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trajetoria de feminizacao[1]

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E IXO TEMÁT ICO I - P o l í t i c a s educa t i v as n a Amé r i c a L a t i n a : conseqüênc i a s sob r e a f o rmação e o t r ab a l ho docen t e 
 
V I SEM INÁR IO DA REDESTRADO - Regu l a ç ão E du c a c i o na l e T r a ba l h o Do c en t e 
0 6 e 0 7 d e n o v emb r o d e 2 006 – UERJ - R i o d e J a ne i r o - R J 
1
 
TRAJETÓRIA DE FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO E A (CON)FORMAÇÃO DAS 
IDENTIDADES PROFISSIONAIS 
 
Magda Chamon 1 
Fundação Mineira de Educação e Cultura – Universidade FUMEC 
 
 
Resumo 
 
 Este artigo explora questões que têm como eixo a historicidade do processo de 
feminização do magistério no sistema de ensino elementar, em Minas Gerais, pondo 
destaque nas relações de gênero e de classe social presentes nesse processo. Procura 
analisar como o trabalho docente foi progressivamente passando de trabalho masculino a 
trabalho feminino, entre os séculos XIX e XX, e sob que condições essas mudanças se 
deram. A investigação proporcionou a compreensão dos mecanismos de poder que 
engendraram a (con)formação das identidades profissionais do “ser professora” e pretende 
contribuir na análise de questões presentes, contradições, conflitos e possíveis 
transformações. 
Palavras-Chave: educação e gênero; políticas públicas; identidade profissional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1Doutora em Educação pela UFMG – Coordenadora Geral e de Tutoria do Projeto Veredas/SEE-
MG/FCH-FUMEC – Coordenadora Acadêmica e Pedagógogica do Curso de Pós-Graduação 
Especialização em Psicopedagogia EAD da FCH-FUMEC – Proferssora do Curso de Mestrado em 
Direito da FCH-FUMEC. 
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Introdução 
 
 A associação entre ensino elementar e trabalho feminino tem sido considerado como 
um fato 'natural' nos mais diferentes contextos e segmentos sociais em todo o mundo 
ocidental. A personificação do ideal da professora da escola elementar foi se cristalizando ao 
longo de anos no imaginário social como um profissional da virtude, do amor, da dedicação e 
da vocação. A mistificação da ação educativa é uma das características mais fortes do ideário 
da professora. A diginidade do ofício, a nobreza de sua missão, a exaltação do zelo só 
comparável às causas religiosas e patrióticas, ainda hoje, materializam a ética do ideal de 
professora. Esta idealização, no entanto, não é um fenômeno singular da sociedade brasileira, 
mas algo que passou a integrar o imaginário social em diferentes contextos culturais, a partir de 
determinados momentos históricos. Este fato nos leva a supor que tal idealização não se deu 
de forma gratuita, mas que foi construída historicamente para cumprir funções políticas. 
 O presente artigo, busca promover a análise do processo de feminização do magistério 
a partir da história das idéias, da cultura e das relações de gênero e classe social na sociedade 
brasileira, sua influência na construção da identidade profissional da mulher-professora. 
Desvendar essa história através da investigação de suas raízes no ensino elementar, entre 
o século XIX e XX, em Minas Gerais constituiu nosso primeiro desafio. Ao enveredarmos 
pela historiografia sobre as relações de gênero e educação, objetivamos não apenas um 
levantamento factual do processo de surgimento da mulher professora, mas também, e 
principalmente, a busca do desvelamento de sua expansão e de suas características frente 
às injuções de ordem econômica, social e política. 
 Estreitos vínculos unem a educação de um povo ao seu contexto sóciocultural. Tais 
considerações conduzem-nos a levantar alguns questionamentos iniciais: quais seriam os 
motivos do processo de feminização do magistério elementar no Brasil? Por que foi 
incorporada por um grande contingente de mulheres a associação entre magistério e vocação? 
Quais seriam as possíveis vinculações entre escola de massa numa sociedade capitalista e a 
trajetória de feminização do magistério? 
 Ao ampliarmos o nosso olhar, percebemos que como tudo que foi inventado nas 
oficinas da modernidade, o magistério, no mundo ocidental, também passa por 
transformações bruscas. E essa trajetória manifesta-se em uma trama de relações sociais 
contraditórias de caráter classista e discriminatório para com as mulheres no interior dos 
diferentes segmentos sociais. 
 A feminização do magistério não é um fenômeno novo e tem se manifestado na maioria 
dos países ocidentais desde a segunda metade do século XIX. No entanto, um balanço da 
historiografia da educação permite afirmar que a abordagem desta temática com destaque nas 
categorias gênero e classe social constitui um campo de pesquisa recente, tanto no Brasil 
quanto em outros países. 
 Com o avanço do capitalismo industrial é refeita a hierarquia das profissões, 
agregando-se valor àquelas mais condizentes com as novas exigências do mundo 
industrializado e à sua ideologia. É instituída a educação sob a tutela do Estado para os 
filhos dos trabalhadores. Nesse contexto, o magistério sofre significativos abalos. Deixa de 
ter o prestígio de outrora e, de forma sensível, vai mudando, paulatinamente, de gênero. A 
instituição dos sistemas de educação de massa, sob a organização do poder público, marca a 
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ampliação da participação da mulher como professora primária como nos esclarece Braster 2. 
Embora, o período de criação desses sistemas seja diferenciado em cada país por razões 
complexas, um ponto em comum os une: eles datam da segunda metade do século XIX, na 
maioria dos países ocidentais e representaram a quebra de um número significativo de práticas 
educacionais anteriormente existentes, conforme Green3. Em consequência, um novo mercado 
de trabalho foi colocado a disposição de homens e mulheres4. De acordo com Aldrich5, novas 
questões foram sendo integradas à agenda da história da educação, levantando perguntas e 
buscando respostas para vários pontos importantes sobre Educação e Gênero, tais como: até 
que ponto o sistema formal de educação fora utilizado para reforçar os estereótipos entre 
meninos e meninas, entre homens e mulheres? Como esta estereotipia se dá nas diferentes 
classes sociais? Que mensagens específicas quanto a gênero as crianças recebem na escola 
e no lar sobre os seus futuros papéis como adultos? De que maneira o currículo, explícito ou 
oculto, é construído e utilizado para promover tais processos discriminatórios? 
 No Brasil, a investigação dessa temática é ainda incipiente, embora o percentual de 
professores na escola elementar se aproxime de 100%, fato esse que nos instigou a pesquisar 
as bases desse processo. Estabelecemos como marco inicial de nossa investigação a 
constituição do sistema de instrução pública mineiro, no século XIX, mais precisamente o ano 
de 1834. A utilização de uma abordagem interdiscplinar nos permitiu investigar questões 
relacionadas aos processos de inserção e exclusão da mulher do mundo do trabalho, herança 
cultural, evolução sócio-econômica, estruturação do poder político e suas influências na 
construção dos sistemas de educação.A investigação proporcionou a compreensão dos 
mecanismos de poder que engendraram a (con)formação das identidades profissionais do 
“ser professora” e pretende contribuir na análise de questões presentes: contradições, 
conflitos e possíveis transformações. 
 
 
O lugar das mulheres no contexto brasileiro 
 
 O Brasil, até o século XIX, caracterizava-se como uma sociedade tipicamente agrária, 
onde a organização social era dividida em duas classes sociais básicas: senhores e escravos, 
nas quais as mulheres eram totalmente excluídas de qualquer ligação com a esfera pública. O 
domínio português impusera suas leis e costumes, quando da ocupação do território brasileiro. 
Uma doutrinação católica exacerbada, dirigida pela ação dos padres jesuitas, desempenhou a 
tarefa de transportar para a Colônia os valores dessa ideologia religiosa. A cultura nativa foi 
 
2
 BRASTER, J. F.A. The Feminization of Teaching: a European Perpective. In: Seppo Simo. The Social 
Role and Evolution of the Teaching Profession in Historical Context, vol.V, Finland: Joensu, 1990. A 
autora afirma que a instituição do sistema de educação de massa nas maioria dos países ocidentais 
sob a tutela do Estado, no século XIX é considerado um importante demarcador para ampliação da 
participação da mulher como professora da escola elementar. 
3
 GREEN, Andy. Education and State Formation. London: The Macmillan Press,1990. 
3
 FLORIN, Christina. “Who shoud sit the teacher’s chair? The Process of feminization professionalization 
among swedish elementary school teachers 1860 - 1906.” In: Seppo, Simo. The Social Role and 
Evolution of the Teaching Profession in Historical Context, vol.V, Finland: Joensu, 1989, afirma que a 
instituição da escola compulsória, sob a reponsabilidade do Estado nos países ocidentais, colocou à 
disposição de homens e mulheres um novo mercado de trabalho, e em muitos países, como por 
exemplo na Suécia e na Alemanha, este fato provocou conflitos de interesses profissionais entre ambos 
os sexos, em função do grau de prestígio que a profissão oferecia.. 
5
 ALDRICH, Richard. Questões de Gênero na História da Educação na Inglaterra. In: Educação em 
Revista, Belo Horizonte, n. 13 p. 47-54, jun. 1991.. 
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praticamente aniqüilada. A velha mentalidade patriarcal da Metrópole reproduziu-se no Brasil. 
Uma estrutura de poder pautada nos modelos medievais, já em decadência na Europa, 
submetia as mulheres das diferentes classes sociais a uma perpétua tutela masculina: do 
pátrio poder à proteção do marido. 
 Ao longo do século XIX, necessidades econômicas, políticas e sociais deram início a 
um processo de urbanização em várias regiões brasileiras. A instalação da Corte Portuguesa 
no Rio de Janeiro, em 1808, e a abertura dos portos pelo príncipe regente D. João VI foram 
fatores importantes para a intensificação da vida urbana. Aos proprietários de terras era exigida 
uma maior mobilização entre o campo e a cidade, juntamente com seus familiares e todo o seu 
séquito de escravos e empregados. Nas cidades, as famílias, embora mantivessem o poder de 
seu chefe inquestionável, quebravam seu isolamento. 
 Fora criado um alargamento do universo sócio cultural das famílias da classe 
dominante e um maior espaço de mobilização de suas mulheres. Por outro lado, as mulheres 
das camadas populares ganhavam o espaço público como trabalhadoras no comércio e nos 
serviços.6 Neste período o Brasil viu surgir, também, uma estratificação social mais complexa. 
A presença de uma camada intermediária tornou-se cada vez mais visível. Sua participação na 
vida social passou a ser ativa, não tanto pelas atividades produtoras a que estava ligada como 
a mineração, o artesanato, o pequeno comércio, a burocracia, mas sobretudo, como esclarece 
Sodré7, pelo envolvimento político. Esse processo de urbanização permitiu, também, a 
penetração de diferentes credos e ideologias filosóficas oriundas do continente europeu, onde 
a industrialização dos meios de produção se expandia a largos passos. O pensamento 
escolástico, originário de Portugal e até então hegemônico no Brasil, passara a sofrer oposição. 
 Liberais, cientificistas e positivistas debatiam suas idéias sobre diferentes necessidades 
sociais e políticas do País. A filosofia positivista integrava os ideais republicanos e passava a 
ter grande influência no Brasil. Em sua idealização do papel da família, os fervorosos 
representantes dos princípios doutrinários de Comte faziam coro com a ideologia vitoriana, em 
franca expansão na Europa, dando destaque ao papel da mulher. De acordo com esses 
princípios ideológicos, as mulheres, pelo seu altruismo e pela superioridade de suas virtudes 
morais e espirituais deveriam responsabilizar-se pelo bem estar físico, moral e espiritual de 
suas famílias e de sua pátria. 
 A missão civilizatória atribuída às mulheres fez crescer o debate sobre a educação 
nacional, a educação das meninas em particular - até então praticamente inexistente - e o 
papel das mulheres como condutoras morais da ordem social. 
 Novos meios de transporte e comunicação se desenvolviam com a Revolução Industrial 
e encurtavam as distâncias entre o Brasil e os outros continentes. 
 O continente europeu dava início a um amplo movimento sobre o “novo” papel social 
atribuído às mulheres. Quando a industrialização dos meios de produção se encontrava 
sedimentada e em expansão em várias regiões da Europa, na segunda metade do século XIX, 
a força de trabalho feminina não se fazia mais tão necessária aos donos do capital. Era 
necessário encontrar mecanismos sociais que restabelecessem os velhos valores da ideologia 
patriarcal fragilizados pelos interesses da produção e do lucro. 
 A ideologia vitoriana surgira exercendo um papel fundamental na restauração dos 
valores morais das famílias trabalhadoras. Um ideal cristão de feminilidade foi instituído, 
 
6Para maiores detalhes ver o trabalho de DIAS, M. Odília. Quotidiano e Poder em São Paulo no Século 
XIX, São Paulo: Brasiliense, 1984. 
7
 SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese da História da Cultura Brasileira, Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 1970. 
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embora diferenciado para as mulheres das diferentes classes sociais, como indica Purvis8. O 
trabalho filantrópico tornava-se assim uma forma legítima de atividade feminina, caracterizado 
como um trabalho não pago, de caráter moral e religioso, que proporcionava a oportunidade 
das mulheres de classe média se movimentarem na esfera pública. Enquanto isso, num 
movimento inverso, as mulheres das classes trabalhadoras sofriam uma retração na 
participação do mercado de trabalho assalariado, quer nas indústrias, quer no campo. 
Aparentemente contraditórias, essas duas ações, uma no plano ideológico e moral, a outra no 
plano econômico e social, eram na verdade convergentes. 
 As categorias gênero e classe nos permitem perceber que o capitalismo vitoriano, 
embora desenvolvendo ações assimétricas, relativas ao espaço de trabalho para com as 
mulheres de diferentes classes sociais, une-as no plano ideológico,transformando-as em 
trabalhadoras suplentes da ação do Estado. Os representantes do poder oficial enfatizavam 
que, embora o lar fosse o maior palco de influência da mulher, sua ação não deveria ali se 
esgotar, - as mulheres deveriam responsabilizar-se por um efetivo papel na sociedade, 
cuidando da saúde física e moral da nação9. 
Eram fortes os motivos ideológicos e econômicos que apelavam para o trabalho 
compulsório de caridade das mulheres em países europeus: o avanço da revolução industrial, 
a transformação do modelo econômico mundial, a expansão do mercado capitalista, o 
movimento anti-escravagista, a presença de uma forte crise social e a necessidade de 
expansão de sistemas nacionais de educação. Apelos constantes começaram a ser feitos às 
mulheres, com destaque para os seus diferentes papéis familiares como filhas, irmãs, esposas 
e mães, enfatizando suas responsabilidades para com o bem estar de suas famílias e de suas 
pátrias. 
No Brasil, no entanto, o quadro social era completamente diferente. Por que motivos, 
então, numa sociedade escravista e feudal, mal emersa da submissão colonial surgia uma 
discussão sobre a importância do papel feminino para o futuro da nação? Por que razões 
representantes de diferentes doutrinas filosóficas eram unânimes em dar destaque ao papel da 
mulher, numa sociedade fortemente marcada pela velha mentalidade patriarcal? Sob que 
circunstâncias os representantes oficiais começaram a manifestar suas preocupações para 
com a escolarização das meninas e das mulheres, tão negligenciada até aquele momento 
histórico? 
 É preciso nos aproximarmos da história da organização do sistema de instrução pública 
brasileira, e da posição ocupada por homens e mulheres no interior do mesmo, para melhor 
entendermos estas questões. 
 
 
Relações de gênero na construção do sistema de instrução pública 
 
 Em 1827, foi sancionada a primeira lei que regulamentava a criação do ensino público e 
gratuíto no Brasil. O Ato Adicional à Constituição do Império, datado de 1834, orientava a 
descentralização do sistema de instrução pública. Fora delegado às províncias o direito de 
regulamentar e promover a educação pública primária e secundária em seus territórios, até 
então sob a responsabilidade do governo central. Por força de suas condições históricas o 
 
8
 PURVIS, June. A History of Women’s Education in England, London: Open University press, 1991. 
 
9
 Para maiores esclarecimentos, cf. WARE, Vron. Beyond the Pale. White Women, Racism and 
History, London/ New York: Verso, 1993. 
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sistema de instrução pública elementar no Brasil surgiu sob circunstâncias bastante 
desfavoráveis. O número de escolas era muito inferior ao número de habitantes escolarizáveis, 
estando longe de satisfazer as necessidades de uma população dispersa numa grande 
extensão territorial. O Estado não se comprometia com as garantias mínimas que pudessem 
favorecer o ensino para o povo. Nenhuma forma de investimento era feita seja em relação à 
capacitação de professores, prédios e materiais escolares, métodos pedagógicos e currículo.
 A educação não fora tratada quer como uma necessidade nacional, quer como um 
direito de seu povo. Era vista como uma concessão para muitos, uma forma de fornecer 
ilustração para poucos, ou ainda como um modelo a ser copiado, mas não como um 
instrumento necessário para a preparação de seu povo. 
 O regime político brasileiro, tendo suas bases de sustentação fortemente implantadas 
no poder local das províncias não conseguia organizar um sistema de ensino capaz de 
executar suas diretrizes culturais. Inexistia uma política educacional definida e unificada para 
toda a nação. Somado a tudo isto os representantes oficiais queixavam-se da falta de recursos 
que pudessem promover o desenvolvimento do sistema público de instrução. Este sistema de 
instrução assume desde as suas origens um caráter excludente, deixando à margem do direito 
à escolarização, a maioria de seus cidadãos. 
 Deste sistema de ensino surgem as primeiras vagas para o sexo feminino na escola 
pública elementar, que até então só tinha acesso à educação religiosa, em locais de 
recolhimento espiritual e conventos. Fortes motivos morais e religiosos impediam a co-
educação e determinavam que os professores fossem do mesmo sexo de seus alunos e que 
as aulas fossem dadas em espaços separados. As meninas só tinham direito à frequência da 
escola primária, sendo-lhes negada a continuidade de estudos. O currículo escolar dava ênfase 
aos trabalhos de agulha e tesoura. Além da desigualdade quanto ao currículo escolar, as 
meninas encontravam-se em grande desvantagem em relação ao número de estabelecimentos 
escolares. 
 O presidente da Província de Minas Gerais, Antônio da Costa Pinto, apresenta a 
evidência deste fato, quando relata em 1837 o funcionamento de 129 escolas públicas para 
meninos, sendo 100 de primeiro grau e 29 de segundo grau, com uma frequência total de 
4.857 alunos. Já para as meninas o número total era de apenas 14 escolas de primeiro grau 
com uma frequência de 352 alunas. 
“... entre estes constam-se poucas meninas, porque, além de faltarem 
geralmente cômodos para elas, em lugares separados, há da parte dos 
pais ou educadores, alguma repugnância em tê-las entre os meninos...” 
(Moacyr,1939, p. 72).10 
 
 O número de meninas que frequentava a escola pública elementar indica a diminuta 
quantia de professoras neste mesmo sistema de ensino e reflete a posição social secundária 
ocupada pelas mulheres, e o pouco valor dado à educação das meninas, quer pelas famílias 
quer pelo poder público. 
 A educação feminina era um privilégio das filhas da elite que aprendiam em casa com 
professores contratados, ou em escolas particulares dirigidas por estrangeiros ou 
congregações religiosas. O ensino destas meninas, no entanto, restringia-se à aprendizagem 
 
10
 MOACYR, Primitivo. A Instrução e as Províncias. (Subsídios para a História da Educação no Brasil 
1834 - 1889), Vol. III, São Paulo: Compahia Ed. Nacional, 1939. 
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de canto, dança, françês e de algumas habilidades manuais conforme pesquisa de Leite11. A 
leitura não era recomendada para as mulheres, a não ser para o uso dos livros de orações. 
Contudo, essa educação feminina de elite guardava uma enorme distância daquela recebida 
pelo sexo masculino: enquanto as meninas recebiam algum conhecimento que as tornassem 
aptas a circular na sociedade e a preparar-se para o papel social de esposas e mães, os filhos 
desta classe costumavam buscar seus conhecimentos nas fontes de cultura européia. 
 Na função de professores (as) da escola elementar as relações de gênero também 
reforçavam as diferenças sobre os níveis salariais: as professoras ganhavam menos do que 
seus colegas do sexo masculino, embora a legislação previsse que os salários devessem ser 
iguais para ambos os sexos. A esse respeito Saffioti,12 esclarece que o ensino de geometria 
era usado como critério para estabelecer níveis de salário e esta matéria não fazia parte dos 
conteúdos curricularesdas meninas. 
 
 
O magistério primário como ocupação masculina 
 
 Embora o nível salarial dos professores fosse melhor do que o das professoras isto não 
significava que estes fossem profissionais valorizados pelo Estado. Afinal por que valorizar o 
profissional do ensino público, se o próprio ensino público não era valorizado? 
 De fato, o corpo de profissionais que integrava o sistema público de instrução, os 
mestres-escola, eram ex-profissionais autônamos que exerciam seu ofício livremente como 
professores particulares escolhidos e pagos pelos pais e frequentemente dotados de longa 
experiência na função de ensinar. Esses profissionais formados no próprio trabalho e 
respeitados pelos pais e comunidade foram passando à condição de empregados do 
Estado. As relações de trabalho tinham sido concretamente redefinidas numa nova 
organização do processo de trabalho, que passou a desprezar o saber do professor e a 
desvalorizar o seu trabalho, pagando baixos salários pelos serviços prestados. O governo 
não assumia o sistema de instrução pública como sua responsabilidade, transferindo para 
os professores a culpa de todos os seus insucessos. 
 Os baixos salários dos professores chegavam a ser reconhecidos até mesmo 
pelos representantes do poder instituído, como nos demonstra o relatório do presidente 
de Minas Gerais à Assembléia Provincial, em 1879: 
...sujeitar os professores às provas de capacidade profissional 
que garantem as condições exigidas eram as medidas 
instanteneamente reclamadas. Realizá-las, conservando os 
vencimentos mesquinhos que afastam da profissão as 
inteligências, e que encontrariam algures aplicação mais 
lucrativa, seria difícil, senão impossível. Quem dispondo de 
talento e habilitações científicas se aventuraria a uma profissão 
mal retribuída, sem esperança ao menos de estabilidade? 
(Moacyr, op. cit., p.195-196)13. 
 
 
11
 LEITE, Miriam Moreira. ( org.) A Condição Feminina no Rio de Jjaneiro no Sec. XIX: antologia 
de textos de viagens de estrangeiros, São Paulo: Ática, 1984. 
12
 SAFFIOTI, Heleith. A Mulher na Sociedade de Classes: mito e realidade, Petrópolis: Vozes, 1976. 
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 Ibdem. 
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 Uma associação entre magistério primário e baixo prestígio profissional foi se instalando 
gradativamente, a ponto de ser visto como desonroso para o homem continuar atuando como 
profissional da escola elementar. A evasão de professores do sexo masculino do magistério 
primário público passou a ser fato usual. 
 Por outro lado, crescia no País o movimento republicano. Os republicanos sabiam que 
uma república estável se alicerça sobre a adesão e o consenso do povo, dos cidadãos. A 
ênfase na importância da instrução pública passou a ser constante nos discursos de campanha 
do Partido. Era salientada a necessidade de difusão do sistema de instrução pública elementar 
para eliminar as altas taxas de analfabetismo da nação. 
 
 
Primeiros apelos à participação da mulher 
 
 Nas últimas décadas do século XIX, o magistério já começava a se delinear como 
possível campo de trabalho feminino, conforme intensões contidas na fala do presidente da 
província de Minas Gerais, em 1871: 
...é preciso estabelecer-se algumas escolas secundárias para as 
meninas. Não há nenhuma mantida à custa da Província... deve-
se muito recear deste olvido da instrução da mulher...Faz-se 
necessário que as mulheres adquiram o hábito do trabalho para 
ganharem com ele honestamente a vida e se habituarem para o 
cumprimento de seus deveres de filhas, esposas e mães... basta 
refletir na transformação social que se aproxima, para sentir que 
não se pode guardar por muito tempo esta medida. (Moacyr, op. 
cit. p.174)14 
 
 Embora a reponsabilidade das mulheres para com o cumprimento dos deveres de filhas 
esposas e mães se mantivesse como ponto de destaque no discurso oficial, o trabalho das 
mulheres não deveria aí se esgotar. A sociedade começava a se ressentir da exclusão das 
mulheres da esfera pública. Era necessário ampliar a escolarização feminina. 
 Neste mesmo ano de 1871, foi promulgada a lei de criação de Escolas Normais em 
Minas Gerais. Estas escolas, inicialmente em número de três, previam a frequência comum de 
homens e mulheres em lições alternadas. Desde a sua implantação estas escolas atrairam um 
maior número de moças do que de rapazes na província mineira. Enquanto os rapazes que 
procuravam a escola normal eram originários das classes trabalhadoras, as moças originavam-
se das camadas mais favorecidos da população. Afinal, esta era a única oportunidade 
oferecida às mulheres para a continuidade de seus estudos. 
 Era preciso buscar a superação do caótico quadro em que se encontrava a educação 
nacional. Era importante formar um corpo estável de profissionais, que não buscasse no salário 
o motivo de seu ofício. As mulheres vão sofrendo apelos das políticas públicas para 
substituírem os homens na “nobre” missão de educar. Não é, entretanto, uma mudança 
puramente biológica. Ela se inscreve no campo do simbólico e vai impregnando o imaginário 
social feminino com o discurso da “vocação”. Na realidade, o que muda é o gênero do 
magistério reforçado pelos interesses hegemônicos que reforçam os estereótipos sociais 
sobre as relações de gênero e o caráter missionário do trabalho feminino na esfera pública. 
 
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O discurso oficial enfatizava que ensinar crianças era um atributo feminino, era um trabalho 
para virtuosos, cujas ações deveriam se pautar no amor e não nas recompensas materiais. 
Representantes oficiais e militantes do partido republicano afirmavam ser o magistério uma 
profissão para vocacionados, devendo dela se afastar aqueles que não simbolizassem o amor 
ao trabalho de ensinar. 
 Em 1879 fora instituida a educação mista, onde meninos e meninas podiam frequentar 
uma mesma escola. Fora decretada, também, a equiparação salarial entre professores e 
professoras em nível nacional. O presidente mineiro reforçava a importância do “novo” papel 
feminino no sistema de instrução pública elementar quando anunciou: 
...cessou também a desigualdade que havia entre os 
vencimentos de professores e professoras, quando a experiência 
tem provado que são das mais próprias para educar e dirigir 
meninos em tenra idade, exercendo sobre eles a influência 
maternal, pela vocação ao ensino e suavidade de sua disciplina. 
Seria inexplicável a continuação de semelhante diferença quando 
elas têm que reger classes mistas...; organizadas como são, 
além de econômicas, podem trazer muitas vantagens à 
educação dos costumes. (Moacyr, op. cit. p.196)15. 
 
 Os apelos ao trabalho das mulheres surgem como uma oportunidade de se alcançar 
o espaço público com aprovação social. Ser servidoras da pátria, como professoras, 
passava a ser uma possibilidade de comunicação com o espaço público com um nível de 
aprovação social, antes só concedida pelo casamento. Para um campo de trabalho 
abandonado, em que o contingente masculino de professores ia gradativamente se 
esvaziando, eram as mulheresas substitutas ideais: virtuosas, econômicas, abnegadas e 
ainda mais, “vocacionadas” para o trabalho de ensinar. Outro ponto de destaque na fala do 
presidente da província é que as questões morais, antes justificadoras da separação dos 
sexos nas escolas, - e que tantas desvantagens traziam para a educação das meninas - não 
mais interessavam aos representantes do poder oficial. Se seriam as mulheres as 
professoras ideais da infância, a educação das meninas precisava ser incentivada. 
 Enquanto os homens buscavam novas oportunidades de trabalho mais bem 
remuneradas, as mulheres iam sendo chamadas, em nome de suas qualidades morais 
superiores, para ocupar esse campo de trabalho abandonado. 
 
 
As mulheres frente aos apelos das políticas públicas 
 
 O incentivo à frequência das escolas normais partia do ideário das políticas públicas, 
que apelava para uma missão civilizatória e patriótica das mulheres como mães e educadoras. 
Por outro lado, a oportunidade de ter um maior acesso ao espaço público, quer frequentando 
as escolas normais, quer atuando como servidoras da pátria no sistema de ensino elementar, 
constituia uma nova possibilidade para as mulheres abrirem uma fresta nos estreitos limites 
que a ideologia patriarcal lhes impunha. 
 
15
 Ibdem 
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 Numa época onde o controle do comportamento das mulheres era intenso, a 
continuidade dos estudos possibilitava a incorporação a um processo de socialização diferente 
dos estreitos limites da vida doméstica, corrobora Enguita16. 
 O número de escolas normais começara a se ampliar. Em 1882 a província de Minas 
Gerais conta com cinco escolas; em 1888 o número dessas escolas amplia-se para oito, 
passando em 1894 a dezessete. No entanto, as péssimas condições materiais e de 
organização, em que se foi construindo a pouca instrução que chegava ao povo, não foram 
alteradas. Era comum os próprios professores pagarem o aluguel das “casas de escola” e 
enfrentarem grandes distâncias para terem acesso ao local de trabalho, tudo isso somado aos 
escassos pagamentos de seus salários. Nem sempre os jovens formados nas escolas normais 
se dispunham a enfrentar as duras condições de trabalho que lhes eram oferecidas. Enquanto 
muitos professores-homens buscavam novas oportunidades de trabalho, que surgiam quer no 
setor público, quer no privado, apelos ao trabalho de ensinar foram chegando às mulheres, 
normalistas ou não, para quem o trabalho na esfera pública surgia como uma concessão. 
Educar crianças passaria a ser apenas uma extensão da função maternal, que poderia ser 
cumprida fora dos limites da vida doméstica, consideradas as qualidades “naturais” das 
mulheres, quer pela prática cultural do silêncio frente ao espaço público, quer pelo fato de 
carregarem consigo a tradição de trabalhadoras desprofissinalizadas. 
 A Primeira República, instaurada em 1889, é um período importante para a 
compreensão do processo de democratização do ensino no Brasil. O regime republicano 
instituiu a necessidade social da escola, e a educação popular adquire ênfase política como 
nunca tivera antes no País. Foi considerada, neste período, condição imprescindível para a 
cidadania, meio necessário para a consolidação da nova ordem social. Uma ampla discussão 
sobre a escolarização compulsória se instala e faz emergir a defesa de diferentes propostas 
pedagógicas para as diferentes classes sociais: aos privilegiados, uma formação mais geral e 
científica, visando o fortalecimento intelectual de uma elite projetada para a direção dos 
destinos da nação; ao povo, uma formação elementar disciplinadora, direcionada para o 
trabalho assalariado. 
 A sociedade brasileira que despontava com a República era mais complexa do que a 
recém-liberta sociedade escravocrata. Uma maior concentração urbana ia se estabelecendo, e 
novos estratos sociais emergiam, diversificando os interessses, origens e posições sociais da 
heterogênea composição social popular. Da escola esperavam que moldasse o cidadão-
trabalhador. 
 O Brasil, um país que somava 67% de analfabetos em sua população, como registra o 
censo de 1890, e que indicava a quase ausência de um sistema público de ensino elementar, 
precisava ser no mínimo moralizado. O seu povo precisava ser “civilizado”, para melhor 
atender aos interesses dominantes, preparando-se para a disciplina do trabalho, quer no 
campo, quer nas zonas urbanas - onde acanhadamente começavam a despontar as primeiras 
indústrias. Somente uma cruzada civilizatória poderia dar conta desse processo. A idéia de 
que a mulher é elemento moralizador por excelência e o reconhecimento de que a educação 
da mulher seria de grande importância para a moralidade dos povos passa a intensificar-se no 
discurso oficial e a repercutir na sociedade. A velha mentalidade patriarcal começava a ceder 
espaço às filhas, frente aos apelos oficiais que se intensificavam. 
 
16
 ENGUITA, Mariano. La Tierra Prometida. La contribución de la escuela a la igualdad de la mujer. In: 
Revista de la Education, Madrid (290): 21-41, sept. / dici., 1989. 
 
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Afinal, o mundo capitalista precisava de braços adestrados para promover o seu 
desenvolvimento. E é em torno desse sistema, que vão somando-se inúmeras mulheres, 
originárias da classe média, que viam no magistério uma possibilidade de alcançar o espaço 
público, com aprovação social. 
 
 
O processo de feminização do magistério elementar em Minas Gerais 
 
A tabela a seguir mostra como a atividade docente foi progressivamente passando 
de trabalho masculino a trabalho feminino, no ensino elementar em Minas Gerais, entre o 
século XIX e XX. Para a elaboração da mesma, utilizamos o mapeamento de professores 
contratados pelo sistema de instrução pública elementar, por sexo, em Minas Gerais. Estes 
dados foram coletados no Arquivo Público Mineiro17, e são relativos ao período de 1834 a 
1917, num total de 4.503 casos. 
 
Escola Pública de Minas Gerais: Admissão de Professores de 1830 a 1910, por sexo. 
 MULHERES HOMENS TOTAL P/ DÉCADA 
DÉCADA
S 
ABS % ABS % ABS % 
1830 15 12,6 104 87,4 119 100 
1840 11 8,4 120 91,6 131 100 
1850 16 21,3 59 78,7 75 100 
1860 36 12,7 248 87,3 284 100 
1870 209 22,6 716 77,4 925 100 
1880 257 33,7 505 66,3 762 100 
1890 249 44,9 305 55,1 554 100 
1900 518 73,1 191 26,9 709 100 
1910 718 75,6 226 24,4 757 100 
Total 
Geral 
2029 45,1 2474 54,9 4503 100 
Fonte: Arquivo Público de Minas Gerais 
 
 As seis primeiras décadas que se seguem à implantação do sistema de instrução 
primária sob a tutela do Estado deixam claras uma posição de sub-representação da 
mulher, enquanto professoras primárias neste sistema, em comparação ao sexo masculino. 
 A partir da década de 1880, no entanto, inicia-se uma tendência definitiva do magistério 
primário: tornar-se mais e mais uma profissão feminina. Esta tendência se relaciona a dois 
fatos importantes: 1) criação de escolas normais estaduais, em 1871, possibilitando o 
treinamento de mulheres para o magistério primário; e 2) o estabelecimento da co-educaçãoinfantil, em 1879, a ser ministrada pelo sexo feminino. Em 1889, com a instauração da 
República, iniciou-se a ampliação da rede de ensino público elementar, colocando à disposição 
de homens e mulheres um novo mercado de trabalho. 
 
17
 INSTRUÇÃO PÚBLICA. Registro de provimento dos professores públicos. (Livros: 04, 07, 11, 19, 60, 
842, 856). In: Arquivo Público Mineiro. 
 
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 As décadas de 1900 e 1910, consecutivamente, demonstram uma alteração 
substantiva no processo de feminização do magistério. Neste período a média de entrada de 
mulheres ultrapassa sensivelmente a média de entrada dos homens no ensino público 
elementar de Minas Gerais. Estas décadas mostram que, além da ampliação do número de 
escolas elementares, o novo regime investiu em grande escala no chamamento das mulheres 
para a ocupação do traballho de ensinar na escola primária. 
 Os idealizadores das propostas de educação republicana tinham consciência de que 
uma nova organização do trabalho pedagógico implicaria a formação de seus mestres. 
 O Brasil, em decorrência de suas condições históricas e culturais, não dispunha de um 
contingente feminino escolarizado, o suficiente, que preparasse filantropicamente, numa 
cruzada civilizatória, outras mulheres para a nobre missão de ensinar. A Escola Normal é que 
ia assumindo a função de preparar profissionais para atuarem na rede de escolas primárias 
públicas, em expansão, tão necessárias ao novo modelo político, econômico e social, sem 
contudo perturbar a sua ordem. O número de escolas normais, como esclarecemos 
anteriomente, vai sendo gradativamente ampliado. Essas escolas sofrem, também, uma 
grande reforma curricular, porém sem perder o velho objetivo: a formação para a moralização e 
o exercício da obediência. A educação das mulheres nas escolas normais passou a ocupar 
lugar de destaque na agenda das políticas públicas. Em 1906, o governador João Pinheiro com 
sua equipe, empreendeu uma grande reforma da instrução pública. Essa reforma estabeleceu 
a criação dos primeiros grupos escolares do Estado e da Escola Normal da Capital, destinada 
exclusivamente ao sexo feminino. O discurso oficial fazia a apologia da dignidade do trabalho 
educativo e enfatizava o sagrado, o divino e o caráter de vocação natural daqueles que se 
destinavam à “nobre missão”. Esses apelos discursivos foram sendo articulados aos 
ensinamentos das escolas normais e às práticas legitimadoras de uma nova cultura escolar, 
que se organizava no interior das escolas, tão necessária aos interesses capitalistas em 
expansão. 
 As mulheres, detentoras de um savoir-faire no âmbito doméstico, com habilidades na 
organização e higienização de seus lares, na ordenação dos espaços e dos tempos, na 
disciplinarização das crianças, e ainda mais “econômicas”, seriam as profissionais ideais para 
contribuir na construção desta nova cultura escolar e na consolidação de uma nova ordem 
urbana pela “boa formação de seus cidadãos”. Era preciso construir uma ética do profissional 
que ocuparia a escola pública elementar. A virtude seria seu mérito, e o seu papel, o de um 
vocacionado para uma cruzada civilizatória. E essa idealização do papel do professor foi 
chegando às mulheres, para quem o trabalho na esfera pública surgia como uma nobre 
missão, uma concessão, uma extensão de sua função maternal. É o que podemos constatar 
nas vozes de várias professoras ao serem entrevistadas sobre os ideais profissionais 
despertados durante o curso normal, como por exemplo: 
...foi despertado em nós o cuidado, o carinho, a compreensão 
que deveriamos ter com as crianças... Nas cidades as 
professoras primárias eram geralmente filhas de famílias que 
tinham nível social mais alto. Ninguém se preocupava com o 
salário... ele era para as pequenas coisas, pois nós tinhamos os 
pais que nos davam tudo que pensávamos. Então o salário era 
uma coisa secundária... Às vezes o pagamento se atrasava três 
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meses, mas a gente não se importava. A dedicação era mais 
importante. O prazer de estar dando aula era tudo...18 
 
Ou ainda, de acordo com uma segunda entrevistada: 
O que foi despertado em mim foi uma vocação que eu já tinha 
dentro de mim...Então tudo aquilo que eu aprendia, eu tinha 
vontade de transmitir. O vínculo da professora com seus alunos é 
como o de uma mãe com os filhos, porque a professora é uma 
extensão da mãe mesmo. Para se ser um bom professor é 
preciso ter vontade, vocação e amor...19 
 
 Estes depoimentos são reveladores de que a mulher, ao alcançar o espaço público, 
carrega consigo uma subjetividade instituida a partir das representações sociais produzidas 
pela força das ideologias dominantes, que foram se reproduzindo como se fossem algo 
natural e verdadeiro. Este imaginário foi se tornando público ao ser internalizado por vários 
setores da sociedade e particular quando passa a ser internalizado pelas próprias mulheres. 
A força desse imaginário assume que a missão feminina na esfera pública não passa de 
uma extensão de suas habilidades “naturais”: cuidado, disciplina, ensino, paciência, afeto, 
ordem, etc. Essas interpretações, aliadas à idéia de desprendimento dos bens materiais, 
associou-se ao caráter vocacional e missionário da mulher, provocando um esvaziamento 
do sentido profissional das ocupações por elas executadas, interferindo nas relações de 
trabalho e dificultando as possibilidades de construção de carreiras profissionais 
valorizadas. Afinal, se são profissionais do amor e da vocação, se sua tarefa maior é servir 
os interesses da nação, por que lutar por seus direitos profissionais? Todo um conjunto de 
conotações místicas de que se reveste a imagem da professora, cuidadosamente construída 
através das mentalidades, leva-nos a considerar que isto não seria algo “natural”, nem 
tampouco uma característica vocacional da mulher, mas sim uma construção histórica para 
cumprir funções políticas. 
 
 
Considerações Finais 
 
 A configuração histórica das relações de gênero e de suas implicações com a 
feminização do magistério na sociedade brasileira é um processo que ainda está em 
construção. 
 Esse estudo possibilitou perceber que a feminização do magistério na escola elementar 
está diretamente vinculada ao processo de construção do sistema de educação popular na 
sociedade brasileira. As insuficientes condições de trabalho e de salário, originárias do descaso 
do Estado para com o ensino público determinaram o afastamento dos professores do sexo 
masculino da escola elementar. As mulheres passaram, então, a ser convocadas pelas 
políticas públicas a ocupar este espaço de trabalho abandonado, que visavam muito mais a 
manutenção de princípios morais conservadores do que a profissionalização das mulheres-
professoras. 
 
18
 Fragmento de entrevista com uma professora que cursou a escola normal na década de 1910, 
18
 Fragmento de entrevista realizada com uma professora que cursou a escola normal na década de 1920, 
 
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 A partir de um quadro de necessidades e interesses, distintas correntes de 
pensamento passaram a enfatizar as diferenças “naturais” entre os sexos e a influenciar 
todas as ações empreendidas na área educativa, reforçando os estereótipos sociais sobre 
as relações de gênero e o caráter missionário do trabalho feminino na esfera pública. A 
associação desses fatores ao caráter vocacional do trabalho da mulher foram sendo 
internalizados pelos vários segmentos sociais causando uma neutralização e 
desqualificação do trabalho feminino e caracterizando-o como um não-trabalho. As 
condições concretas nas quais a prática docente ia acontecendo foram sendo encobertas, 
interferindo nas relações de trabalho e impedindo a construção de uma identidade 
profissional valorizada. 
 No entanto, além de se ressaltar a importância da história para o conhecimento das 
bases do processo de feminização do magistério é preciso, também, focalizar a importância da 
história para o entendimento dos eventos contemporâneos. A idealização profissional da 
professora da escola elementar, como um profissional vocacionado para a missão de ensinar 
não foi ainda abandonada. O momento exige voltar para a história e redefinir visões e teorias à 
luz da história das relações de gênero e de suas articulações com o processo educativo, 
buscando questionar os valores, os conhecimentos e os códigos dominantes. Faz-se 
necessário desconstruir os estereótipos e percepções homogeinizadoras, com vistas à 
modificação do futuro. 
 Conhecer as causas históricas dos assujeitamentos do gênero feminino contribuirá para 
que a mulher-professora perceba de maneira diferente o seu papel como agente reprodutor, 
mas, também, transformador no cotidiano da escola e de sua identidade profissional. 
 Jogar foco nas contradições, nas anbiguidades e conflitos, tensões e contradições 
que estiveram e estão presentes na trajetória histórica do magistério primário como 
ocupação feminina é hoje uma necessidade. Descobrir e reinterpretar as condições 
concretas nas quais vem se realizando a organização do trabalho docente, levando em 
conta as relações de gênero, tornará mais visíveis as interrelações entre condições 
econômicas e culturais, políticas públicas, patriarcalismo e trabalho feminino. O desvelar 
destas questões facilitará a construção de novos ideais profissionais na mulher, bem como a 
promoção de novas práticas em sala de aula e a quebra de mecanismos perpetuadores das 
desigualdades de gênero, que vem reproduzindo diferentes padrões de comportamento 
entre meninos e meninas, homens e mulheres. Poderá, também, contribuir para o 
entendimento dos motivos pelos quais os salários da profissão têm se mantido mais baixos 
do que de outras categorias, cuja responsabilidade social de formação das novas gerações 
nem se compara à dos profissionais da educação. À medida que esse magistério dos anos 
iniciais for exigindo valorização e adquirindo uma nova identidade profissional faz renascer a 
esperança de que ele ganhe o status que sempre mereceu na sociedade e continue atraindo 
profissionais competentes para o trabalho de ensinar, sejam eles do sexo feminino ou 
masculino. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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