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CLARO ENIGMA Os 41 poemas desta obra, publicada em 1951, têm como pano de fundo os sentimentos e as angústias do homem diante das transformações sociais da primeira metade do século XX. Diferentemente de sua poesia anterior, de fundo social, o autor registra o vazio da vida humana e o absurdo do mundo Publicado em 1951, Claro Enigma nos mostra um poeta mais amargo, voltado para questões mais reflexivas sobre a condição humana. O Drummond social que se destaca na segunda geração modernista da década de 1930, engajado em questões sociais em Sentimento do Mundo (1940), dá a vez a um poeta mais introspectivo e filosófico nesta obra. Tempo No final da década 1940 e início da de 1950, período de criação dos poemas de Claro Enigma, a Guerra Fria e a ameaça de uma bomba atômica atormentavam um mundo dividido em dois blocos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, encabeçado pela União Soviética. Para o poeta Drummond, que sempre lutou pela liberdade, a percepção de regimes ideologicamente tão distintos e a imposição da necessidade de se aderir a um dos lados conduz à perplexidade e ao pessimismo. Sente, de forma angustiada, que de qualquer maneira havia a opressão e o esmagamento do ser e do indivíduo sucumbidos por ideologias tão diferentes e opositivas. Incomodado, o poeta abandona o desejo de encontrar respostas e soluções para os problemas sociais e passa a buscar as perguntas que precisam ser feitas. Ao invés da crença na comunhão entre as pessoas, característica de sua poesia anterior, passa a vigorar a certeza melancólica da dissolução próxima. A esperança no homem politizado é substituída pelo desencanto em relação ao homem e à vida. As referências explícitas ao mundo real e concreto, historicamente localizado, são abandonadas em nome de um universo filosófico e metafísico, que mergulha no íntimo do ser humano, excluindo o mundo externo e seu entorno. Projeto literário Essa relativa incerteza quanto ao rumo a ser seguido representa um encaminhamento para a formulação de um novo projeto literário, que busca analisar as angústias do homem diante da falta de sentido do mundo. Por isso, percebe-se na obra mais o tom indagativo e reflexivo do que o de propostas de transformação. A forma A forma dos poemas também difere da de outras obras de Drummond. Em Claro Enigma há uma preocupação com o resgate do poema clássico. Nesse momento distante da primeira geração modernista, da qual também fez parte, o poeta sente-se à vontade para rever os poemas de formas fixas e de versos rimados. Inclusive, alguns poemas são sonetos – compostos por 14 versos – e fazem referência à poesia formal. Os temas Os poemas versam sobre vida, amor, ausência, tempo, sexo e a própria poesia. Abordam o homem em suas questões existências em busca da compreensão metafísica dessas temas. Em Remissão, percebe-se esse mergulho existencial e a perspectiva interior, introspectiva (“enquanto o tempo, em suas formas breves / ou longas, que sutil interpretavas, / se evapora no fundo de teu ser?”). Em Legado, o poeta dialoga de forma irônica e melancólica com sua própria obra (“De tudo quanto foi meu passo caprichoso / na vida, restará, pois o resto se esfuma, / uma pedra que havia no meio do caminho”). Já em Amar, Drummond anuncia que somos “conchas vazias” à procura de “mais e mais amor” numa busca quase compulsória da experiência amorosa. Conexões A introspecção da poesia de Drummond, em Claro Enigma, encontra ecos em Jacinto de A cidade e as serras, quando este busca reconstruir sua vida depois de uma constatação melancólica e pessimista de sua estada na França. Também liga-se a contos de Guimarães Rosa, como Conversa de bois, em que os animais dialogam sobre a falta de sentido da maldade humana. A leitura do conto associada à poesia Um boi vê os homens, de Drummond, revela quase que uma continuidade de uma obra na outra.
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