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O LIVRO DE JÓ UM GRITO DE SOLIDARIEDADE AO SOFRIMENTO HUMANO

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CARLOS EDUARDO MOCELIN (1161482)
Bacharelado em Teologia
O LIVRO DE JÓ: UM GRITO DE SOLIDARIEDADE AO SOFRIMENTO HUMANO
Tutor: Prof. Ms. Elviro Pinheiro da Silva Junior
Claretiano - Centro Universitário
CURITIBA -PR 
2017
O LIVRO DE JÓ: UM GRITO DE SOLIDARIEDADE AO SOFRIMENTO HUMANO
Resumo: Neste artigo, procurou-se encontrar respostas para a pergunta: por que o justo sofre? Afinal, como consolar pessoas comuns, nem boas e nem más, mas que sofrem tragédias terríveis e quase insuportáveis. O que dizer para uma mãe que perdeu um filho? Como explicar que um Deus tão bondoso tenha um plano para o sofrimento humano? Há tempos a questão “por que Deus não extingue o sofrimento humano” tem instigado teólogos de diferentes épocas e regiões geográficas. Para tanto, buscamos analisar o sofrimento sob a perspectiva do Livro de Jó para obter uma compreensão ao sofrimento humano.
Palavras-chave: Livro de Jó. Sofrimento Humano. O Problema do Mal.
1. INTRODUÇÃO
Havia entre os sábios antigos um amplo movimento sapiencial que se destacou durante séculos entre egípcios e mesopotâmios, no qual foram escritos provérbios, fábulas e poemas sobre vários assuntos, principalmente acerca do sofrimento humano, que muito se assemelham ao livro de Jó. A literatura sapiencial do Antigo Testamento é composta por sete livros: Jó, Salmos, Eclesiastes, Provérbios, Cântico dos Cânticos, Eclesiástico e Sabedoria. 
O livro de Jó é considerado a obra-prima da literatura sapiencial bíblica, provavelmente foi escrito entre os séculos 5 a.C e 3 a.C, ou seja, no período pós-exílico, e, que, segundo os estudiosos bíblicos, a menção ao nome de Jó no livro de Ezequiel (cf. Ez 14, 14-20), aproximadamente 150 anos antes do livro ser escrito, demonstra que a história de um homem íntegro e justo já era popular entre os israelitas. 
O conteúdo do livro de Jó se divide em cinco partes principais: (1) Um prólogo em prosa, no qual Jó, homem justo e piedoso, é afligido por uma série de desastres e, apesar disso, permanece fiel ao Senhor (cf. Jó 1,1 – 2,13); (2) Um ciclo de debates em verso, no qual debatem Jó e três amigos – Elifaz, Bildad e Sofar (cf. 3,1 – 31, 40); (3) Um conjunto de discursos em verso contendo as intervenções de um quarto amigo, Eliú, filho de Barakel, o buzita (cf. 32,1 – 37,24); (4) Um diálogo em verso entre Deus e Jó (cf. 38, 1 – 42,6); (5) Um epílogo em prosa, no qual Jó recupera os bens materiais, a saúde, novos filhos e a reputação (cf. 42, 7-17). 
As provações pelas quais Jó passou o transformaram numa metáfora para todos os sofredores. Através do seu grito de sofrimento se fez solidário com toda a humanidade. Sua provação o aproxima de todos nós, pois, em algum momento da existência, quer queira ou não, ou já experimentamos a dor, ou já acompanhamos a dor de alguém mais próximo. Em momentos assim, de intenso sofrimento, geralmente ouvimos – Não estou aguentando mais ou Por que isto está acontecendo comigo?
Os amigos de Jó, após sete dias de luto pelo amigo, e, após ouvi-lo maldizer o dia do nascimento, censuraram os por quês de Jó, numa tentativa equivocada de falar de Deus a partir de uma teologia tradicional, pouco eficiente na resposta de uma pergunta tão profunda - Por que isto aconteceu comigo, Senhor? Todos nós temos o direito de fazer perguntas a Deus. Jesus também fez perguntas a Deus (cf. Mt 27,46). Não somos menos ou mais cristãos por perguntar o porquê de tanta dor e sofrimento. A única ressalva não está em perguntar, mas querer perguntar para dar as respostas que já estavam prontas antes mesmo das próprias perguntas. 
2. O NASCIMENTO DA TEOLOGIA DA RETRIBUIÇÃO
Todos já ouvimos falar da paciência de Jó diante das tragédias que se abateram sobre ele, ao ponto de hoje conhecermos a expressão: paciência de Jó. Contudo, se por curiosidade folhearmos o livro de Jó, ficaremos perplexos. Jamais houve outro personagem bíblico que blasfemou tanto contra Deus. Ora, justo Jó que ficou conhecido como um homem paciente? Um homem resignado com os sofrimentos e provações? Como explicar tal mudança de atitude? 
Para Luiz Alexandre Solano Rossi (2005), a mudança suscitou discussões entre os estudiosos: 
Essa mudança brusca entre o Jó resignado da primeira parte do livro e o Jó que protesta a partir desse discurso levou inúmeros estudiosos a supor que temos materiais literários de diferentes origens. Ao mesmo tempo em que há uma mudança de atitude, simultaneamente também encontramos uma mudança de estilo, ou seja, da prosa para o verso. A menção de Jó em Ezequiel 14, 14-20 é uma evidencia da existência de uma história popular sobre esse personagem. É muito provável que os capítulos 1 e 2 do livro atual tenham sido compostos com base nessa história popular. Isso seguramente ajudaria a entender a origem de uma mudança tão dramática a partir do capítulo 3. 
 O homem paciente questionou, blasfemou e, inclusive, solicitou uma audiência com Deus. Em geral, ouvimos do púlpito o prólogo (capítulos 1 e 2) e o epílogo (capítulo 42); porém, quase não atentamos aos seus lamentos e reclamações (capítulos 3 a 41). De onde tiramos essa figura calada que todos nós conhecemos? Supomos, contudo, que pelo estudo literário, a personagem de Jó não existiu de verdade, mas foi usada como uma fábula pelo(s) autor(es) do livro para oferecer uma explicação didática ao sofrimento e também questionar a teologia tradicional da época. Mas, para compreender o livro de Jó, devemos, antes de tudo, esclarecer a evolução teológica do sofrimento no Antigo Testamento.
	A primeira teologia que buscava responder à questão do sofrimento foi a do personalismo corporativista, que afirmava: 
Eu, Javé, sou um Deus zeloso. O pecado cometido pelos pais eu os castigo nos filhos, até a terceira e quarta geração. E aos que me amam e cumprem meus mandamentos perdoo-lhes durante mil gerações (cf. Êxodo 20,5-6). 
Assim, se algum justo sofria logo alguém lhe dizia: “Estas pagando a culpa do teu pai, do teu avô ou alguém de tua família”. O tempo passou e Israel encontrou-se em dificuldade. Ficava cada vez mais difícil explicar por que a vida dos bons não era lá mil maravilhas. Em 587 a.C, aconteceu uma grande destruição em Jerusalém, a cidade foi saqueada e seus habitantes deportados para a Babilônia. Neste período, levantou-se então um profeta chamado Ezequiel, que pregava uma ideia inovadora até hoje, isto é, ninguém será cobrado por Deus pelos pecados dos seus antepassados. Cada um será julgado conforme os seus próprios pecados (cf. Ez 12, 14-23; 18,1-20). 
Naquela época, os judeus não acreditavam numa vida após a morte, a ideia da ressurreição, por sua vez, era-lhes completamente rejeitada. Para eles, tudo se resolvia no aqui e agora, ou seja, Deus castigava os bons e abençoava os maus em vida. Os teólogos, contudo, convenceram-se de que a teologia do personalismo corporativista não dava conta de responder a complexidade do sofrimento humano. A saída foi desenvolver outra noção para explicar o sofrimento: a teologia da retribuição. 
O livro de Salmos, capítulo 37, versículos 8 a 9, confirmava isto: “Deixa a cólera, abandona o furor, não te inflames, isso acabará mal, pois os maus serão suprimidos, mas os que aguardam o Senhor possuirão a terra”. A nova teologia apesar de tranquilizar e confortar os israelitas, não durou muito. À medida que passou o tempo, os judeus observavam que os maus prosperavam e tinham boas condições de vida em comparação aos que cumpriam as Leis de Deus. O profeta bíblico Jeremias, que viveu por volta do século VII a.C., numa célebre reclamação direcionava-se a Deus: “Sei que se discutir contigo tu terás razão. Não obstante, desejo fazer-te uma pergunta: Por que prosperam os maus e são felizes os pecadores?” (cf. Jr 12,1).
Contudo, em meio à crise teológica e respostas insatisfatórias para o problema do sofrimento, um autor anônimo resolveu criticar as bases da teologia da retribuição, que dizia: “Examinaa tua vida, deves ter cometido algum pecado para merecer essas desgraças”. Para elaborar sua crítica, tal escritor, utilizou-se de um velho conto popular do Antigo Oriente, no qual um homem justo conhecido como Jó, que após um diálogo entre Deus e Satanás perdeu tudo, os bens materiais, os filhos, a mulher e a própria saúde. Para fazer Jó falar, o autor imagina três amigos que vão visitá-lo neste momento de angústia, que são: Elifaz, Baldad e Sofar. Após sete dias em silêncio, Jó não resiste e começa a queixar-se pelo dia do seu nascimento, pelos infortúnios, pela vida etc. Jó aguentou firme, questionou a teologia dos amigos, desafiou a Deus e ouviu d'Ele: "Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-me, se é que sabes tanto” (cf. Jó 38,4).
2.1 O ENCONTRO ENTRE DEUS E SATANÁS
Segundo conta o Antigo Testamento, Jó vivia na terra de Uz, e era o homem mais rico do Antigo Oriente. Suas características ressaltam no texto: reto, justo e piedoso. Seus filhos são uma referência e exemplo ao temor de Jó. O narrador bíblico o põe nas mesmas práticas dos patriarcas, isto é, oficializando cerimônias sacrificiais em favor da família. Sua riqueza era notória e causava admiração – sete filhos, três filhas, sete mil ovelhas e três mil camelos. A felicidade da família é evidente nas festas e banquetes animados. Todos estes fatores são suficientes para Deus ficar orgulhoso de um servo tão bom e fiel. (ROSSI, 2005) 
Nos capítulos 1 e 2 do Livro de Jó, Satanás aparece entre os filhos de Deus numa reunião da corte celestial. Então Deus pergunta: 
“De onde vens?” Venho de dar uma volta pela terra, andando a esmo. Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, que teme a Deus e se afasta do mal” (cf. Jó 1,7-9).
 	
Para Satanás o servo Jó só permanecia fiel a Deus por causa das bênçãos e proteções divinas. Então Satanás propõe que Deus estenda a mão contra Jó tirando-lhe todos os seus bens materiais. Assim feito, Jó amaldiçoaria a Deus. A aposta foi aceita por Deus, que permite Satanás em um primeiro momento destruir a vida material de Jó, enviando-lhe um bando de salteadores para saquear seus bois e ovelhas, matar os servos e os sete filhos e três filhas. 
Após ser informado da morte dos filhos e da perda dos bens, Jó rasgou o seu manto, rapou a cabeça, e disse: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou, bendito seja o nome de Iahweh” (cf. Jó 1, 21). 
E Satanás apresentou-se novamente na corte celestial. Deus perguntou: 
“De onde vens? Venho de dar uma volta pela terra, andando a esmo. Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, que teme a Deus e se afasta do mal. Ele persevera em sua integridade, e foi por nada que me instigaste contra ele para aniquilá-lo. O Satã respondeu a Iahweh: Pele após pele! Para salvar a vida o homem dá tudo o que possui” (cf. Jó 2, 2-4). 
Nesse segundo momento, Deus permite a Satanás arrasar a Jó completamente, ou seja, infligir nele uma doença terrível no corpo, ao ponto da própria esposa de Jó pedir-lhe que amaldiçoe a Deus e morra. Carl Gustav Jung (2012, p. 27) afirma que Deus se sentia inseguro com relação a Jó e teve que o pôr à prova para responder a uma provocação de Satanás: 
E eis que agora o fiel servo Jó deve ser submetido sem motivo e sem finalidade a uma dura prova moral, embora Javé esteja convencido da sua fidelidade e paciência, e esteja, além disso, conforme dá a entender, absolutamente seguro a este respeito, graças à sua onisciência, no caso de vir a consultá-la. Mas por que, apesar de tudo, aceitar uma aposta gratuita com o insinuador sem escrúpulos, às escondidas, e à custa de uma criatura desamparada? Na verdade, não é um espetáculo dignificante ver com que rapidez Javé abandona seu fiel servo ao espírito mau e com que despreocupação e falta de comiseração o deixa cair no abismo do sofrimento físico e moral. Do ponto de vista humano, o comportamento de Deus é tão revoltante que nos vemos obrigados a perguntar se por trás de tudo isto não há um motivo profundo. 
	Jó e os três amigos – Sofar, Baldad e Elifaz - nada sabem acerca das deliberações na corte celestial. Ambos a partir daí travarão um debate teológico sobre a questão do sofrimento humano. Para os amigos, prevalece o dito: aqui se faz, aqui se paga. Ou seja, segundo essa teoria o sofrimento humano seria causado pelo pecado e o sucesso na vida resultante das bênçãos divinas. O debate entre Jó e os amigos têm um pouco dos conflitos travados no nosso interior, afinal de contas, quem nunca perguntou a si mesmo acerca da origem da dor e do sofrimento? Talvez o que houvesse de mais elevado em Jó fosse a sua capacidade de não pôr em duvida a unidade de Deus. Ou seja, o servo Jó parece não estranhar que o bem e o mal possam conviver em harmonia em um único Deus. 
2.2 A IMPORTÂNCIA DE JÓ À PORTA DA CIDADE
Nas cidades do antigo Israel, o lugar mais importante da vida comercial e política era à porta da cidade (cf. 2Rs 7, 1-18), onde ocorriam as decisões judiciais e execução de sentenças (cf. Dt 15, 17). Neste local, Jó se dirigia para intervir nos assuntos da cidade, e sua presença suscitava uma série de reações positivas no auditório:
Quando me dirigia à porta da cidade e tomava assento na praça, os jovens ao ver-me se retiravam, os anciãos se levantavam e ficavam de pé; as autoridades interrompiam suas conversas pondo a mão sobre a boca; emudecia a voz dos chefes, sua língua se colava ao céu da boca. (cf. Jó 29,7-10)
A palavra respeitável e sapiencial de Jó refletia as condições que ele próprio criou na comunidade. Era uma palavra autorizada, iluminada e autêntica. Jó era justo, íntegro e suas ações e palavras correspondiam à fama que o precedia na comunidade. Jó socorria os pobres e estendia a mão para as viúvas e os órfãos, a justiça era a roupa que o vestia dia e noite, ele era os olhos para o cego, os pés para o coxo e os ouvidos para os surdos (cf. Jó 29,11-17). 
O mesmo Jó antes respeitado e admirado por todos da comunidade israelita, agora era motivo de zombaria: “Estou cercado de zombarias e farto de provocações” (cf. Jó 17,2). Quando Elifaz, Baldad e Sofar souberam da situação em que se encontrava o amigo Jó, imediatamente vieram ao seu encontro, e após sete dias de silêncio, rasgaram suas vestes e jogaram cinzas na cabeça. E apesar de todas as desgraças Jó não ousou amaldiçoar a Deus, antes preferiu rogar pragas contra si mesmo, amaldiçoando o dia do seu nascimento: “Pereça o dia que me viu nascer, a noite que disse: Um menino foi concebido!” (cf. Jó 3,3). 
2.3 OS DISCURSOS DOS AMIGOS DE JÓ
Os amigos de Jó pronunciam os seus discursos de repreensão, formando assim um ciclo de três discursos de repreensão e três de respostas. Em linhas gerais, os três amigos têm argumentos parecidos, isto é, recordando a Jó que o mundo é governado por Deus e sugerindo ao amigo reavaliar sua vida. Os temas também são semelhantes: (1) insignificância do homem diante de Deus; (2) a sagacidade da vida; (3) o propósito pedagógico do sofrimento; (4) a felicidade do penitente e; (5) a afirmação de possuir uma sabedoria maior que a de Jó. (ROSSI, 2005) 
O primeiro discurso é de Elifaz, o amigo mais velho de Jó, residente em Temã, região de Edom, na qual residiam os grandes sábios da antiguidade oriental (cf. Amós 1,2). Para Elifaz, colhe o mal quem semeia a injustiça e a impiedade, ou seja, não havia outra resposta para os infortúnios de Jó; e então, Elifaz de Temã, o primeiro a abrir o ciclo de debates, relembra o amigo Jó que em outras épocas o mesmo já havia usado o discurso tradicional para consolar os sofredores: 
Veja! Você instruiu pessoas e fortaleceu braços enfraquecidos. Com suas palavras, você levantou quem vacilava, e sustentou joelhos que se dobravam. (...) “Lembre-se bem: quando é que um inocente pereceu, e quando é que os homens retos foram destruídos? (cf. Jó 4, 3-4; 7-8). 
	Para dar fundamento ao argumento da teologiada retribuição, Elifaz revela ter recebido uma visão noturna: 
Numa visão noturna de pesadelo, quando o torpor cai sobre os homens, fui tomado de um calafrio de terror, e todos os meus ossos estremeceram. (...) Eu estava em pé, mas não vi quem era. Uma figura apareceu diante de mim, houve um silêncio, e depois ouvi uma voz: Pode o homem ter razão diante de Deus? Ou pode um mortal ser puro diante do seu Criador? (cf. Jó 4, 13-17). 
Elifaz recomenda a Jó que se aproxime de Deus recorrendo à corte celestial em busca de justiça. Para Elifaz, se Jó sofre não é por causa de um inimigo, mas por algum pecado cometido contra Deus. O castigo de Deus é um sinal de amor. Não tem o porquê de perder o ânimo de viver e muito menos em amaldiçoar o dia do seu nascimento. (ROSSI, 2005)
Então Jó respondeu: 
Façam-me ver em que foi que errei. Como seria bom ouvir palavras justas! Mas o que é que provam as provas de vocês? Vocês pretendem criticar as minhas palavras? As palavras do desesperado se dirigem ao vento! Vocês seriam capazes de sortear um órfão e vender seu próprio amigo. Pois bem! Olhem atentamente para mim: juro que não vou mentir diante de vocês. Voltem para trás e não sejam injustos. Voltem atrás, pois a minha inocência está em jogo. Por acaso existe falsidade nos meus lábios? Ou a minha boca não distingue mais a desgraça?” (cf. Jó 6,24b-30). 
	Em resposta a Elifaz, Jó se sente vítima dos terrores de Deus, suas feridas eram motivo de escárnio entre os jovens, seu maior desejo é a morte (cf. Jó 6, 9-10), mas o que o deixou mais desapontando foi o abandono dos amigos: “A pessoa desesperada tem direito à solidariedade do amigo, mesmo que tivesse abandonado o temor do Todo-Poderoso” (cf. Jó 6, 14). É triste saber que quando mais precisamos dos amigos eles estão indiferentes ao nosso sofrimento. Nesse caso, de um lado, a tradição dogmática e fria de um amigo, de outro lado, o grito de dor de Jó em busca de socorro e resposta (ROSSI, 2005).
	O segundo discurso é de Baldad de Suás, e para fundamentar suas palavras usa a tradição dos ancestrais: “Consulte as gerações passadas e observe a experiência de nossos antepassados” (cf. Jó 8,8). Baldad estava mais interessado na manutenção do pensamento tradicional. Então diz que Jó está sofrendo porque ele e seus filhos pecaram (cf. Jó 8,4). Ou seja, a velha ideia de que o justo não sofre retorna em Baldad com toda a intensidade (ROSSI, 2005). 
	Baldad não conseguia pensar por conta própria e precisava da palavra autorizada das gerações passadas. Um autêntico papagaio de pirata! Mas também não se pode esquecer que as palavras de Jó o incomodaram muito. Aliás, o incômodo de Baldad é tão forte que ele atribui a morte dos filhos de Jó aos pecados do pai. Que teólogo contemporâneo seria tão insensível na presença de uma pessoa que perdeu os filhos? 
Então Jó respondeu: 
Sei muito bem que é assim: poderia o homem justificar-se diante de Deus? Se Deus se dignar pleitear com ele, entre mil razões não haverá uma para rebatê-lo. Quem entre os mais sábios e mais fortes poderá resistir-lhe impunemente? Ele desloca as montanhas, sem perceberem, e derruba-as em sua ira; abala a terra desde os fundamentos e faz vacilar suas colunas; manda ao sol que não brilhe, e guarda sob sigilo as estrelas; sozinho desdobra os céus e caminha sobre o dorso do Mar; criou a Ursa e o Órion, as Plêiades e as Câmaras do Sul; faz prodígios insondáveis, maravilhas sem conta. Se cruzar por mim, não posso vê-lo, se passar roçando-me, não o sinto; se apanha uma presa, quem o impedirá? Quem lhe dirá: Que fazes? Deus não precisa reprimir sua ira, diante dele curvam-se os aliados de Raab. Quanto menos poderei eu replicar-lhe ou escolher argumentos contra ele? Ainda que tivesse razão, ficaria sem resposta, teria que implorar misericórdia do meu juiz. Ainda que o citasse e ele me respondesse, não creio que daria atenção a meu apelo. Ele me esmaga por um cabelo, e sem razão multiplica minhas feridas. Não me deixa retomar alento e me enche de amargura! Recorrer à força? Ele é mais forte! Ao tribunal? Quem o citará? Mesmo que eu fosse justo, sua boca condernar-me-ia; se fosse íntegro, declarar-me-ia culpado. Sou íntegro? Eu mesmo já sei, e rejeito a minha vida! É por isso que digo: é a mesma coisa! Ele extermina o íntegro e o ímpio! (...) Ele não é homem como eu a quem possa dizer: Vamos juntos comparecer em julgamento. Não existe árbitro entre nós dois para afastar-se de mim a sua vara e rechaçar o medo de seu terror! Então lhe falaria e não teria medo, pois eu não sou assim a meus olhos (cf. Jó 9, 1-35).
	Em resposta a Baldad, Jó repete o mesmo argumento dito anteriormente a Elifaz, ao rechaçar a tradição que diz que o justo não sofre. 
	Segundo Luiz Alexandre Solano Rossi (2005, p. 63), havia um conflito entre a experiência de Jó e a tradição acerca de Deus:
(...) pela sua repulsa à proposta de Baldad, que é preciso romper a tradição proposta a fim de pudesse avançar na direção de Deus. Jó está, portanto, no centro do drama da fé. (...) Jó rejeita radicalmente a teologia da retribuição: é tudo a mesma coisa, íntegro ou ímpio, a ambos Deus aniquila. 
O veredito de Deus já está dado. Jó não tinha mais o que fazer. No entanto, pela primeira vez Jó evoca o assunto do mediador: 
“Ele não é homem como eu a quem possa dizer: Vamos juntos comparecer em julgamento. Não existe árbitro entre nós dois para afastar-se de mim a sua vara e rechaçar o medo de seu terror! Então lhe falaria e não teria medo, pois eu não sou assim a meus olhos” (cf. Jó 9, 32-35). 
A conclusão de Jó é a de que não há nenhum juiz que possa investigar o seu caso com imparcialidade. 
O terceiro discurso é de Sofar de Naamat, e segundo ele, Jó, é um charlatão e tagarela. Para Sofar, ao homem é impossível perscrutar a sabedoria divina. Sofar pede a Deus que abra a cabeça do amigo e ponha lá dentro a sabedoria. À primeira vista parece ser uma coisa excelente. Porém, a sabedoria oferecida e anunciada por Sofar só pertence a um grupo de sábios eleitos. Os sábios faziam questão de manter a sabedoria distante do homem comum para que seu modo de pensar ficasse na total dependência. Então Jó, percebendo o esquema institucional, não só recusa a oferta, mas ironiza os sábios: “Como vocês são importantes! A sabedoria vai morrer junto com vocês!” (cf. Jó 12, 1-3). 
2.4 O ENCONTRO ENTRE DEUS E JÓ
Então Deus, no meio de uma tempestade, responde ao angustiado Jó: “Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-mo, se é que sabes tanto.” (cf. Jó 38,4). Apesar do tom sarcástico, o Todo-Poderoso, não responde aos desafios de Jó no que se refere ao motivo do seu sofrimento. Ao todo são 53 perguntas de Deus. Todas com o objetivo de mostrar a Jó a sua ignorância de conhecer os desígnios da Criação e de colocar-lhe no seu devido lugar. 
E Deus disse:
Quem é esse que obscurece meus desígnios com palavras sem sentido? Cinge-te os rins como herói, interrogar-te-ei e tu me responderás. Onde estavas, quando lancei os fundamentos da Terra? Dize-mo, se é que sabes tanto. Quem lhe fixou as dimensões? – Se o sabes -, ou quem estendeu sobre ela a régua? Onde se encaixam suas bases, ou quem assentou sua pedra angular, entre as aclamações dos astros da manhã e o aplauso de todos os filhos de Deus? Quem fechou com portas o mar, quando irrompeu jorrando do seio materno, quando lhe dei nuvens como veste e espessas névoas como cueiros, quando lhe impus os limites e lhe firmei porta e ferrolho, e disse: “Até aqui chegarás e não passarás, aqui se quebrara a soberba de tuas vagas?” Alguma vez deste ordens à manhã, ou indicaste à aurora um lugar, para agarrar as bordas da terra e sacudir dela os ímpios? (cf. Jó 38, 2-13). 
Todo esse discurso de Deus é um pedido a Jó que reconsidere suas posições e confesse a sua insuficiência de entender os desígnios do Criador. Então Jó respondeu a Deus: “Eu me sinto arrasado. O que posso replicar? Vou tapar a boca com a mão. Falei uma vez e não insistirei; falei duas vezes, enão vou acrescentar mais nada.” (cf. Jó 40, 3-5). As perguntas de Deus a Jó querem mostrar-lhe que nem tudo neste mundo reina na perfeita justiça. Que o sol nasce para justos e injustos (cf. Mt 5,45). Que nem tudo tem uma razão de acontecer? À primeira vista afirmar que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus parece ser uma resposta consoladora, mas para uma mãe que acabara de perder um filho pode ser um insulto. Por que não conseguimos aceitar que esta vida é imperfeita?
2.5 O SOFRIMENTO DO INOCENTE
O sofrimento do inocente constitui-se um problema enigmático para o ser humano. Como consolar pessoas comuns, nem boas e nem más, mas que sofreram tragédias terríveis e quase insuportáveis? O que dizer para uma mãe que perdeu um filho? Como explicar que um Deus tão bondoso tenha um plano para tudo? Será mesmo que consolar as pessoas através do discurso do “sofrimento educativo” é o suficiente para aplacar a dor? 
Há tempos a questão “por que Deus não acaba com o sofrimento no mundo” tem suscitado discussões. Às vezes, o discurso religioso com o objetivo de impedir o sofredor de refletir sobre as causas do seu sofrimento, procura-o silenciá-lo com imposições e recomendações, a fim de que o mesmo aguarde com passividade seu próprio destino. À semelhança de um animal que lambe as próprias feridas aguardando se curar ou morrer. Arthur Schopenhauer (2011, p. 117), considera impossível o ser humano não questionar a si mesmo sobre as causas do sofrimento sem antes lembrar-se da própria morte:
 “Consequentemente, no homem a medida da dor cresce muito mais do que a medida do prazer, e uma forma especial se intensifica por ele efetivamente ter o conhecimento acerca da morte; ao passo que o animal foge instintivamente da morte, sem propriamente ter o conhecimento dela, ou seja, sem jamais verdadeiramente encarar a morte; os homens, porém, a tem sempre em perspectiva. Embora apenas uns poucos animais morram de morte natural, a maior parte deles tem tempo suficiente para multiplicar a espécie, tornando-se a seguir (e às vezes até antes), presa de um outro animal; por outro lado, somente o homem conseguiu que, em sua espécie, a morte natural constituísse regra, contudo sofrendo considerações exceções; por essa razão, os animais novamente estão em vantagem.”
Assim, diante do mal, todo cristão é conduzido a “dar razão de sua esperança a todo aquele que pede” (cf. 1 Pd 3,15). A teologia tradicional do tempo de Jó baseava sua justiça na ideia da teologia da retribuição. O caminho do homem perverso só tinha um destino: a punição divina. 
De acordo com Erhard S. Gerstenberger e Wolfgang Schrage (2007, p. 62), os amigos de Jó o acusam de justificar o homem contra Deus e, para legitimar a justiça de Deus, utilizam-se da teologia da retribuição, cujo ponto central apresenta-se nas seguintes frases: 
 “Não há nada de errado contigo; o sofrimento é apenas uma bondosa disciplina de Deus. Coragem, logo as coisas mudarão (cf. Jó 4;5;8). Deus sabe melhor do que tu a razão desse sofrimento. Todo homem tem defeitos suficientes para justificar uma dura lição (cf. Jó 11). Se não há outra injustiça em ti, pelo menos existe esta: duvidas da justiça de Deus, não te submetes à sua orientação (cf. Jó 15). Decerto és descrente. Portanto, arrepende-te (cf. Jó 18). A experiência ensina que a soberba que te quer convencer de tua inocência cairá em breve” (cf. Jó 20). Não sejas tão obstinado! Cede um pouco. O homem jamais tem razão perante Deus (cf. Jó 20,2; 20,5). Faze uso das possibilidades disponíveis – culto, oração, intercessão – para reconciliar-te com Deus (cf. Jó 33).”
Pela primeira vez na Bíblia o caráter e a justiça de Deus são questionados por um homem que sofre além das próprias forças. O grito de Jó sufoca a onipotência e onisciência de Deus. O justo tem que se perguntar: “Por que eu? Homens piores do que eu vão muito bem!” (cf. Jó 24). O confronto não era só entre Deus e Satanás conforme descreve o prólogo, mas, sobretudo, entre Deus e Jó, que convocado por Jó a um tribunal não responde satisfatoriamente suas perguntas, mas sente-se embaraçado e afrontado pela ousadia. As palavras de Jó são amargas e descrevem a situação do homem sofredor entre a vida e a morte. A sua única e última esperança é voltar ao túmulo. Atitude condenável nos tempos bíblicos, pois ao Criador é dado dar e tirar a vida. 
Entre Jó e os três amigos não há entendimento. A consolação dogmática dos amigos é desnecessária. O exemplo do livro de Jó nos ensina muito em nossas relações contemporâneas; afinal de contas, a teologia é ato segundo, a vida é ato primeiro. E o que Jó esperava dos amigos não era um tratado teológico, mas sim simpatia. Não há como atribuir ao sofrimento uma única interpretação. Há várias possibilidades de sentido ao sofrimento. O autor do Livro de Jó também não possuía a pretensão de oferecer uma única explicação abstrata ao sofrimento. Essa é a técnica do drama: oferecer ao leitor os elementos para que ele mesmo chegue à conclusão que Jó chegou: “Antes eu ouvia falar de Deus, mas agora os meus olhos te veem” (cf. Jó 42, 5). 
2.5.1 ACEITAR OS LIMITES DO PRÓPRIO CONHECIMENTO
Desde tempos antigos o homem busca respostas para suas dúvidas existenciais. De um lado, é legítimo que o homem se interrogue sobre as leis naturais que regem todo o cosmos; de outro lado, o homem se dá conta dos próprios limites e chega à conclusão de que não pode responder e explicar tudo. Não bastam as linguagens humanas do cálculo matemático, da lógica e outros saberes. Muitas vezes o homem sente-se forçado a silenciar. Um silêncio que fala daquilo que não pode ser dito e explicado em linguagem humana. 
	No capítulo 13, versículos 1 a 19, Jó permite-nos refletir sobre a dimensão do silêncio, ou seja, reconhecer a incapacidade de conhecer as respostas de todos os mistérios e admitir a insuficiência do próprio raciocínio. 
Eis que tudo isto viram os meus olhos, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam. Como vós o sabeis, também eu o sei; não vos sou inferior. Mas eu falarei ao Todo-Poderoso, e quero defender-me perante Deus. Vós, porém, sois inventores de mentiras, e vós todos os médicos que não valem nada. Quem dera que vos calásseis de todo, pois isso seria a vossa sabedoria. Ouvi agora a minha defesa, e escutai os argumentos dos meus lábios. Porventura por Deus falareis perversidade e por ele falareis mentiras? Fareis acepção da sua pessoa? Contendereis por Deus? Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como se zomba de algum homem? Certamente vos repreenderá, se em oculto fizerdes acepção de pessoas. Porventura não vos espantará a sua alteza, e não cairá sobre vós o seu terror? As vossas memórias são como provérbios de cinza; as vossas defesas como defesas de lodo. Calai-vos perante mim, e falarei eu, e venha sobre mim o que vier. Por que razão tomarei eu a minha carne com os meus dentes, e porei a minha vida na minha mão? Ainda que ele me mate, nele esperarei; contudo os meus caminhos defenderei diante dele. Também ele será a minha salvação; porém o hipócrita não virá perante ele. Ouvi com atenção as minhas palavras, e com os vossos ouvidos a minha declaração. Eis que já tenho ordenado a minha causa, e sei que serei achado justo. Quem é o que contenderá comigo? Se eu agora me calasse, renderia o espírito.
Os capítulos 12 e 14 do livro de Jó encerram o primeiro ciclo de discursos, no qual Jó fala com dureza aos amigos, acusando-os de falsidade e convidando-os a ficarem em silêncio (vv. 4-5). Os amigos de Jó estão convencidos de que possuem o monopólio do discurso de Deus, isto é, eles pretendem falar em nome de Deus, todavia não fazem outra coisa senão repetir a doutrina tradicional sobre a justiça de Deus. É por isso que Jó os acusa de charlatanismo: “Vós, porém, sois inventores de mentiras, e vós todos os médicos que não valem nada” (cf. Jó 13, 4). Ao ignorar o sofrimento de um inocente apresentam conclusões falsas apenas com o intuito de preservar a integridade da doutrina tradicional.A preocupação pela teologia tradicional impedia aos amigos de se colocarem na pele de Jó. 
Encerrando um ciclo improdutivo de debates com os amigos, Jó decide enfrentar a Deus, desejando que os amigos não o interrompam enquanto fala: “Calai-vos perante mim, e falarei eu, e venha sobre mim o que vier” (cf. Jó 13,13). 
Segundo Silvio José Báez (2010, p. 78) a desistência de Jó no debate com os amigos revela a real intenção de chamar Deus para uma disputa jurídica:
 “Jó decide, pois, enfrentar pessoalmente Deus num litígio judiciário bilateral, ou seja, num rîb, quer dizer, numa controvérsia que se cria entre duas partes em questões de direito. Ele espera que Deus não deixe de atender ao seu pedido e promete comparecer diante dele (vv. 20-21). Além disso, a querela judicial de Jó não é na realidade uma condenação em relação a Deus. Toda a sua discussão com ele está orientada para a busca do encontro pessoal, através de um diálogo que permita que Deus se revele exatamente como Deus e diga a sua palavra: “Fala e eu responderei, ou falarei eu e tu me replicarás.” 
	No fim do livro, capítulo 42, versículos 1 a 17, quando Deus finalmente termina de lhe falar, Jó reconhece que falou de coisas que não sabia, e, portanto, que a verdadeira sabedoria era aceitar em silêncio os desígnios de Deus. Então respondeu Jó a Deus: “Falei de coisas que não entendia, de maravilhas que me ultrapassam” (cf. Jó 42, 3c) E acrescenta: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem” (v. 4). E após Jó orar pelos amigos, Deus duplicou todas as suas posses, seus irmãos e conhecidos vieram almoçar em sua casa, e cada um lhe ofereceu uma soma em dinheiro e um anel de ouro. Então morreu Jó, velho e farto de dias.
2.6 O SOFRIMENTO DE DEUS
É comum pensar que só no Novo Testamento o Deus encarnado em Jesus Cristo experimenta a dor e o sofrimento humano. Tanto é que a expressão “só um Deus que sofre pode nos salvar” tem destaque garantido nos sermões e exposições teológicas. Mas, afinal de contas, é só no Novo Testamento que se pode aproximar Deus do sofrimento humano? 
O Deus revelado no Antigo Testamento também se encontra na posição de sofrer e caminhar lado a lado com o seu povo. O itinerário de Deus na história bíblica nos revela que Deus experimentou a miséria humana, não só como um espectador indiferente, mas como alguém que assume a dor humana. Por exemplo: na Bíblia há várias passagens que atribuem qualidades humanas a Deus e demonstram sua afinidade com a dor, tais como: a atribuição do sentimento de ciúme a Deus (cf. Êx 20,5); a ira e fúria de Deus (cf. Êx 4,14; Nm 11,1; Sl 79,5); sentimentos de compaixão e arrependimento (cf. Gn 6,5; Êx 32,14); gritos de dor (cf. Is 42,13; Am 1,2). Ou seja, não há constrangimento aos escritores do Antigo Testamento em colocar lado a lado as emoções divinas com as emoções humanas. Este pensamento diz muito sobre o comportamento emocional do israelita no período veterotestamentário, pois ele não só tem Deus como companheiro como o põe na possibilidade de sofrer. 
Para entender o envolvimento de Deus no sofrimento de Jó, antes de qualquer coisa, deve-se ter a noção de que o conceito de Deus no Antigo Testamento era completamente humano. Na desobediência do povo Deus também se sentia traído (cf. Jr 2,2; 3,1-5). Então Deus disse: 
Que tinham vossos pais a objetar, para me abandonarem? Correram atrás da nulidade dos ídolos e se tornaram nulos eles próprios. Já não perguntavam: onde está Javé, aquele que nos trouxe do Egito, que nos guiou no deserto, na horrível terra seca? (cf. Jr 2,5-6). 
	Os fracassos e as derrotas de Israel afetam diretamente a Deus. Sofre Deus com o seu povo? Sofre! Será que os autores do livro de Jó não se deram conta da possibilidade de um Deus que sofre junto com os seus eleitos? 
Para Slavoj  ‎Žižek e Boris Gunjevic (2015, p. 132), toda a história permanece incompreensível sem o conceito de um Deus que sofre humanamente: 
Por quê? Porque o sofrimento de Deus indica que ele está envolvido na história, é afetado por ela, e não é apenas um Mestre transcendente que controla tudo lá de cima: o sofrimento de Deus significa que a história humana não é apenas um teatro de sombras, mas sim o lugar de uma luta real, a luta em que o próprio Absoluto está envolvido e que seu destino é decidido. Esse é o pano de fundo filosófico da forte observação de Dietrich Bonhoeffer de que, depois da Shoá, “apenas um Deus que sofre pode nos ajudar”.
O Livro de Jó não é a última palavra sobre o sofrimento humano. Na verdade, é apenas um anúncio, de certo modo, da Paixão de Cristo. Só com muito amor e paciência conseguimos desvendar o mistério profundo do sofrimento. Estamos cônscios da insuficiência em explicar as múltiplas faces do sofrimento. 
O Papa João Paulo II (2016, p. 33), na Carta Apostólica Salvifici Doloris, nos ensina que Cristo sofre voluntariamente e inocentemente por toda a humanidade: 
“Ele acolhe, com o seu sofrimento, aquela interrogação – feita muitas vezes pelos homens que foi expressa, num certo sentido, de uma maneira radical no Livro de Jó. Cristo, porém, não só é portador em si da mesma interrogação (e isso de um modo ainda mais radical, uma vez que ele não é somente homem como Jó, mas é o Filho unigênito de Deus), como dá também a resposta mais completa que é possível a esta interrogação. A resposta emerge, pode-se dizer, da mesma matéria que constitui a pergunta. Cristo responde a esta pergunta sobre o sofrimento, e sobre o sentido do sofrimento, não apenas com o seu ensino, isto é, com a Boa Nova, mas, primeiramente, com o próprio sofrimento, que está integrado, de modo orgânico e indissolúvel, com os ensinamentos da Boa Nova. E esta é, por assim dizer, a última palavra, a síntese desse ensino: “a palavra da Cruz”, como dirá um dia São Paulo.”
Jesus Cristo introduz-nos no mistério e ajuda-nos a compreender o porquê do sofrimento – não só do sofrimento temporal como também do sofrimento definitivo – pelo fato de ter ele próprio assumido sobre si este sofrimento. O amor ainda é a principal fonte para explicar o sentido do sofrimento humano. E a resposta já foi dada com Cristo na Cruz. 
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
O objetivo deste trabalho foi encontrar respostas satisfatórias para a pergunta: Por que o justo sofre? Com este desafio, percorremos o caminho de vários estudiosos que também em algum momento, assim como Jó, questionaram a razão do sofrimento humano. 
A partir dos estudos realizados, verificou-se que a teologia da retribuição teve um itinerário e evolução, começando pelo personalismo corporativista até a sua forma final representada e questionada no Livro de Jó. 
O pensamento dos israelitas atribuía aos infortúnios da vida, de modo geral, a uma falha da pessoa ou dos seus familiares contra Deus. Não havia qualquer possibilidade de defesa ao sofredor. Jó enfrentou o juízo dos amigos e de toda a sociedade israelita. O núcleo de debates entre Jó e os amigos foram intermináveis e infrutíferos. Os amigos são insensíveis, arrogantes e ríspidos. Só pensavam em defender a teologia tradicional em vez de ajudar um amigo despedaçado pelo sofrimento. Tudo que Jó precisava era de um ombro para confortá-lo em um momento delicado da vida. Mas só encontrou condenação e julgamento. Ser solidário com o homem sofredor é a primeira atitude de um religioso. A teologia é ato secundário diante de um sofredor. Cada ser humano carrega dentro de si um universo repleto de emoções e sentimentos. Quando tudo está cinza e incerto encontramos na compaixão de Deus a força para viver. 
O Livro de Jó é uma crítica a todos os que julgam possuir o monopólio institucional da fala de Deus. Muitas vezes um religioso sente-se autorizado pelos dogmas e tradição a desautorizar a narrativa dos outros. Ou seja, como se ele pudesse entender os desígnios de Deus. E então, sob a tutela de uma doutrina torna-se juiz, promotor e advogado. Ai de mim se não seguir a cartilha. Sou condenado ao fogo do inferno. Impiedoso, insensível e arrogante.Jesus diria: raça de víboras (cf. Mt 12,34). A Carta de São Paulo aos Romanos, capítulo 11 e versículo 34, numa clara advertência sobre a insuficiência humana em entender os mistérios da vida, diz: “Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor? Quem se tornou seu conselheiro?” (cf. Rm 11,34). 
Diante das circunstâncias não restou alternativa a Jó senão solicitar uma audiência na presença de Deus. Os objetivos do Livro de Jó foram alcançados com sucesso, pois os ciclos de respostas de Deus não inspiram credibilidade aos leitores não religiosos. 
A resposta de Deus, de certa maneira, também seguiu o itinerário dos amigos de Jó, ou seja, Deus não responde a questão – Por que o justo sofre? 
O Livro de Jó expõe a fragilidade da teologia da retribuição e, ao mesmo tempo, inaugura um debate acerca do sofrimento humano. Era momento de evoluir e pensar caso a caso. O problema do sofrimento do justo ainda permanece em aberto e sem resposta satisfatória no Antigo Testamento. Havia a necessidade de retornar a questão tempos depois. E só pôde ser respondida através do envolvimento do próprio Deus na história humana. A crucifixão de Jesus Cristo foi a resposta definitiva. Só um Deus que sofre na pele pode entender o sofrimento humano. Eis aí a inovação do Cristianismo. Apenas um Deus que sofre pode nos ajudar e salvar. Um Deus solidário conosco e que nos consola nos momentos mais difíceis. 
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