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O PAPEL DO PSICÓLOGO FRENTE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

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O PAPEL DO PSICÓLOGO FRENTE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
 
Atender crianças em situação de violência doméstica não é tarefa fácil. Existe uma dificuldade por parte dos profissionais para lidar com essa demanda, tanto pelo despreparo da identificação quanto da notificação, principalmente quando se trata de abuso sexual, sendo esse de difícil comprovação por falta de provas da ocorrência quando não há penetração, quando apenas “(...) tome a forma de manipulação ou sexo oral (...) ou ocorra no interior de um jogo de sedução gradual” (GONÇALVES, 2002 p.293).
Os profissionais que atuam em diversos segmentos, tais como na saúde, na educação e nos sistemas de garantias de direitos da infância e da adolescência, despreparados tecnicamente (Brino & Williams, 2003) e influenciados pela crença de que as crianças mentem e fantasiam sobre o abuso, tendem a desacreditar e a invalidar a tentativa de revelação. O tabu da sexualidade perpassa todo o tecido social, e dificulta o acolhimento da revelação do abuso sexual não só pelas mães das crianças e pela família, mas pela comunidade social e científica, o que é uma forma de (re)vitimização. (Gabel, 1997). A crença de que a criança fantasia o abuso parece estar associada à disseminação da psicanálise e das fantasias edipianas, tributárias da teoria freudiana da sedução.
Os profissionais que atuam com o fenômeno da violência doméstica precisam de um olhar cuidadoso e não isento sobre as questões humanas envolvidas. Torna-se imperativo a responsabilidade, a ética e a realização dos encaminhamentos que forem necessários para interromper o ciclo de violência, principalmente a fim de proteger a criança, uma atuação inadequada pode comprometer seriamente a vida de uma criança a qual, na maioria das vezes, não tem condições de se defender da violência que lhe é imposta.
A complexidade dos processos envolvidos exige uma abordagem multidisciplinar que integre os três tipos de intervenção: punitiva, protetora e terapêutica, como propõe Furniss (1993). Integrar essas ações de forma a não causar maiores danos à criança é o grande desafio dos profissionais. Como diz Ribeiro (2002):
A violência deve ser analisada a partir de uma postura a mais isenta possível de juízos de valor ou moral, ampliando as possibilidades de intervenção curativa. Só assim, a psicanálise poderá sustentar sua especificidade, qual seja, questionar tudo novamente, permitindo que se considere o aprisionamento a determinados sintomas, como as situações de envolvimento sexual entre adultos e crianças (RIBEIRO, 2002:2)
 
No que se refere à responsabilidade profissional na notificação dos casos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 245, deixa clara a obrigatoriedade de notificar casos de maus-tratos contra a criança ou adolescente, independentemente dos valores ou crenças dos profissionais de saúde. Para quem sabe, ou mesmo suspeita, e não notifica, é prevista multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Muitas são as crianças encaminhadas para um atendimento psicoterápico na tentativa de comprovar se houve ou não um abuso. Esses encaminhamentos vêm do Conselho Tutelar, Pais, Escolas, Ministério Público, etc. Vale ressaltar que não é função do psicólogo dar atestados sobre a ocorrência de um abuso. Isto não se trata de uma questão focal e pontual do campo psicológico, mas do campo jurídico ou policial. Tampouco se estabelece como competência do psicólogo tornar-se um inquiridor e investigador para atender propósitos jurídicos, sejam eles a que propósito forem, principalmente se objetivarem produção de provas investigativas. A função do psicólogo, desta forma, tornar-se-ia outra que não a da escuta, do suporte emocional para que a pessoa saiba lidar tanto com o problema diretamente, quanto seus efeitos indiretos.
O Código de Ética Profissional dos Psicólogos, no artigo 25 consta que "o sigilo profissional protegerá o menor impúbere ou interdito, devendo ser comunicado aos responsáveis o estritamente essencial para promover medidas em seu benefício". No artigo 26: "a quebra de sigilo só será admissível, quando se trata de um fato delituoso e a gravidade de suas conseqüências para o próprio atendido ou para terceiros puder criar para o psicólogo o imperativo de consciência e denunciar o fato".
Assim, cabe ao Psicólogo avaliar cada caso de forma a pensar uma melhor maneira de trabalhar a família e o paciente em questão, sempre tendo como ponto de partida entendimento claro da situação com os sintomas em jogo. Em caso de risco de vida, é de extrema importância que haja uma intervenção por parte do profissional, ou da Instituição para salvaguardar a criança. Além disso, a pessoa em foco deve ser compreendida a partir do seu ambiente natural e na sua própria interpretação da realidade.
4. ALGUNS ASPECTOS SOBRE A LEGITIMIDADE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
“Na atualidade, abordar, sob qualquer aspecto, o tema violência, implica trazer, às claras, uma realidade de banalização que acontece nas suas mais diversas variáveis. A violência, no mundo de hoje, parece tão entranhada em nosso dia-a-dia que pensar e agir em função dela deixou de ser um ato circunstancial, para se transformar numa forma do modo de ver e de viver o mundo do homem” (ODALIA, 1986:09)
Embora a infância tenha adquirido maior importância nos aspectos sociais, jurídicos e familiares, essa condição de prática de violência contra a criança, se mantém até os dias atuais. Algumas explicações foram e continuam sendo usadas até hoje para afirmar como justo e necessário agir violentamente com a criança, tais como métodos corretivos, educação, disciplina que constituem a violência como forma legitima de socialização. Em Donosa (2006) verifica-se que:
 “o castigo físico mostra-se como uma prática comum, banalizada e, até mesmo, legitimada pela sociedade. No nosso meio, um traço cultural importante parece ser, ainda, a admissão do direito sem limites dos cuidadores sobre a criança, o que leva ao abuso de poder do mais forte sobre o mais fraco” (DONOSA, 2006:101).
Nessa visão, segundo alguns valores sociais, acredita-se que a punição seja um método eficaz de educação, a criança deve sempre aprender a obedecer, “em nome da disciplina e da obediência, a criança é maltratada..." (Marmo et al., 1995:314). Verifica-se esta tendência em diversos contextos construídos a partir do pressuposto de que estas práticas inibem os comportamentos considerados prejudiciais.
O castigo físico foi introduzido, no século XVI, pelos padres jesuítas aos indígenas que ficaram horrorizados e que desconheciam o ato de bater em crianças. A correção era vista como forma de amor. Eles consideravam que dar mimo fazia mal aos filhos e deveria ser repudiado. Acreditavam que vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos, deviam ser combatidos com açoites e castigos. O amor do pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensina que amar “é castigar e dar trabalhos nesta vida” (Del Priore, 2004, p. 97). Isso relembra que, na nossa tradição, transmitida e transformada pelas famílias ao longo de séculos, a disciplina rígida e os castigos físicos e morais eram impostos às crianças como forma de lhes fazer o bem, “aquele que retém a vara, quer mal ao seu filho, mas o que o ama, cedo o disciplina.” (Pv. 13:24).
Segundo Silva (2002), é possível entender-se, através deste provérbio bíblico, que há séculos, a humanidade se escuda em justificativas de caráter religioso para praticar atos violentos na criança. A cultura e as religiões apóiam de modo quase unânime, a onipotência da autoridade parental (p.87).
No Brasil, bem como em muitas outras regiões, é culturalmente aceitável, que os pais possam utilizar da punição física contra os filhos, na tentativa de educá-los e socializá-los, segundo seus interesses e modelos. Este modo de educação reflete a realidade, construída durante muito tempo, em que a criança é simplesmente objeto de realização das determinações paternas. 
Para Nascimento (2002, p.48) é difícil para uma criançainternalizar uma regra, quando esta lhe é imposta através dos castigos físicos. O resultado não levará a obediência, mas ao ressentimento e ao medo, muitas vezes faz com que a criança resista à aceitação e internalização destas regras. No entanto, alguns pais acreditam que tem que apelar para a punição, principalmente quando tentam ensinar seus filhos a evitar práticas ou objetos perigosos, ou quando desejam inibir determinadas atividades. Na tentativa de corrigi-las, justifica-se a intervenção agressiva. Conforme Baptista (2002):
 "Crê- se que a imposição de limites às crianças deve ser, necessariamente, acompanhada de medidas de censura aplicadas moderadamente, que podem ir desde agressões físicas, restrições à liberdade de locomoção, imposição de obrigações ou tarefas humilhantes até rotinas rigorosas que comprometem o desenvolvimento físico e psíquico da criança e do adolescente" (BAPTISTA. 2002:184).
Santo Agostinho (354-430 d. C.) justificava a violência física e o castigo corporal pelo argumento da corrupção moral da infância (Machado, 1996 p.133). A criança era pensada como um ser imperfeito, representante do mal e deveria ser educada. Isso mostra um argumento religioso e moral que reflete uma cultura punitiva.
Para Estrela (1994, p.15) o termo disciplina assume várias significações no decorrer do tempo, como instrumento de punição, obediência às normas, direção moral, regra de conduta para fazer reinar a ordem, punição e dor. Se pensarmos o termo indisciplina, ele é definido como desordem proveniente da quebra das regras estabelecidas.
O poder disciplinar é com efeito um poder que (...) tem como função maior adestrar. (...) A disciplina fabrica indivíduos; é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 1998:143).
Durkheim não é a favor dos castigos corporais. Para ele, como os objetivos da educação moral consistem em transmitir à criança o sentimento de sua dignidade de homem, as penas corporais se tornam perpétuas ofensas a esse sentimento, “não só não se deve bater como também se deve proibir qualquer castigo susceptível de prejudicar a saúde da criança” (DURKHEIM 1994: 303).
No entanto, Zagury (1993) relata que em algumas situações, mesmo com medo, a criança identifica esse ato de apanhar humilhante, e encontra forças para enfrentar os pais, quando dizem, por exemplo, “nem doeu”. Essa é uma forma de defesa que pode redundar em mais agressão, em razão do possível descontrole dos pais. Portanto, o que muitos pais convencionam chamar de “palmadas” pode acabar até mesmo em espancamento. A punição física, muitas vezes, é utilizada de maneira descontrolada, mais como alívio para quem bate do que como meio disciplinar (BESSA et al., 1989).
Essa realidade remonta a aceitação da prática de violência na sociedade, seja como método satisfatório de educação, seja como mecanismo presente no cotidiano de sanção utilizado junto às crianças por seus responsáveis. É o que podemos verificar no estudo realizado por Brito et al (2005:149) onde registra que, nos atuais costumes brasileiros, a punição física ainda é usada como instrumento educativo, sendo defendida por alguns pais. Aponta que em algumas circunstâncias pode favorecer a cronicidade da violência física contra a criança. Refere que, em pesquisa realizada no Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (CRAMI - Porto Alegre) verificaram que esta modalidade de violência estava presente em 58% das famílias participantes.
Outra questão que torna legitima a violência doméstica são os ganhos secundários. Muitas mulheres deixam de denunciar o abuso com medo de perder seu companheiro, ou a ajuda financeira que este lhe dá, ou pretensamente salvar o casamento.
Famílias que interagem rotineiramente com uso da violência não conhecem outra forma de contato a não ser essa. A comunicação familiar vai acontecer a partir dos diversos tipos de abuso. Torna-se necessário os atos violentos e uma compulsão a repeti-los, para produzir uma forma de contato, um elo entre os membros da família. Como descreve Sgroi (1982):
Para algumas crianças, a atividade sexual pode ser virtualmente a única interação ou forma de intimidade física carinhosa que elas têm em casa. Apesar da mãe disciplinar a criança e prover suas necessidades físicas, geralmente não existe afeição e um elo emocional entre eles e essa lacuna pode se parcialmente preenchida pelo agressor (SGROI, 1982:16).
É fundamental trabalhar toda a família e interromper esse ciclo que, legitima e banaliza os atos abusivos que envolvem crianças e adultos dentro da esfera familiar.
Faz-se necessário aos profissionais da saúde, particularmente o psicólogo, um olhar atento e cuidadoso, livre de idéias morais e sociais, culturalmente enraizadas, sobre o tema. Além de encarar a violência como fenômeno crescente e, portanto, a urgência de se aproximar dessa realidade, para então desmistificar algumas crenças e valores tão ultrapassados, como por exemplo, o lar é um lugar seguro e intocável; abuso sexual é cometido por pessoas estranhas, desconhecidas; a criança precisa apanhar para aprender; mãe é sinônimo de amor e carinho; todas as crianças fantasiam e mentem sobre supostos abusos; etc. Os profissionais mantêm uma posição de desinformação, negação, indiferença, preconceito e temor com respeito a esse problema, o que dificulta possíveis detecções e prevenção de situações perigosas.
Vale ressaltar que, nem todo envolvimento sexual entre crianças e adultos faz-se de forma violenta, é preciso verificar o contexto e como é a família. Procedimentos a posteriori tendem a traumatizar muito mais as criança (prisão da pessoa querida, afastamento do lar, exame ginecológico, testes psicológicos, entrevistas com profissionais desqualificados e sem nenhum preparo, vitimização, etc.) do que o ato propriamente dito. Possibilitar a criança construir um espaço onde ela possa lidar com essas questões é mais importante e não procurar um culpado para punir. A criança precisa elaborar o ocorrido e isso deve ser feito no tempo dela.
É fundamental o entendimento claro da situação, fazer os encaminhamentos que forem necessários a fim de interromper o ciclo de violência, principalmente a fim de proteger a criança, pois, uma atuação inadequada pode comprometer seriamente a vida de uma criança a qual, na maioria das vezes, não tem condições de se defender.

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