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Aula 02 Restrição Orçamentária

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MICROECONOMIA 1
Departamento de Economia, Universidade de Bras´ılia
Notas de Aula 2 - Graduac¸a˜o
Prof. Jose´ Guilherme de Lara Resende
1 Introduc¸a˜o a` Teoria do Consumidor
Na primeira parte do curso estudaremos o comportamento dos consumidores. O problema de um
consumidor t´ıpico e´ definido como a maximizac¸a˜o de seu bem-estar, dadas as restric¸o˜es que a escassez
impo˜e sobre suas escolhas. Temos portanto dois objetos importantes: as prefereˆncias do consumidor,
que servem para definir sua utilidade ou bem-estar, e a restric¸a˜o imposta pela escassez.
As restric¸o˜es impostas pela escassez sa˜o facilmente observa´veis, e se alguma mudanc¸a no com-
portamento do consumidor foi causada por uma mudanc¸a na sua restric¸a˜o de escassez, obtemos uma
explicac¸a˜o objetiva e clara para essa mudanc¸a de comportamento. Nessas notas analisaremos as re-
stric¸o˜es que o consumidor enfrenta quando maximiza seu bem-estar e que implicac¸o˜es sobre o seu
comportamento podemos derivar usando apenas essas restric¸o˜es.
2 A Restric¸a˜o Orc¸amenta´ria
A restric¸a˜o orc¸amenta´ria representa a escassez no problema do consumidor. Cada consumidor
possui uma quantidade de dinheiro para gastar em um determinado per´ıodo de tempo, digamos um
meˆs. O consumidor escolhe bens para consumir de acordo com os seus gostos, mas o valor total dos
bens na˜o pode ultrapassar a quantidade de dinheiro que ele possui.
Vamos representar os prec¸os dos n bens x1, . . . , xn dispon´ıveis por p1, . . . , pn. Ao longo dessas
notas de aula vamos denotar vetores em negrito. Logo x = (x1, . . . , xn) representa uma cesta de bens
e p = (p1, . . . , pn) representa o vetor de prec¸os com que o consumidor se defronta. Os prec¸os sa˜o fixos,
o consumidor na˜o pode altera´-los (existem modelos que relaxam essa hipo´tese). Dizemos enta˜o que
o consumidor e´ tomador de prec¸os, pois toma os prec¸os dos bens como fixos, sem possibilidade de
negociac¸a˜o.
A renda do consumidor e´ representada por m, e e´ exo´gena a`s ac¸o˜es do consumidor (ou seja, o
consumidor na˜o consegue alterar a renda que possui. Essa hipo´tese na˜o e´ adequada quando queremos
estudar a oferta de trabalho das pessoas, por exemplo. Nesse caso, a renda e´ endo´gena: ela depende
da decisa˜o do indiv´ıduo de quanto e onde trabalhar. Mais a` frente no curso estudaremos o caso de
renda endo´gena). A restric¸a˜o orc¸amenta´ria pode enta˜o ser escrita como
p1x1 + · · ·+ pnxn ≤ m
Ou seja, o que o consumidor gasta na˜o pode ultrapassar a quantidade de dinheiro de que dispo˜e.
1
A reta orc¸amenta´ria e´ o conjunto de cestas de bens que custam exatamente m:
p1x1 + · · ·+ pnxn = m
Essa e´ uma restric¸a˜o linear, que pode na˜o ser adequada em algumas situac¸o˜es (por exemplo, o
consumo de a`gua tem um prec¸o na˜o linear, por faixas de consumo). Pore´m ela e´ de fa´cil compreensa˜o,
especialmente no caso de dois bens, o que permite uma visualizac¸a˜o gra´fica da restric¸a˜o orc¸amenta´ria.
A hipo´tese de dois bens na˜o e´ ta˜o restritiva quanto parece. Se estamos interessados em estudar a
demanda de um bem qualquer, podemos agregar todos os outros bens em um bem composto.
Vamos ilustrar a restric¸a˜o e a reta orc¸amenta´rias em um gra´fico onde os eixos representam a
quantidade dos bens consumidos. Se o consumidor gastar todo o seu dinheiro no bem 1, ele pode
comprar no ma´ximo m/p1 unidades desse bem. Similarmente, se ele gastar todo o seu dinheiro no bem
2, ele pode comprar no ma´ximo m/p2 unidades desse bem. Esses dois pontos sa˜o os interceptos da
reta orc¸amenta´ria, que possui inclinac¸a˜o −p1/p2. A inclinac¸a˜o da reta orc¸amenta´ria informa o valor
de troca de mercado entre os dois bens: para se obter uma unidade do bem 1, temos que abrir ma˜o de
−p1/p2 unidades do bem 2. A inclinac¸a˜o da reta orc¸amenta´ria e´, portanto, o custo de oportunidade
do bem 2, em termos do bem 1.
Por exemplo, suponha que Carlos esta´ consumindo x1 do bem 1 e x2 do bem 2, quantidades que
esta˜o sobre a reta orc¸amenta´ria (ou seja, exaurem toda a renda do consumidor). Carlos decide consumir
∆x1 a mais do bem 1. Para isso, ele vai ter que abrir ma˜o de uma quantidade do bem 2, representada
por ∆x2, de modo que a reta orc¸amenta´ria continue va´lida, ou seja, p1(x1 + ∆x1) + p2(x2 + ∆x2) = m.
Subtraindo da expressa˜o acima a reta orc¸amenta´ria original, dada por p1x1 + p2x2 = m, temos que:
p1∆x1 + p2∆x2 = 0 ⇒ ∆x2
∆x1
= −p1
p2
O sinal negativo aparece porque para Carlos obter um pouco mais do bem 1, ele tem que abrir
ma˜o de um tanto do bem 2. A reta orc¸amenta´ria e´ representada no gra´fico abaixo.
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
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�
�
��
Reta Orc¸amenta´ria
(Inclinac¸a˜o: −p1/p2)
Restric¸a˜o
Orc¸amenta´ria
2
A restric¸a˜o orc¸amenta´ria relevante e´ a percebida pelo consumidor. Vamos supor que ele observa
os prec¸os claramente, e que na˜o ocorre interac¸a˜o entre a sua restric¸a˜o com a restric¸a˜o de nenhum
outro consumidor (esse tipo de interac¸a˜o e´ analisado usando a teoria dos jogos, que sera´ vista em
microeconomia 2). Note que implicitamente supomos que os bens sa˜o perfeitamente divis´ıveis, ou seja,
que o consumidor pode adquirir qualquer quantidade que desejar de todos. Essa hipo´tese e´ ino´cua em
muitos casos e facilita o tratamento anal´ıtico do problema. Pore´m, para determinados bens ela na˜o
e´ adequada, como, por exemplo, a decisa˜o de compra de uma casa. Nesse caso, precisamos analisar
isoladamente essa decisa˜o e, se necessa´rio, usar um intrumental diferente do que sera´ visto nesse curso
(prec¸os hedoˆnicos, etc).
2.1 Efeitos de variac¸o˜es na renda e nos prec¸os sobre a reta orc¸amenta´ria
Um aumento da renda desloca a reta orc¸amenta´ria para fora, aumentando o conjunto de cestas de
bens que o consumidor pode comprar. Uma diminuic¸a˜o da renda desloca a reta orc¸amenta´ria para
dentro, diminuindo o conjunto de cestas de bens que o consumidor pode comprar. A figura abaixo
ilustra o caso de um aumento da renda.
6
-
x2
x1
m¯
p2
m¯
p1
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@
@
@
@
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@
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m
p2
m
p1
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���
���
���
Mudanc¸a na RO causada
por um aumento na renda m
(renda aumenta de m para m¯)
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
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m˜
p2
m˜
p1
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��	
��	
��	
��	
Mudanc¸a na RO causada
por uma queda na renda m
(renda diminui de m para m˜)
No caso de o prec¸o de um dos bens aumentar, a inclinac¸a˜o da reta orc¸amenta´ria se modifica. Por
exemplo, se o prec¸o do bem 1 aumentar, a reta se desloca como ilustrado na figura abaixo. Esse
deslocamento mostra que o intercepto vertical na˜o muda, ja´ que o prec¸o do bem 2 na˜o mudou (se o
consumidor comprar apenas o bem 2, ele adquire a mesma quantidade que antes, m/p2). Pore´m, o
intercepto horizontal muda para um ponto de menor valor (se o consumidor comprar apenas o bem 1,
ele agora adquire uma quantidade menor do que antes, ja´ que o prec¸o desse bem aumentou). A figura
abaixo ilustra o caso de um aumento no prec¸o do bem 1.
3
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
QQ
m
p¯1
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
SS
�
�
��+
Mudanca na RO causada
por um aumento no prec¸o p1
(aumenta de p1 para p¯1)
2.2 Prec¸os Absolutos e Prec¸os Relativos
Lembre-se que a restric¸a˜o orc¸amenta´ria e´ dada por
p1x1 + p2x2 + · · ·+ pnxn ≤ m
O que ocorre se todos os prec¸os, incluindo a renda (que pode, de modo amplo, ser vista como um
prec¸o tambe´m) aumentam? Por exemplo, suponha que todos os prec¸os dobram de um per´ıodo para o
outro. Nesse caso a restric¸a˜o orc¸amenta´ria setorna
(2p1)x1 + (2p2)x2 + · · ·+ (2pn)xn ≤ (2m),
igual a` restric¸a˜o orc¸amenta´ria original,
p1x1 + p2x2 + · · ·+ pnxn ≤ m.
Intuitivamente, se todos os prec¸os da economia aumentam (ou diminuem), incluindo sala´rios, na
mesma proporc¸a˜o, enta˜o nada muda. A restric¸a˜o orc¸amenta´ria continua a mesma, apenas expressa
em valores diferentes. O problema de escolha do consumidor na˜o muda e ele escolhera´ a mesma
cesta de bens que escolhia antes do aumento geral de prec¸os, todo o resto constante (condic¸a˜o de
ceteris paribus). No jarga˜o econoˆmico, diz-se que mudanc¸as nos prec¸os absolutos na˜o teˆm efeito real
na economia (ou que os agentes econoˆmicos na˜o sofrem de ilusa˜o moneta´ria), apenas mudanc¸as nos
prec¸os relativos teˆm efeito (isto e´, uma mudanc¸a do tipo em que o prec¸o de um bem se modifica em
relac¸a˜o ao prec¸o de outro bem).
Podemos enta˜o transformar um dos bens em numera´rio, o que significa torna´-lo a medida de valor
da economia. Fazemos isso dividindo todos os prec¸os da economia pelo prec¸o do bem que queremos
utilizar como numera´rio. Por exemplo, se usarmos o prec¸o do bem 1 como o prec¸o-numera´rio da
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economia, temos que ajustar todos os outros prec¸os de acordo com o numera´rio, o que modifica a
restric¸a˜o orc¸amenta´ria para:
x1 + (p2/p1)x2 + · · ·+ (pn/p1)xn ≤ (m/p1)
Logo, todos os outros prec¸os da economia (inclusive a renda) esta˜o denotados agora em termos do
bem 1. Por exemplo, pˆ2 = p2/p1 e´ o prec¸o do bem 2, relativo ao prec¸o do bem 1 - esse prec¸o informa
quanto o bem 2 custa em quantidades do bem 1. Se pˆ2 = 2, enta˜o o bem 2 custa duas unidades do
bem 1. Se mˆ = m/p1 = 300, enta˜o o consumidor tem uma renda equivalente a 300 unidades do bem 1.
2.3 Exemplos de Restric¸o˜es Orc¸amenta´rias na˜o-lineares
Em muitos casos a restric¸a˜o orc¸amenta´ria na˜o e´ linear. Situac¸o˜es importantes onde a restric¸a˜o
orc¸amenta´ria dificilmente e´ linear sa˜o a escolha de trabalho do indiv´ıduo e a escolha de consumo ao
longo do tempo do indiv´ıduo. Nesses casos, podem existir quebras, causadas por diversos motivos,
como racionamento, impostos, prec¸os na˜o lineares, diferenc¸as de prec¸os para compra e para venda de
um produto, etc. Vejamos alguns exemplos.
2.3.1 Racionamento
Suponha uma economia com dois bens onde o governo decide racionar o consumo de um dos bens,
o bem x1. Cada consumidor pode comprar no ma´ximo x¯1 do bem 1, ainda pagando o prec¸o de p1 para
qualquer quantidade x1 ≤ x¯1. Acima de x¯1, o consumidor na˜o pode comprar mais do bem 1. Podem
ocorrer dois casos:
1. Se x¯1 ≥ m/p1: na˜o ha´ alterac¸a˜o na reta orc¸amenta´ria. Esse caso e´ sem interesse: o governo fixa
um prec¸o muito alto para o bem racionado, que na pra´tica na˜o afeta a restric¸a˜o orc¸amenta´ria
(imagine o governo restringindo a compra de BMWs para no ma´ximo dez BMWs por consumidor,
qual o efeito disso para a maioria das pessoas?).
2. Se x¯1 < m/p1: O consumidor pode consumir o bem 1 normalmente, ate´ o n´ıvel x¯1. A partir
desse n´ıvel, na˜o e´ poss´ıvel consumir mais do bem 1. Nesse caso ocorre enta˜o uma quebra da reta
orc¸amenta´ria no n´ıvel x¯1 de consumo do bem 1. A figura abaixo ilustra esse caso.
6
-
x2
x1
m
p2 HHHHHHHHHHH
x¯1
R.O. no caso
de racionamento
do bem 1
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2.3.2 Prec¸os diferentes para diferentes n´ıveis de consumo
Existem certos bens que possuem prec¸os que variam com a quantidade consumida. Por exemplo,
energia ele´trica e a´gua. Para um consumo pequeno de a´gua, o governo cobra um prec¸o menor por
litro consumido do que o prec¸o cobrado para consumos maiores. Existem diversas razo˜es para isso:
evitar desperd´ıcios, beneficiar a parcela da populac¸a˜o mais pobre que costuma consumir menos a´gua
na me´dia, etc.
Suponha enta˜o que o prec¸o do bem 1 e´ dado da seguinte maneira: Se o consumo de 1 e´ de 0 ate´
x¯1, cobra-se um prec¸o igual a p1. Se o consumo e´ acima de x¯1, cobra-se um prec¸o p
′
1, onde p
′
1 > p1. A
reta orc¸amenta´ria passa a ter uma quebra em x¯1, refletindo a mudanc¸a de prec¸o a partir desse n´ıvel
de consumo. A figura abaixo ilustra essa situac¸a˜o.
6
-
x2
x1
m
p2 HHHHHHHHHHHHH
A
A
A
A
A
A
A
A
A
R.O. no caso de
prec¸os diferentes
para o bem 1
�
��
inclinac¸a˜o −p1/p2
�
��
inclinac¸a˜o −p′1/p2
x¯1
2.3.3 Restric¸a˜o Orc¸amenta´ria Intertemporal
Ate´ agora analisamos o caso de restric¸o˜es orc¸amenta´rias esta´ticas, para um per´ıodo apenas. Suponha
agora que existam dois per´ıodos e apenas um bem (imagine um bem composto), que pode ser consum-
ido no primeiro per´ıodo e no segundo per´ıodo. O prec¸o desse bem nos dois per´ıodos e´ normalizado em
1 (p1 = p2 = 1). O consumidor pode poupar um valor s (ou tomar emprestado, se s for negativo) da
renda do primeiro per´ıodo para consumir no segundo per´ıodo. No per´ıodo 1 ele tem uma renda de m1
e no per´ıodo 2, m2. A taxa de juros da economia e´ r. As retas orc¸amenta´rias para cada per´ıodo sa˜o:
Per´ıodo 1: c1 + s = m1
Per´ıodo 2: c2 = m2 + (1 + r)s
Se s e´ negativo, significa que o consumidor esta´ tomando emprestado para consumir hoje e pagar
amanha˜. Se s e´ positivo, ele esta´ poupando hoje para consumir mais amanha˜.
Podemos juntar as duas restric¸o˜es acima em uma u´nica restric¸a˜o, por meio da poupanc¸a s, que
permite ao indiv´ıduo transferir recursos entre per´ıodos diferentes. Observe que a func¸a˜o de qualquer
6
tipo de investimento (ou ate´ mesmo de guardar dinheiro no colcha˜o!) na situac¸a˜o analisada e´ permitir
que o indiv´ıduo tenha capacidade de consumir, em um per´ıodo qualquer, um valor diferente da renda
que recebera´ naquele per´ıodo. Se isolarmos s na equac¸a˜o para o per´ıodo 2 e substituirmos esse valor
na equac¸a˜o do per´ıodo 1, obtemos:
c1 +
c2
1 + r
= m1 +
m2
1 + r
Essa equac¸a˜o e´ chamada reta orc¸amenta´ria intertemporal. O lado esquerdo da igualdade
conte´m o gasto total do consumidor nos dois per´ıodos e o lado direito da igualdade conte´m a renda
total do consumidor nos dois per´ıodos. Logo, esta restric¸a˜o diz que o consumo total (a soma do
consumo em todos os per´ıodos) deve ser igual a` renda total (a soma da renda em todos os per´ıodos)
do consumidor. A possibilidade de poupar ou tomar emprestado e´ fundamental para obtermos essa
restric¸a˜o, pois e´ essa possibilidade que permite ao consumidor tranferir recursos entre per´ıodos.
A restric¸a˜o orc¸amenta´ria acima esta´ expressa em termos de valor presente, ja´ que ela iguala a 1
o prec¸o do consumo hoje. O prec¸o do consumo amanha˜, em termos do consumo hoje, e´ 1/1+r: para
consumir mais uma unidade amanha˜, o consumidor precisa abrir ma˜o de 1/1+r unidades de consumo
hoje. Similarmente, o prec¸o do consumo hoje, em termos do consumo amanha˜, e´ (1 + r): para
consumir mais uma unidade hoje, o consumidor precisa abrir ma˜o de (1 + r) unidades de consumo
amanha˜ (esse prec¸o tambe´m e´ chamado de custo de oportunidade intertemporal). Note que apesar de
o prec¸o do consumo hoje ser 1 e o prec¸o de o consumo amanha˜ ser 1, a taxa de juros determina o prec¸o
do consumo de hoje em relac¸a˜o ao consumo de amanha˜ (e vice-versa).
A equac¸a˜o acima, escrita em valores presentes, e´ a forma mais comum de representac¸a˜o da reta
orc¸amenta´ria intertemporal. Pore´m, podemos escreveˆ-la em termos de valores futuros :
(1 + r)c1 + c2 = (1 + r)m1 + m2
A representac¸a˜o gra´fica da restric¸a˜o intertemporal pode ser derivada de modo similar ao feito acima
para o caso de uma reta orc¸amenta´ria esta´tica com dois bens. Se o indiv´ıduo decidir consumir toda a
sua renda no primeiro per´ıodo, ele gastara´ m1 +m2/(1 + r). Similarmente, se ele consumir toda a sua
renda no segundo per´ıodo, ele gastara´ m1(1 + r) +m2. Essas duas possibilidades sa˜o os interceptosda
reta orc¸amenta´ria intertemporal, que possui inclinac¸a˜o −(1 + r). Novamente, essa inclinac¸a˜o informa
o prec¸o do consumo hoje em termos do consumo amanha˜: para consumir mais uma unidade hoje, o
consumidor precisa abrir ma˜o de (1 + r) unidades de consumo amanha˜. Note que se o indiv´ıduo na˜o
poupar nem pegar emprestado, ele consome m1 hoje e m2 amanha˜. Portanto, o ponto (m1,m2) tem
que estar sobre a reta orc¸amenta´ria intertemporal. Graficamente, obtemos a figura abaixo.
7
6
-
c2
c1
(1 + r)m1 +m2
m1 + 11+rm2
@
@
@
@
@
@
@
@
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@
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@@
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��
Reta Orc¸amenta´ria Intertemporal
(inclinac¸a˜o: −(1 + r))
rm2
m1
�
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��
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��
�
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�
�
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��
�
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�
���
��
Restric¸a˜o
Orc¸amenta´ria
Intertemporal
2.4 Restric¸o˜es causadas pela Escassez
Vamos analisar as restric¸o˜es impostas ao comportamento do consumidor, mais precisamente, a`s
demandas dos bens, pela restric¸a˜o orc¸amenta´ria.
A demanda de um bem depende dos prec¸os de todos os bens e da renda do consumidor (ale´m de
outros fatores, tais como clima, cultura, etc. Mas vamos representar a demanda como func¸a˜o apenas
dos prec¸os e da renda, para simplificar a notac¸a˜o). Denote enta˜o a demanda de um bem i por:
xi = xi(p,m), onde p = (p1, p2, . . . , pn)
Essa e´ a demanda Marshalliana do bem i. Mais a` frente vamos deriva´-la do problema do
consumidor de maximizac¸a˜o de utilidade sujeita a` restric¸a˜o orc¸amenta´ria.
A primeira restric¸a˜o que a escassez no problema do consumidor obriga as demandas Marshallianas
a satisfazer e´ a pro´pria restric¸a˜o orc¸amenta´ria, que no caso das demandas Marshallianas e´ chamada
Lei de Walras ou restric¸a˜o de “adding-up”:
p1x1(p,m) + p2x2(p,m) + · · ·+ pnxn(p,m) = m
Logo, as demandas do indiv´ıduo pelos bens e servic¸os dispon´ıveis para consumo exaurem toda a sua
renda. Essa hipo´tese na˜o e´ ta˜o restritiva quanto parece. Lembre-se que estamos analisando um modelo
de um u´nico per´ıodo. Se quisermos permitir que o consumidor possa poupar ou tomar emprestado,
devemos usar o modelo intertemporal, cuja versa˜o mais simples vimos acima. A lei de Walras apenas
garante que o indiv´ıduo gasta toda a sua renda em bens e servic¸os dispon´ıveis para consumo, ou seja,
a grosso modo, o consumidor na˜o joga dinheiro fora.
Uma outra restric¸a˜o que as demandas Marshallianas devem satisfazer e´ a homogeneidade. Vimos
acima que uma mudanc¸a na mesma proporc¸a˜o em todos os prec¸os (incluindo a renda) na˜o afeta a
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restric¸a˜o orc¸amenta´ria e, portanto, na˜o afeta as demandas. Ou seja, a demanda Marshalliana de cada
bem e´ homogeˆnea de grau zero:
xi(tp, tm) = xi(p,m), para todo bem i, para todo t > 0
A propriedade de homogeneidade e´ simplesmente a representac¸a˜o matema´tica da suposic¸a˜o de que
os consumidores na˜o sofrem de ilusa˜o moneta´ria, ou seja, se todos os prec¸os (inclusive a renda) sa˜o
multiplicados por um mesmo fator, enta˜o a restric¸a˜o orc¸amenta´ria do consumidor na˜o se altera e,
portanto, na˜o ha´ raza˜o para que a sua demanda pelos bens se altere.
Por exemplo, diversos planos de estabilizac¸a˜o de prec¸os no Brasil e no mundo mudavam o nome
da moeda, criando um novo padra˜o moneta´rio. O plano Cruzado, de 1986, mudou o nome da moeda
de Cruzeiro para Cruzado e cortou treˆs zeros de todos os prec¸os da economia, inclusive sala´rios. Esse
corte foi apenas uma mudanc¸a de denominac¸a˜o da moeda e e´ razoa´vel supor que essa medida, por si
so´, na˜o teve efeito real sobre a economia.
As duas propriedades acima retringem as demandas dos bens e sa˜o obtidas usando apenas a restric¸a˜o
orc¸amenta´ria, ou seja, que o gasto do consumidor na˜o pode exceder a sua renda. Nada foi dito sobre as
prefereˆncias de consumo dos indiv´ıduos. Mais ainda, as propriedades de “adding-up” e homogeneidade
(e quaisquer outras restric¸o˜es obtidas a partir dessas duas propriedades, tais como a agregac¸a˜o de
Cournot e a agregac¸a˜o de Engel, que sera˜o vistas mais a` frente) sa˜o todas as restric¸o˜es que podemos
obter sobre o comportamento do consumidor usando apenas a restric¸a˜o orc¸amenta´ria.
Para inferirmos outras propriedades das demandas dos bens de uma economia, precisamos car-
acterizar as prefereˆncias dos consumidores e analisar o problema de maximizac¸a˜o do bem-estar do
consumidor sujeito a` restric¸a˜o orc¸amenta´ria.
Leitura Recomendada
• Varian, cap. 2 - “Restric¸a˜o orc¸amenta´ria”.
• Pindick e Rubenfeld, cap. 3 “Comportamento do Consumidor”, sec¸a˜o 2 - “Restric¸o˜es Orc¸amenta´rias”.
• Hall e Lieberman, cap 5 - “A escolha do Consumidor”, sec¸a˜o 1, - “A Restric¸a˜o de Orc¸amento”.
• Deaton e Muellbauer, cap. 1 “The limits to Choice”.
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