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UAB/IFMT LICENCIATURA EM MATEMÁTICA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Professor Organizador: Francis-Elpi de Oliveira Nascimento. Cuiabá – MT, junho de 2017. Sumário APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA........................................................................................3 PARA INÍCIO DE CONVERSA................................................................................................3 UNIDADE I – FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA..................................................................6 1. FILOSOFIA: CONSTRUINDO O CONCEITO – O QUE É? PARA QUE SERVE?............6 1.1. Filosofia: “amor à sabedoria” e a busca do saber............................................................6 1.2. Filosofia: consciência crítica...........................................................................................6 1.3. Filosofia: preocupação pelas questões humanas mais fundamentais..............................7 1.4. Filosofia: busca dos sentidos e valores............................................................................8 1.5. Filosofia: o mundo precisa dela?.....................................................................................9 1.6. Filosofia da experiência vital (senso comum) e Filosofia como ciência.......................11 2. FILOSOFIA: DELIMITANDO SUA NOÇÃO....................................................................12 2.1. FILOSOFIA: ESCLARECENDO A ETIMOLOGIA...................................................12 2.1.1. Sabedoria nas antigas culturas orientais................................................................13 2.1.2. Sabedoria na cultura grega....................................................................................13 2.2. FILOSOFIA: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO....................................................14 2.2.1. Filosofia é ciência?................................................................................................14 2.2.1.1. Filosofia é ciência pela sua racionalidade e criticidade.................................14 2.2.1.2. Filosofia é ciência pelos seus procedimentos metódicos...............................14 2.2.1.3. A Filosofia é ciência pela sua sistematicidade...............................................14 2.3. Filosofia é uma ciência da fundamentação....................................................................15 2.3.1. Filosofia é ciência da fundamentação porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas........................................................................................................15 2.3.2. Filosofia é ciência da fundamentação porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade..........................................................................................16 2.3.3. Filosofia é ciência da fundamentação porque se situa além das ciências experimentais-positivas...................................................................................................16 2.3.4. A Filosofia é uma ciência da universalidade..........................................................16 2.3.4.1. Filosofia é ciência da universalidade porque seu campo é universal.............16 2.3.4.2 Filosofia é ciência da universalidade porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos......................................................................................................17 3. FILOSOFIA: SUA ORIGEM HISTÓRICA.........................................................................18 3.1. GRÉCIA: O BERÇO DA FILOSOFIA.........................................................................18 3.2. FILOSOFIA GREGA: CONTEXTO HISTÓRICO DE SEU NASCIMENTO............18 3.2.1. A ausência de escritos religiosos...........................................................................18 3.2.2. A sociedade democrática.......................................................................................18 3.3. O MITO E A FILOSOFIA.............................................................................................19 3.3.1. Passagem do mito à Filosofia................................................................................19 3.4 OS ALVORES DA FILOSOFIA....................................................................................20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................22 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PARA INÍCIO DE CONVERSA “Há certas perguntas que a ciência não responde e para as quais a religião não satisfaz. A filosofia é uma poderosa arma de especulação, uma forma de enfrentar um mundo que supervaloriza o ter em detrimento do ser. Apesar de toda a tecnologia, as pessoas não são felizes.” (Mozart Cabral. – in: Cafés Filosóficos). Acostumados a uma visão simplista e parcial do mundo, de modo geral sem crítica e/ou questionamentos, a Filosofia, então, nos parece um castigo e, acima de tudo, algo profundamente enfadonho e inútil. Já disse alguém que se considerava sábio: “A Filosofia é o conhecimento com o qual e sem o qual o mundo continua tal e qual”. Entretanto, ao nosso curso se apresenta um desafio: o de deixar-se tocar pela experiência filosófica e, nas palavras de Merleau-Ponty, “reaprender a ver o mundo.” Seja bem-vindo ao universo conceitual da filosofia. Vamos filosofar um pouco? Nesta jornada, temos como ponto de partida a reflexão sobre o conhecimento filosófico e o educacional. Enquanto professor de matemática você precisará pensar e repensar a sua prática pedagógica, o que envolve um tipo de conhecimento específico e sua relação com as outras áreas do saber humano. Convido-o, neste caminho, a não ser apenas um expectador, mas um participante ativo de um processo de construção de conhecimento significativo. Considerando o mundo em que vivemos, podemos nos perguntar: • Por que e para que estudar filosofia? • Por que estudar filosofia da educação? • O que seria esta filosofia da educação? • Qual é a necessidade/utilidade da filosofia no contexto da formação de um licenciando em matemática? As respostas talvez sejam tomadas como óbvias, mas o papel da filosofia é exatamente questionar as relações existentes na educação já estabelecida, propor novas relações, analisar o próprio discurso, a própria teoria e a própria prática bem como seus resultados. A filosofia da educação é um pensar voltado para a educação, seja ela, a educação geral familiar, da sociedade ou a educação institucionalizada nas escolas que fazem uso do conhecimento científico compartimentalizado nas disciplinas: matemática, química, física, dentre outras. O papel da Filosofia da Educação é pensar sobre as relações que o conhecimento e a educação como ação humana imprimem nos seres humanos, na sociedade e no conhecimento produzido por esta sociedade. Discute também os limites e as possibilidades do saber científico, objeto da educação, em diálogo com outras formas de conhecimento também presentes na sociedade. A filosofia da educação questiona a educação ao perceber que mesmo com tanto avanço científico e tecnológico, há o que se possa questionar e repensar em relação ao conhecimento e a educação como esfera de atuação humana. Desde os primórdios da história da humanidade os homens questionavam sobre os limites do seu saber, tencionando sempre rompê-los de alguma forma. Dentre estes homens encontramos aqueles que se tornaram conhecidos como filósofos, pessoas que amavam o conhecimento de modo geral e que também estudavam matemática e com seus estudos e busca pelo conhecimento deram origem às especificidades que conhecemos hoje: matemáticos, físicos, químicos, biólogos, astrônomos, etc. O que significa que o nascimento das ciências tal qual as conhecemos e porconsequência da educação enquanto apropriação de conhecimentos elaborados, começa com os filósofos que também podem ser considerados os primeiros “professores” por compartilharem seu conhecimento com outros. Portanto, o desenvolvimento do conhecimento e da educação veio da inquietação humana traduzida pela filosofia nos primórdios dos tempos, de um modo geral, e mais especificamente, na filosofia da ciência, quando a filosofia se volta para a ciência como seu objeto de estudo. Assim, percebemos que a ciência vem de encontro a algumas destas inquietações e começa a responder as questões humanas através da experimentação, no entanto, há questões que ainda permanecem e que extrapolam os limites da ciência. Perguntas sobre o que devemos fazer e como, sobre os métodos e suas implicações sobre a humanidade e a natureza. Questões sobre a ciência, a educação e a vida... Assim, percebemos que o estudo da filosofia completa o conjunto de disciplinas estudadas pelo licenciando em matemática, por proporcionar-lhe um outro olhar para o conhecimento e para a educação, o que impactará a sua futura atuação. O objetivo desta disciplina é evidenciar o que é a reflexão filosófica no âmbito da educação e sua contribuição para uma visão de mundo global. Em termos de objetivos específicos poderíamos elencar: Desenvolver a coerência, a capacidade crítica, de argumentação, de percepção filosófica e de conceituação e análise. Capacitar os alunos a utilizarem o referencial filosófico em sua área de atuação profissional, a matemática, também com o desenvolvimento de habilidades que lhes permitam exercer uma atitude filosófica consistente sobre o conhecimento. Viabilizar um conhecimento mínimo por parte dos acadêmicos sobre os problemas envolvidos nos campos da filosofia da educação e suas relações com a ética, a política, a lógica, a filosofia da linguagem e a estética. Caminhar em prol do desenvolvimento de uma estrutura de solidariedade e cooperação, onde a base da coletividade seja o respeito à diversidade cultural. Permitir a formação global do ser humano nas dimensões crítico-criativa e afetivas, buscando a coerência entre ações e ideias (pensamento e discurso), através do aprimoramento de habilidades e atitudes cognitivas e sociais importantes. Para atingir estes objetivos procuramos apresentar a filosofia próxima à realidade em que vivemos, em seus conceitos e aplicabilidades e de um modo geral, o que explica a maneira simples e introdutória no tratamento das questões filosóficas em suas diferentes áreas, e de maneira específica a filosofia da educação, enquanto contribuição para a elaboração do conhecimento humano racional. Espero com este texto simplificado que possamos navegar no conhecimento filosófico de forma produtiva e prazerosa. Mesmo que ainda não consiga antever os benefícios da filosofia para você como licenciando em matemática, vamos procurar construir juntos um contexto de reflexão, que nos permita pensar quem somos, o que somos, e por que somos do jeito que somos. E o que temos feito enquanto humanidade com a sabedoria de que dispomos. A quem se aproxima do trabalho filosófico, minha estimada saudação e alegria em caminharmos juntos. Bons estudos! UNIDADE I – FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA 1. FILOSOFIA: CONSTRUINDO O CONCEITO – O QUE É? PARA QUE SERVE? 1.1. Filosofia: “amor à sabedoria” e a busca do saber Podemos, numa primeira vista, definir Filosofia e o ato de filosofar como: o pensar, o questionar a realidade que está ao nosso redor. Filosofia é um esforço radical por recriar, na idade da razão, as mesmas interrogantes primeiras, primigênias, que a criança formula perante os enigmas da existência. (TRIAS: 1984, 17) Viver sem filosofar é como ter os olhos fechados sem jamais fazer um esforço por abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vista descobre não é comparável à satisfação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia. (DESCARTES, R. Carta prefácio aos “Princípios”) Essa atitude de espanto, de impulso para compreender melhor, de perguntar, de questionar fundamentalmente, nos conduz ao exercício de filosofar. Isto é filosofar: perguntar, questionar, não parar diante do evidente e do simplesmente óbvio. Ir além, ir além da aparência fenomênica dos fatos. Ir além com a certeza de encontrar a verdade, a essência das coisas, o ser... A filosofia não teria espaço num mundo onde todas as coisas nos parecessem evidentes, onde nada nos causasse espanto, onde tudo fosse “muito natural”. Provavelmente não sofreríamos a angústia do desconhecido, mas também não sentiríamos o prazer de desbravar. Se o mistério nos assusta, nos amedronta, nos intimida muitas vezes, nos deixa ansiosos justamente pelo desconhecido de que está carregado, é ele também quem nos atrai, nos convida a ir além, nos estimula a descobrir, a desvendar, a conhecer. (RHEIN SHIRATO: 1987, 24) 1.2. Filosofia: consciência crítica A Filosofia nos proporciona os seguintes hábitos: Desconfiar do óbvio. Ter mais consciência das nossas palavras e ações. Colocar razões para o que pensamos, dizemos e fazemos. Discernir, julgar e avaliar os acontecimentos, as coisas e as ideias. Ter pensamento próprio, posições seguras sobre assuntos e acontecimentos. Buscar impreterivelmente a verdade. O homem é, por natureza, curioso. Sente a necessidade de saber. Conhecer, simplesmente, causa-lhe uma satisfação, um prazer natural. Passeia, viaja, para ver; observa, interroga, para saber; informa-se dos homens e das coisas, ouve contar de bom grado História e histórias. Mas não se contenta em consignar os fatos, pede explicações deles. Tem o dom de admirar-se perante o imprevisto e em face do que não se coaduna com suas concepções. Nenhuma palavra lhe é mais familiar que a palavra “por quê?”. O menor acontecimento pode-se-lhe transformar-se num problema. Deve existir, na sua opinião, uma razão para todo ser, todo ato, toda situação, como também para o conjunto do universo. O homem se preocupa com a verdade. “Errar é humano”, bem o sabe. Mas pensa ser possível escapar ao erro. Cumpre proceder com prudência e discrição; não é racional, por exemplo, afirmar temerariamente; não devemos ser crédulos e confiar nas aparências; devemos desconfiar da primeira impressão e evitar deixarmo-nos cegar pelo interesse ou pela paixão. Somos capazes de um exame consciencioso e de uma apreciação imparcial. O “homo sapiens” sabe dar prova de espírito crítico. (RAEYMAEKER; 1973, 16) Uma primeira resposta à pergunta “O que é a Filosofia?” poderia ser: a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceita-los sem antes havê-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às cosias, sem maiores considerações”. A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo issoé assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica. A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico. (CHAUÍ: 1995, 12) 1.3. Filosofia: preocupação pelas questões humanas mais fundamentais Todos nós temos filosofado alguma vez. Fazíamos já desde pequenos. A filosofia não é, no fundo, nada de novo. Começa com algumas perguntas que se apresenta quando o mundo, que nos é familiar e cotidiano, de repente perde seu caráter de evidência e se nos converte em um problema. Normalmente nós vivemos em nosso mundo como em uma casa bem disposta e ordenada que conhecemos sem nenhuma dificuldade. Porém, quando essa familiaridade se nos apresenta problemática, encontramo-nos de improviso com a intempérie... Tudo, então, nos resulta problemático. Mencionemos algumas das perguntas desta índole; perguntas como as que se podem fazer as crianças, porém, que são familiares a cada um, porque cada um já as têm formulado: Por que existem as coisas? Que sentido tem o universo? Por que eu sou eu e não qualquer outro? Que há depois da morte? Sou eu livre e responsável do que faço e tenho que fazer assim? O que é a justiça? Em perguntas desse tipo tem lugar a origem de uma filosofia. (ANZENBACHER: 1984, 15-16) Nasce aí o saber filosófico, dessa “admiração”, desse “assombro”, dessa experiência metafísica que engloba as demais. A “surpresa do ser” é que põe para toda e qualquer pessoa, um dia ou outro, perguntas como: Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Que é tudo isso que nos cerca no mundo? Qual o meu lugar no universo? O que me distingue de tudo o mais, se há tanta coisa que me identifica com os outros seres? A existência humana é absurda ou tem sentido? Por que vivo? Por que morro? Por que estou aqui e não em outro planeta? Por que viver esta vida que não pedi para viver? Qual o fim desta minha viagem? Essa necessidade de vasculhar justificativa racional para as coisas e acontecimentos leva o ser humano ao ato de ponderar e pensar ou “pesar” idéias, todas as que lhe brotam na mente, bem aquilo que o verbo “pensar” significava originariamente: “pendurar” algo para lhe tomar o peso real. Passa-se, dessa maneira, da consciência ingênua para a consciência refletida, sobre o problema fundamental do Ser. É o saber filosófico repontando. É a vontade de ir ao fundo, de perscrutar tudo. Porque filosofar é interrogar sempre. Penosamente. Gratuitamente. Na procura de tudo e do tudo. (VANUCCHI: 2004, 27-28) A Filosofia, assim, ocupa-se das perguntas “de fundo” da humanidade (vida e morte, homem e universo, bem e mal, liberdade, justiça, etc.). Essas questões são essenciais e fundantes e perpassam toda a história do pensamento e da vida humana; na realidade, as questões vitais do ser humano são sempre as mesmas, mas elas se renovam e reaparecem em novos contextos. Dessa maneira, podemos afirmar que a Filosofia é sempre a mesma e, ao mesmo tempo, sempre nova. Não espere da filosofia que resolva sua situação de “incômodo”. O que ela pode fazer é deixar você ainda mais inconformado. Mas ajudará você a perceber que o incômodo não é ruim, ao contrário, é o inconformismo que move o mundo, permite que cada um construa sua vida buscando seus próprios caminhos. (GALLO: 1997, 12) Uma grande filosofia não é aquela que pronuncia juízos definitivos, que coloca uma verdade definitiva, mas aquela que produz uma inquietação, que dá lugar a um “abalo” na consciência. (Charles Péguy) Em seu pequeno e brilhante livro “Introdução à Filosofia”, Jaspers insiste na idéia de que a essência da filosofia é a procura do saber e não sua posse. Todavia, ela “se trai a si mesma quando degenera em dogmatismo”, isto é, num saber posto em fórmula, definitivo, completo. Fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta (por exemplo: o que distingue o homem dos animais? Resposta: a alma espiritual. Nova pergunta: e o que é a alma?). Há, então, na pesquisa filosófica uma humildade autêntica que se opõe ao orgulhoso dogmatismo do fanático: o fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo,ele não tem mais necessidade de pesquisar e sucumbe à tentação de impor sua verdade a outrem. Acreditando estar com a verdade, ele não tem mais o cuidado de se tornar verdadeiro; a verdade é seu bem, sua propriedade, enquanto para o filósofo é uma exigência. No caso do fanático, a busca da verdade degradou-se na ilusão da posse de uma certeza. Ele se acredita o proprietário da certeza, ao passo que o filósofo esforça-se por ser peregrino da verdade. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que ela está diante de nós. A consciência filosófica (...) é uma consciência inquieta, insatisfeita com o que possui, mas à procura de uma verdade para a qual se sente talhada. (HUISMAN: 1983, 24) A Filosofia, assim, é antes esclarecimento e tomada de consciência das questões fundamentais da humanidade do que um depósito de respostas e soluções definidas. É ela, a Filosofia, a busca incessante da verdade, que sempre se renova. 1.4. Filosofia: busca dos sentidos e valores Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. (Albert Camus) Todo esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, na verdade, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem. Temos, então, de fato, uma nova pragmaticidade: o homem não consegue viver e existir apenas como um fato bruto; ele sente a necessidade inevitável de compreender sua própria existência. Portanto, o esforço despendido pela consciência no seu refletir filosófica não é só mero diletantismo intelectual, nem puro desvario ideológico... É antes a busca insistente do significado mais profundo da sua existência, sem dúvida alguma para torná-la mais adequada a si mesmo. (SEVERINO: 1992, 24-25) A filosofia tem por objeto de reflexão os sentidos, os significados e os valores que dimensionam a norteiam a vida e a prática histórica humana. Nenhum indivíduo, nenhum povo, nenhum momento histórico vive e sobrevive sem um conjunto de valores que significam a sua forma de existência e sua ação. Não há como viver sem se perguntar pelo seu sentido; assim como não há como praticar qualquer ação sem que se tenha que perguntar pelo seu sentido próprio, pela sua finalidade. É claro que alguém poderá viver pelo senso comum, entranhado em seu inconsciente, sem se perguntar conscientemente pelo seu efetivo significado. Já falamos nisso, porém essa não é uma conduta filosófica, como já temos reiterado anteriormente. A filosofia e o exercício de filosofar implicam uma pergunta explícita e consciente pelo sentido e significado das coisas, da vida e da prática humana. (LUCKESI & SILVA: 1995, 87) Em sua vida, o homem é aquele que é capaz de interpretar as coisas e acontecimentos e dar-lhes sentido; e todo sentido dado torna-se, necessariamente, um valor para o homem, os quais servem de orientação e direcionamento para a existência. Dessa maneira, constata-se que a filosofia possui uma importância não somente teórica, mas também prática, visto ser ela geradora de sentido e valores, tanto para as pessoas como para as sociedades. A partir disso, constatamos que a filosofia nasce da vida real e sempre a ela se refere. O estudo da filosofia é mais necessário para regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso de nossos olhos para guiar nossos passos.(René Descartes) O objetivo imediato e urgente da filosofia é precisamente traduzir os resultados da ciência em vida espiritual, em verdade para mim, que realize a idéia que tenho de mim e da minha existência no mundo e assim justifique minha vida agora e em toda hora. (Sören Kierkegaard) 1.5. Filosofia: o mundo precisa dela? Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força de tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas – existirá realmente? Sua existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar. A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através do trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas. A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente. Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar pela luz da filosofia. Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A auto-complacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente para a vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a binomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a anti-filosofia. E os homens não percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a anti- filosofia é uma filosofia, embora pervertida, que se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação. (JASPERS: 1965, 138) Atividade 1 – Redija um pequeno texto tendo como parâmetro o texto de Jaspers e as questões abaixo e quando solicitado poste-o no FÓRUM para compartilhar seu pensamento com outros: A filosofia é sempre amada? Quais são as razões que se colocam contra a filosofia? Por que o autor considera a filosofia “perigosa” para os indivíduos? Quem são os principais inimigos da filosofia? Por que motivo? Em que consiste a anti-filosofia? A sociedade consumista, pragmática e tecnocrata atual criou escola tecnicista e autoritária. A Filosofia foi banida dos currículos, expurgada da escola. A ordem era produzir uma massa passiva, homens sem consciência, mão-de-obra dócil à implantação do concomitante capitalismo monopolista internacional. (NUNES: 1993, 17) Aos menos avisados, aos alheios ao mundo e a si mesmo, à pergunta inicial “para que serve a filosofia?”, a resposta é simples: PARA NADA. Se para nós servir significa ter utilidade prática e imediata, propiciar meios lucrativos de desempenho social, facilitar a submissão e o poder, inibir a multiplicidade de respostas, investir no modelo de “homem bem sucedido”... então a filosofia felizmente não serve para nada. Lamentavelmente, num mundo pragmatista como o nosso, onde sucesso – dinheiro – destaque social, teimosamente são considerados como fatores de felicidade, como meios indispensáveis para a própria realização pessoal, servir significa cooperar o mais possível para a manutenção do sistema, para a reprodução dos velhos e “eficientes” esquemas. Entretanto, se tomarmos a palavra “servir” em seu sentido original, veremos que servir é estar a serviço. É preciso estar a serviço da felicidade do homem, do conhecimento de seus mais profundos anseios, dos elementos indispensáveis para a sua sobrevivência com dignidade e auto-estima. É preciso estar a serviço da harmonia do homem com o seu meio, harmonia que se consegue como produto de luta, de adaptação, de esforço, de transformação, de investimento no próprio homem. É preciso estar a serviço da cultura, do conhecimento, da liberdade de pensamento – expressão – ação. É preciso estar a serviço da verdade., Então a filosofia serve: está a serviço, tem espaço garantido não pela escolha deliberada de quem a conhece, mas por ser indispensável, imprescindível, necessária para a humanização do homem. (RHEIM SHIRATO: 1987, 77) 1.6. Filosofia da experiência vital (senso comum) e Filosofia como ciência Consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente, quem vive possui uma filosofia, uma concepção de mundo. Esta concepção pode não ser manifesta. Geralmente, ela se aninha nas estruturas inconscientes da mente. De lá, ela comanda a vida, dirige-lhe os passos, norteia a vida. A vida concreta de todo homem é, assim, filosofia. O campônio, o operário, o técnico, o artista, o jovem, o velho, vivem todos de uma concepção de mundo. Agem e se comportam de acordo com uma significação inconsciente que emprestam à vida. Neste sentido, pois, pode-se dizer que todo homem é filósofo. Não podemos, porém, dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão. (LUCKESI & SILVA: 1995, 84) Conforme o filósofo Chaim Perelman (1912-1984), podemos dizer: o senso comum consiste em uma série de crenças admitidas por um determinado grupo social e que seus membros acreditam serem compartilhadas por todos os homens. Muitas das concepções do senso comum de um povo ou de uma classe social transformaram-se em frases feitas ou em ditados populares, como, por exemplo: “Homem que é homem não chora”; “Lugar de mulher é na cozinha”; “Deus ajuda quem cedo madruga”; “Querer é poder”; “Filho de peixe, peixinho é”. Repetidas irrefletidamente no cotidiano, algumas dessas noções escondem ideias falsas, parciais ou preconceituosas. Outras, por outro lado, podem revelar uma profunda visão da vida, ao que chamamos “sabedoria popular”. Mas o que caracteriza basicamente as noções pertencentes ao senso comum não é a sua verdade ou falsidade. É uma falta de “fundamentação”. Isto é, as pessoas não sabem explicá-la. Trata-se, portanto, de um conhecimento adquirido sem uma base crítica, precisa, coerente e sistemática. (COTRIM: 1993, 48) A intenção desta unidade é apontar as diferenças entre “filosofia de vida” (senso comum) e Filosofia (Filosofia vista como ciência). Antecipamos, assim, que filosofia da “experiência vital” é a “filosofia de vida”, a filosofia comum de todo homem, pelo fato de ele ser racional e, por isso, possui uma determinada visão da vida e do mundo. A fonte dessa filosofia é o ambiente social, a tradição, a religião e outros fatores. No fundo, essa “filosofia” é pouco consciente, desorganizada e irrreflexa, o que não quer dizer que seja irracional. O homem, diz-se, é naturalmente filósofo, “amigo da sabedoria”. E é verdade. Ávido de saber, não se contenta em viver o momento presentee aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, como fazem os animais. Seu olhar inquisidor quer conhecer o porquê das coisas, principalmente o porquê da própria vida. Mas, enquanto o homem comum, o homem da rua, levanta essas perguntas e enfrenta esses problemas de quando em quando, sem método e sem ordem, há pessoas que dedicam a essas investigações todo o seu tempo e todas suas energias e se propõem a obter uma solução conclusiva para todos os graves problemas que acicatam (excitam) a mente humana, por meio de uma análise profunda e sistemática. A estas pessoas é que costumamos chamar de “filósofos”. Então, o que é propriamente a filosofia? É um conhecimento, uma forma de saber. Possui, como tal, uma esfera particular de competência sobre a qual busca adquirir informações válidas, rigorosas e ordenadas. (MONDIN: 1980, 5) 2. FILOSOFIA: DELIMITANDO SUA NOÇÃO 2.1. FILOSOFIA: ESCLARECENDO A ETIMOLOGIA “Filosofia: “amor pela sabedoria” O nome de sábio, Fedro, me parece demasiado grande e só aplicável à divindade. Mais adequado seria a de “amigo da sabedoria”. (Sócrates) A palavra “filosofia” procede do grego: o verbo “philein” significa “amar”; “sophia” designa antes de tudo qualquer tipo de capacidade ou habilidade, porém passa logo a especificar o saber, o conhecimento e de modo muito particular aquele saber superior que compreende a virtude e a arte de viver. Um “sophos” é, antes de tudo, aquele que é hábil em sua profissão e em sua vida, porém muito especificamente o “sábio”. Por tudo isto, é sólido traduzir-se como “amor à sabedoria” (ANZENBACHER: 1984, 16) 2.1.1. Sabedoria nas antigas culturas orientais Nas culturas orientais e, portanto, anteriores à grega, sabedoria podia designar: Arte de viver: conjunto de regras morais e sociais, com função didático- pedagógica. Sábio: mestre educador das cortes. Gênero sapiencial: sentenças, provérbios, máximas, comparações. Sabedoria: uma “filosofia” popular, de conotação religiosa. 2.1.2. Sabedoria na cultura grega Para os gregos, a ciência é a explicação de todas as coisas pelas suas causas. O mundo real é um “cosmos”, um todo ordenado; esta ordem é racional e pode ser compreendida pela inteligência humana; é uma ordem de causalidade, tão ajustada que a explicação de todo o acontecimento se encontra nas suas causas. Estes três princípios regem a ciência grega (RAEYMAEKER: 1973, 20) Do outro lado do Mediterrâneo, na Grécia, surgia de um pequeno agrupamento humano uma outra importante cultura e que também elaborara todo um sistema teórico de interpretação do real e da existência do homem... O universo se explicava por um princípio puramente racional, por um “logos” ; os homens, naquilo que lhes é específico, são assim por “participarem desse logos”. Cada homem responde individualmente por seu destino e por seu agir nesta terra, devendo, pois, adequar-se o mais possível às exigências do “logos”; agindo assim sempre racionalmente. (SEVERINO: 1992, 48) A ânsia de entender racionalmente as coisas criou a um só tempo a Filosofia e a Ciência. “É necessário”, dizia Platão, “ir até onde nos leva a razão e o espírito” (A República, Livro III, 394). A razão levou os gregos a ver uma ordem, uma unidade, uma harmonia por detrás da multiplicidade caótica das coisas e dos acontecimentos. A realidade não era o que estava à nossa frente, mas, sim, o que a razão iria encontrar a dizer. Daí a busca das causas e dos princípios. Há uma citação de Eurípides, repetida por Vergílio, que reflete esta motivação intelectual dos helênicos: “feliz aquele que aprendeu a pesquisar as coisas”. (XAVIER TELES: 1985, 22) Aqui, então, diferenciamos, segundo os gregos, os seguintes termos: Ciência: racionalidade; é compreender o mundo pela razão, pela inteligência (e isso em oposição à explicação mitológica (deificada) da realidade) Logos do mundo: o mundo possui uma “razão” dentro de si; as causas das coisas estão nas próprias coisas e não no determinismo que “os mitos” e “a religião” grega apresentavam. Logos do homem: é o instrumento para captar e compreender o “ logos do mundo”. Dessa maneira, ressaltamos que os gregos desenvolveram uma ciência dos fatos (no sentido mais etimológico da palavra: conhecimento), surgem a medicina, astronomia, matemática, etc., mas, sobretudo, uma ciência da profundidade e da análise da realidade (filosofia). 2.2. FILOSOFIA: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO ATIVIDADE 2: Após pesquisa prévia, redija um pequeno texto que contemple uma definição válida de Filosofia e se requerido, poste-a no FÓRUM para socializar e verifique os conceitos elaborados por outros estudantes. 2.2.1. Filosofia é ciência? Afirma-se que Filosofia é ciência (mais uma vez devemos entender o conceito no seu sentido etimológico e não no sentido “positivista”), porque apresenta três características: racionalidade e criticidade, procedimentos metódicos, sistematicidade. Podemos afirmar que a Filosofia é uma ciência especial, com características muito próprias, cujo caráter eminentemente especulativo, dá a ela um sentido de ver diferente das demais ciências, mas profundamente ligada a todas elas. (RHEIN SHIRATO: 1987, 31-32) A Filosofia, então, não é poesia nem uma simples meditação e muito menos um livre discurso. Trata-se de um saber rigoroso, fundamentado, organizado, ou seja, é ciência. 2.2.1.1. Filosofia é ciência pela sua racionalidade e criticidade A filosofia tem a pretensão de que todas as suas afirmações são racionais e que, por isso mesmo, podem entendê-las qualquer ser racional (qualquer homem) e ver o como e o porquê da lógica contundente que pretendem tais afirmações. (ANZENBACHER: 1984, 39) O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente. (CHAUÍ: 1995, 15) Assim, a Filosofia utiliza-se da razão (como instrumento de compreensão da realidade) e de procedimentos racionais (raciocínio lógico, argumentação, demonstração, etc.). Ela prescinde da emoção e da fé para a leitura do real e, por isso, distingue-se da “Arte” e da “Religião”. 2.2.1.2. Filosofia é ciência pelos seus procedimentos metódicos A Filosofia possui método próprio (para aprofundar queira pesquisar os métodos filosóficos) e os conhecimentos são adquiridos segundo um plano consciente, seguem um “caminho previsto” (método). 2.2.1.3. A Filosofia é ciência pela sua sistematicidade As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. Que significa isso? Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. (CHAUÍ: 1995, 15) Ciência é, então, simplesmente um conjunto de conhecimentos que estão em relação mútua. Esse conjunto se apresenta como um todo, como um sistema. Assim, pois, na filosofia se trata de uma união sistemática de conhecimentos ou afirmações. (ANZENBACHER: 1984, 38) Disso, concluímos que a Filosofia tende ao sistema (por sistema devemos entender a ramificação interrelacionadae interdependente de conhecimentos e verdades), pois os conhecimentos são organizados num conjunto unitário. 2.3. Filosofia é uma ciência da fundamentação Como já foi afirmado, a Filosofia não é ciência no sentido positivista do termo, não é uma ciência dos fatos (o que pertence às ciências experimentais), mas ciência dos fundamentos e da fundamentação. Ela é ciência dos fundamentos porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas; porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade, e porque se situa além das ciências experimentais. 2.3.1. Filosofia é ciência da fundamentação porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas O objetivo da filosofia consiste em alcançar uma explicação fundamental da realidade, explicação que, então, será realmente fundamental, quando logra pôr em descoberto as motivações, razões ou causas últimas do real. Vista assim, a filosofia se manifesta como a “ciência dos fundamentos” (MANDRIONI: 1964, 225) A filosofia é uma ciência fundamental porque investiga os fundamentos últimos, os fundamentos não empíricos...a ocupação filosófica do Ocidente começou com a questão da “arché” (palavra grega que significa “fundamento, princípio”). De modo definitivo, a filosofia sempre girou em torno desta questão. A filosofia é a ciência dos últimos fundamentos, condições e supostos. (ANZENBACHER: 1984, 38-39) A Filosofia, com efeito, procura sempre resposta a perguntas sucessivas; objetivando atingir, por vias diversas, certas verdades que põem a necessidade de outras: daí o impulso inelutável e nunca plenamente satisfeito de penetrar, de camada em camada, na órbita da realidade, numa busca incessante de totalidade de sentido, na qual se situam o homem e o cosmos. Ora, quando atingimos uma verdade que os dá a razão de ser de todo um sistema particular de conhecimento e verificamos a impossibilidade de reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva, dizemos que atingimos um princípio ou um pressuposto. (REALE: 1989, 4) Assim, a Filosofia não para enquanto é possível ainda colocar questões e ela somente se contenta com a evidência, isto é, com a última clareza racional. 2.3.2. Filosofia é ciência da fundamentação porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade Os assuntos da Filosofia são as questões “de fundo” do homem e da humanidade; problemas “existenciais” que tocam o sentido da vida e de toda a realidade. 2.3.3. Filosofia é ciência da fundamentação porque se situa além das ciências experimentais-positivas A Filosofia é aquele conhecimento especulativo ou analítico sobre a realidade como um todo ou a respeito de certos problemas que não caem sob a alçada das ciências, principalmente os do conhecimento e da ação. (XAVIER TELES: 1985, 53) Se todos os problemas científicos estivessem resolvidos, as questões realmente humanas não seriam sequer tocadas. (Ludwig Wittgenstein) O objeto das ciências experimentais são os fatos e os fenômenos; elas buscam descobrir as relações constantes entre os fenômenos (leis) e têm por objetivo a aplicação (ciência = técnica). Já a Filosofia trata de questões que não são tratadas pelas ciências, porque ultrapassam os fatos e a experimentabilidade; ela busca o sentido total e último das coisas. 2.3.4. A Filosofia é uma ciência da universalidade A Filosofia é a ciência da universalidade porque é um conhecimento totalizante, globalizante; busca a totalidade e a unidade do saber; busca uma síntese intelectual. Ela é totalizante porque seu campo é universal e porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos. 2.3.4.1. Filosofia é ciência da universalidade porque seu campo é universal A Filosofia pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser objeto da reflexão filosófica... A Filosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural, artística. Nada há onde ela não se meta, não indague, não perturbe. (ARRUDA ARANHA & PIRES MARTINS: 1985, 69) A filosofia é uma crítica universal que submete todas as opiniões, todas as imagens do mundo e qualquer exigência de sentido ao seu juízo como ciência racional. É uma crítica das ideologias, da religião, da ciência, da tecnologia e da sociedade. Combate todo dogmatismo acrítico, com o que adota uma função clarificadora na sociedade. (ANZENBACHER: 1984, 40) As ciências experimentais têm uma limitação de campo e de objeto; já a Filosofia, possui um campo ilimitado e pode tratar de qualquer assunto que envolva um questionamento racional. 2.3.4.2 Filosofia é ciência da universalidade porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos A Filosofia busca formar uma visão total, coerente e ordenada do homem, do mundo e de toda realidade. Já as ciências experimentais são uma visão dos fatos num campo limitado. A Filosofia busca uma “cosmovisão” e uma “globalização” das ciências. Quando se afirma que a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, o que se quer dizer é que a Filosofia pretende elaborar uma redução conceitual progressiva, até atingir juízos com os quais se possa legitimar uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total. Assim, o sentido de universalidade revela-se inseparável da Filosofia. (REALE: 1989, 4) 3. FILOSOFIA: SUA ORIGEM HISTÓRICA 3.1. GRÉCIA: O BERÇO DA FILOSOFIA A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. (CHAUÍ: 1995, 20) No tocante à origem “geográfica” da Filosofia, podemos assinalar os seguintes aspectos: A cultura grega gerou a Filosofia propriamente dita, isto é, a ciência filosófica. Os filósofos chamados “pré-socráticos” (século VI a.C.) sãos os primeiros a pensar de maneira sistemática a Filosofia. Nas culturas anteriores à civilização grega (chinesa, hindu, egípcia, etc.) houve elementos filosóficos, mas estavam esses elementos em outros contextos (geralmente o contexto religioso) A sabedoria cultivada em Israel (livros sapienciais), no Egito e em outras culturas antigas constituem uma sabedoria popular: experiência humana acumulada e transmitida através das gerações. 3.2. FILOSOFIA GREGA: CONTEXTO HISTÓRICO DE SEU NASCIMENTO A civilização grega foi propícia para o surgimento da reflexão filosófica pelos seguintes motivos: 3.2.1. A ausência de escritos religiosos Os povos das antigas civilizações orientais possuíam codificações de normas religiosas. A religião fornecia-lhes as explicações sobre os acontecimentos (nascimento, morte, família, sofrimentos, etc.) e princípios e normas de vida. Os gregos não possuíam livros religiosos e a própria religião ocupava um lugar secundário na cultura grega. Consequentemente, os gregos tinham de buscar explicações racionais para os acontecimentos e usar da razão na procura de solução dos problemas humanas. 3.2.2. A sociedade democrática As antigas culturas orientais eram, de modo geral, teocráticas: a vida social e individual era pré-determinada pela religião e pelas leis religiosas. Ainda havia a questão da classe sacerdotal, a qual representava o poder divino e revelado, portanto, sem questionamento. A sociedadegrega foi, no geral, democrática: o poder provinha do povo (não possuíam classe sacerdotal organizada). Consequentemente, a própria sociedade devia buscar soluções para seus problemas, criar normas e leis; tais soluções se travavam nas praças públicas (agorás), o que fez os gregos desenvolverem o discurso racional para as problemáticas da existência. 3.3. O MITO E A FILOSOFIA A Filosofia originou-se do mito. (Aristóteles) Do que as pesquisas antropológicas nos revelam, podemos saber que a forma mais ancestral de os homens buscarem com alguma sistematicidade a explicação, o sentido das coisas, foi o mito. O mito não é algo absurdo, irracional, pré-lógico, como se diz muitas vezes. Ao contrário, ele é a expressão de uma primeira tentativa da consciência humana – querendo se libertar cada vez mais das incumbências quase que instintivas de manutenção de vida – para “colocar ordem no mundo”. Afinal, o mundo lhe parecia um tanto quanto caótico, sufocando o homem com sua magnitude, com sua bruta objetividade. Era preciso que tanta heterogeneidade, tanta multiplicidade, tanta “desordem” tivessem alguma ordenação. O mito é a primeira construção teórico-subjetiva do homem para pôr ordem nessa situação de aparente desordem. O mito assume a forma de uma narrativa imaginária pela qual as várias culturas procuraram explicar a origem do universo, seu funcionamento, a origem dos homens, o fundamento de seus costumes, apelando para entidades sobrenaturais, superiores aos homens, a forças e poderes misteriosos que definiram o seu destino. Hoje, para nós, os mitos dos povos arcaicos nos parecem à primeira vista estórias lendárias e fantasiosas, sem muito nexo. Mas, na verdade, para aqueles povos, eles representavam uma explicação valiosa e satisfatória; satisfaziam a exigência que começavam a ter de compreender o sentido de sua própria existência. (SEVERINO: 1992, 68) Assim, podemos afirmar que o mito é uma narrativa fantasiosa que contém um núcleo com pretensão “explicativa” de uma realidade. E eles são divididos em: Mitos teogônicos: aqueles que tratam dos princípios e das origens dos deuses e/ou forças misteriosas. Mitos cosmogônicos: tratam da origem do mundo e das coisas. Mitos antropológicos: explicação da condição humana. 3.3.1. Passagem do mito à Filosofia O mito possui um “embrião filosófico”: a sua busca por explicações da realidade; a essa busca pelas explicações chamamos de “núcleo explicativo”. Entretanto, com os gregos, essa explicação busca outras causas e haverá uma substituição dos “agentes fantasiosos” (deuses, heróis, teogonias, cosmogonias, etc.) por causas racionais. Em outras palavras: há a mudança do instrumento de questionamento: a imaginação cede lugar à razão. Na tentativa de explicar o natural, o terreno, a própria tragédia da vida humana com seus conflitos, surge a mitologia como aquela que entre ídolos, heróis, deuses e semi-deuses, reflete em mitos e alegorias o próprio trágico da vida humana. Seus personagens desempenham papéis que no pano de fundo nada mais são do que as intrincadas emoções humanas, o conflito entre a autodeterminação, a possibilidade de escolha e a idéia de um destino que previamente tudo marcou, tudo decidiu. A fatalidade, o trágico da mitologia nada mais são do que o código encontrado pelo grego para expressar a nossa própria condição de ser humano. O sobrenatural é apenas o reflexo do natural. Os deuses, semi- deuses e heróis do Olimpo representam a força e ao mesmo tempo a impotência do homem na terra, quando, apesar de livres para decidir, são enredados pelo destino, se transformam em objetos da fatalidade. Do pensamento mítico (mitológico) para o filosófico foi, para o grego, um passo relativamente pequeno. A mola propulsora é a mesma: perguntar, tentar entender, explicar o grande mistério que é o universo, o cosmos (macro e micro). Apenas a resposta que mudou de plano: saiu do Olimpo e veio para a terra. A mitologia também foi tentativa de explicação do universo, também demonstra “atitude de espanto do homem”, só que ainda carece de espírito filosófico, pois desloca o homem de seu próprio eixo no momento em que busca respostas fora do espaço humano. Mas foi um início que, tendo continuidade, deflagrou-se no aparecimento da filosofia enquanto tal. (RHEIN SHIRATO: 1987, 54-55) 3.4 OS ALVORES DA FILOSOFIA A partir do século VI a.C., os principais centros da cultura helênica eram, além da própria Grécia, as ilhas do mar Egeu, a Ásia Menor, a Sicília e a Itália Meridional. É nesta época que se inicia o pensamento filosófico propriamente dito, é quando surgem os primeiros filósofos que procurarão apresentar sistemas coerentes e completos para a explicação do universo. É quando o mito deixa de ser importante. (NIELSEN NETO: 1985, 102) A história da filosofia grega é geralmente dividida, tomando-se a figura de Sócrates como ponto de referência, em três períodos ou épocas. O primeiro, pré-socrático, também chamado cosmológico, é o período de formação. O segundo, socrático ou antropológico, que coincide com o apogeu do poderio econômico e militar de Atenas, é o período da maturidade e do esplendor. O terceiro, finalmente, que corresponde à decadência da polis e à desintegração do império macedônico, é o de declínio, ao longo do qual o pensamento grego é incorporado à cultura romana e à apologética cristã. (COUBISIER: 1983, 43) Abaixo temos um brevíssimo resumo, em forma de tópicos, da estruturação da Filosofia: A primeira filosofia grega (pré-socráticos) é cosmológica, ou seja, busca os fundamentos do mundo, do qual todas as coisas são compostas. Em seguida (com Heráclito e Parmênides) a filosofia se torna metafísica: discussão sobre o uno e o múltiplo, sobre o ser e o devir. Com Sócrates, a filosofia se volta para o reto viver (Conhece-te a ti mesmo). Com Platão e Aristóteles a filosofia atinge o seu apogeu e se torna universalista. Já no século IV a.C. a filosofia grega, com Platão e Aristóteles, elabora as formas superiores da racionalidade, matrizes de todo o pensamento posterior. A partir dos gregos, a filosofia ocidental é um processo progressivo, que se prolonga, através de Roma e do Cristianismo, até o mundo moderno e contemporâneo. Heráclito, por exemplo, não é um pensador perdido no passado remoto, cujos aforismos teriam um interesse puramente histórico ou arqueológico. Na condição de precursor da dialética, está presente na filosofia moderna e Hegel nos diz que não há um só de seus aforismas que ele não tenha recuperado na “Ciência da Lógica”. E, assim como está presente na obra de Hegel, assim também está presente na obra de Marx, que nos diz não ter feito outra coisa senão prosseguir numa tarefa começada por Heráclito e Aristóteles. (CORBESIER: 1983, 34) Resumimos, então, essa problemática com as seguintes ponderações: A filosofia é a contribuição mais importante da cultura grega para a história da humanidade. Seus elementos exerceram influência muito grande nos séculos afora. A filosofia grega exerceu influência direta no pensamento filosófico e teológico cristão da Idade Média; visão cristã do mundo “encarnada” na filosofia grega; primeiro o platonismo, depois (a partir do século XII) o aristotelismo. Os temas e elementos da filosofia grega continuam presentes na Idade Moderna e Contemporânea. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • SCHILLER, Soter. Filosofia – noções básicas. Umuarama, 2002. • AAVV. Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa: Editorial Verbo. 1992. • AAVV. Para Filosofar. São Paulo: Scipione. 1995. • AMADO, J. et al. O Prazer de Pensar 1: Primeiro Ano de Filosofia. Lisboa:Edições 70. 1988. • ANZENBACHER, A. Introducción a la Filosofia. 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