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Carl Gustav Jung O Significado da Constituiçao e da Herança para a Psicologia

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1 
IIVV -- OO SSIIGGNNIIFFIICCAADDOO DDAA CCOONNSSTTIITTUUIIÇÇÃÃOO EE DDAA HHEERRAANNÇÇAA PPAARRAA AA PPSSIICCOOLLOOGGIIAA 
 
Originalmente publicado em Die Meãizinische Welt, semanário médico III/47, em 1929. 
 
FONTE: JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB. 
Petrópolis: Vozes, 1984, capítulo IV, volume VIII/2 das Obras Completas. 
 
Nota: os números em colchetes indicam os números dos parágrafos originais do livro. 
 
[220] Na opinião científica moderna já não há dúvida de que psique individual depende 
amplamente da constituição psicológica; e mesmo não é pouco o número dos que consideram 
esta dependência como absoluta. Tão longe não quero chegar, mas, dadas as circunstâncias, 
tenho por mais adequado que se reconheça uma autonomia relativa à psique com relação à 
constituição psicológica. Verdade é que não há provas vigorosas em favor deste ponto de vista, 
mas também não se provar que a psique se ache sob a total dependência da constituição 
fisiológica. Não devemos esquecer que a psique é o x e a constituição é o y complementar. No 
fundo ambos são fatores desconhecidos que só recentemente começaram a tomar forma 
definida. Mas estamos ainda muito longe de compreender, o mínimo que seja, a sua natureza. 
[221] Embora seja impossível determinar, em casos individuais as relações entre a 
constituição e a psique, tais tentativas já foram feitas muitas vezes, mas os resultados não 
passam opiniões indemonstráveis. O único método que nos pode levar a resultados mais ou 
menos seguros, no presente, é o método tipológico, utilizado por Kretschmer com relação à 
constituição fisiológica, e que eu apliquei à atitude psicológica. Em ambos os casos, o método se 
baseia em uma grande quantidade de material empírico no qual as variações individuais se 
anulam reciprocamente, em larga medida, enquanto certos traços típicos fundamentais 
emergem com maior evidência, dando-nos a possibilidade de construir um certo número de 
tipos ideais. Naturalmente, jamais ocorrem, em realidade, sob sua forma pura, mas sempre e 
unicamente como variações individuais do princípio que rege o seu aparecimento, da mesma 
forma como os cristais, em geral, são variantes individuais de um mesmo sistema. A tipologia 
fisiológica procura, antes e acima de tudo determinar as características exteriores graças às 
quais seja possível classificar os indivíduos e investigar suas demais qualidades. As pesquisas de 
Kretschmer mostraram-nos que as peculiaridades fisiológicas dos indivíduos se estendem até 
aos condicionamentos psíquicos. 
[223] A tipologia psicológica procede exatamente da mesma maneira, mas seu ponto de 
partida, por assim dizer, não é exterior, mas interior. Sua preocupação não é determinar as 
características exteriores, mas descobrir os princípios íntimos que governam as atitudes 
psicológicas genéricas. Enquanto a tipologia fisiológica é obrigada a empregar, essencialmente, 
métodos científicos para obter seus resultados, a natureza invisível e imensurável dos processos 
psíquicos nos constrange a empregar métodos derivados das ciências humanas, ou, mais 
precisamente, à crítica analítica. Como já tive ocasião de acentuar, não temos aqui uma 
diferença de princípio, mas tão somente uma nuança, determinada pela natureza diferente do 
ponto de partida. O estado atual das pesquisas nos autoriza a esperar que os resultados obtidos 
de um lado e doutro alcançarão um consenso quanto a certos fatos básicos e essenciais. 
Pessoalmente tenho a impressão de que certos tipos principais de Kretschmer não estão muito 
afastados de certos tipos psicológicos. Não é de todo inconcebível que nestes pontos se possa 
estabelecer uma ponte entre a constituição fisiológica e a atitude psicológica. Que isto ainda 
não tenha sido feito se deve, provavelmente, de um lado, ao fato de que os resultados da 
pesquisa ainda sejam muito recentes, e de que, por outro, a investigação sob o ponto de vista 
psíquico é muito mais difícil e por isso de menor compreensão. 
[223] Não é difícil concordar que as características fisiológicas são grandezas visíveis, 
palpáveis e imensuráveis. Mas em matéria de psicologia nem mesmo o significado das palavras 
foi ainda fixado. Dificilmente se encontram dois psicólogos que concordem quanto ao conceito 
de "sentimento", embora o verbo, "sentir" e o substantivo "sentimento" se refiram a fatos 
psíquicos; de outro modo nunca se teriam criado palavras para designá-los. Em psicologia 
 2 
tratamos de fatos em si mesmos definidos, mas que não foram definidos cientificamente; é um 
estado de conhecimento até certo ponto análogo ao das ciências naturais na Idade Média; pois 
em psicologia cada um sabe melhor do que o outro. Há apenas opiniões sobre fatos 
desconhecidos. Por isso, os psicólogos revelam sempre uma tendência quase invencível a se 
aferrar a fatos fisiológicos, porque aqui eles se sentem abrigados, na segurança de coisas que 
parecem conhecidas e definidas. A Ciência depende da precisão dos conceitos verbais, e por isso 
a primeira tarefa que incumbe ao psicólogo é conceitos-limites e conferir nomes sem se 
preocupar se os outros têm ou não uma concepção diferente a respeito do significado deste 
termo. A única coisa que se deve considerar é se o termo empregado concorda ou não, em seu 
uso geral, com o conjunto de fatos psíquicos por ele designados. O pesquisador deve libertar-se 
da opinião corrente segundo a qual o nome explica ao mesmo tempo os fatos psíquicos que ele 
denota. O nome deve constituir, para ele, mais do que um mero algarismo e seu sistema 
conceitual não mais do que uma rede trigonométrica recobrindo uma determinada área 
geográfica, na qual os pontos fixos de referência são indispensáveis na prática, mas irrelevantes 
na teoria. 
 [224] A psicologia deve ainda inventar deve ainda inventar sua linguagem específica. 
Quando me pus a designar os tipos de atitudes que eu havia descoberto empiricamente, senti 
que este problema de linguagem era o maior obstáculo e, querendo ou não, me vi constrangido 
a estabelecer determinados conceitos-limites e a designar esses setores com nomes tomados o 
máximo possível da linguagem usual. Com isto, porém, me expunha inevitavelmente ao perigo 
já mencionado, ou seja, ao preconceito geral de que o nome predetermina a natureza das 
coisas. Embora isso seja inegavelmente um resquício da antiga magia da palavra, contudo não 
impede que surjam mal-entendidos, e eu próprio tenho ouvido repetidamente a objeção: "mas 
sentir é algo totalmente diferente". 
[225] Menciono este fato aparentemente trivial somente porque ele, justamente por 
causa de sua trivialidade, constitui um dos maiores obstáculos à investigação psicológica. A 
psicologia por ser a mais jovem das ciências, padece ainda do mal de uma mentalidade medieval 
em que não se fazia distinção entre as palavras e os fatos. Julgo-me obrigado a enfatizar estas 
dificuldades para justificar a um público científico mais vasto a natureza desconhecida e 
aparentemente inacessível da pesquisa psicológica, bem como seu caráter peculiar. 
[226] O método tipológico estabelece aquilo que ele denomina de classes "naturais" 
(embora nenhuma classe seja natural!) que, no entanto, são do mais alto valor heurístico, 
porque agrupam indivíduos que têm características externas ou atitudes psíquicas comuns, 
criando, assim, a possibilidade de uma observação e uma investigação mais acuradas. A 
pesquisa das constituições proporciona ao psicólogo um critério extremamente valioso com o 
qual ele pode eliminar ou incluir em seus cálculos o fator orgânico ao pesquisar o contexto 
psíquico. 
[227] Este é um dos pontos mais importantes em que a psicologia pura se choca com o X 
da disposição representada pela disposição orgânica. Mas não é o único ponto onde tal 
acontece. Há um outro fator que a pesquisa da constituição não leva imediatamenteem 
consideração. É o fato de que o processo psíquico não é algo que começa como se nada houvesse 
antes, mas é uma repetição de funções que estiveram permanentemente em preparação e 
foram herdadas com a estrutura do cérebro. Os processos psíquicos precedem, acompanham e 
sobrevivem à consciência. A consciência é um intervalo num processo psíquico contínuo; 
provavelmente é ponto culminante que exige considerável esforço fisiológico e por isso tende a 
desaparecer em questão de dias. O processo psíquico que está na raiz da raiz da consciência é 
automático; não sabemos de onde se origina nem para onde se encaminha. Sabemos apenas que 
o sistema nervoso e particularmente os seus centros condicionam e exprimem a função 
psíquica, e que estas estruturas herdadas voltam infalivelmente a funcionar, em cada novo 
indivíduo, exatamente do mesmo modo como sempre fizeram em todos os outros. Os momentos 
mais intensos desta atividade só se manifestam na consciência que se extingue periodicamente. 
Por mais inumeráveis que sejam as variações da consciência individual, a base em que se 
assenta a psique inconsciente é uniforme. Até onde nos é possível compreender a natureza dos 
processos inconscientes, sempre e em toda parte eles se manifestam sob formas 
 3 
espantosamente idênticas, embora suas expressões, da maneira como chegam até nós através 
da consciência individual, possam assumir uma variedade e uma multiplicidade também muito 
grandes. É a esta uniformidade fundamental da psique inconsciente que os seres humanos 
devem a possibilidade universal de se entenderem, possibilidade esta que transcende as 
diferenças das consciências individuais. 
 [228] Nada há de estranho nestas observações. Este assunto só causa perplexidade, 
quando se descobre o quanto a própria consciência individual se acha afetada desta 
uniformidade. Encontram-se, com freqüência, casos de espantosa semelhança inclusive nas 
famílias. Fürst publicou o caso de uma mãe e uma filha, com trinta por cento de concordância 
de associações, transcrito em meu trabalho Diagnostische Assoziationsstudien, mas há uma 
tendência em não admitir a possibilidade de uma concordância psíquica geral entre povos e 
raças distanciados entre si tanto no tempo como no espaço. Na verdade, porém, as 
concordâncias mais espantosas se encontram no âmbito das chamadas idéias fantásticas. Todos 
os esforços já foram feitos — como nas Migrations des symboles, de Goblet d'Alviella - para 
explicar esta concordância dos motivos e símbolos mitológicos pela migração e transmissão. 
Mas esta explicação, que possui certamente algum valor, é contraditada a qualquer tempo e em 
qualquer lugar sem que houvesse a menor possibilidade de uma tal transmissão. Assim, outrora 
observei um doente mental que produziu quase com as mesmas palavras uma seqüência 
simbólica bastante longa que se pode ler num papiro publicado alguns anos mais tarde por 
Dieterich (caso este narrado por mim em minha obra Wandlungen und Symbole der Libido 
[Símbolos da Transformação da Libido]. Depois de ter visto um número suficiente de tais casos, 
minha idéia original de que tais coisas só podem acontecer em pessoas pertencentes à mesma 
raça, viu-se abalada, e eu, em conseqüência disto, investiguei os sonhos de negros puros do Sul 
dos Estados Unidos da América do Norte. Nesses sonhos encontrei temas da mitologia grega que 
dissiparam as dúvidas que eu tinha quanto a saber se eram ou não de herança racial. 
 [229] Tenho sido acusado muitas vezes de acreditar supersticiosamente em idéias 
herdadas, mas injustamente, porque tenho enfatizado expressamente que estas concordâncias 
não provêm de "idéias", mas de disposições herdadas que nos levam a reagir exatamente 
daquela maneira como sempre reagiram os outros antes de nós. Ou também se negou a 
concordância, sob o pretexto de que a figura do "redentor" era, em um caso, uma lebre, em um 
outro, um pássaro, e em um terceiro, um ser humano. Mas esqueceram-se de algo que 
impressionou de tal modo um indiano ingênuo que visitava uma igreja inglesa que, ao chegar à 
casa, contou que os cristãos adoravam animais porque viu ali em torno muitas imagens de 
cordeiros. O que nos interessa não são os nomes, mas suas conexões. Assim, pouco nos importa 
que a "jóia" em um caso seja um anel, em outro, seja uma coroa, em um terceiro, uma pérola e 
um quarto, seja um tesouro completo. O essencial é a idéias de um objeto sumamente precioso 
e difícil de ser alcançado, pouco nos importando quanto à sua localização. E o essencial, 
psicologicamente falando, é que nos sonhos, nas fantasias e nos estados excepcionais da mente, 
os temas e símbolos mitológicos mais distantes possam surgir autoctonemente em qualquer 
época, aparentemente como resultado de influências, tradições e estímulos individuais, mas 
também, mais freqüentemente, sem estes fatores. Essas "imagens primordiais" ou "arquétipos", 
como eu os chamei, pertencem ao substrato fundamental da psique inconsciente e não podem 
ser explicados como aquisições pessoais. Todos juntos formam aquele estrato psíquico ao qual 
dei o nome de inconsciente coletivo. 
[230] A existência do inconsciente coletivo indica que a consciência individual não é 
absolutamente isenta de pressupostos. Ao contrário: acha-se condicionada em alto grau por 
fatores herdados, sem falar, evidentemente, das inevitáveis influências que sobre ela exerce o 
meio ambiente. O inconsciente coletivo compreende toda a vida psíquica dos antepassados 
desde os seus primórdios. É o pressuposto e a matriz de todos os fatos psíquicos e por isto exerce 
também uma influência que compromete altamente a liberdade da consciência, visto que tende 
constantemente a recolocar todos os processos conscientes em seus antigos trilhos. É este 
perigo positivo que explica a extraordinária resistência que a consciência contrapõe ao 
inconsciente. Não se trata aqui da resistência à sexualidade, destacada por Freud, mas de algo 
muito mais geral: o medo instintivo de perder a liberdade da consciência e de sucumbir ao 
 4 
automatismo da psique inconsciente;. Para certos tipos de pessoas o perigo parece consistir na 
sexualidade, porque é aí que elas temem perder sua liberdade. Para outros, o perigo se situa em 
regiões inteiramente diversas, precisamente sempre onde se nota uma certa fraqueza, ou seja, 
portanto, onde não é possível opor uma alta barragem ao inconsciente. 
[231] O inconsciente coletivo constitui um outro ponto em que a psicologia pura se 
depara com fatores orgânicos, onde ela, com toda probabilidade, tem de reconhecer um fato de 
natureza não psicológica que se apóia em uma base fisiológica. Da mesma forma como o mais 
inveterado psicólogo jamais conseguirá reduzir a constituição fisiológica ao denominador 
comum da etiologia psíquica individual, assim também será impossível descartar o postulado 
fisiologicamente necessário do inconsciente individual como aquisição individual. O tipo 
constitucional e o inconsciente coletivo são fatores que escapam ao controle da consciência. 
Assim, as condições constitucionais e as formas vazias do inconsciente coletivo são realidades, e 
isto, no caso do inconsciente, outra coisa não significa senão que seus símbolos ou motivos são 
fatores tão reais quanto à constituição que não se pode desconsiderar ou negar. A 
desconsideração da constituição leva a perturbações, e a negligência do inconsciente coletivo 
produz o mesmo resultado. É por isso que eu, (em minha atividade terapêutica, dirijo minha 
atenção particularmente para a relação do paciente para com os fatos do inconsciente coletivo, 
pois uma ampla experiência me ensinou que é tão importante compor-nos tanto com o 
inconsciente quanto com as nossas disposições individuais).

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