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A mundialização ou a globalização

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FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CREDENCIADA PELA PORTARIA MEC N.º 3.640, DE 17/10/2005 – DUO DE 20/10/2005
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
AUTORIIZADDO PELA PORTARIA MECN.º846, DE 4 DE ABRIL DE 2006 – DUO DE 05/04/2006
A mundialização ou a globalização1
1 - Origens e traçado histórico da racionalidade técnico-econômica.
A mundialização é filha da ciência ocidental, de sua ambição prometéica de submeter o planeta ao homem, posto como todo poderoso.O mundo globalizado significa que a humanidade tenha entrado numa época historicamente nova? Na verdade, a mundialização não põe termo a nada passado: “as velhas querelas entre povos, classes, gerações subsistem, como o lembram no fim do século XX os dilaceramentos dos Balcãs ou do Cáucaso; rivalidade locais e rivalidades planetárias retomam os mesmos desafios: o controle dos recursos, ao mesmo tempo em que permanecem como um fator determinante de guerras locais- por exemplo, petróleo no Golfo Arabo-pérsico -, suscita oposições globais, notadamente entre países ricos e pobres - os primeiros grandes consumidores destes recursos há decenios ou mesmo séculos -, pondo, doravante, ênfase em sua preservação, os segundos fazendo valer seu direito ao desenvolvimento e, portanto, à plena exploração desses recursos.[1: Ibid., p. 6. ]
Simultaneamente, o advento deste espaço mundialisado menospreza antagonismos antigos: a confrontação das verdades humanas (religiões, ideologias, nacionalismos...), os desvaloriza, considerando-os simples opiniões. Um novo parâmetro impregna os cálculos de todos os atores (Estados, empresas, indivíduos...): todo planeta e toda a humanidade encontram-se implicados em um único movimento.
Já nos anos trinta, o sistema econômico mundial se havia constituído, como o demonstrou o impacto planetário da quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, que atingiu tanto ao banqueiro de Wall Street quanto ao operário europeu ou o coolie das plantações de hevea brasiliensis (seringueira). Era esta a época das colônias, dos transatlânticos e dos primeiros vôos comerciais transoceânicos.
2 - A explosão dos fluxos 
Hoje, os fluxos explodem, isto é, os acontecimentos se encadeiam vertiginosamente: à carta e ao telefone ajuntam-se notadamente o fax-símile, o computador e as ligações entre os computadores. Os povoados mais distantes são ligados às redes mundiais. Nenhuma parte da terra escapa a esta interligação: os fluxos crescem espetacularmente onde penetra vigorosamente a denominada “modernização econômica” (assim, no fim do século XX na bacia do Pacífico); inversamente os fluxos tornam-se mínimos nas zonas deixadas à margem desta dinâmica, embora sempre presentes (a África, notadamente).[2: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 5.]
O traço fundamental da mundialização reside na explosão dos fluxos de todas as espécies, tornando-se eles mais densos, mais diversos e indo cada vez mais longe. A maioria destes fluxos circula entre três pólos: América do Norte, Europa Ocidental e Ásia Marítima.
O espaço Atlântico, que concentrava o essencial destes movimentos, desde a Segunda Guerra mundial até os anos setenta do século XX, foi ultrapassado pelo espaço Pacífico e pelo espetacular crescimento da Ásia Marítima, ocasionando uma multiplicação dos fluxos (intercâmbios, contatos) entre os Estados da região, assim como entre esta e as outras zonas de riqueza.
A distribuição dos fluxos é desigual, sendo intensa nas partes desenvolvidas da Terra, reduzindo-se muito nas regiões pobres, marginalizadas como a África, Ásia Central e América Andina. “Como a água” este fluxos são móveis; se um obstáculo os detém (notadamente as fronteiras estatais), eles podem tanto deter-se diante da impermeabilidade da barreira, como contorná-la esgueirando-se por entre mínimas fendas (tal sucede com os produtos e os escritos proibidos e os migrantes clandestinos, evitando os controles policiais).
Estas redes são inumeráveis, operando por meio de dispositivos oficiais (por exemplo, as missões diplomáticas de um Estado), ou, em outro extremo, pela multiplicação rápida de estruturas heteróclitas, movediças (diaspóras, máfias).[3: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 27-8.]
3 - Os homens (das migrações intercontinentais às migrações Sul-Norte)
Desde a segunda metade do século XIX até a crise dos anos trinta do século XX, ocorreram grandes migrações européias em direção às grandes extensões geográficas, consideradas suscetíveis de colonização (Oeste dos Estados Unidos, Austrália...). A Terra foi ocupada e partilhada, na medida em que o desenvolvimento tecnológico o permitiu. O homem tornou seu tudo aquilo que foi possível, em condições satisfatórias de rentabilidade.
“Após os deslocamentos do século XIX, a humanidade enraizou-se novamente, tanto mais que distribuiu-se em cerca de 200 Estados, cada um com um território bem delimitado e, em princípio, controlado”. Como a riqueza e a técnica se difundiram de modo aleatório, ocorreu a imbricação de múltiplos espaços de riqueza e de pobreza: Europa Ocidental e Oriental; Europa Mediterrânea e Noroeste da África (zona denominada em língua francesa Maghreb, compreendendo a Argélia, Tunísia e Marrocos, enquanto que o grande Maghreb compreende além destes países a Líbia e a Mauritânia); Estados Unidos e México; Ásia Marítima e Ásia Continental. Daí resultam tensões típicas da mundialização, tensões entre populações jovens, ao mesmo tempo fascinadas e exasperadas pela arrogância do Ocidente, onde tudo parece fácil, e sociedades que envelhecem obsecadas pela perda de suas vantagens. 
As migrações do fim do século XX não derivam de sonhos sobre terras desocupadas, mas visam a aproveitar migalhas dos empregos, dos salários que os pobres dos países ricos não desejam. Assim, enquanto os homens nunca tiveram, como hoje o sentimento e a capacidade de poder buscar sua felicidade alhures, “os Estados, sobretudo os prósperos, erguem barricadas”, destinadas a tolher tais desejos. [4: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 28-9.]
 4 - A proliferação da urbanização
“Mundialização, industrialização e urbanização pertencem a uma mesma dinâmica de artificialização da Terra, de sua exploração sistemática pelo homem. No ano 2000, metade da humanidade habitava cidades. Esta urbanização é espetacular e se acelera. Em um século a população das aglomerações urbanas pode decuplicar (assim, Pequim: 1 milhão de habitantes em 1900, perto de 9 milhões em 2002). Este fenômeno, limitado longamente aos países industrializados, torna-se planetário, assim se verificando nas cidades do México, São Paulo, Nova Iorque, Xangai. Populações do campo migram em busca do que julgam ser uma sorte melhor. Assim, a China, cujo rápido desenvolvimento faz-se acompanhar da migração de milhões de camponeses, atraídos pela efervescência das aglomerações da China Costeira.
Em conseqüência os espaços se deterioram, bordados por imensas favelas. Multiplicam-se as cidades-dormitórios, acolhendo residentes secundários. Verdadeiras constelações urbanas, sem centro nem limites estendem-se nos alinhamentos de construções surgidas nos cruzamentos de autoestradas.
O homem torna-se desenraizado, caracterizando-se a mundialização pelo atravancamento dos automóveis, rejeitos e pela atomização e destruição dos laços sociais. De onde advém “a recriação de tecidos sociais ‘selvagens’ e precários: bandos de crianças e de adolescentes, máfias, seitas...”.[5: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 29-30.]
5 - Bens e serviços
“A mundialização é também a transformação da Terra inteira em um espaço comercial único. De 1950 a 1995, a produção industrial mundial multiplicou-se por 7, enquanto que as trocas de produtos manufaturados multiplicaram-se por 26... Desde a segunda metade dos anos 80 do século XX, mais de 60 países em desenvolvimento, tendo escolhido um modelo econômico fechado, se abrem por sua própria iniciativa” (sic). Tal o caso da China, da Índia, da Indonésia, do Brasil e da Rússia.[6: DEFARGES, Philippe Moreau, op.cit., p. 27-31.]
6 - A industrialização
“Implica ela em produção de massa. Ou como profetizava Marx, a mundialização, isto é, a inscrição de todas as atividades humanas em um sistema global de trocas, contribui para transformar o que era sagrado, excepcional, particular, artesanal, reservado a um círculo restrito, em qualquer coisa banal, facilmente acessível, que se vende e se compra. Daí a difusão, a universalização da lógica industrial”.[7: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 31.]
 7 - O turismo
Constitui ele dimensão essencial da mundialização ilustrando bem a dinâmica da industrialização. “Desde a primeira metade do século XIX aparecem os primeiros turistas modernos, buscando na viagem a experiência que lhes fará viver a pluralidade da verdade. Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento da burguesia, o trem e o transatlântico, a criação de empresas especializadas - a 1ª a agência Cook, evidentemente britânica, nasce em 1841 - fazem do turismo a distração das classes ricas (‘classes possédantes’)”. 
Todavia é entre 1950 e 1990 que o turismo se mundializa. Enquanto a população mundial dobra, as viagens turísticas são multiplicadas por 14. Sendo o Clube Mediterraneo, criado em 1950, o signo desta mutação, pondo destinos longíngüos ao alcance de salários modestos. Surgem os vôos de longa distância a bom preço (charters), ao mesmo tempo em que os sistemas de reservas de passagens e estadas se globalizam, tendendo a se concentrar nas mãos de alguns operadores. “Os sítios mais misteriosos brutalmente dessacralizados, acolhem hordas de visitantes de short e alpercatas, máquina fotográfica, câmera (e etc.), permitindo às famílias imortalizar-se nestes lugares”.[8: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 31-2.]
8 - As drogas
Fornecem elas um outro exemplo destas articulações dinâmicas entre consumo de massas e industrialização “durante longo tempo o uso das drogas obedece a regras estritas (assim a coca reservada ao Inca) e não se expande além de grupos confidenciais (assim o ópio dos poetas ou dos amantes do exotismo).
Com certeza, desde a segunda metade do século XIX, a invasão da China pelo ópio (sic), fumado tanto pelos mandarins quanto pelos coolies, indica que uma sociedade inteira, aquela dos povos mais velhos, pode intoxicar-se, sob o golpe de sua aniquilação pelo Ocidente. As drogas conhecem 6 evoluções já observadas pelo turismo, e típicas da mundialização: proliferação dos elementos de síntese (do crack ao ecstasy), com o fito de melhor captar clientes cada vez mais heterogêneos por seus gostos e recursos financeiros; industrialização da produção pelos ... ‘cartéis colombianos’; alargamento e ligação das zonas de fabricação e de tráfego (assim a África, transformada em plataforma giratória deste comércio, em virtude de sua anarquia política); crescimento e diversificação dos consumidores, que se recrutam em todas as camadas sociais; crise dos dispositivos legislativos e policiais, sob a pressão dos fluxos (crescimento das quantidades apreendidas, demonstrando mais o aumento vertiginoso das quantidades em circulação do que a eficácia dos controles); enfim, desvelamento (ou evidenciamento) das ambigüidades da noção de droga (as mesmas sociedades proibindo o haxixe e a heroína e permitindo o recurso maciço de drogas legais - álcool, fumo, tranqülizantes. A explosão dos fluxos desestabiliza todas as estruturas existentes e sublinha a relatividade de todas as normas, de todas as proibições.[9: É esta a época da ideologia do imperialismo, tendo sido a "missão civilizadora" a justificativa francesa para entrar na África. O "destino manifesto" foi o mote americano para policiar a América Central e assegurar seus interesses. O "fardo do homem branco" foi o pretexto dos ingleses para "estabelecerem, na Índia uma expoliação organizada e uma administração centralizada". À época, Alfred Wallace, naturalista britânico, em 1864, afirmou: "As qualidades morais e físicas dos europeus são superiores... concedem-lhe o direito de, quando em contato com o selvagem, de ser vitorioso e de crescer às custas de seu sacrifício". Da mesma época é o pensamento de Cecil Rhodes, fundador da British South Africa Company: "O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado... Eu anexaria os planetas se pudesse...". MARQUES, Adhemar e LOPEZ, Luiz Roberto. Imperialismo: a espansão do capitalismo. Belo Horizonte: Lê, 2000. p. 17-19. A Guerra do Ópio, em 1842, é um dos capítulos terríveis da história do Ocidente. "A Inglaterra obrigou a China a importar o ópio, extraído da papoula da Índia, após uma guerra que lhe valeu a conquista de Hong Kong, devolvida em 1997". Ibid., p.31. "A conquista pelos ingleses de grandes áreas da Índia entre fins do séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX, deu o impulso inicial à produção e venda organizada de ópio', para cujo comércio a Companhia da ìndias Orientais obteve o monopólio. Obrigando a China a comprar o ópio, a Inglaterra, através desta Companhia, então trocava a prata recebida da China, por artigos chineses, dentre eles a porcelana, que seriam vendidos na Inglaterra. SENGE, Johnathan. Em busca da China moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Cf. MARQUES, Adhemar e LOPEZ, Luiz Roberto, op. cit., p. 31-2. 
][10: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 32-3.]
9 - A cozinha como signo das metamorfoses culturais
A multiplicação dos contatos e das trocas encoraja ou impõe transformações e cruzamentos. As cozinhas, que têm profundas raízes nas civilizações, se interpenetram, podendo afastar convenções (as receitas orientais contestam a separação ocidental do salgado e do açucarado). Produtos culinários, mundializando-se, conformam-se a um gosto universal ou, antes, elaborado como tal (a pizza americana). Ainda, a coca-cola, os hamburgueres de MacDonald's, de origem norte-americana. [11: Ibid., p. 33-4.]
10 - A commoditização
“Em inglês as commodities (palavra originária do velho francês: commodités) constituem os ingredientes de base da atividade econômica, sem os quais a máquina não funcionaria: por exemplo, o petróleo, o aço, o alumínio.” Seu preço reflete as flutuações do ciclo econômico, subindo ou baixando fortemente. Além disto, “a longo prazo, o preço das commodities, que incorporam pouco valor agregado, se degrada relativamente aos bens que possuem valor agregado...”.[12: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 34.]
“Commodity (commodities) - o termo significa literalmente mercadoria em inglês”. Nas relações comerciais internacionais, o termo designa um tipo particular de mercadoria em estado bruto ou produto primário de importância comercial, como é o caso do café, do chá, da lã, do algodão, da juta, do cobre, etc. Alguns centros se notabilizaram como importantes mercados desses produtos (commodity exchange). Londres, pela tradição colonial e comercial britânica, é um dos mais antigos centros de compra e venda de commodities, grande parte das quais nem sequer passa por seu porto.[13: SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 12.ed. Saõ Paulo: Best Seller, 2003. p. 112-113. ]
A commoditização define o fenômeno pelo qual produtos de forte valor agregado vêem seu preço evoluir como aquele das commodities. Esta atinge os circuitos integrados, os televisores, os magnetoscópios e os automóveis. Estes bens requerem investimentos consideráveis, desde sua concepção até sua venda. Sucede que a precariedade de todo o avanço técnico, a diminuição da duração da vida útil destesprodutos e a ferocidade da concorrência geram instabilidade e queda dos preços.[14: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 34.]
11 - O dinheiro
“O dinheiro é feito para circular. Ele é uma das linguagens espontaneamente universais, integrando todas as coisas, todas as atividades em uma escala única de valores. ‘Quanto isto custa?’ [15: Ibid., p. 34-35.]
“O dinheiro é um meio de troca, utilizado no intercambio de mercadorias, serviços e mesmo na aquisição de dinheiro estrangeiro (divisas). Representa uma medida de valor que serve para comparar o valor das mercadorias entre si, tomando por base o preço de cada uma em relação à mercadoria-padrão (equivalente geral, que passou a ser o próprio dinheiro).[16: SANDRONI, Paulo., op. cit., p. 174-5.]
“O dinheiro é um dos grandes vetores da mundialização: conferindo um preço a tudo - da escova de dentes à vida humana -, ele faz de tudo objeto de comparações, de cálculos. Ademais, a apropriação do espaço, o estabelecimento de ligações terrestres, marítimas, aéreas, reclamam a mobilização de capitais, a sofisticação dos instrumentos financeiros - o que se acompanha freqüentemente de falências, de escândalos”. (Emroe, etc.)
No século XIX, esboça-se o mercado universal, que, no século XX, a partir dos anos 60 do século XX, apresenta uma mutação sem precedentes no que concerne à finança: “o domínio financeiro emerge como primeiro setor realmente mundializado”. (a mundialização é essencialmente financeira. - (ver Plauto: Direito, justiça social e neoliberalismo).[17: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 34-5.]
Sociedades ocidentais de grande poder surgem não só do consumo mas também da poupança “instituições - sociedades de investimento, caixas de aposentadoria... - se organizam para drenar recursos para os mercados financeiros. Estas organizações, tendo por alvo diversificar operações rentáveis e seguras atentam, pouco a pouco, além fronteiras. O envelhecimento das populações ocidentais..., a necessidade de financiar cada vez mais as aposentadorias por meio da capitalização, amplificam esta internacionalização. Desde o início dos anos 70 do século XX, primeiramente nos Estados Unidos, há o desenvolvimento espetacular dos fundos de pensão coletando e gerando somas colossais”. Os três maiores fundos de pensão norte-americanos dispõem de um milhão de dólares. “Estas instituições, investindo em todas as grandes bolsas, detendo parte do capital de multinacionais, tornam-se atores financeiros internacionais do maior relevo”. 
Por outra parte há o crescimento notável e a internacionalização cada vez maior das empresas. Até os anos 80, esta internacionalização faz-se essencialmente por meio do comércio. “A partir de 1985, o investimento direto emerge como um fator maior. Os canais de internacionalização se multiplicam: exportações-importações, aquisições e fusões de empresas... Estas mutações são auxiliadas e amplificadas pela explosão e globalização das atividades financeiras. Hoje os fluxos financeiros são 40 vezes superiores aos movimentos comerciais.”
Durante os últimos 25 anos do século XX, o endividamento dos Estados cresce maciçamente. Os Estados Unidos deixam seus déficis públicos aprofundar-se, nos anos 80, mas, graças ao dólar, primeira moeda de transação e de reserva, e devido ao seu poder, mobilizam facilmente as poupanças estrangeiras, em primeiro lugar a japonesa.
As crises financeiras mexicanas, de 1982 e de 1984, quase arrastam o México à falência. Foi então que o mundo financeiro tomou consciência do extraordinário aumento das interdependências, temendo uma quebra ainda mais profunda e global que a de 1929, podendo inclusive a queda do México conduzir à de outros Estados, podendo conduzir à fratura de todo sistema. Isto não ocorreu porque o sistema inventou mecanismos de domínio das crises (programas de urgência, planos de reescalonamento das dívidas).[18: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit, p. 34-7.]
12 - Deslocamento de regras e controles
“Nos anos setenta do século XX, o regime de paridades fixas entre as moedas (acordos de Bretton Woods, julho de 1944) foi substituído pelo de taxas de câmbios flutuantes (acordos de Kingston, janeiro de 1976): a partir daí, o valor das moedas é estabelecido pelos mercados e portanto não cessa de variar em função da oferta e da procura. Nos anos oitenta, sobreveio o desmantelamento dos controles de câmbio, a desregulamentação, visando a suprimir, nos domínios internacionalizados ou tendo vocação para sê-lo (finanças, notadamente), todas as regras limitando a concorrência tanto interna quanto externa. Este desaparecimento ou abrandamento das regras oficiais do jogo constitui um dos signos da formação de um sistema financeiro mundial escapando ao controle dos Estados. Nos anos sessenta do século XX, o mercado dos eurodólares toma corpo, a partir de depósitos em dólar fora dos Estados Unidos, primeiramente feitos pelas multinacionais americanas, depois por todas as empresas manipulando fluxos em dólares. Os eurodólares representam uma fonte de crédito fora dos controles nacionais. Seguindo o mesmo mecanismo, surgiram os eurodeutchemarks, os eurofrancs, que constituem depósito de moeda fora do Estado emissor. Nos anos setenta, é a vez dos petrodólares, nos anos oitenta explodem os narcodólares, apagando os traficantes de drogas suas origens duvidosas reciclando-os em empregos regulares (lavagem). Assim se multiplicam os rios autônomos de dinheiro.”[19: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 37-8.]
13 - Frenesi de inovações financeiras para manipular somas crescentes. 
Desde que se inventou o dinheiro há a preocupação de fazê-lo circular e multiplicar-se, assim como de precaver-se quanto aos riscos de tais operações. A preocupação é sempre a mesma: servir-se do tempo e antecipar evoluções, variando os montantes e as técnicas.
Hoje tudo facilita e acelera a circulação do dinheiro. Expressão disto é a securitization, cujo mecanismo assegura a transformação dos haveres financeiros em títulos negociáveis nos mercados. Qualquer dado econômico pode ser objeto de titularização (recursos de empresas, imóveis, florestas, poluições). A titularização contribui para a criação de mercados, facilitando a mobilidade das coisas, das dívidas, dos patrimônios, integrando-os aos circuitos mundiais.[20: Securitização "termo oriundo da palavra inglesa security e que significa o processo de transformação de uma dívida com determinado credor em dívida com compradores de títulos originados no montante dessa dívida. Na realidade, trata-se da conversão de empréstimos bancários e outros ativos em títulos (securities) para venda a investidores que passam a ser os novos credores dessa dívida. Tem sido a forma que países com elevadas dívidas externas têm encontrado para renegociá-las. Por exemplo a dívida externa brasileira com determinados bancos privados e estrangeiros foi securitizada, isto é, esses bancos venderam títulos baseados nessa dívida para tomadores que compram esses títulos -, evidentemente com deságio - e passaram a ser os novos credores da dívida externa brasileira" (Plano Baker; Plano Brady).]
“A ilustração mais espetacular desta mutação financeira é fornecida pelos produtos derivados. São todos os produtos e instrumentos financeiros que não correspondem a negociações em moeda corrente (física), traduzindo-se por contratos de compra ou venda de uma quantidade de um ativo, qualquer que ele seja (lucros, obrigações, matérias primas, metais preciosos...) em uma data no futuro, e a um preço determinados no momento da celebração do contrato.” 
 Estes contratos a termo ou futuros (futures) aparecem na segunda metade do século XIX, nos mercados de matérias primas (Chicago, cereais e carnes; Londres, metais e produtos vegetais).[21: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 38-9.]
14 - A conexão dos mercados
É ela imposta para tornar tão fluida quanto possível a circulação do dinheiro. Em alguns segundos ou em alguns minutos, os capitais passam de uma empresa a outra, de um lugar a outro. Estaglobalização financeira é facilitada pela técnica, pela introdução do computador, desmaterialização dos títulos, máquinas de transferência automática, rede de transmissão de dados, difusão do cartão de crédito, etc.
Em outubro de 1986, a City de Londres, a primeira a adaptar-se às mutações financeiras, fazendo as transações não mais de pessoa a pessoa mas de computador a computador, graças a telas funcionando continuamente e ligadas a todos os centros do planeta. As outras bolsas a seguiram.[22: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 39.]
15 - As representações mentais
A mundialização é indissociável de uma multiplicação dos laços de informação e comunicação, comprimindo maciçamente o espaço e o tempo. Hoje, todos os acontecimentos podem ser seguidos em tempo real, transmitindo-os a televisão à terra inteira.
Em 1980, surgiu a primeira rede de televisão com vocação planetária - a Cable News Network (CNN). Ela difunde 24 horas por dia de informação, ilustrando uma Terra interligada, atingindo sobretudo os grandes hotéis, nos quais se intercruzam os executivos da mundialização, munidos de computadores e telefones celulares.[23: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 40.]
 16 - A emoção
Hoje, todo drama - tremor de terra, fome, guerra - é instantaneamente conhecido, senão de todos, ao menos de muitos, mobilizando todos aqueles que, por razões precisas e muito diversas, são motivados pelos acontecimentos, deixando, no entanto, paradoxalmente “indiferente a grande maioria, absorvida sobretudo pelas dificuldades imediatas e quotidianas”. As notícias só provocam emoções autenticamente universais quando os homens as assumem como algo de interesse comum, suscitando uma solidariedade global. [24: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 40-1.]
17 - A imitação
A imitação é um dos mecanismos fundamentais da história humana, sendo hoje facilitada, amplificada e acelerada pela globalização. Uma das modalidades mais salientes hoje é a falsificação. Bens raros, caros, produtos de marca são copiados fraudulentamente. Os objetos falsos são vendidos em grandes quantidades e a preços muito inferiores àqueles dos originais.
A juventude exprime a imitação por meio dos blue jeans, do hamburger da MacDonald’s, da tatuagem, da moto...[25: DEFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 41-2.]
18 - A rejeição
“O impulso da mundialização se acompanha de reações integristas (por exemplo, correntes islamistas, sonhando restaurar uma idade de ouro pré-ocidental) (sic). No fim dos anos noventa, emergem movimentos ditos de antimundialização, coalizões heterogêneas, condenando desordenadamente (sic) a liberalização das trocas, o poder ilimitado das multinacionais e o caráter tecnocrático das regras internacionais, contribuindo notadamente para bloquear a realização de um novo ciclo de negociações comerciais mundiais (fracasso da conferência de Seattle em 1999).” Reivindicam também a instituição de uma taxa incidente sobre todos os movimentos de capitais a curto prazo - a taxa Tobin. No que toca ao terrorismo, constata-se seu incremento na mundialização.[26: DESFARGES, Philippe Moreau, op. cit., p. 42-3. ]
Editado por FERREIRA, MARCOS VINICIUS VIEIRA, aluno FMP-insc.2014/1
	
	
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