tradição como “o que, de um passado persiste no presente, onde é transmitido e continua a ser 
atuante e aceita por aqueles que a recebem e que, por sua vez, com o passar das gerações, a 
transmitem”, como ocorre na formação do conhecimento dos ofícios de artesão e carpinteiro. 
Este capítulo procura compreender um processo e métodos que marcam, por um 
lado, continuidade e, por outro, uma ruptura com o passado. Entende o resgate da tradição como 
certo regionalismo que se posiciona num diálogo com continuidade do espírito da modernidade, como 
sugere MONTANER9, em paralelo ao conceito de regionalismo crítico, nos termos sugeridos por 
FRAMPTON10. 
Conhecer a arquitetura de um lugar é importante, pois dessa forma é possível 
compreender parte da história, identidade e cultura existentes. 
 
 
                                                             
8 STROETER, J. R. Arquitetura e Teorias. Cap. 6 A tradição. São Paulo: Nobel, 1986, p.109. 
9 MONTANER, J. M. Depois do movimento moderno: arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p. 56,138 e 190. 
10 A definição do termo regional ou regionalismo baseia-se em conceitos como lugar, tradição, identidade local, elementos e tipos arquitetônicos 
regionais. Severiano Porto estaria dentro de um regionalismo, ou estaria começando a desenvolver uma outra modernidade? Podemos nos remeter ao 
Regionalismo Crítico de Kenneth Frampton, quando ele propõe que a arquitetura mescle influências culturais locais com tendências internacionais, 
preocupando-se com a composição arquitetônica da região onde se construirá um novo edifício, sem desconsiderar as inovações tecnológicas. Mas o 
que nos perguntamos é: em que ponto a utilização deste ou daquele material neste ou naquele projeto caracteriza uma arquitetura 
regional?FRAMPTON, K. Historia critica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 381-397. 
50 
 
Os estabelecimentos de regras da arquitetura ilustram um padrão tradicional cada vez 
mais em um estado de erosão e de transições causadas pela globalização das idéias, dos novos 
materiais e da internacionalização da arquitetura. Embora atualmente, sob a pressão das influências 
internacionais, alguns arquitetos se valem dos saberes tradicionais como base de projeto. 
Este momento de universalização de culturas e tradições não elimina, portanto, as 
tradições locais ou regionais, entendidas aqui como o acervo no qual sucessivas gerações se inspiram e 
recriam sua imagem de lugar à imagem de si mesmos11. 
Nesse sentido, a tradição é uma memória coletiva, um forte e indispensável suporte à 
sobrevivência da(s) sociedade(s). A análise de obras de Severiano Mário Porto, como o Centro de 
Proteção Ambiental de Balbina, permite verificar que o uso da experiência histórica não implica 
necessariamente na idealização, nem na uniformização da arquitetura. Com o uso eficiente de 
recursos locais e valores culturais, a arquitetura do passado adiciona informação à contemporânea. 
Arquitetos se detêm numa tradição genuína, sedimentada ao longo da prática 
vernacular, mas sujeita à transformação ao longo da história. 
O desenvolvimento acelerado das novas técnicas causou profundo impacto nas 
culturas do homem, alterou hábitos e comportamentos, modificou valores, com tal rapidez que nos 
coloca numa permanente e necessária readaptação cultural. 
As novas culturas já não são a cultura de um povo, sedimentada, acúmulo de 
experiências, vividas e compartilhadas numa sociedade, e transmitidas sabiamente de geração para 
geração. Se a cultura se transformava lentamente ao longo dos séculos, hoje, devido à dinâmica do 
mundo moderno, sofre mutações bruscas e rápidas, não totalmente assimiladas e acompanhadas pelo 
homem. 
COLQUHOUN (2004) discute sobre a tradição em que a arquitetura contemporânea 
está imersa, constituindo um quadro de referências que ajuda a perceber a configuração de suas 
vertentes atuais, como conceitos filosóficos e históricos complexos, constitutivos da modernidade a 
partir do século XV, e relaciona-os com a prática e a crítica da arquitetura dos últimos duzentos anos. 
 
Segundo COLQUHOUN (2004) a questão se apresenta nas diferenças de atitude no que 
diz respeito à relação entre tecnologia e “arquitetura”, onde a tecnologia é considerada uma força 
externa que age sobre um conceito cultural12. 
 
                                                             
11 TUAN, Y. F. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983, p. 193. 
12 COLQUHOUN, A. Modernidade e Tradição Clássica - ensaios sobre arquitetura. 1980-87. São Paulo: Cosacnaify, 2004, p. 197-200. 
51 
 
Essas novas culturas cumprem um ciclo de vida muito curto, extinguindo-se 
rapidamente, sendo substituídas nos seus valores e ações conjugadas dos fenômenos culturais, 
definindo uma cultura comum, cujo conteúdo parece ser estimulado à competitividade, registrando a 
impressão de ser nova e não a impressão de um senso de cultura conduzida por uma tradição. 
Considerando a distinção feita por vários autores na contemporaneidade, relativa à 
existência de uma cultura popular ou local, ou mesmo um processo de massificação pela indústria da 
cultura, podemos considerar que a arquitetura projetada por um arquiteto crítico, que o faz 
conscientemente, remete-nos ao estudo de construções primitivas, vernaculares ou autônomas e 
tradicionais, e procura estabelecer um discurso que propõe a presença da uma cultura regional, 
cumprindo papel de resistência às solicitações da internacionalização que não leva em conta estes 
fatores. 
 
Segundo STROETER (1986), (...) A tradição não tem regras. É orgânica e está em lenta e 
eterna mudança, tal como a linguagem. Não impõe restrições ao trabalho de criação, por isso nenhum 
grande artista deixou a tradição no mesmo estado em que a encontrou. No entanto, aquele que a 
quebra violentamente arrisca-se a ser incompreendido, pois ao seu trabalho podem faltar pontos de 
referência...13 
 
É interessante observar que a cultura pode representar, como ocorre em algumas 
obras, o “solo” criativo necessário para a configuração de um projeto. Além disso, podemos 
entender a tradição como sugere Kenzo Tange, para quem: 
 
A tradição, de per si, não pode ser uma força criadora. Há sempre uma tendência decadente a 
promover a formalização e a repetição. Para dirigi-la a canais criativos é necessária uma energia nova 
que repudie as formas mortas e as impeçam de tornarem-se estáticas. Ao mesmo tempo, a destruição, 
em si, não pode criar novas formas culturais. Deve haver alguma outra força que restrinja a energia 
destrutiva e a impeça de reduzir tudo a escombros. A síntese dialética de tradição e antitradição é a 
estrutura da verdadeira criatividade.14 
 
Verificar-se que na relação tradição-invenção podem nascer significativas obras, 
amparadas no conceito cultural (como indica Stroeter), mas também com a liberdade transformadora 
necessária, indicada por Kenzo Tange. 
 
                                                             
13 STROETER, J. R. Op. Cit. p.113. 
14 Iden, nota 10, p. 50. 
52 
 
O estudo dos assuntos sobre cultura e tradição mantém, em paralelo, questões sobre 
o conceito de regionalismo através dos teóricos Alexander Tzonis e Liane Lefaivre. 
 
Tzonis começa por estabelecer uma diferenciação entre regional e regionalista 
afirmando que: regional é aquele que utiliza os materiais, elementos e formas arquitetônicas de 
forma automática, estabelecida pela tradição, já o regionalista seria aquele que desfamiliariza a 
arquitetura de sua vida cotidiana para conseguir assim com que o observador tome consciência, de 
forma diferente, das formas arquitetônicas cotidianas e dê a elas significados diversos. 15 
 
É um paradoxo presente na raiz da cultura e da tradição que necessita ser 
compreendido para oferecer suporte conceitual e permitir uma análise mais complexa de expressões 
contemporâneas da arquitetura que é realizada em todo o mundo atual. 
Em 1985, Kenneth Frampton apresentou o conceito de Regionalismo Crítico como 
uma postura de conciliação entre a universalização proposta pela modernidade e as especificidades 
locais. 
 
Frampton diz que a arquitetura enquanto se opõe à simulação sentimental do vernáculo local, em 
certos momentos o Regionalismo Crítico vai inserir elementos vernáculos reinterpretados como 
episódios disjuntivos dentro do todo. Além do mais irá às vezes buscar tais elementos em fontes 
estrangeiras. Em outras palavras, vai empenhar-se em cultivar uma cultura contemporânea voltada 
para o lugar sem tornar-se, por isso, excessivamente hermética, tanto no nível da referencia formal 
quanto no da tecnologia.16 
 
Na década de 60, o modernismo na Europa Estado, já se encontrava em fase de 
esgotamento, porém ainda em franca atuação na América Latina, em especial no Brasil(Brasília é 
concluída e inaugurada nesta época). Os princípios da arquitetura modernista impuseram regras rígidas aos 
novos paradigmas formais e impediram reflexões mais profundas sobre as formas tradicionais que 
poderiam caracterizar nossa arquitetura. Alguns arquitetos brasileiros neste período já possuíam a 
consciência e postura de projetar com os princípios modernistas sem, contudo, desconsiderar o 
contexto e a cultura onde atuavam. O exemplo mais presente que aprofunda a questão de projetar 
com a cultura foi, sem dúvida, o arquiteto Lúcio Costa. 
 
                                                             
15 COELHO, R. A. Regionalismo Crítico. Disponível em: 
http://www.saplei.eesc.usp.br/sap612/alunos/PaginaPessoal/Rodrigo%20Alexandre%20Coelho/PgRegionalismo.htm. 10/09/2006. 
16 FRAMPTON, K. Historia critica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 381-397. 
53 
 
A palavra cultura tem muitas definições: Cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, 
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro 
de uma sociedade. (Edward Tylor) 17, como os hábitos, idéias, técnicas, compondo um conjunto, no 
qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam. 
                                                            
Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e têm uma cultura, transmitida 
no tempo, de geração a geração. Mitos, lendas, costumes, crenças religiosas, sistemas jurídicos e 
valores éticos refletem formas de agir, sentir e pensar de um povo e compõem seu patrimônio 
cultural. 
Também é descrita como a parte do ambiente feita pelo homem como a herança 
cultural, como o conjunto da tradição social “modo particular como as pessoas se adaptam a seu 
ambiente”. Nesse sentido, cultura é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres 
humanos, ocupando um território comum, criado na forma de idéias, instituições, linguagem, 
instrumentos, serviços e sentimentos. 
Esses elementos, que compõem o conceito de cultura, permitem mostrar que ela está 
ligada à vida do homem, de um lado, e, de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo fixa sua 
permanência dentro de um determinado grupo. 
A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se modifica, continuamente, nem sempre de 
maneira perceptível pelos membros do próprio grupo. É justamente isso que contribui para seu 
enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria sociedade e ainda do que é 
adquirido de outros grupos. 
Quando um grupo social sofre o processo definido pela antropologia por 
aculturação18 a cultura se amplia e se diversifica em face às influências dessa expansão, cujas relações 
condicionam o surgimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de outros. 
É um processo ou fenômeno de transformação que ocorre quando há o contato entre 
duas ou mais culturas diferentes, bem como as transformações decorrentes em cada uma delas, por 
força desse contato. Na adaptação, uma cultura se altera para incorporar componentes culturais 
tomados de empréstimo a outro, ou outros povos, e de presença constante, inevitável. Um exemplo 
 
 
17 Op. Cit. CAMPOS, R. Apontamentos para a história de uma antropologia cultural Mestre em Filosofia – FAFICH UFMG. Professor de 
odernidade Brasileira e Antropologia e História – UNIBH. 
 
M
18 Em antropologia, aculturação é o processo decorrente do contato mais ou menos direto e contínuo entre dois ou mais grupos sociais, pelo qual cada 
um desses grupos assimila, adota ou rejeita elementos da cultura do outro, seja de modo recíproco ou unilateral, e podendo implicar, eventualmente, 
subordinação política. Em psicologia e sociologia aculturação é a adaptação de um indivíduo a uma nova cultura com que estabelece contato, seja em 
seu local de origem, seja em outro local para que se tenha mudado. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (eletrônico, 2002). 
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recente na história contemporânea do Japão, que permanecera isolado durante séculos, foi a abrupta 
ocidentalização na metade do século XIX. 
As culturas de características próprias já estão por si mesmas em contínua 
transformação e, se duas ou mais se aproximam, surgem estímulos tanto para maiores mudanças 
internas de cada uma como para a outra, recíprocas, no conjunto que se formou. 
Analisando um texto de Paul Ricoeur, a Civilização Universal e Culturas Nacionais, 
original de 1955, e que, segundo FRAMPTON (2003) a obra propõe a tese de que uma cultura 
mundial hibrida só chegará a existir através de uma fecundação entre a cultura enraizada, por um 
lado, e a civilização universal por outro. O paradoxo, em arquitetura, era desmontar a tendência 
contemporânea para a internacionalização, a aculturação no seu sentido mais desestruturado 
recriando a memória dos elementos arquitetônicos locais, sem abandonar, contudo, o mesmo caráter 
progressista do movimento moderno. 
Quando não enraizados dentro de grupo, todos esses fatores e elementos levam o 
homem ao processo de “aculturação” onde todos pode ocorrer o fenômeno chamado de 
“antropofagismo”. Este fenômeno, se exacerbado com essas novas informações perde, muitas 
vezes, as referencias de sua própria cultura. A partir do Movimento Moderno acentuaram-se os 
sintomas do fenômeno de globalização disseminando o processo de aculturação em larga escala para 
adaptar-se ao modelo norte-americano com perda de referencias próprias em várias culturas. 
As obras de Severiano Mário Porto, Tadao Ando e Renzo Piano se apresentam, 
contemporaneamente, como exceções ocorridas em diferentes geografias no mundo, distintas 
culturas com resultados de projeto que conduzem a uma necessidade de reflexão quando procuram, 
cada um a seu modo, enfrentar o desejo de aproximar tradição, cultura e invenção. 
 
 
1.4. Técnica 
 
 
A palavra técnica, do vocabulário grego technikós – o que é relativo à arte 
(HOLLANDA 2004) e pode também ser definida como o conjunto de processos de uma 
determinada arte, maneira e jeito especial de fazer algo ou, ainda, pode-se entender “técnica” por um 
conjunto de regras práticas para fazer coisas determinadas, envolvendo a habilidade do executor, e transmitidas, 
verbalmente, pelo exemplo, no uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das máquinas (GAMA, 1986). 
55 
 
As regras práticas, as habilidades e a transmissão dos conhecimentos incluídos na 
definição de técnica representam uma capacidade humana importante que está associada à 
interpretação e reinterpretação da natureza e das coisas. 
É fato que, as técnicas não são simples procedimentos derivados do desenvolvimento 
cultural, elas também são sujeitos que evoluem e configuram processos intelectuais e manuais que 
permitiram moldar conscientemente o mundo natural. 
Na técnica, o planejamento é associado à experiência prática, o pensar e o fazer são 
exercidos pelos indivíduos de forma empírica e fazem parte de uma mesma essência - trata-se de um 
saber que tem origem e se expressa através do fazer ou, como diz Carvalho Jr. (1994), trata-se de um 
saber fazer apreendido na prática e transmitido no cotidiano. 
Na construção de edifícios a transmissão das técnicas construtivas através do ensino 
do ofício pelos mestres aos aprendizes, é uma prática milenar que perdura até os dias de hoje na 
formação informal da maioria dos artífices. 
Técnica construtiva é definida como “um conjunto de operações empregadas por um 
particular ofício para produzir parte de uma construção”. “Um conjunto sistematizado de 
conhecimentos científicos e empíricos, pertinentes a um modo específico de se construir um edifício 
(ou uma parte) e empregados na criação, produção e difusão deste modo de construirconstitui o que 
podemos definir por tecnologia. 
 
 
1.5 Tecnologia 
 
 
 A palavra tecnologia resulta palavra grega technología – tratado sobre a arte, conjunto de 
princípios, métodos, instrumentos e processos cientificamente determinados que se aplique a qualquer atividade 
(HOLLANDA 2004). Pode-se definir também como o estudo e conhecimento científico das operações técnicas 
ou aplicação da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas 
empregadas nos diversos ramos da técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais e da energia 
empregada (GAMA, 1986). 
O avanço da tecnologia trouxe inúmeros benefícios para o homem, dos quais o 
principal foi tornar o trabalho mais fácil e mais produtivo. Interpretadas como motores do 
progresso, as inovações tecnológicas foram implantadas sem cuidado com seus possíveis efeitos 
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colaterais. Nos últimos anos do século XX, o lado negativo do progresso tecnológico tornou-se 
objeto de reflexão nas sociedades industrializadas, que se volta para a busca de técnicas alternativas 
menos agressivas ao meio ambiente. 
É possível que novas técnicas sejam criadas, inclusive geradas a partir de 
conhecimentos autóctones, pois foi assim que as tecnologias surgiram no mundo. Porque então não 
tomar como paradigmas as soluções construtivas ligadas à técnica existente nas tipologias 
autóctones? 
O caminho para a geração de novas tecnologias visto sobre uma ótica histórica e 
seqüenciada, de acordo com a evolução do mundo, inicia com a produção artesanal, passando pelo 
semi-industrial até o industrial; os seres humanos herdaram os conhecimentos passados e 
aprimoraram-no com novas descobertas, para transformá-los em conhecimentos mais profundos. 
 Com relação à evolução da tecnologia do uso da madeira, podemos perceber, ao 
longo da história avanços consideráveis para problemas que apresentaram grandes dificuldades de 
solução como, por exemplo: 
 
- preservação de ataques de insetos e fungos; 
- obtenção de matéria prima para produção em larga escala; 
- adequação a um aumento de usos, antes limitados pelo conhecimento técnico (quanto a 
vãos, aproveitamento rentável, questões de desperdício, técnicas rudimentares de 
tratamento para obtenção de melhor padrão de qualidade e durabilidade); 
- novas técnicas de plantio e manejo de árvores. 
 
A Arquitetura em madeira, partindo destes princípios, atravessou por uma fase de 
construção popular, alcançando níveis surpreendentes e de grande realização à medida que o 
desenvolvimento tecnológico foi evoluindo. 
O surgimento de novos materiais (ferro, aço, concreto armado, protendido, etc.) ao 
lado das “tecnologias novas” e o desenvolvimento da indústria, marcam o começo de um rápido 
declínio no uso da madeira, justamente quando se diversificava o desenvolvimento tecnológico no 
mundo. Somente os países em que a madeira continuou sendo um recurso disponível, as tradições 
construtivas continuam a existir parcialmente e com pequenos progressos. Certamente, os países 
Escandinavos, os Países Baixos, Alemanha, Suíça e outros do leste de Europa ou, ainda, nos Estados 
Unidos e Canadá, mantidos durante todos estes anos uma produção constante de edifícios em 
57 
 
madeira. Entretanto, a carpintaria tradicional não desapareceu absolutamente, embora reduzida a 
casos singulares. Nos nossos tempos, podemos admirar extraordinários exemplos de arquitetura em 
madeira, em diversas áreas do planeta. A Ásia, África, Polinésia e América do Sul oferecem-nos 
alguns bons exemplos. 
Posteriormente, a industrialização da madeira permitiu a recuperação de seu uso nos 
assentamentos das fundações com as paredes de madeira tratadas por meio dos procedimentos 
químicos para evitar sua degradação. A mudança fundamental consistiu na substituição da madeira 
por outros materiais que vêm da transformação desta para melhorar suas propriedades mecânicas e 
equipara-las a dos materiais estruturais mais qualificados. 
O avanço das técnicas trouxe inúmeros benefícios para o homem, dos quais o 
principal foi tornar o trabalho mais fácil e mais produtivo. Interpretadas como motores do 
progresso, as inovações tecnológicas, entretanto, foram implantadas sem cuidado com seus possíveis 
efeitos colaterais. Nos últimos anos do século XX, o lado negativo do progresso tecnológico tornou-
se objeto de reflexão nas sociedades industrializadas, que se volta para a busca de técnicas 
alternativas menos agressivas ao meio ambiente. Entre estas as “culturas de manejo” que visam 
atenuar impactos ambientais para o caso do uso da madeira em escala industrial. 
 
Trabalhar com a madeira significa trabalhar com detalhes, com uma construção mais 
artesanal. Como material de construção, apresenta uma série de vantagens dificilmente reunidas em 
outro material, como: 
 
- obtenção em grandes quantidades por ser fonte renovável se explorada racionalmente; 
- produção em peças de grandes dimensões que podem ser rapidamente desdobradas em 
peças pequenas e de delicadeza excepcional; 
- trabalhabilidade com ferramentas simples e ser reempregada várias vezes; 
- é leve em peso e tem grande resistência mecânica. Foi o primeiro material empregado, 
capaz de resistir tanto a esforços de compressão como de tração; 
- facilidade de obtenção de formas de encaixes e conexões de peças entre si; 
- sua resistência permite absorver choques que romperiam ou fendilhariam outro material; 
- apresenta boas condições naturais de isolamento térmico e absorção acústica; 
- no seu aspecto natural apresenta grande variedade de padrões, texturas e cores. 
 
58 
 
Mas como qualquer outro material, a madeira também apresenta as desvantagens que 
devem ser cuidadosamente levadas em consideração no seu emprego como material de construção: 
 
- é um material heterogêneo, não uniforme. Essa variação ocorre de trechos em trechos 
onde é cortada; 
- é bastante vulnerável aos agentes externos e, sua durabilidade, quando desprotegida, é 
limitada; 
- é combustível; 
- facilmente apresenta falhas e defeitos, o que comprometem sua resistência ou estética; 
- a umidade causa grandes variações volumétricas, e favorece o ataque de fungos. 
 
Estes inconvenientes fizeram com que a madeira fosse, em determinada época, 
suplantada pelo aço e pelo concreto armado e, relegada a execução de estruturas provisórias. 
Na moderna técnica de seu emprego em estruturas, suas características negativas são 
atenuadas por processos de beneficiamento pelo tipo de reflorestamento, secagem artificial, 
tratamentos de preservação em autoclaves que tem assegurado proteção por longo tempo contra o 
ataque de fungos responsáveis pelo apodrecimento e destruição por insetos (brocas e cupins). 
Enquanto trabalhada sob a forma de peças serradas, a madeira apresenta excelentes 
propriedades, mas também alta heterogeneidade e anisotropia das quais derivam uma boa parte das 
falhas de comportamento. Visando minimizar estes defeitos, foram desenvolvidos processos capazes 
de reestruturar a madeira como material e torná-la mais homogênea. Esta á a base do conceito de 
madeira transformada. Reduzindo a madeira a fragmentos cada vez menores e reagrupando-os com 
adesivos, uniformiza-se grande parte das características do produto. 
A estrutura da madeira uma vez processada e reorganizada apresenta várias 
características satisfatórias: maior homogeneidade no comportamento físico e mecânico e melhoria 
das propriedades tecnológicas; maior possibilidade de receber tratamentos com resultados mais 
satisfatórios (secagem, preservação, etc.) durante de fragmentação que antecede a aglomeração ou 
colagem; possibilidade de se confeccionar peças de

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