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CHARTIER, R Cultura popular - revistando um conceito histor

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"CULTURA POPULAR": 
revisitando um conceito 
historiográfico 
1. 
cultura popular é uma calegoria 
erudita. Por que enunciar, no ro­
meço de uma conferência, .00 abrupta 
proposição? Ela pretende somente re­
lembrar que os debates em tomo da 
própria definição de cultura popular fo­
ram (e são) tc:\Y.ldos a propósito de um 
conceito que quer delimitar, cacaoecizar 
e nomC:Jr prátiCls que nunca são desig­
nadas pelos seus atores como pectcncen­
do il "culruca popular". Prodllzido como 
uma calegoria erudim destinada a ru­
cunscreveJ' e descre>er produções e con­
dutas siruadas foca da culwca erudita, o 
conceilO de culwca popuL11" tem lC3d •• zi. 
do, nas suas múltiplas e conlrndilÓrias 
acepções, as relações m:lIJtidas peJos in­
leCtuaisocidenl;tls (e, enue eles, osscho­
lars) com uma .llcridade cultural ainda 
Roger Chartier 
mais difícil de ser pensada que a dos 
mundos "exóticos". 
Assumindo o risco de simplificar ao 
extcerno, é possível red1lzir as inúmer.lS 
definições dacultuca popular. dois gran­
des modelos de descrição e intecpccm­
ção. O primeiro, no intuito de abolir toda 
forma de emocenlCismo culrural, conce­
be a cultura popuJac como um sistema 
simbólico coerente e aUlônomo, que 
funciona segundo uma lógica abSOIUL�­
mente alheia e irccduúveJ il da culruca 
lelrada. O segundo, preocupado em Icrn­
bcac a exislência das relações de domina­
ção que organizam o mundo social, per­
cebe a cuhura popuJac em suas depen­
dências e cacências em relação à culrura 
dos dominantes. Temos, então, de um 
lado, uma cultura popular que constitui 
um mundo à pane, encerrado em si mes­
mo, independente, c, de outro, uma cul­
ruca popular inteiramente definida pela 
NoJo: Esu� ICJJO foi apresc:nlado DO semin:icio Popular Culttlre, Df! Interdlsclpllnary Conlercnce. re31iZ2do 
00 "bsnchuscus Wlilllle ofTechnology de. 16 a 17 de oUlubro de 1992 
A lt'adução é de Aone-N:uie Mia0 Olivein. 
ESllfdol HlslÓt'kos, Ilio deJanciro, voI. 8, D° 16, 1995, p. 179-192. 
180 
sua distância da legitimid'lde cultural da 
qual ela é privada. 
Estes dois moddos de intel igibilidade, 
portadores de estratégias de pesquisa, de 
estilos de descrição e de propostas IeÓri­
ClS completamente opostas, atravessa­
ram todas as disciplinas que pesquisam a 
cultura popular, seja a história, a antro­
pologia ou a sociologia. Recentemente, 
Jean-Claude Passeron mostrou os peri­
gos metodológicos de ambos: "Da mes­
ma forma que as cegueiras sociológicas 
do relativismo cultural, quando apliCldo 
às culruras popubres, encorajam o popu­
lIsmo, para quem o sentido das práticas 
populares cumpre-se integralmente na 
felicidade monádica da auto-suficiência 
simbólica, assim também a teoria da legi­
timidade cultural corre sempre O risco 
( ... ] de levar ao legitún{smo, que, sob a 
fonna extrema do m/serab//lsmo, niio fiz 
seniio descontar, com um ar compungi­
do, as diferenças como se fossem carên­
cia s, ou as alterid�des como se fossem 
Un) menos.ser ... J 
A oposição se fiz termo a termo: a 
celebração de uma cultura popular em 
sua majestade se inverte em uma descri­
ção "em negativo"; o reconhecimento da 
igual dignidade de todos os universos 
simbólicos dá lugar à lembranÇ1 das Im­
placiveis hierarquias do mundo social. 
Pode-se acompanhar Jean-Claude Pas­
seron quando de noL� que, mesmo sen­
do lógica e metodologicamen te contradi­
tórias, estas definições da cultura popu­
lar não são por isso fundadoras de um 
princípio cômodo de classificação das 
pesquisas e dos pesqui,sadores: "a oscila­
ção entre as duas formas de descrever 
uma cultura popular pode ser observada 
numa mesma obra, num mesmo aUlOr', 
e a fronteira entre amb:Is "atravessa si­
nuosamente toda descrição das culturas 
populares, dividindo-a quase sempre em 
movimentos alternativos de interpreta­
çio".2 
Como historiador, pode·se acresce fi­
tar que o contraste entre estas duas pers­
pectivas - a que enf"iZ3 a autonomia 
simbólica da L"Ulrura popular e a que 
insiste na sua dependência da culrura 
dominante - tem servido de hase para 
todos os modelos cronológioos que opõ­
em uma suposta idade de ouro da culrura 
popular, onde esta aparece como matri­
cial e independente, a épocas onde vigo­
ram censura e coação, quando ela é des­
qualificada e desmantelada. 
Não é possível aceitar sem numa: 5 a 
periodização dássica que >ê na primeira 
metade do século XVII um momento de 
corte m:úor, de con traste muito forte entre 
uma idade de ouro, onde a cultura popu­
lar teria sido viva, livre, profusa, e urna 
époCl regida pela disciplina edesial e es­
taral, onde ela teria sido reprimida e sub­
jugada Este esquenta p31eceu pertinente 
quando se tratava de dar conta da trajelÓ­
ria cultural da Europa ociden raI: após 
1600 ou 1650, as ações conjugadas dos 
ESL�dos absolutistas, centralizadores e 
un iHcadores, e das Igrejas das Reformas 
protestante e Cltólica, repN'SSivas e acuI­
tur.1l1tes, teriam abafudo ou recJado a 
exuberância in"enLiw. de lima antiga cuJ.. 
rum do povo. Ao impor disciplinas inéditas 
e novas submissões, ao inculcar novos 
modelos de comportamento, os Estados e 
as Igrejas leriam destruído eOl S"35 raízes 
e seus antigos equilíbrios um modo tradi­
cional de ver e de viver o mundo. 
liA cultura popular, tanao rural como 
urbana, sofreu um eclipse quase total na 
época do Rej.SoI. Sua coerência interna 
desapareceu definitivamente. Nunca 
mais poderia constiwir um sistema de 
sobrevida, uma filosofia da existência",' 
escreve Robert Muchcmbled, descreven­
do a "repress5.o da cultura popular" na 
FranÇ1 dos séculos XVII e XVID. De forma 
O\!lis sutil, Peaer Bude assim descreve OS 
dois movimentos que desenraiZ3r:lm a 
culrura popular tradicional: de um bdo, 
o esforço sistemático das elites, e particu-
"QJLTUll POP\J..Jr 181 
larmente dos cleros protestante e alÓÜ-
00, "para mudar as atitudes e valOles do 
(csto da população" e i'para suprimir, ou 
ao menos purificar, vários dementos da 
cultura popular tradicional"; de outro. o 
abandono, pelas dasses superiores, de 
uma cullura até en rão comum a IOdos. O 
resultado é claro: "Em 1500. a cultura 
popular era a cultura de IOdo mundo; 
uma segunda cultura para os insuuídos 
e a única cultura para os demais. Por volla 
de 1800, contudo, em muiaas panes da 
Europa, o dero, a nobl< 111, os romenian· 
1eS, os homens de oficio - e suas mulhe­
res -haviam abandonado a cultura popu­
lar, da qual estavam agora separados, 
como nunt;a _anleS, por p�fndas dife­
renças de VISaO de mundo. 
Existem várias razões para só se reto-­
ma r com muita prudência esta pericx1i7!1· 
ção e este dbgnóstico que concluem pda 
desqualificação da cultura popular ou 
pelo seu desaparecimento. Em primeiro 
lugar, está da ro que o esquema que 
opõe, em tomo de um momento<have 
(1600 ou 1650), o esplendor e a miséria 
da cultura da maioria, reitera para a itbde 
moderna um contraste que outros hislO­
rodores estlbe.leceram para outros tem­
pos. É o que ocolle. por exemplo, com 
o anleS e O depois de 1200, quando a 
imposição de uma ordem aeológia, cien­
tifia e filosófia isola a cultura erudita 
das tradições folclóricas, censurando as 
práticas dornvante tidas como supersti­
ciosas ou heterodoxas, e constituindo 
como objeto posto à distância, sedutor 
ou teuúvel, a cultura dos humlldes. Se 
Jacques Le Golf reconhece anleS de 1200 
o " ar §cimento de uma wltura popular 
leiga que vai aproveitar o espaço criado, 
nos séculos XI e XI1, pela cultura da 
aristocracia leiga, da mesma lOda im­
pregnada do único sistema cultural então 
disponível fora do sistema cleriml, preci­
samente o das tradições folclóricas",' se­
gundo Jean-CIaude Schmin, o século X 111 
inaugura a époa de uma verdadeira 
"acu1ruração": Ué preciso indagar se a 
suspeição Cf" "-"COte que pesou sobre as 
práticas folclóricas docOIpO (a dança, 
por exemplo), a pefSOl)ali>ação cada .ez 
maior da pastoral. com o uso cada ;;ez 
ma Is general i>ado do saCI amen to da pe­
nitência 1 ... 1, a instituição, no século XV, 
de uma educação religiosa para as crian­
ças (ver GelSon), não contribuiram con­
juntunente para interiorizar o sentido de 
p<:'jjdo e para 'culpabili>ar' IOdos aque­
les homens, para mascarar aos seus olhos 
a 'aculturação' de que eram vitimas, con­
vencendo-os da imoralidade da sua pró­
pria cultura. ,.6 
Semelhan te rcvertério parece ler 
ocorrido na França (e em outros lugares 
da Europa) durante os cinco decênios 
que separam a guelT:l de 1870 da de 
1914. Considera-se que, naquda fasc, as 
culturas tradicionais, amponl'sas ou p0-
pulares, s:úram do isolamento, e ponan­
to se desenraizaram. em proveito de uma 
cultura nacional e republiana? Outra 
transformação radicaI situa-se antes e de­
pois do surgimento de uma cultura de 
massa: supõe-se que os novos instru­
mentos da núdia lenham destruído uma 
cultura antiga, oral e comunilária, festiva 
e folclória, que era, ao mesmo tempo, 
criadora, plural e livre. O destino hislO­
riográfico da cultura popular é portanto 
ser sempre .bafuda, remlcada, arrasada, 
e, ao mesmo tempo, sempre renascer das 
cinzas. Isto indica, sem dúvida, que o 
verdadeiro problema não é tanto datar 
seu desaparecimento, supostamente ir­
remediável, e sim ronsiderar, para cada 
época, como se elaboram as relações 
compleos entre formas impostas, mais 
ou menos constrangedoras e imperati­
vas, e identidades aGrmadas, mais ou me· 
nos desenvolvidas ou reprimidas. 
Daí dccolle mais uma razão para não 
se 01g"0 i23r toda a descrição das culturas 
do Antigo Regime a partir do corte iden­
tificado no século xvn. pois a força com 
a qual os moddos culturais impõem sen-
182 IITUOOI HISTÓ�(O\ -1995/16 
tido não anula o espaço próprio da sua 
recepção, que pode ser resisten te, ma· 
treira ou rebelde. A descrição das nonnas 
e das disciplinas, dos textoS ou das pala­
vras com os quais a cultura reformada 
(ou contra-reformada) e absolutista pre­
IeIldia submeter os povos não significa 
que estes foram real, lOtai e universal­
mente submetidos. É preciso, ao contrá­
rio, postubr que existe um espaço entre 
a norma e o vivido, entre a injunção e a 
prática, entre o sen tido visado e o sentido 
produzido, um espaço onde podem insi­
n uar-se reformulações e deturpações. 
Nem a cultura de rn."1.SS3 do nosso tempo, 
nem a cultura imposta pelos antigos p0-
deres foram capazes de redllzir as identi· 
dades singulares ou as práticas enraiza­
das que lhes resis.bm. O que mudou, 
evidentemente, foi a maneira peb qual 
essas identidades puderam se enunciar e 
se afirmar, fa-rendo uso inclusive dos pró­
prios meios destinados a aniquilá-ruo Re­
conhecer eSL'l mumção incontesláve1 não 
significa romper as continuidades cultu­
rais que atravessam OS três séculos da 
icL-ule moderna, nem tampouco decidir 
que, após o corte da metade do século 
xvn, não há mais lugar para gestos e 
pensamentos diferentes daqueles que os 
homens da Igreja, os servidores do Esta­
do ou as elites letracL"lS prelelldiarn incul­
car em todos. 
2. 
AcreclilO que Lawrence W. Levine m­
loca questões da mesma ordem ao desen­
volver a tese da "cultural bifurcatkm" 
para caracteri:mr a trajetória cultural 
americana no século XIX. Esta tese se 
baseia num contraste cronológico maior, 
que opõe um tempo antigo -caracteriza­
do pela partilha, pela mistura e pela exu­
beráncia cultural - a um tempo moderno 
- caracterizado pela separação entre os 
públicos, os espaços, os gêneros, os esti-
los etc. "Por toda parte, na sociedade da 
segunda metade do século XIX, a cultura 
americana eslava passando por um pl&' 
cesso de fragmentação [ ... ) . Ele se mani­
festava no declinio relativo de uma cultu­
ra pública compartilhada que, na segun­
da metade do século XIX, se estilhaçou 
numa série de culturas especificas que 
cada vez tinham menos a ver umas com 
as outraS. Os le3lJ"OS, os museus, os audi­
tórios, que antes abrigavam um público 
misturado que consumia uma mistura 
eclética de cultura expressiva, estavam 
cada vez mais filtrando sua clientela e 
seus progrnrnas, de maneira que carla vez 
menos se podia encontrar públicos que 
atravessassem o espectro social e econô­
mico consumindo uma cultura expressi­
va que unisse elementos hibridos do que 
hoje chamaríamos de cultura erucliaa e 
cultura poPular'.s Uma dupb evolução 
leva da "cultura pública compartilhada" 
à "cultura bifurcada": de um bdo, um 
p=sso de retraimento e de subtração 
que atribui às práticas culturais um valor 
distintivo tanto mais forte quanto menos 
elas são compartilhadas; de Outro lado, 
um processo de desquaIifição e de exclu­
s50 que lança para fora da cultura consa­
grada e canônica as obras, os objetos, as 
fonnas daí em di:ulte relegadas ao diver­
timento popular. 
Este modelo de compreensão impres­
siona pela sua homologia com aquele 
proposlO para descrever a trajetória cul­
turai das socieebdes ocidentais entre os 
séculos XVI e xvrn. Também nessa épo­
ca, já nessa época, uma bifurcação cultu­
ral, originada no retraimento das elites e 
no içoIamenlO da cultura populor, teria 
ocasionado a destruição de uma base 
ancestral comum - a cultura "bakhtinia­
na" da praça pública, folclórica, festiva, 
carnavalesca. Nos dois casos, as mesmas 
questões podem ser colocadas. Será que 
a cultura compartilhada, dada como pri­
meira, era t50 homogênea como parece? 
E quando ocone a separação, será que a 
"GJLTIJl.\ IIlPUUr 183 
fronteira entre cultura legítima e cultura 
desqualillCld. era tão marcada e estan­
que como ap:lH:nta? Para a América do 
século XIX, David D. Hall responde ne­
gativamenle às duas perguntaS. Segundo 
ele, de um Lwo, a "cultura pública com­
pacti1hada" do início do século XIX não 
era isenta de exclusões, clivagens inter­
nas e concorrências externas; de outro 
lado, a "mercadorização" dos bens sim­
b6Ucos aparentemente mais eslr.lO.bos 
ao mercado e • captura pela cultura c0-
merciai de massa dos signos e valores da 
legitimidade cultural preservaram um 
forte inlercimbio entre cultura letrada e 
cultura popular.9 
Ou tra questão é • da articulação cr0-
nológica entre as duas II:ljet6rias, a euro­
péia e a ameriCln •. Devemos supor que 
a cultura americana percolle, com um Ou 
dois séculos de atraso, o caminho das 
sociedades do Antigo Regime da Europ. 
Ocidental? Ou, ao contrário, devemos 
considcr.lr que as evoluções culturais da 
segunda meL .. de do século XIX, que le­
VJ.m as elites a desprezar uma cultura 
popular identificada com uma cultura 
industrial, são idênticas no conjunto de 
um mundo ocidental unificado pelas mi­
grações transatl.'intiClS? Exisle, sem dúvi­
da, um f Orle laço entre, de um lado, a 
reivindicação de uma cultura "pura" (ou 
purificl(b), distanciada dos gostos vulga­
res, subtraída às leis da produção econô­
mica, sustentada por uma cumplicidade 
estética entre os criadores e o público por 
eles escolhido e, dc outro lado, as con­
quistaS d .. cultur.l comerci.ll, dominada 
pela empresa capiL1lista e destinada à 
maiori.'l. Como o mostrOu rccenlCmente 
Pierre Bourdleu, a constituição na FranÇl 
da segunda meL .. de do século XIX de um 
campo Iiter:irio definido como um mun­
do à parle e a definição de uma posição 
estética fund .. da na autonomia, no des-
prendimento e na absoluta liberdade de 
criação são fatos diretamen Ie ligados à 
rejeição das servidões da "lileratura in­
dustrial" e das preferências populares 
que garantem seu sucesso: uAs relações . . -que os escntores e os artlSW man tem 
com o mercado, cuja sanção anônima 
pode criar entre eles disparidades seUl 
precedenteS, contrwuem, sem dúvida, 
para orientar a representação ambivalen­
te que eles têm do 'grande público', ao 
mesmolempo fuscinanle e desplczí.eI, 
no qual eles confundem o 'burguês', ... b­
jugado pelas precupaçôes vulgares dos 
negócios, co 'povo', entregue ao embru­
tecimento das atividades produtivas." to 
3. 
Durante muito lempo, a concepção 
clássica e dominaole da cultura popular 
teVe por base, na Europa e, talvez, nos 
Est ados-Unidos, três idéias: que a cultura 
popul"lr podia ser definida por contrasle 
com o que ela não era, a saber, a cuhura 
letrada e domina0 Ie; que era possível 
caracterÍZlr como "popular" O público 
de certas produçôes culturais; que as 
expressôes culturais podem ser tidas 
como sociaImenle puras e, algumas de­
las, como intrinsecamenle popu1ares. 
Foram estes três postulados que funda­
mentaram os trabalhos clássicos reaJi2:!­
dos na França (e em outros lugares) so­
bre a "lileratura popular", assimilada ao 
repertório da "/ittéralure de colporltv 
ge",· e sobre a "religião popular", isto é, 
o conjunto d"lS crenças e dos gestos con­
siderados próprios da religiosidade da • • maJor!.'l. 
Mas ficou claro agora que estas afirnu­
ções devem ser postas em dúvida. A "li­
teratura popubr" e a "religião popular" 
não são tão radicalmenle diferentes da 
• Nome d:&do ls obr.u popuJ:uc:s difundidas por veodedores 2.Ulbulanle5 do século XVI ao XIX. �u 
eQu i�eDlc DO Brasj;J seria a lilcr.uun de cordel. 
184 E\T� HISTÓRKIK - 199\/11 
literatura da elite ou da religião do clero, 
que impõem seus repen6rios e modelos. 
Elas sãO compartilhadas por meios sa­
cia is diferentes, e não apenas pelos meios 
populares. Elas são, ao mesmo tempo, 
aculturadas e acultucuues, 
É portanto inútil querer ideotifocar a 
cuhura popular a partir da distrib"içío 
suposra !\len te específica de certos objetos 
ou modelos culturais. O que importa, de 
fato, tanto quanto sua repaniçio, scmpre 
mais comple .. do que parece, é sua apro­
priação pelos grupos ou indhiduos. Não 
se pode mais aceirar am,i<'aIlKllte uma 
sociolngja da distribuição que supõe im­
plicitunente que à hierarquia das dass< • 
ou grupos cone SjlOnde uma hierarquia 
paralela das produções e dos hábitos cul­
turais. Em toda sociedade, as formas de 
apropriação dos textos, dos códigos, dos 
modelos comparti1bados são tão ou mais 
geradoras de distinção queas pr:íricas pró­
prias de cada grupo social. 
O "popular" não está con lido till con­
juntos de elementos que hastaria idenU­
flca r, repenoriar e descrc:>er. Ele qualifi­
ca, antes de mais nada, um tipo de rela­
ção, um modo de utilizar objetos ou 
normas que circulam na socied1de, mas 
que são iecebidos, compreendidos e ma­
nipulados de diversas maneir.ls. Tal cons­
tat:lção desloca necessariamente o tr:Iba­
Ibo do historiador, já que o obriga a 
caracteÚz;u, não conjuntos culturais da· 
dos como "populares" em si, mas as mo­
dalidades diferenciacl:Js peL-ts quais eles 
são apropriados. 
É por isso que esta noção parece cen­
tr.lI para toda história cultural - com a 
condição, tal.ex, de ser reformulada. EsJa 
reformulação, que enfuin a pluralidade 
dos usos e dos entendimentos, se afasla, 
de saída, do senlido dado ao conceito por 
Michel FoucauJt quando coloca "a apro­
priação social dos di,scursos" como um 
dos mais importantes procedimentos 
por meio dos quais OS discursos são do­
minados e confiscados pelas instituições 
ou pelos grupos que se arrogam o direito 
de exercer um con trole exclusim sobre 
elesl1 
FJa se afasla, também, do sentido que 
a hermenêutica dá à apropriação, quan­
do a representa como o momento em 
que a "aplicação" de uma configuração 
narratiVol particular à situação do sujeilO 
transforma, pela in terpretação, a com­
preensão que este tenl de si mesmo e do 
mundo, transformando assim, também, 
sua experiência fenomenológica tida 
como universal. 12 
A apropriação tal como a entendemos 
visa a elaboração de uma história social 
dos usos e das interpretações, relacjona­
dos às suas determinações funcl:Jmentais 
e inscritos nas prátõcas espeáficas que os 
constroem Prestar, assim, atenção às 
condições e aos processos que muito 
concrelamente são portadores das ope­
rações de produção de sentido, significa 
reconhecer, em oposição à an liga histó­
ria intelectual, que nem a idéi."\S nem as 
interpretações são desencarnad."\S, e que, 
conlrariamente ao que colocam os pen­
samentos universa1izantes, as categorias 
dadas como invariantes, sejam elas fen� 
menológicas ou filosóficas, devem ser 
pensadas em função da descontinuidade 
das· trajetórias históricas. 
Se permite romper com uma defini­
ção ilusória da cultura popuL-tr, a noção 
de apropriação, Ulilizada como instru· 
menlO de conhecimento, pode lamhém 
reintroclllzir urna nova ilusão: a que leva. 
a considerar o leque das práticas cultu­
rais como um sistema neutro de difelen­
ças, como um conjunto de práticas diver­
S!lS, porém eq,livaientes. Adotar tal pers­
pectiVol significaria esquecer que tanto os 
bens simbólicos como as práticas cultu­
rais continuam sendo objeto de lutlS 
sociais onde estão em jogo sua dassifica­
ção, sua hierarquização, sua conS!lgração 
(ou, ao contrário, sua desqualificação). 
Compreender a "cultura popula r" sig­
niflC'l, então, siruat neste espaço de en-
"(lJLTW fOPlllr 185 
flentlmentos as relações que unem dois 
conjuntos de dispositims: de um lado, os 
mecanismos da dominação simbólica, 
cujo objetim é tomar aceitáveis, pelos 
próprios dominados, as reprcsenraçãoes 
e os modos de consumo que, pw:jsa­
mente, qualifl('3m (ou antes desqualif .. 
caro) sua culrura como inferior e ilegíti­
ma, e, deoutro lado, as lógicas específ)cas 
em funcionamento nos usos e nos mo­
dos de apropriação do que é imposto. 
A distinção estabelecida por Michel de 
Ceneau entre estratégias e táticas consti--
• 
• rut um recurso preaoso para se pensar 
esta tensio (e evitar a oscilação entre as 
abordagens que insistem no caráter de­
pendente da culrura popular e aquelas 
que exaltam sua autonomia). As estraté­
gias supõem a existéncia de lugares e 
instituições, prodllum objetos, normas 
e m<Xldos, acumulam e ClpÍlalizam. &i 
táticas, desprovidas de lugar próprio e de 
domínio do tempo, são "m<Xlos de f:17er" 
ou, melhor dito, de ufazer com". 
As formas "popuL"\tcS" da culrura, des­
de as práticas do quotidiano até às formas 
de consumo cultural, podem ser pensa­
das como tálicas produtoras de sentido, 
embora de um sentido possivelmente 
estranho àquele visado pelos produlO­
res: liA uma produção rncionalizada, ex· 
pansionista e centraliZlda, baculhentl e 
espetacular, corresponde uma outra 
produção, chamada 'consumo'. Ela é ma­
lrCira e dispersa, mas se insinua em todos 
OS lugares, silendosa e quase invisível, 
pois não se manifesta através de produ­
tos próprios e sim através de modos de 
usar os produtos imposlOS pela ordem - . d ' .. 13 econorruca onunante. 
4. 
Este tipo de modelo de inte1lgibilida­
de permite transformar profundamen te 
a compreensão que se tem de uma práti­
ca ao mesmo tempo exemplar e central: 
a leitura Aparentemente passiva e su� 
missa, a leitura é, na realidade, e à sua 
maneira, inicntiw e abdora. Falando da 
sociC"dade contemporânea, Michel de 
Certeau sublinha magroilicamente este 
paradoxo: "A leitura (da imagem ou do 
1C<1O) parcce consLirulr o ponto m:!ximo 
da passividade que supostamente carac­
teriza o consumidor, instituído em 
tJOyeUr (troglodita ou Itinerante) numa 
'sociedade do espetáculo'. Na realidade, 
a atividade de leirura apresenta, ao con­
trário, todos OS traÇOS de uma produção 
silendosa: é uma deriva ao longo das 
páginas, uma metamorfose do lC<1O pelo 
olho viajante, uma improvisação e uma 
espera de signilicações ind. tzidas a panir 
de algumas palavras, um prolongamento 
de espaços escritos, uma daoça efêmera 
( ... J. (O IcirorJ insinua as manhas do 
prazer e de uma .capropriação no textodo outro: invade a propriedade alheia, 
transpona-se para ela, toma-se nela plu­
ral como os barulhos do corpo. ,,14 
Esla imagem do leitor, invadindo uma 
terra que não lhe pertence, evidencia 
uma qucslão fun,bment:J.I para todo tra­
balho de hislÓria ou de sociologia culru­
raI: a da variação, em função dos tempos 
e dos lugares, dos gupos sociais e das 
"/nIerprettve communltles", das condi­
ções de possibilidade, das modalidades e 
dos efeitos dessa invasão. Na Inglatetla 
dos anOS 50, segundo a descrição de 
Richard Hoggart, a lcirura (ou a escuta) 
popular dos jornais de grande tiragem, 
das canções, dos anúndos publidtários, 
das fotonovelas, dos horóscopos, se ca­
raclerizava por uma atenção "obliqua" 
ou "distr.úda", por uma "a,ks:ío entre· 
conada de eclipses" que levava a crer ou 
a descrer, a aderir � verdade do que se lia 
(ou ouvia) sem que jamais desaparecesse 
a desconOança, a dúvida sobre sua auten­
Liddade.15 A noção de atenção "obliqua" 
permite assim entender como a culrura 
da maioria fuz para manter à dislftncia, ou 
então para se apropriar, inscrevendo ne-
186 mulXK HI\TO�(OS -199\/16 
les sua própria coerência, dos modelos 
que os poderes ou os grupos domina0 teS 
lhe impõem pela au toridade ou pelo 
merC:ldo. Esla perspec1ÍY.l contrabalança 
valiosamenle aquelas que acentuam, de 
uma forma por dem.1is exclusiva, os dis-­
positivos discursivos e institucionais que, 
numa dada sociedade, visam a disciplinar 
os corpos e as práticas ou a modelar as 
condu laS e os pensamentos. A mídia mo­
derna não impõe, como se acreditou 
apressadamente, um condicionamento 
homogeneizan te, destruidor de uma 
identidade popular, que seria preciso 
buscar no mundo que perdemos. A von­
tade de inculcação de modelos culturais 
nunca anula o espaço próprio da sua 
recepção, do seu uso e da sua inaerprela-
-
çao. 
É com uma conslalação semelhanle 
que Janice A. Radway condui seu minu­
cioso estudo sobre a aproprbção, por 
uma deaerminada "/n/erprellve comlllU­
n//y" (no caso, uma comunid,de de lei­
toras), de um gênero maior do "mas/Y 
marke/ pub/tsbing", ou seja, os "roman­
ces": "MefC'!1dorias como textos lhe MOS 
prodll7jdos em massa são selecionadas, 
compradas, construídas e usadas por 
pessoas reais com necessidades, desejos, 
inlenções e estratégias interprelativas 
pré-exisleOteS. Ao readmítirmos esses in­
divíduos ativos e suas atividades criativas 
e construtivas no centro de nosso esforço 
inlerprelativo, evilamos nos cegar diante 
do fato de que a prática esscncialmenle 
humana de crbr sentido pressegue mes­
mo num mundo crescentemente domi· 
nado pebs coiS:Js e pelo consumo. Lem­
brando assim o car:íler interativo de ati­
vidades como a leitura ( ... ( aumenlarnOS 
nossos chances de resolver ou de articu­
br a diferença entre a imposição repres­
siY.l de uma ideologia e as práticas de 
oposição que, embora lirrúladas em seu 
alcance e efeito, pelo menos dispu Iam ou 
con tesL,m o con trale das formas ideoló­
gicas . .. 16 
Se "ainda existem no processo de co­
municação de massas oprllJnidades para 
os indivíduos resistirem, aIlerarem e se 
reaproprbrem de bens destinados, em 
outras esferas, a ser comprados por 
I ,,17 ad . . fi ,-e es , temos que ffi.1l.J.r que, a orl� 
ri, semelhanteS possibiliclades eram ofe­
recidas aos leitores das sociedades do 
Antigo Regime, num tempo em que a 
inlIuência dos modelos transmitidos 
pelo material impresso era menor (a não 
ser em situações peculbres) que 00 nos­
so século xx. Devemos, pois, recusar 
toda abordagem que considere o reper­
!Ório das I/llératures de co/por/age como 
expressão da "mentalid'lde" ou da "visão 
de mundo" dos seus supostos leitores 
populares. Tall�ção, comum nos traba­
lhos sobre aBib/lo/beque 8leue francesa, 
os cbapbooks ing)ese� ou os p/Iegos de 
cordel castelhanos e calalães, não é mais 
admissível por várbs razões: porque os 
textos publicados em livros ou folhelOs 
pertencem a gêneros, épocas e tradições 
múhipbs e fragmenladas; porque exisle, 
freqüentemente, uma disL'incia (crono­
lógica e social) considerável entre o con­
texto da sua produção e os da sua recep­
ção ao longo dos séculos; porque há 
sempre um espaço entre o que o texto 
propõe e o que o leitor faz dele. A proY.l 
disso são os textos que, num dado me> 
mento de sua existência impressa, entra­
ram para o repertório da Blb/Io/beque 
81eue. De origem letrada, perlencendo a 
gêneros muito diversos, eles consegui­
ram atingir, graças à sua noY.l forma im­
pressa (a das edições baratlS) e ao seu 
modo de distribuição (a venda ambulan­
te), públicos muito diferenaes daqueles 
que garantiram seu sucesso inicial, reves­
tindo-se assim de significações baslante 
afasL,das do objetivo inicial. 
Para analisar a relação en tre os textos 
da I/ltérature de colportage e o mundo 
social das sociedades do Antigo Regime 
s,io pr ... "Cisos dois tipos complemenL"CS 
de procedimentos. O primeiro deles, in-
""rtendo o sentido das causalidwes ba­
bitualmente reconhecidas, sugere que se 
leia a "literatura popuLu" como um re­
pertóriode modelos de comportamento, 
como um conjunto de representações 
que siio igualmente normas imitáveis (e 
possi\'elmente imiLwas). O segundo fo­
cali"" a pluralidade e a mobilidade das 
significações que públicos diferenlCS atri­
buem ao mesmo texto. Mais do que uma 
suposta adequação entre o repertório da 
IittératUre de rolportage e a "mentalida­
de popular", que corre O risco de ser 
apenas uma tautologia (já que o sucesso 
da "literatura popular" costuma ser ex­
plicado pela sua bomologia com uma 
mentalidade que é na ""rdade deduzida 
da temática livresca), o que importa é 
uma bistória social das formas pelas quais 
as diferentes comunidades de leitores 
que succs.sivamente se apoderam desses 
textos os usam e compreendem. Nume­
rosas e complexas são as mediações entre 
t",,:tos que se tornam "steady sellers" 
graças às edições de rolportage e os in­
vestimentos de sentido de que s50 objeto 
em diferentes situações bislÓricas e para 
diferentes leitores. 
É preciso portanto reconhecer uma . . . -tensao unpoctanle entre as Ullençoes, 
explicitas ou implícitas, que leY.lm a pro­
por um texto a leitores numerosos e as 
formas de recepção deste texto, que se 
estendem, úcqüen temen te, a registros 
completamente diferenteS. Na Europa 
dos séculos XVI a XVIII, os impressos 
destinados ao público "popular" tinham 
uma ampla gama de intenções, que ma­
nifestaVJ.m diversas vonLadcs: cris1ianiz:l­
dora, com os textos de devoção da Con­
tra-Reforma que entraram para o reper­
tório da Blbl/lbeque BIeue francesa; re­
formadora, com os almanaques do D/u­
mln/smo italiano ou da Volksaufliirung 
alemã; didática, com os impressos de uso 
escolar ou os livros de prática; parodisti­
ca, com todos os lexlOS da tradiçdo pica­
resca ou burlesca; poética, com os TO-
187 
mtlnces publicados nos p/iegos Clstelha­
nos. Mas na sua recepção (evidentemen­
te mais dificil de ser decifrada pelo histo­
riador), estes conjuntos de te>.1Os eram 
úeqüentemente apreendidos e manipu­
lados pelos seus leitores "populares" 
scm o menor respeito pelas intenções 
que direcionaram sua produção e distri­
buição. Ora os leitores transpunham 
para o registro do im.�ginário o que lhes 
era dado no registro utilitário, ora, inver­
samente, tomavam como descrições do 
cc:l1 as ficções que lhes eram proposL�. 
As coletâneas de modelos epistolares da 
Blbllotbeque Bleue, todos oriundas da 
literatura cortesã do início do século xvn 
e reedj'adas para um público maior no 
periodo compreendido entre a meL�de 
do século xvn e o início do XIX, ilustram 
o primeiro caso: já que não tinham ne­
nhuma utilidade para leitores que nunca 
se encontravam na situac;:ío de ter que 
usar os modelos que lhes eram propos­
tos, elas provavelcmente eram lidas 
comobislÓri.� fictícias, oferecidas sob a 
forma de esboços rudimentares d� no­
vel:'as epislObres,18 No mesmo acervo, os 
textos que compõem O repertório da 
literatura picaresca apresenL�m uma si· 
tuação inversa: brincando com as con­
venções e com as referencias carnavales­
cas, parodísticas e burleSCls, foram, pos­
sivelmente, compreendidos como uma 
descrição verdadeira da realidade inquie­
tante e estranha dos L'IIsos mendigos e 
verdadeiros vagabundos.19 
Diferenlemcnte d'lS IcilOrdS de rOlnan· 
ces de Smilhton que responderam à pcr­
gun L� deJ:U1icc A. Radway, ou dos leitores 
e leitoras de New Soulh Wales entrevista­
dos por Martyo Lyons e Lucy Taksa, 20 os 
da Blb/iatbeque BIeue e d� outras "litera­
turas de ro/portage" européias (a n50 ser 
com raras exceções) não disseram nada 
acerca das SI las leilUr'aS - ou, pelo menos, 
não disseram nada que tenha sido conser­
vado pelo bitoriador. Caracterizar, em sua 
diferença, uma prática popuLu dos lC>.1OS 
183 IllIIIOS IUSTÓRlCOS -1195/11 
e dos livros não é, portan lO, coisa flol A 
oper:lçio supõe a Uli1i:z;u;iio criúca de fon­
tes que não podem se,. majs que repre­
selllaçóes da leitura: rep'rsenl3çóes ico­
n�ror""s de situações de leitur:l e dos 
objetos lidos pelo maior número de leito­
iCS;21 repn=scntaçôes nOilualÍY.lS das prá· 
ticas de leitura e de escrila conticbs em 
narraçócs, maD11ais, calendários ou alma· 
naquesdestinados ao iuCiCado "popular"; 
represen1:lÇÕCS implíd'a5 das rompelên­
das e das exp<."<lativas dos leilOles nIChOS 
habilidosos, mis como transparecem da 
o�o malerial das edições de aof, 
portage; repiCSeJllaÇÕ<:s das suas pró­
prias leilUtaS por leilOres plebeus ou cam­
poneses prodl 'zem textos auto­
ou quando wna aulOridade 
(por ( ,empl o eclesiástica ou inquisilOriaI) 
os ob� a IndiCJ r os livros que leram - e 
a dizer o que acharam e emender:un. 24 
Ficn te a esses h ""os ea C SS3S imagens, que 
põem CiD cena as Icil1J.(aS popllla. es, � 
indispensável uma pre,,·allçio. Quaisquer 
que sejam, essas lepresentações nunca 
mantêm uma reL-.çiio imedi:ua e ttanspa­
lente com as pcátiClS que permitem ver. 
Todas remelCm às moo:dicbdes espeáfi­
C\S da sua:produçiio, e, ponanlO, às inten­
ções e interesses que levaram :\ sua eJabo. 
r:lç'io, aos gêneros onde se inscre>em e 
aos destinatários visados. Reconslruir as 
regras e os limites que COO'<lnd1ffi as pd­
tic3sda replC seu tação learada, ou pop' alar , 
do pop1daré, pocconseqüêntil, umapre­
condiçio nece ssária para decifrar roerela­
mente o Iaço f Orle, polém sutil, que une 
essas tepiCSC il tações e as prá'ÍCls sociais 
que ronstiruem seu objelO.Mantida esta 
prudência, as leituras populares oas socie­
dades do Ar. ligo Regime podem ser rom­
preendidos a partir das grandes oposições 
morfológiCls que comandomas formas de 
\iansmissiio dos texIDS - por exemplo, 
entre a leirura em voz alta e a leirura 
saenciosa, ou entre a leilui3 e a decI:una­
ç'io. Este último contraSte tem uma perti­
nência para sociedades onde a 
oralidade ocupa um lugar essencial. De­
signa, de um lado, a possÍ>cl submissão 
dos JeXIOS impressos aos procedimenlOS 
peculiares da "performance" oral No caso 
da França.. a Jeinua eu. MlZ alra, nas teu· 
niões noturnas em mlla da 1areira, dos 
JeXIOS difundidos pela littbature de coI-
só nranv 11 te é ateStMb antes da 
segunda me.adc: do século XIX. Mas a 
dedwtaçio destes JeXIOS - o que implica­
va que fossem ronheddos de coe e iesti­
ruídos por .. nra pala"", viva, livre da leilura 
do texIOe próxima da recitação dos coo tos 
-
era wna das mais imponan tes formas de 
ttansmifi.los, e uma das fontes das varian­
tes que modifnm a sua \'t:rsãn imprc ssa 
de umaediçio popularpara outra. Mas de 
outro lado ocnlleu, tunbérn, o in .... CiSO: a 
circuIaçio do iepenório impresso "ão 
dejxoOJ de ter efeiros sobre as trailiçõcs 
orais, que foram profuoda IllCnte ron tlmi­
nadas e transfonmllbs (rumo o mostra o 
eU' mplo dos COlUOS de fuda) pelas versões 
letrados e erudilaS das narrativas tradicio­
nais, f3isromoforam maàçamente difun­
didas pela /Iltérature de ao/portage.2S 
AlCibuir a CltegOrla de "popular" a 
modos de ler, e oão a classes de textos, 
é, ao mesmo tempo, essencial e arrisCl­
do. Após o esrudo exemplar de Ca rio 
Ginzburg, tem sido muilO grande a fen­
taçio de caraeteriZIt a leirura popular a 
partir da de Mcooccbio - ou seja, romo 
uma leitura descootinuaque desm .. mbra 
os tCXlOS, descoo" <lualº'" as palavras e 
as �,Iimi1a-se i literalidade do senti­
do.2 Este tipo de diagnóstico enrontrou 
confirmação 03 análise das eslCUruras -
ao mesmo tempo textuais e matem is 
-
dos impressos destinados ao grande pú­
blico, cuja organi2ação em seqüências 
breves e desconjuotadas, encerradas em 
si mesmas, repetitivas, parece adequar·se 
a uma leitura picorada, sem men16ria, 
susfenlada por frngmeolOS do texto. 
Esla COOSlalaçio é seUl dúvida perti­
nente, mas deve ser matizada Será que 
as pdtiCls de leirui3 que ela considera 
como especificamen te populares, enrai­
zadas numa antiga cultura oral e campo­
nesa, são (elas e outraS modalidades) 
diferentes das que, na mesma época, ca­
racterizam a leitura dos letrados? Os dois 
objetos emblemáticos da leitura erudita 
nO Renascimento - a roda de livros, que 
permite man ter vários livros abenos ao 
mesmo tempo e, em conseqüência. coo· 
fron LV e extr.úr os trechos tidos como 
essenciais, e o caderno de lu�res c0-
muns, que reúne em suas rubricas cita· 
ções. exemplos, sen tenças e experiências 
- L1.IDbém f3Z-t:m supor e inferir uma 
leitura que recorta, fragmenta, descon­
textualiza, e que investe de uma absoluta 
aUlOridade o sentido literal do textO.27 A 
idcn tillcação dos traços morfológicos 
que organizam as práticas é, por conse­
guinte, uma condiçío necess.ária, porém 
nio suficiente, para designar adequada­
men te as diferenças culturais. As formas 
populares das prátiClS nunca se desen­
volvem num universo simbólico separa­
do e especifico; sua diferença é sempre 
construída através das medL1ÇÕes e das 
dependêncL1S que as unem aos modelos 
e às normas dominantes. 
5. 
Na conjuntura intelectual atual, dois 
obstáculos ameaçam a abordagem que 
estamos defendendo aqui e que define as 
configurações culturais ("populares" ou 
não) a partir das práticas e, conseQÜente­
mente, dos modos de aproprL�ção que 
llies são peculiares. O primeiro é consti­
tuído pelo "lingulst/c tum" ou o "semlo­
t /c cballenge" proposto à critica textual e 
às ciências sociais. São conhecidos seus 
três fundamen tos: considerar a lingua­
gem como um sistema fechado de signos 
cujas relações prodll:rem sentido aulO­
m:uic:J mente; considerar esta construção 
da signifiClção como isenta de qu.'Ilquer 
intenção ou controle subjetivos; pensar 
189 
a ""lidade como constituída pela pro. 
pria linguagem, independentemente de 
toda referência objetiva. ]ohn E. Toews 
fez um resumo doro desta posição radi­
cai que, a partir da constatação de que "a 
linguagem é pensada como um sist< 111.0 
autocontido de 'signos' cujos significa­
dos s.'io determinados por S1!3S reIações 
uns com os outros, muito mais do que 
por suas relações com algum objeto ou 
sujeito 'transcendental' ou extt3Aingüís­
tico", postula que "a criação do sentido é 
impessoal e opera 'pelas costas' dos 
usuários da linguagem, cujas ações lin­
güístiCls podem apenas exemplificar as 
regras e os procedimen lOS das lingua­
gens �e eles habitam, mas não contro­
lam", 
Contra essas formulações rac!iClis, 
acredito ser preciso relembrar que não é 
lícito restringir as prátiClS constitutivas 
do mundo social à lógica que govema a 
produção dos discursos. Afirmar que a 
realidade só é acesslvel através dos dis­
cursos que querem o�nizá-la, submetê­
la, ou representá-Ia (e, para o historiador, 
discursos que são sempre textos escri·lOS), não significa postular a identidwe 
entre a lógica logocêntrica e hermenêu­
tica que comanda a produção desses dis­
cursos e a t6gica prática, o "sentidp prá­
tico" que regula as condutas cuja trama 
define as identidades e as relações s0-
ciais. Toda análise cultural deve levar em 
conta esta illedutibilidade da experiên­
cia ao discurso, resguardando-se de um 
uso incontroIado da categoria de texto, 
indevidamente apUcada a práticas (ordi­
nárias ou rituais) cujas táticas e procedi­
men tos não são, em nada, scmelhan tes 
às estratégias produtoras dos discursos. 
Man ter esta distinção é essencial, como 
assinala Bourdieu, para que se evite "pos­
tularcomo principio da prát.ica dos agen­
tes a teoria que se deve construir para dar 
conta dela" ou, ainda, projetar "nas prá­
tiClS o que é função das práticas (não 
190 ISTUOOI HllTÓRKo\ - 1991nl 
-
para os alOres mas) para alguém �uc as 
estuda como algo a ser decifrado". 9 
Por outro lado, o objclO fundamental 
de uma história ou de uma sociologia 
cultural compreendida como uma história 
da construção da slgnillcaçío reside na 
tens:io que aIticula as capacicbdes in"",­
tivas doo; indivíduoo; ou das comunidades • com os constranguncntos, as normas e as 
convenções que limitam - m:l js ou menos 
poderosamente segundo sua posiçío nas 
relações de dominaçío - o que lhes é lícilO 
pensar, enunci.v, fazer. Esta COnSI:lt'lÇão 
vale para uma história das obras letradas, 
pois elas se inscrevem sempre no campo 
dos possíveis que as IOmam pensáveis. 
Vale para uma história d"lS pr:íticas que 
são, clas L,mbém, in""'çõcs de sentido 
limiIadas pelas múltipL"lS dcterminaçõcs 
(sociais, religiosas, institucionais etc.) que 
definem, para Clda comunkbcle, os com· 
port:lmenlOs legítimos e as norm."lS incor­
poradas. Ao caráter aUIOm.ítico e impcs­
sool da produçío de sentido L-.J como 
poo;rula o "Iingu/sllc tum", é preciso opor 
outra pcrspectiY.l que enEuQe as diferen­
ças, as liberdades cultural c soci.-.Jmente 
detcnn.inadas, que os " interstícios ineren­
tes aos si<tem."lS gerais de normas lou as 
contradições e:xistentcscntre elesl derom 
par� 00; alOres". 30 
Uma segunda dificuladade reside nas 
definições implíci�LS de uma calCgoria 
como a de "cultura popular". Qucira-se 
ou não, esta calCgoria leY.l a perceber a 
cultura que ela designa como L10 aulÔno­
m., quanlO as culturas longínquas e como 
siruad, simetricamcnte em rel,ção à cul­
rura dominante, letrada, elítisL', com a 
qual fonna um par. É preciso dissipar 
eSSls duas ilusõcs complementares. De 
um lado, as culturas populares estão 
sempre inscritas numa ordem de legíti­
midade cultural que lhes impõe uma rep­
resentação da sua própria dependência. 
De outro, a relação de dominação, sim­
bólica ou não, nunca é simétrica: "Uma 
culrura dominante não se define, em pri-
meiro lugar, por aquilo a que renuncia, 
enquanto os dominados sempre se con­
frontam com aquilo que lhcs é recusado 
pelos dominantes - qualquer seja sua 
atitude depois: resignação, nega�o, con­
testação, imiL,ção ou recalquc". t 
Iw nos afustafmos do implícito espon­
tâneo que babita o conceito de cultura 
popuhr somos leY.ldos dc volta à nossa 
pergunta inici.-.J: como articular (e não SÓ 
utili:cJf de fonna altemad,) esses dois 
modelos de in teligíbilidadc da cultura 
popuhr que são, de um lado, a descrição 
dos mecanismos que ICY.lm os domina­
dos a interiorizar sua própria ilcgilimida­
de cultural e, de outro lado, o reconhcci­
mcn 10 d"lS expressões pelas quais uma 
cultura dominad .. "consegue organizar, 
Inuma) coerência simbólica cujo princi­
pio lhe é próprio, as expcriências da sua 
condição,,�l A resposta nio é fácil e he­
sita entre duas alternativas: operar uma 
trj.,gem entre as priticas rmis submcti­
das à dominação e aqucL"lS quc usam de 
astúcia com ela ou a ignoram; ou, então, 
considerar que cada prática ou discurso 
"popular" podc ser objeto dc duas an,Ui­
ses que mosu-cm, alternadamente, sua 
autonomia e sua hetcronoml.'l. O cami� 
nho é cstreito, dificil, instável nL"lS acredi-
10 que seja, hojc em dia, o único possível. 
Notas 
1. Oaude Grignon e Jcan-Claude I':!ss.,. 
ron, Le SQIXlnI el le poplJafre. Mlsérabilisme 
el popu/lsme en 5OCiologle el el/ lilléralure 
(P:uis. G:illinurd / Le Scuil, liaUles ElUdcs, 
1989), p.36. A tr.lduÇio espanhola inti,ula·se 
Lo ai/lo y lo popli/ar. Miserabillsmo e popu­
lismo en 5OCiologla y ,m IIleraJura (I3arcelo­
na. l.:l5 Edicionc:s de la I�queta, 1992). 
2. lbid., p. 37. 
3. Robcrt Muchcmblcd, Cli//ure popli/alre 
oi ai/lure des él/tes dans la France moderne 
(.We-X\IIIle �des) Essal (P:uis, Rammarion, 
1978), p. 341. No prefácio de uma reedição 
"OJLTUlA POPUlAR" 191 
do seu livro (paris, flammarion, 1991), o au­
tor matiza fortemente seu ponto de vist!. 
4. Peter Burkc, /'opular cW/ure in early 
modem Europe (London, Mawice Temple 
Smilh LId, 1968, reed., New York, Barper and 
Row, 1978), p. 207-208 e 270. Há traduo;iio 
brasileira, A adlura papwar naldat/e Moder· 
na: Europa, 1500-1800 (São P-"ulo, Campa· 
oh;;' d!lS Letras, 1989). 
5. Jacques Le GoO", "CuILure ccdési!lStique 
el cuJture folldorique au Moyen-Age: Saint 
Mareei de Paris et le dragon" (1970), em 
Jacques Le GoO", /'oIU Im auJre Moyen-�. 
Temps, travaü el cWlllre en Ocddel7l: 18 
.. ",Is (p-.uis, Gallimard, 1977), p. 236-279 
(dução p. 276). Há tradução portuguesa, 
Para wn novo concel/o de ldat/e Média: le,,,, 
pa, trabalho e aJllIra no Ocid",le (üsboo, 
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E.S.C, 1989, p. 1505-1520 (este último tem 
ttaduç50 em ponuguês: UO mundo como 
representaçio", Esludos Allançados, 5/11, 
j:ln-abt 1991, p. 17}.191). 
31. Je .... Oaude \':!'<cron, op. ciL, p. 61. 
32. Ibid., p. 92. 
(Recebido para pllblicação em 
agoslo de 1994) 
Roger Cbartler é diretor de esOldos na 
- -
EeoIe dc:s Hautes Eludes en Scienees SociaIes.

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