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( Psicologia) - Edna Heidbreder - Psicologias Do Seculo Xx

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Prévia do material em texto

EDNA HEIDBREDER 
Doutora em Filosofia, profe8sora emérita da 
Universidade de WeUesley (Mass., Estados Unidos) 
PSICOLOGIAS DO SÉCULO XX 
Tradução de: 
LAURO S. BLANDY 
Jou 
Primeira ediçao em sngiés • 1933 
Segunda ediçdo em inglêa 1956 
primeira edição em espanhol 1953 
Primeira edição em português 1967 
QiJÁn-ta edição em portl1.gUê8 1981 
Titulo original: 
SEVEN PSYCHOLOGIES 
Capa de: 
WILSON TADEI 
SEVEN PSYCHOLOGIES, 1' edition, by Edna Heidbreder. Copijright, 1933, The Century Company. 
Traduzido e publicado com permissão de AppletonCentury-Crofts, Division of Meredith 
Publishing Company. 
Direitos reservados para os poises de 
lingua portuguesa pela 
EDITORA MESTRE JOU 
PREFÁCIO 
Este livro não foi escrito para os psicólogos profissionais, 
mas sim para aqueles que se interessam pela psicologia e que, tendo feito uma incursão 
preliminar no assunto, estão admirados pelo fato de haver tantas escolas diferentes de 
pensamento em psicologia e desejam saber mais sobre o assunto. 
O estudo refere-se especificamente à psicologia norte- 
-americana; não tenta descrever as coisas por meio do pensamento psicológico europeu. Isto 
não significa, naturalmente, que a psicologia norte-americana possa considerar-se isenta de 
influências européias. Aliás, três dos sete sistemas aqui apresentados - o estruturalismo, a 
psicologia Gestalt e a psicanálise - são importações diretas da Europa. Foram, entretanto, 
considerados não como movimentos do pensamento europeu, mas como influências na 
psicologia norte- 
-americana. 
Tampouco a descrição dos sistemas aqui apresentados procura mostrar um panorama da 
psicologia nos Estados Unidos. Por um lado, apresenta somente lampejos ocasionais da 
atividade que é mais peculiar à psicologia norte-americana, a pesquisa experimental. De outro, 
não considera, nem mesmo enumera, todos os sistemas atualmente em voga na psicologia 
americana. Os nomes de Bentley, Dunlap, Hunter, Kantor, McDougal.l, Spearinan, Tolman, 
Weiss e Wheeler dão uma idéia do que está faltando. Por último, apresenta apenas uma 
descrição parcial, mesmo dos sistemas escolhidos para estudo. Qualquer escola importante do 
pensamento dá origem a interpretações relacionadas à sua própria, embora sejam diferentes, 
e essas interpretações não foram consideradas. No estudo da psicanálise, por exemplo, os 
sistemas de Jung e Adier receberam pouca atenção; e o do behaviorismo rest,-ingiu-se aos 
ensinamentos de Wa.tson, embora tenham surgido importantes modificações de sua teoria. 
Este método de escolha tem desvantagens inegáveis. Para apresentar um sistema sem um 
acompanhamento de interpretações correlatas, poderia dar a impressão de que seus adeptos 
formam um grupo único, coeso e uniforme, cujas 
8 
Edna Heidbreder 
idéias são cópias fiéis das de seu chefe. Tal impressão seria completamente falsa. De maneira 
idêntica, a escolha de sete sistemas pode parecer que a psicologia americana esteja 
organizada em sete escolas; e esta impressão também seria falsa. A seleção pode ainda 
significar que, de todos os sistemas atuais em psicologia, estes sete são os mais dignos de 
estudo; e não se deseja dar esta idéia. 
Ainda mais, apesar de suas reconhecidas desvantagens, o plano de apresentar alguns sistemas 
e de mostrá-los como concepções simples e bem definidas, deixando de lado, sempre que 
possível, suas interpretações e concepções correlatas, foi adotado com o risco de cairmos em 
uma simplificação excessiva, como um dos mais adequados para a presente finalidade; pois o 
propósito não é de se fazer um estudo exaustivo dos sistemas de psicologia, nem de 
apresentar, ainda que em resumo, uma descrição completa da psicologia norte-americana; ao 
contrário, destina-se a permitir ao leitor ainda leigo no assunto tornar-se familiarizado com 
alguns dos diferentes pontos de vista dos quais podem ser encarados os fatos psicológicos. 
Com esse propósito em mente, pareceu-nos mais lógico apresentar sete sistemas do que 
setenta. 
Os sistemas, além disso, foram tratados como sendo fatores que produzem diferenças reais no 
desenvolvimento da psicologia. Por esse motivo, cada sistema foi apresentado em seu 
fundamento histórico e em relação à continuidade histórica que pode ser discernida através 
das várias interpretações da psicologia. Pela mesma razão, foi feita uma tentativa para avaliar 
a influência do sistema sobre o progresso real da psicologia, embora os cálculos sejam de fato 
prematuros e experimentais. A escolha dos sete sistemas foi determinada também pela 
concepção dos sistemas como sendo influências úteis ao desenvolvimento da psicologia. Os 
sistemas estudados foram adotados em alguns casos porque representam pontos cruciais no 
desenvolvimento da psicologia norte-americana; em outros, porque foram associados com 
importantes centros de pesquisa; e finalmente, porque quando considerados em conjunto, 
suas diferenças demonstram que são possíveis muitos caminhos diferentes para o problema 
da psicologia. Talvez ninguém mais teria escolhido somente estes sete; confesso que esta 
escolha representa urna opinião pessoal. Mas para o propósito indicado não é essencial 
escolher todos os sistemas e nem os mais importantes. Apresentar sete concepções diferentes 
da psicologia, que estejam em uso corrente, significa não só escolher a função e 
Psicologuzs do Século XX 
9 
o significado daquelas sete, mas também sugerir a função e o significado de todos os sistemas 
de um modo geral. 
Apresento este livro com certa apreensão. As dificuldades inerentes ao fato de tentar 
descrever de modo preciso ou avaliar exatamente os pensamentos dos outros dispensam 
comentários. A maior dessas dificukktdes é a de não existir um padrão objetivo pelo qual os 
sistemas possam ser julgados e comparados. Portanto, não posso nem desejo considerar o 
estudo que escrevi como sendo imparcial ou impecável. Acredito, entretanto, que isto não seja 
prejudicial à utilidade do livro. Os leitores perspicazes perceberão as minhas falhas melhor do 
que eu; e fazendo a. sua correção, embora sem abandonar as suas próprias parcialidades, 
tomarão parte num método que, como tentei demonstrar através de todos os capítulos 
seguintes, é um passo útil e praticamente necessário no processo de revelar um conhecimento 
objetivo. 
Muitas pessoas me auxiliaram a escrever este livro. Alguns dos meus alunos fizeram-me 
sugestões que achei estimulantes e úteis. Os professores Josephine Curtis Foster, Kate Hevner 
e Heinrich Klüver leram algumas partes do livro; a Srta. Amy Armstrong e o professor R. M. 
Elliott leram todo o manuscrito. Todos deram sugestões que me foram úteis. A Sra. Nancy 
Johnson Fugene, as Srtas. Dreda Harper e Marian Greenham prestaram um grande auxílio 
preparando o manuscrito para os editores. A Clark University Press, Henry Holt & Co., a J. B. 
Lippincott Company, Longmans, Green & Co., a Macmillan Company e a W. W. Norton & 
Company deram-me permissão para citar trechos de seus livros. Por todos estes auxílios 
desejo reconhecer o quanto devo e expressar meus sinceros agradecimentos. 
EDNA HEJDBREDER 
Mineapolis, Minessota 
 
INTRODUÇÃO 
 
1 
SISTEMAS DE PSICOLOGIA: SUA FUNÇÃO E SIGNIFICADO 
 
É um pouco paradoxal o fato de surgirem tantos sistemas de psicologia no solo norte-
americano. A psicologia, principalmente nos Estados Unidos, tem-se empenhado a fundo para 
tornar-se uma ciência; e a ciência por natureza abstém -s de indagações que não sejam 
baseadas e constituídas por fatos. Apesar disso não existe número suficiente de fatos em toda 
a psicologia para formar um sistema único e completo. 
Ninguém sabe disso melhor que os próprios psicólogos. Verificam, pelo processo comum de 
associação, não somente a inegável pobreza de sua ciência, como também a fragilidade e a 
falsidade de grande parte da matéria que são solicitados a aceitar como verdadeira. Ospsicólogos estão constantemente examinando os trabalhos de seus colegas e achando que não 
são bons. E, quase sem hesitar, expõem os pontos fracos e as falhas que encontram. 
Mal atravessamos o limiar dessa jovem ciência prática e já desconfiamos não ser tudo paz e 
harmonia à sua sombra; vemos que os grupos de trabalhadores que encontramos representam 
não só uma divisão de trabalho necessária mas também um estado de luta interna. O mais 
positivo dos grupos em luta talvez seja composto por jovens estudantes de psicologia animal e 
comparada que, em sua maior parte, se orgulham de ser obstinados e realistas e de se haver 
descartado das insignificâncias de uma psicologia que tratad ihentes. D Am,atÍifã d 
o,iêrriõr6saniite cientííieos e alguns1wpacéi estãr convencidõWdi que afiié11iõï ifianeira de 
realizar esta ambição é parecerem o mais exatamente possível com seus vizinhos próximos, os 
fisiologistas. São, em sua maioria, jovens confiantes e resolutos, imbuídos 
-J 
1 
14 
Edna Heidbreder 
Psicoiog,as do Século XX 
15 
da fé que, fazendo experiências nas origens da matéria e do músculo, estão-se aprofundando 
no âmago das coisas. 
Um grupo menos ativo, mas nem por isso menos convicto, e consciente da sinceridade de sua 
ciência, é o formado pelos psicólogos experimentais. Para estes, a palavra "expe(2 1 rimental" 
não é aplicada no sentido de incluir todos os que \, realizam pesquisas pelo método 
experimental comum à ciência natural em geral, mas naquele especial e oculto de indicar 
aqueles que estão na linha de descendência que provéffi mais 
eficiente do mundo, tund oõiWilhie1Wundt, em Leipzig. A psicologia experimental, neste 
sentido, refere-se à matéria especial, aperfeiçoada na Alemanha, e liderada nos Estados 
Unidos principalmente por Edward Bradford Titchener, um dos alunos ingleses de Wundt. Seus 
representantes típicos são os "introspeccionistas treinados", que acreditam ser o exame da 
consciência a verdadeira função da psicologia. Seu trabalho, segundo afirmam, exige 
treinamento especial e máximo cuidado; devido aos aparelhos que conceberam e montaram 
para servir-lhes de auxílio, são, às vezes, chamados de "psicólogos de instrumentos de metal". 
Representam a aristocracia existente na geração passada. Alimentam a idéia que a sua 
psicologia, que eles desejam conservar, é a que tem resistido e continuará a resistir aos 
embates do tempo. 
Os dois grupos olham, um tanto desconfiados, para um terceiro, que se ocupa da 
experimentação e medição das características mentais; pois exi&te pouco ma,térTal dãs outras 
ciências tradicionais nos redutos dos psicometristas (mental -testers) - poucos instrumentos de 
metal que dêem um ar da dignidade austera da física e tampouco ratos brancos para dar a 
impressão das coisas palpáveis da biologia. Entretanto, existe uma grande quantidade de 
dados numéricos. Pois, talvez mais do que qualquer outro grupo de psicólogos, os 
psicometristas aperfeiçoaram o modo matemático de pensar, ue a cien1gtonsidera tão 
apropriado; e, lidando com curvas 
de distribuição, coeficientes de correlação e dispositivos estatísticos mais profundos, 
empreenderam a tarefa de medir a inteligência e outras características mentais, e de obterem 
a maior soma possível de informação sobre as mesmas, na forma que o tratamento 
quantitativo permitisse. 
Intimamente associados a este grupo, na realidade não se distinguindo claramente dele, estão 
os que trabalham em 
psicologia aplicada. Entre eles encontram-se os que enfren ta 
os problemas do comércio e da indústria - a seleção de empregados, a administração do 
pessoal, a eliminação da fadiga industrial, os métodos mais eficientes de publicidade, a 
iluminação e o arejamento das fábricas. Aí também estão os psicólogos clínicos, que trabalham 
em escolas, nos juizados 
(q' de menores, nas clínicas de orientação infantil, bem como em '-é" instituições para os 
débeis mentais, os psicopatas e os loucos, 
procurando contribuir, pela melhor compreensão das pessoas sob seus cuidados, a facilitar-
lhes a adaptação à vida normal. Na psicologia aplicada encontram-se também os psicólogos 
educacionais, ocupados não só com os vários problemas da aprendizagem e do ensino, mas 
tentando, ultimamente, medir as capacidades e as aptidões dos alunos e a eficiência dos vários 
métodos educacionais. 
Estes grupos, nenhum dos quais apresenta uma delimitação exata, juntamente com outros 
grupos ainda menos bem definidos e muitos indivíduos isolados, formam o conjunto dos 
psicólogos. Embora cada grupo possa ligar-se imperceptivelmente com outros de um modo 
completo, desde os mais exatos, constituídos pelos estudiosos da psicologia experimental e 
animal até o mais recente e mais novato dos paicometristas, todos eles discutem 
reciprocamente o valor e a validez de seus trabalhos. Além disso, debatem a validez do 
trabalho dos outros membros de seu próprio grupo. Ninguém é capaz de criticar tão bem um 
psicólogo que estuda o animal, como outro estudante de psicologia animal; os ataques mais 
acirrados contra os psicometristas provêm de outros psicometristas. Quem estiver empenhado 
na tarefa complicada de procurar fatos, sabe - e sabe com especial convicção quando o 
assunto pertence ao seu próprio campo - como é raro eles serem obtidos do manancial da fé, 
da esperança e das hipóteses em que se baseiam, como é freqüente desaparecerem em mera 
ilusão, e se persistirem, como é pequeno o seu valor provável, quando comparados com o seu 
valor aparente na alegria da descoberta. Tal pessoa, naturalmente, não acredita, de imediato, 
em qualquer porção maior do suposto conhecimento que um seu colega de trabalho lhe 
apresente como fato provado. Acredita somente quando o tiver verificado completamente, 
submetendo-o a todas as provas críticas que conheça. 
Isso tudo é muito bom para a jovem ciência psicológica. Porque qualquer coisa que suna deste 
tratamento como sendo fato, passando pela crítica mais ardente, belicosa e persistente, deve 
ter no seu cerne o traço de teimosia que torna um fato real. Se os testes de inteligência ou as 
leis do aprendi- 
16 
Edna Heidbreder 
Psicologias cio Século XX 
17 
zado ou Gestalten ou ainda os reflexos condicionados sobrevivem à manipulação de seus 
críticos ativos, é porque existe neles alguma coisa, assim como havia na pedra arremessada 
pelo Dr. Johnson em sua réplica motora ao Bispo Berkeley; porque oferecem uma resistência 
real à violência e intelig cia humanas. 
E, felizmente, a pujança da nova ciência é evidente não só nos debates como em seus esforços. 
Os contendores são parecidos pelo menos em um ponto; são todos incansavelmente ativos. 
Com uma dedicação quase incrível, contam os erros de seus ratos, calculam os coeficientes de 
correlação e registram as indicações de pesos suspensos. E o resultado de toda essa aplicação 
e de toda essa crítica é o estabelecimento ocasional de um fato, ou o que é mais freqüente e 
quase tão bom, a queda de um dogma. 
Além disso, no desenrolar dessa luta desenvolveu-se um profundo respeito para com a ciência 
em si. Em presença de ciências mais antigas, a psicologia sente um pouco do respeito do 
noviço pelo seu mestre, algo da admiração invejosa dos nouveaux riches pela aristocracia 
existente. Sente também o mesmo interesse ansioso temendo que o seu modo de viver deixe 
de seguir os padrões do meio social e o seu próprio desvelo em manter aqueles padrões 
transparece, às vezes, em uma superioridade jactanciosa em relação às práticas que há tão 
pouco tempo havia aprendido a desprezar. Mas essa j actância é compensadora e superficial. 
Pois, esta jovem ciência frágil, assim como muitas outras coisas novas e frágeis, está bem 
consciente de seus defeitos. Ela compara os seus gráficos toscos e suas correlações duvidosas 
com a notável precisão da física, e chega a duvidar de que tudo esteja bem. Porque sob sua 
agitação, existeo anseio de fatos concretos e de uma técnica segura. A intolerância arrogante 
que às vezes demonstra em relação a qualquer coisa que não tenha recebido o sinete da 
ciência é, pelo menos em parte, um certo cuidado e ciúme que sente pela integridade de seu 
conhecimento, quase igual ao desprezo sutil de Bacon pelas pretensões dos aristotélicos de 
sua época. Pois, em seus poucos anos de existência, a psicologia adquiriu não só atividade 
como também ceticismo, que para uma ciência é o começo da sabedoria. Sabe que conhece 
pouco e que esse pouco é experimental. A psicologia não pode mostrar nenhum acervo 
imponente de fatos; sabe que sua maior virtude é a decisão em seguir o método científico, e 
que na melhor das hipóteses, tenta introduzir aquele método em urna região, onde até 
agora as perquirições da ciência não haviam penetrado. Acima de tudo, a psicologia está a par 
da grande necessidade do elemento concreto, do qual qualquer ciência é, em grande parte, 
constituída e aprendeu a olhar com desaprovação, quase com temor, toda indagação que não 
seja fortemente apoiada em fatos. 
Então, por que se formaram todos estes sistemas? Por que a psicologia, que está tão 
empenhada em se tornar uma ciência, constrói estruturas de pensamento especulativo que 
não poderá, durante anos, verificar por meio de fatos existentes? 
Em suma, porque atingiu uma posição onde tal conduta é de todo inevitável. Ninguém é capaz 
de afirmar atualmente as circunstâncias exatas que estimulam o pensamento - a palavra 
"pensamento" é usada neste caso para indicar as atividades refletoras e criadoras do intelecto 
quando em confronto com a observação e a experimentação - porém as condições gerais são 
bastante conhecidas para tornar evidente que a psicologia não seguiria caminhos 
intelectualistas se não tivesse sido estimulada. Sofreu a ação dos três mais poderosos 
incentivos ao pensamento: um conhecimento cada vez maior, um interesse profundo e uma 
dúvida persistente. 
O conhecimento estimula, às vezes, o pensamento, porém a sua dosagem deve ser levada em 
conta - nem demasiado muito nem demasiado pouco. Se uma pessoa estivesse de posse de 
todos os fatos de um determinado assunto, seu pensamento sobre ele cessaria 
automaticamente. Seu problema estaria resolvido; não mais haveria motivo para pensar. O 
adulto culto não precisa pensar quando responde a perguntas como: Quanto são sete vezes 
cinco? Qual é a composição química da água? Quais são as leis do movimento de Newton? Já 
estará de posse desses conhecimentos ou os mesmos estarão facilmente ao seu alcance. Já 
houve uma época, na história da raça humana e quem sabe mesmo na dos indivíduos, em que 
essas perguntas suscitaram um grande esforço mental, porém atualmente despertam apenas 
as associações adequadas, de modo mais ou menos rápido. De maneira idêntica, um indivíduo 
nada pensa se não possuir nenhum fato. A maioria das pessoas, provavelmente, pensa muito 
pouco, ou mesmo não pensa, sobre diferenciais ou a escrita uncial e sobre as atuais intrigas 
políticas em Montenegro. Na maior parte delas, os fatos importantes estão ausentes e temos, 
portanto, falta dos próprios materiais com os quais o pensamento age. Este é, sem dúvida, o 
motivo pelo qual a 
Psicologkzs do Século XX 
18 
Edna Hedbreder 
19 
nossa maioria não pensa mais sobre a teoria da relatividade de Einstein, pelo menos sobre 
seus princípios fundamentais. De fato, existem alguns aspectos da teoria sobre os quais 
pensamos; encaramo-la como uma idéia revolucionária, como um feito intelectual brilhante, 
como uma descoberta que exige uma revisão dos modos fundamentais de conceber o universo 
físico, como uma outra indicação do que o pensamento matemático é capaz de realizar. Mas 
isto acontece em parte porque nós conhecemos alguma coisa sobre idéias revolucionárias, 
feitos intelectuais, revisões de conceitos fundamentais, e a capacidade de raciocínio 
matemático. Podemos seguir satisfeitos até onde o conhecimento nos conduza, mas não nos 
leva muito longe; sabemos que há alguma coisa por trás disso. Realmente, o interesse 
provocado pela teoria de Einstein é uma excelente amostra do grau de conhecimento que tem 
probabilidade de estimular o pensamento. Sabemos que existe alguma coisa estimulante; não 
sabemos exatamente o que seja. Nossa curiosidade é espicaçada; temos um começo, sentimos 
um impulso para seguir até o fim. E o fato do impulso não nos levar a adquirir suficiente 
conhecimento da física e da matemática que nos conduza a uma compreensão total, não 
significa que não tenha sido despertado em nós o impulso para pensar, mas sim que o mesmo 
não é bastante forte para nos permitir afastar os obstáculos, ou ainda que estes são superiores 
às nossas forças. Isto não quer dizer que o pensamento cesse quando atinge os limites do 
conhecimento; ele supre o conhecimento com a criação; tem forte tendência para completar o 
quadro inacabado de algum modo - a todo o custo. Uma cultura limitada é perigosa 
justamente porque desperta o pensamento criador, e este, embora possa, muitas vezes, 
conduzir à verdade, em outras leva ao ridículo ou a um erro perigoso. 
Mas o pensamento, naturalmente, não é simplesmente uma ocorrência do intelecto. O 
interesse também é importante. Pensamos a respeito das coisas a que damos importância, e 
possivelmente os nossos pensamentos mais vigorosos e claros são aplicados nos assuntos que 
mais diretamente se relacionem com nossos interesses pessoais. É por isso que a totalidade 
dos melhores pensamentos do mundo - consideran do nesse caso o pensamento da 
humanidade em geral, e não a de poucos pensadores consagrados - consiste provavelmente 
de assuntos tais como realizar algum empreendimento muito desejado, o que os amigos e os 
inimigos estarão fazendo. e como conseguir alguma espécie de salvação, tempo- 
ral ou eterna. O pensamento que produz maior estímulo no mundo é aquele que tem algum 
apoio no destino do homem e de seus afazeres. A teoria de Copérnico chamou a atenção não 
tanto por exigir uma nova concepção do universo quanto por pedir uma nova visão do homem, 
daí em diante não mais como personagem central. E o darwinismo é interessante, 
principalmente pelas suas conseqüências para a humanidade; porque apresenta o homem não 
como objeto de uma atenção especial, mas simplesmente como uma das muitas formas que o 
protoplasma adquiriu em um mundo que não foi feito especialmente para nenhuma delas. 
Qualquer assunto que os homens considerem como incluindo o seu próprio bem-estar, tem 
boa probabilidade de estimular o pensamento, embora a qualidade deste seja determinada 
por outras condições além da natureza e da magnitude de sentimento nele contido. 
O pensamento relaciona-se também com a ação, e por meio dela, com a dúvida. Pensamos o 
que vamos fazer, principalmente quando nossas maneiras antigas de fazer as coisas sofrem 
interferência, ou quando descobrimos que não têm mais utilidade. É então que duvidamos e a 
dúvida - a descoberta de que o que parecia conveniente pode deixar de sê-lo - é prova de que 
um novo ajuste deve ser feito. Talvez num animal perfeitamente ajustado fossesupérfluo o 
pensamento. Mas quando alguma coisa vai mal, o pensamento pode ser útil e é provável que 
apareça. Quando um motor pára, o seu dono procura saber por que parou; quando seu 
trabalho vai mal, ele analisa a situação; e quando seu Weltanschauung (cosmovisão) sofre 
modificação de tal forma que se veja, não mais num papel desejado, e sim num outro que é 
ridículo ou insignificante, é lançado em seu Sturm und Drang de uma agitação intelectual de 
proporções ainda maiores. A dúvida significa que um novo ajuste deve ser feito, e na solução 
dos ajustamentos humanos o pensamento é muitas vezes utilizado, embora nem sempre isso 
aconteça. 
Existem inúmeros exemplos, fora do campo da psicoloê gia, que apresentam estas condições 
em funcionamento. Não 
foi poracaso que os grandes sistemas racionalistas de Des cartes, de Leibniz e de Espinosa 
foram estabelecidos após a 
Renascença haver colhido os seus primeiros frutos do conhecimento e da dúvida sobre 
assuntos intimamente ligados com 
a felicidade e a salvação humanas. É especialmente interesb sante que a própria desconfiança 
para com o intelectualismo 
medieval tenha provocado uma resposta do mesmo gênero. Bacon, por ser um crítico dos 
métodos racionalistas da 
20 
Edna Heidbreder Psicologias do Século Xx 
21 
Idade Média, deixou sua contribuição para a ciência não tanto pela utilização do novo método 
que preconizava, quanto 
por seguir outro mais parecido com o antigo método que desprezava, O Novum Organum, 
embora seja um argumento 
e uma orientação para o método indutivo, não representa bom 
exemplo daquele método. É uma análise ponderada do que 
deve ser feito se desejamos obter o conhecimento científico; 
e não o resultado de um acúmulo sistemático de casos observados e registrados, positivos e 
negativos, dos problemas 
reais tratados pelo pensamento humano. Mesmo o empirismo ti crítico de Locke e Hume foi 
obtido menos pela observação 9 real da mente em ação, do que por uma análise retrospectiva 
e racional do intelecto em relação às pretensões, sobre as quais aqueles autores eram tão 
céticos. O empirismo desacreS ditou as pretensões excessivas do intelecto por meio de um 
exame das mesmas, feito de uma forma mais intelectual do que empírica em sua essência. 
Portanto, não é de admirar que a psicologia que, de acordo com suas normas vigentes, deveria 
contentar-se com a sóbria conquista de fatos, tenha-se empenhado, às vezes, em discussões e 
produzido sistemas de pensamento para os quais os fatos comprovados estão 
reconhecidamente ausentes e serão obtidos somente em um futuro remoto. Pois a psicologia 
está cercada pelas condições de tal pensamento. Os seus fatos são bastante numerosos para 
serem sugestivos, mas não o suficiente para serem conclusivos; as dúvidas são inúmeras; o seu 
tema está próximo dos interesses pessoais que não existem no caso da ciência pura, mas que 
têm grande probabilidade de despertar o interesse dos seres humanos. Nestas circunstâncias, 
é natural para um psicólogo entrar em indagações como o seria para um físico cair em direção 
ao centro da Terra, se o centro de gravidade de seu corpo não estivesse entre seus pontos de 
apoio. 
Mas, o que significa tudo isso para os sistemas de psicologia? Basicamente, significa que eles 
devem ser encarados como produtos de seres viventes, trabalhando em meio à dúvida, aos 
interesses e aos conhecimentos incompletos, a fim de conseguirem melhores ajustamentos às 
circunstâncias especiais que os circundam. A natureza, a função e as limitações dos sistemas 
estão todas presentes nesta maneira de concebê-los. 
Isto significa, pelo menos, que os sistemas de psicologia não devem ser considerados como 
formações totalmente imparciais ou não emotivas, determinadas somente pela lógica e 
pela evidência. Em nenhum caso é prudente considerar os sistemas como separados das 
situações especiais que lhes de. ram origem - ou seja, das tradições, convenções, padrões, 
preconceitos e, às vezes, dos vigorosos sentimentos pessoais que constituem a sua bagagem. A 
origem mais comum dos sistemas está na insatisfação com um sistema mais antigo, a quebra 
de um modus vivencli científico; e o abandono de um modus vivendi, que abrange a 
desorganização do hábito e da emoção, bem como o estímulo do intelecto, dificilmente dará 
origem a uma atividade totalmente serena e desinteressada. A resposta normal à descoberta 
de que a maneira de viver de um indivíduo falhou é a de tentar outra, apesar de a nova 
maneira poder estar baseada em um conhecimento incompleto, como era a anterior. Talvez o 
método puramente racional de enfrentar a situação fosse o de suspender o j ulgamento até 
que se tivesse toda a evidência, porém suspendê-lo indefinidamente é uma ação muito 
sofisticada, nem sempre apropriada às maneiras rudes e inéditas de uma ciência nova. 
Atualmente o progresso científico tem sido obtido muitas vezes pela aceitação de respostas 
erradas, incompletas ou experimentais baseadas nos dados disponíveis, e corrigindo as 
respostas à medida que mais dados são obtidos. A psicologia, pelo menos, tem tido pouco 
êxito em sustar o seu pensamento a meio caminho; tem respondido às ques. tões que lhe são 
dirigidas formando sistemas, cada um dos quais é para os seus adeptos um prenúncio da 
verdade e im programa de ação - ao mesmo tempo uma coisa com a qual se trabalha e para 
quem se trabalha. Por conseguinte, um sistema de psicologia não é somente uma norma de 
conduta, mas também de moral. É possível que para os adeptos de um dado sistema a 
justificativa para a sua aceitação deva ser encontrada em algo parecido com a filosofia do 
"como se" de Vaihinger. Mas aquele que observa e estuda o sistema deve vê-lo da mesma 
maneira que um psicólogo vê as ações de um rato em um labirinto: como um conjunto de 
ações complexas e variadas que são as maneiras mais ou menos eficientes de atingir um 
determinado objetivo. 
Isto significa por sua vez que os sistemas de psicologia devem ser encarados não como 
postulados do conhecimento científico, mas sim como instrumentos com os quais o 
conhecimento científico é produzido; não como descrições de um fato científico, mas como 
meios de adquirir um fato científico. Representam a armação dentro da qual a estrutura da 
ciência psicológica está sendo erguida, tão necessária e provisória 
22 
Edna Heidbreder Psicologias do Século XX 
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como a própria armação; não é identificada com a estrutura em si, todavia não poderia existir 
sem ela. São os instrumentos mediante os quais o conhecimento é obtido, porém tão 
diferentes dele como os instrumentos são diversos do minério de que provêm. Infundem 
entusiasmo nos que neles trabalham, mas são tão diferentes do trabalho, como a inspiração o 
é da produção. Oferecem um programa de ação típico e, às vezes, atraente, mas o programa 
não deve ser confundido com a realização. É difícil saber o que mais ressaltar: se a 
indispensabilidade do instrumento ou se o fato de ele ser um instrumento. 
Talvez se deva ressaltar a primeira hipótese, se considerarmos a condição da psicologia na 
atualidade. Pois a psicologia, com sua extremada devoção ao- método científico, torna-se, às 
vezes, rigidamente antiintelectualista. Reconhece, naturalmente, que a especulação 
desempenha um papel legítimo no pensamento científico, que a distinção entre observação e 
especulação não é absoluta, e que as duas realmente se complementam. Mas a sua atitude 
ativa não é tão simplesmente racional. Talvez devido à atualidade da separação entre 
psicologia e filosofia, ou devido a um sentimento agudo da necessidade de fatos observados, 
muitos psicólogos encaram a especulação com suspeita e desagrado, quase com 
ressentimento e pavor. Pois muitos deles estão ainda um tanto temerosos de serem 
metafísicos, e chamam de metafísico, de modo certo ou errado, quem estabelece teorias sem 
verificá-las por meio de fatos. O que temem naturalmente não é o pensamento, mas aquele 
que se afasta dos fatos e fica além de seu alcance. Porém todo pensamento antecipa-se ao 
fato; isso faz parte de sua própria natureza; e a diferença entre pensamento científico e "mera 
especulação" está na diferença da relação entre as criações do pensamento e os fatos pelos 
quais precisam ser provados. O pensamento que mantém sua linha de comunicação com o 
fato de um modo franco e ativo, é científico; o que assim não é, não passa de "mera 
especulação". 
Nenhum sistema de psicologia pode, nem pretende, no momento, ser estabelecido por fatos. 
Assim como nenhum sistema age com indiferença total em relação aos fatos. A verdade é que 
a psicologia não possui, no momento, número suficiente de fatos com osquais possa testar 
seus sistemas. Sua carência de fatos faz com que evite a especulação; a sua falta de fatos faz 
com que recorra à prática, e assim o faz de maneira forçada. 
E surge novamente a pergunta: Por que a psicologia não abandona os seus sistemas e se 
dedica a coligir os fatos de que tem tanta necessidade? A resposta para tal pergunta é a 
justificativa dos sistemas: que sem eles poucos fatos seriam acessíveis. Pois o conhecimento 
científico não é simplesmente acumulado; é mais provável que se desenvolva sobre hipóteses 
que apresentam questões definidas e que atuam como centros de organização em busca do 
conhecimento. Aliás, segundo a História, a ciência não progrediu por ter seguido o método 
descrito por Bacon - isto é, pela constante 
coletânea de dados e o aparecimehto de generalizações. O próprio Bacon declarou que a 
simples acumulação não é suficiente; porém nem mesmo a acumulação sistemática e 
cuidadosa que Bacon delineou, com suas cuidadosas comparações de casos positivos e 
negativos, e suas anotações dos graus variáveis de qualidade nas várias circunstâncias, foi 
realmente a fonte de muitas das descobertas da ciência. Quase sempre a introspecção precede 
a evidência sistemática; é mais provada do que sugerida por ela; é, sem dúvida, a 
oportunidade para a aquisição da evidência. Freqüentemente as vitórias da ciência são obtidas 
por meio de hipóteses ainda não confirmadas pelos fatos e que depois se tornam a base de 
uma pesquisa ativa e inteligente orientada particular- mente no sentido de um determinado 
corpo de evidência, o qual provará ou não o assunto em debate. As suposições baseadas em 
evidências impróprias têm tido grande influência e, na prática real, são instrumentos 
indispensáveis, utilizados regularmente pela ciência. 
É por esse motivo que os sistemas aparecem de modo tão evidente e tão associados à 
psicologia contemporânea. Um sistema pode desempenhar a sua função provando ser certo 
ou errado ou, o que é mais provável, provando ser, em parte, certo e, em parte, errado. Os 
próprios erros de um sistema, sendo principalmente bem definidos e decisivos, podem 
fomentar a causa da ciência revelando erros que não precisam ser repetidos. Os sistemas 
proporcionam forma, acabamento e direção a um empreendimento que sem isso seria 
impreciso e sem objetivo; e mais ainda, transmitem interesse e desvelo pelo empreendimento. 
Pois a ciência não vive só de fatos, nem mesmo de fatos e hipóteses apenas. Precisa da alegria 
do combate e da esperança da realização, e, evidentemente, às vezes do tempero da malícia e 
da excitação de concorrer com os outros; e para a psicologia atualmente isto significa escolas e 
sistemas. 
24 Ecina Heidbredet 
Considerados sob esse aspecto, como programas de ação e bases de moral, os sistemas podem 
ser considerados como sintomas significativos da situação da psicologia em certos lugares, em 
certas épocas e nas mãos de determinados grupos de pesquisadores; e também como 
indicações dos aspectos da psicologia que parecem estar recebendo maior ênfase do que o 
necessário, num dado conjunto de circunstâncias. Não é o caso de se lastimar o fato de haver 
uma valorização excessiva da psicologia, pois ela atrai a atenção para assuntos importantes, 
estimula a crítica e, quase certamente, é compensada por uma valorização excessiva no 
sentido oposto em outras épocas e lugares. Pois o progresso da ciência não pode ser 
considerado o trabalho de um só homem ou de um grupo de homens, a ciência é um grande 
empreendimento social, no qual as contribuições mais valiosas de um indivíduo podem ser os 
seus maiores erros. 
É desse ponto de vista, então, que os sistemas de psicologia serão considerados neste estudo; 
não como certos ou errados, nem como aproximações mais ou menos completas ao 
conhecimento, mas na medida de sua influência no desenvolvimento real da ciência 
psicológica. Podem ser melhor compreendidos não como afirmações de um fato científico, 
nem como resumos do conhecimento existente, mas como processos e maneiras de chegar ao 
conhecimento, como etapas provisórias, porém necessárias ao desenvolvimento de uma 
ciência, como criações de trabalhadores que, num empreendimento confuso e, às vezes, 
depressivo, devem conservar não só o seu garbo mas também a sua energia. Pois nunca é 
demais repetir que a ciência não age somente à luz da razão, mas assim como outros 
empreendimentos, é uma aventura incerta, que se passa 
"as on a darkling piam 
"como numa planície escura, 
Swept with confused alarms of struggle and fligth 
Varrida por alarmes confusos da luta e debandada, 
Where ignorant armies clash by night". * 
Onde ignorantes exércitos se chocam à noite." 
* Versos finais da cé1ebr poesia de Matthew ArnOld, "Dover Beach". 
(N. da Ed.) 
 
II 
 
PSICOLOGIA PRÉ-CIENTÍFICA 
 
Tales (640-548 a.C.); Heráclito (535-475 a.C.); Demócrito (460- 
-370 a.C.); Anaxágoras (499-428 a.C.); Sócrates (436-338 a.C.); Platão (427-348 a.C.); 
Aristóteles (384-322 a.C.); Descartes (1596- 
-1650); Hobbes (1588-1679); Locke (1632-1704); Berkeley (1685- 
-1753); Hume (1711-1776); Kant (1724-1804); Reid (1710-1796); 
Hartley (1705-1757); Brown (1778-1820); Hamilton (1788-1856); James MIII (1773-1836); J. 
Stuart Miii (1806-1873); Spéncer (1820-1903); Espinosa (1632-1677); Leibniz (1646-1716); 
Lamettrie (1709-1751); Cabanis (1757-1808); Condillac (1715-1780); Rousseau (1712-1778); 
Wolff (1679-1754); Herbart (1776-1841); Volkmann (1822-1877). 
uando estudamos os sistemas de psicologia é quase obrigatório investigar o seu passado. O 
próprio fato de eles aparecerem tardiamente no pensamento humano significa que os 
problemas que apresentam estiveram durante longos anos formando afinidades mal definidas 
e alianças comprometedoras, quase despercebidas pela atenção observadora da ciência. Esta 
nova ciência da psicologia está continuamente descobrindo que seus problemas prediletos 
possuem história; que os termos que utiliza apresentam implicações que os ligam com pontos 
de vista anteriores, e que suas conclusões são, muitas vezes, determinadas pelo hábito e pela 
associação. Seu caminho nunca é uma linha reta; está sempre sendo arrastada de um lado 
para outro pela atração de algum conjunto de conhecimentos ou de opinião, do qual nem 
sempre tem consciência. Muitas vezes as mudanças de seu pensamento e o próprio conteúdo 
de seus conceitos são determinados por fatos históricos que sucederam há centenas de anos. 
Teoricamente, e em sua forma final, um sistema de psicologia é uma visão conjunta de todo o 
campo da psicologia como um todo consistente e unificado. Admite que as minúcias 
aparentemente caóticas que existem dentro de seu âmbi 
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Edna Heidbreder 
Psicologias do Século XX 
27 
to, se forem bem compreendidas, podem ser postas em ordem e clareza: que é possível definir 
a matéria estudada, estabelecer o problema principal, conciliar os métodos de investigação, 
determinar as relações com outros tipos de conhecimento, identificar os elementos ou 
processos básicos, determinar as características próprias e indicar o seu esboço geral ou 
orientação característica. Conhecer um sistema é saber como ele se porta em relação a todos 
estes assuntos e principalmente saber o ponto de vista do qual os considera. Pois o ponto 
principal de um sistema de psicologia é a posição da qual ele engloba o seu campo, a posição 
privilegiada a partir da qual examina os dados concretos da ciência e da qual distingue um 
padrão coerente que lhes dá unidade. 
Mas, sejam quais forem os sistemas de psicologia, não são simplesmente estruturas lógicas 
estáticas, completas, que possam ser consideradas como tantas outras coisas independentes, 
separadas e completas, para serem analisadas fora das condições que lhes deram origem. Pois 
os sistemas de psicologia atualmente existentes - os conjuntos de fatos e suposições que agem 
como sistemas- não são, muitas vezes, sistemas no exato sentido da palavra, nem, 
certamente, formações de pensamento, herméticas e completas, elaboradas de modo 
consistente em todos os seus detalhes. 1 Pelo contrário, resultam de longas e, às vezes, 
obscuras correntes de desenvolvimento histórico; porque a psicologia, como qualquer outro 
empreendimento do intelecto humano 
- talvez mais do que a maioria - tem estado sujeita a confusões, compromissos, e mal-
entendidos, muitos dos quais têm sua origem em passado remoto. 
É particularmente significativo o fato de o interesse pela psicologia desenvolver-se não só 
tarde, mas também por acaso. O pensamento evoluiu aparentemente sem introspecção; a 
filosofia começa com a cosmologia, e a ciência com a astronomia e a física. Isto não quer dizer 
que os seres humanos não estejam desde o início interessados neles mesmos. Estão 
interessados pelo mundo em primeiro lugar porque o habitam, porque este contém as coisas 
que acham importantes. Porém a sua própria existência e natureza, embora for- 
1 A expressão "sistema de psicologia" da forma em que é usada neste livro não Indica 
necessariamente uma construção completa e hermética. Refere-se antes a qualquer esforço 
em abranger o campo da psicologia sob um ponto de vista definido e assim reunir os fatos. Por 
esse motivo, foram Incluldas algumas interpretaões da psicologia que os próprios autores não 
consideram "sistemas" no sentido exato do termo. 
mem o centro do qual todos os interesses humanos irradiam, foram, no início, simplesmente 
supostas como certas. O pensamento, no começo, não tem consciência de seu ego, porque 
isto implica um modo de observá-lo de certa forma como quem observa outros objetos, uma 
percepção do ego que nunca está livre do interesse próprio mas que, não obstante, dá indícios 
de desprendimento intelectual. Exigir uma explicação do ego e de seus modos de agir significa 
inquirir a seu respeito, e isto só poderá ser feito depois que a primeira impressão de considerá-
lo como uma certeza tiver até certo ponto desaparecido. 
É por isso que a psicologia, que no início é humana, começa com observações que são ao 
mesmo tempo secundárias em relação às tarefas superiores do intelecto. Em filosofia, é mais 
provável que se encontre a psicologia como epistemologia. Em seus esforços para 
compreender o universo, os filósofos deparam-se, mais cedo ou mais tarde, com o 
pensamento: "Comopodemos conhecer?", e esta pergunta dá origem a um exame dos 
processos humanos de conhecimento. As indagações psicológicas surgem, também, na ética e 
na teoria social e política; as questões referentes à conduta do homem para com seus 
concidadãos e para com o Estado orientam facilmente a atenção para a própria natureza do 
homem. Em ciência, a psicologia proveio da fisiologia, principalmente da fisiologia dos órgãos 
dos sentidos, que pareciam ser as vias de comunicação entre o mundo exterior e o da 
experiência pessoal e íntima. Por outro lado, também em suas vidas diárias e no trato com 
seus semelhantes, os seres humanos são obrigados a aprender, pelo menos dentro das normas 
imediatas e simples do bom senso, algo sobre as maneiras humanas. Além disso, seja qual for 
o ponto de partida do qual os seres humanos se considerem, são de modo quase irresistível, 
envolvidos em questões relativas ao seu próprio valor e bem-estar - sobre a sua posição na 
natureza, sua origem e destino, o significado da existência e 
suas possibilidades de salvação. Desde o início, as observações dos homens sobre a natureza 
humana são provavelmente eivadas - do ponto de vista da ciência pura - pelas esperanças, 
desejos e temores humanos. Mesmo quando a psicologia surge como disciplina isolada, traz 
alguma coisa de filosofia, de ética e de senso comum. Como resultado, o primeiro passo no 
sentido de compreender os sistemas psicológicos da atualidade consiste numa visão geral, 
embora bre 
28 
Edna Heidbreder Psicologias do Século XX 
29 
ve, de alguns dos relevantes pontos de vista psicológkfos do passado. 
Isto não significa ser possível retornar ao princípio. Mesmo nas primitivas cosmologias gregas, 
antes de ter sido feita a distinção entre a mente e o corpo, muitas das concepções encontradas 
na moderna psicologia, muitas das suas maneiras peculiares de lidar com seu material, já 
existiam e, em geral, já tinham amadurecido. Uma dessas foi a tentativa, feita durante todo o 
período cosmológico, no sentido de reduzir o universo a seus elementos mais simples. Os 
antigos gregos, com a mais absoluta honestidade, queriam saber de que era feito o mundo, 
Encontraram uma resposta quando analisaram a sua complexidade como era vista em algum 
elemento isolado - agua, ar, átomos -- ou num sistema de elementos. A tarefa a que se 
propuseram era a de reduzir o complexo ao simples, e sua afirmação era a de que o complexo 
e a variedade constituem o mundo da aparência, em contraste com a realidade subjacente, 
que é simples. Estas duas coisas nunca deixaram de impressionar o intelecto humano. 
Implicam que o universo ou alguma parte do mesmo que esteja sendo estudada podem ser 
compreendidos se descobrirmos as unidades de que se compõem. A física encontrou tais 
unidades no átomo; a biologia, nas células; e a psicologia, dependendo do ponto de vista 
adotado, nas idéias simples, sensações, ou traços do comportamento que incluem as 
associações elementares de estímulo-resposta. Mas, seja qual for a unidade, o princípio de 
construção é sempre o mesmo; inclui de alguma forma, grosseira ou sutil, a concepção do 
universo como sendo composto de partes, ou mistura de elementos simples. Para um ser 
perquiridor, como é o homem, isto constitui um longo passo no sentido de tornar o mundo 
inteligível. Sabe do que este é feito; pode ver como as partes se ajustam umas às outras; se 
tivesse as partes, poderia colocá-las juntas. A verdade é que a simpli. cidade atraente que 
caracteriza este ponto à primeira vista, torna-se menos perceptível quando o examinamos; 
surgem dificuldades que não são de imediato evidentes. O método é satisfatório e útil desde 
que não se olhe com muita curiosidade além dos limites do bom senso. Sua eficácia tem sido 
provada várias vezes por meio de realizações bem sucedidas; e não resta dúvida que é uma 
das respostas mais prontas e eficazes dos seres humanos em face de situações complexas. É 
um método que aparece amiúde, de uma forma ou de outra, na tentativa de tratar com 
material psicológico. 
• Demócrito, o último dos antigos cosmólogos, é um exemplo desta maneira de encarar as 
coisas na forma mais completa conseguida pelo pensamento grego. A sutileza dos gregos não 
havia permitido que as especulações cosmológicas prosseguissem sem crítica. No começo do 
século VI a.C., Tales, o primeiro filósofo grego que a história registra, havia encontrado a sua 
unidade em uma substância concreta, a água. Mas esta posição era somente um ponto de 
partida, e a história do desenvolvimento que se seguiu foi sempre de especulação sujeita à 
crítica. Como conseqüência desse desenvolvimento, cerca de um século e meio mais tarde, 
surgiu a afirmação de Demócrito, isenta das dificuldades mais comuns das primitivas 
especulações, clara, inteligível, completa e abstrata. Segundo Demócrito, o universo é 
constituído por átomos. Estes são pequenas partículas de matéria em movimento; elas se 
movem de várias maneiras; são diferentes em tamanho e forma, porém movem-se de acordo 
com uma necessidade ou uma lei. O homem, assim corno o resto do mundo, é composto de 
átomos da alma e átomos do corpo, ambos materiais mas que diferem uns dos outros por 
serem os primeiros mais sutis e mais ativos. Os pensamentos e atos do homem, todos os 
acontecimentos de sua vida são determinados de forma tão rígida como os cursos das estrelas. 
Em Demócrito o atomismo está ligado ao materialismo e ao determinismo de um modo bem 
definido, os quaisem seu pensamento surgem em seus aspectos mais claros e menos 
ambíguos e com suas implicações lógicas nas ações e destinos do homem, perfeitamente 
identificados. 
Um segundo desenvolvimento surgiu corno urna crítica do primeiro. Muito antes da época de 
Dernócrito, houve filósofos que perceberam as dificuldades do artifício aparentemente 
simples de reduzir o mundo em seus elementos. Um deles foi Heráclito, que expressou o seu 
desagrado de um modo um tanto paradoxal em sua tese segundo a qual toda a natureza era 
formada pelo elemento fogo. Mas, embora Heráclito se referisse ao fogo num sentido literal - 
do mesmo modo como Tales considerava a água - via, como sua característica principal, a 
instabilidade ou a variação. No cerne do universo não encontrou nenhuma substância 
duradoura, nada sólido, nada permanente, que pudesse servir como elemento estável. As 
próprias montanhas, observou ele, não são as mesmas de uma época para outra, nem de um 
dia para outro, ninguém pode pisar duas vezes no mesmo curso de água. Somente a variação é 
real: "Todas as coisas 
30 
Ednci Heidbrejer 
fluem"é o seu ensinamento principal. Em sua essência, esta doutrina é uma crítica do senso 
comum. "As coisas" não são reais; estão continuamente se desvanecendo, transformandose 
em seus opostos. Os sentidos podem indicar o que parece ser corpos concretos, mas o 
pensamento, indo além das aparências, percebe a realidade, que é variação. Enquanto o bom 
senso via coisas, Heráclito via processos, e ao assim fazer empregou uma teoria idêntica 
àquela usada pela física atual, que está despojando a matéria de sua estabilidade e solidez. A 
importância deste modo de pensar para a psico.. logia é logo percebida. Um psicólogo não 
pode ter o menor conhecimento novo da matéria que estuda, sem que perceba não estar 
tratando com partes ou partículas de qualquer coisa estável ou concreta, mas sim com 
processos mutáveis. Mesmo nos sistemas de psicologia que reduzem o seu material a 
elementos, estes, quer sejam fases da consciência ou de um comportamento, são definidos 
como processos. É verdade que, tendo sido definidos como processos, são muitas vezes na 
prática tratados como unidades fixas, porque é forte o hábito de pensar em termos de 
unidades fixas. Porém, quando a atenção é dirigida diretamente para um material psicológico, 
o caráter de variação apresenta-se como sendo um fato inevitável. A psicologia está 
continuamente chamando a atenção para o fato de estar tratando com processos e 
acontecimentos. 
Um terceiro desenvolvimento foi aquele iniciado por Anaxágoras. Como Heráclito, ele 
acreditava que uma redução a elementos simples não explicava completamente o mundo, mas 
a sua crítica foi menos radical do que a de Heráclito. Não ficou perplexo por pensar que não 
existe substância, e que, portanto, não existem elementos. Anaxágoras, realmente, defendia a 
existência de um número indefinido de elementos qualitativos diferentes. Seu problema surgiu 
da suposição de que, embora os elementos fossem conhecidos, ficar- 
-se-ia ainda incapaz de descrever o mundo como o vemos. Considerava a disposição dos 
elementos tão importante quanto sua existência. A ordem do mundo deve ser explicada, bem 
como as partes que o constituem, e esse princípio ordenador ele encontrou no nous, algo 
semelhante à inteligência ou razão humana, mas não ainda em contraste com a matéria. Esta 
doutrina é importante para a psicologia, em parte porque escolhe um processo psicológico 
que recebe atenção especial e também porque, ao chamar a atenção para o problema da 
disposição, da ordem, do padrão, apresen Psicologia 
do Século XX 
31 
ta um problema que freqüentemente reaparece em psicologia. É este último detalhe - o 
protesto contra o fato de considerar a redução dos elementos como uma explicação completa 
- que dá à filosofia de Anaxágoras o seu principal significado para a moderna psicologia. É uma 
opinião intimamente relacionada com os contínuos protestos contra as várias formas do 
sensacionismo, e não difere muito da revolta que o movimento da Gestalt, um dos mais 
recentes em psicologia, está dirigindo contra o atomismo psicológico de nossos dias. 
Um quarto movimento representa um modo muito diferente de descrever o universo. Sua 
origem está associada ao nome de Pitágoras, e sua doutrina ensina que a realidade pode ser 
compreendida por meio dos números. Na escola pitagórica, esta doutrina assumiu o caráter de 
uma religião. Foi cercada por ensinamentos místicos, fantásticos e, às vezes, triviais, e fez-se 
acompanhar por certas regras específicas e aparentemente sem sentido, como, por exemplo, a 
proibição do uso do feijão. Mas a tentativa para conhecer o mundo em termos quantitativos é 
em si mesma da mais alta importância, sendo interessante que tenha surgido tão cedo. A 
ciência, em seu esforço para obter um conhecimento exato, sempre se tem unido avidamente 
ao pensamento quantitativo e, como veremos mais adiante, a aplicação bem sucedida dos 
métodos quantitativos ao material psicológico foi, dentro da história, um dos fatores decisivos 
que fizeram da psicologia uma ciência. 
Mas aos poucos, no transcurso dessas investigações sobre a natureza do universo, em meio a 
todas essas teorias, cada qual considerando-se certa e todas provando a sua exatidão com um 
certo grau de plausibilidade, surgiu uma dúvida de outra espécie - a pergunta "Como podemos 
conhecer?". Em primeiro lugar, isto não era uma pergunta psicológica; não era "Como 
conhecemos?" mas "Como podemos conhecer ?" e provocada menos por curiosidade sobre o 
processo do conhecimento do que pelo interesse sobre a validade do mesmo. No entanto, este 
interesse pela validade do conhecimento provocou investigações sobre os seus processos. Já 
de há muito os filósofos haviam feito distinção entre o conhecimento adquirido pelos sentidos 
daquele obtido pela razão. Haviam também observado que o conhecimento é relativo, que é 
humano, conseguido a partir de um ponto de vista humano, eivado de maneiras humanas de 
obter o conhecimento. O próximo passo seria investigar se qualquer método humano de 
'conceber o mundo poderia ter validade 
Edna Heidbreder 
Psicologia. do Século XX 
33 
objetiva; se a investigação sobre a natureza última da realidade não é, em última análise, um 
tanto inútil. 
Os sofistas, partindo deste ponto de vista, deram uma direção inteiramente nova ao 
pensamento grego. Passaram de modo definitivo da cosmologia para as coisas humanas, e 
assim vieram a interessar-se por assuntos que podem ser chamados, em sentido amplo, 
psicológicos. Além disso, seu estudo era prático. Era inevitável que a própria abundância de 
especulações sobre o universo, a exibição de explicações sucessivas, todas igualmente 
plausíveis, acabasse por impressionar algumas mentes, principalmente pela inutilidade de tal 
especulação. Os sofistas, de qualquer forma, recusaram-se a se ocupar com tentativas de 
compreender a natureza fundamental da realidade. Dedicaram-se, em vez disso, à sua 
profissão, que era o ensino da filosofia como norma de vida, e da retórica e dialética como 
habilidades práticas. De modo deliberadamente superficial e habilmente prático, aceitaram, 
mediante pagamento, treinar os jovens nas artes da persuasão - as quais eram muito úteis na 
Grécia onde os homens subiam ao poder convencendo os seus semelhantes e dominando as 
massas. Havia, naturalmente, sofistas e sofistas, representando uma escala de integridade 
intelectual que ia desde o gosto pelo exercício livre da inteligência crítica até o desejo de "fazer 
o pior parecer melhor". Porém, quaisquer que fossem as suas idéias sobre a utilidade ou não 
da dialética, estavam interessados pelo processo em si. Encontravam nele alguma coisa em 
que se ocupar, algo que podia ser exercido, cultivado e controlado, e além disso, que - não 
importando a natureza última da realidade - era de valor no mundodos assuntos da vida 
diária. Com uma atitude curiosamente idêntica à da moderna psicologia aplicada, dedicaram-
se a realizações específicas e situações concretas, muito mais interessados em manipular o 
imediato e o real do que em mergulhar no fundamental e no profundo. Seria um erro, 
naturalmente, atribuir aos que atualmente trabalham em psicologia aplicada as idéias 
associadas aos sofistas gregos, mas qualquer que fosse o ponto de partida teórico de suas 
atividades, alguma coisa é idêntica no temperamerito de ambos. A grande virtude da 
psicologia aplicada é a sua ligação benéfica com o real e o imediato, o seu hábito de manter-se 
próxima, ou pelo menos, à vista de materiais que os seres humanos podem manejar e 
controlar. 
Uma conseqüência indireta dos ensinamentos dos sofistas foi a filosofia de Sócrates, uma das 
figuras mais pito resca 
da brilhante sociedade de Atenas, no século V antes de Cristo. Sócrates era feio, encantador, 
excêntrico, sociável e generoso; a principal atividade de sua vida fora atrair os jovens para as 
conversas filosóficas e daí, por meio de uma hábil argumentação, fazê-los ver que suas idéias 
sobre os assuntos fundamentais da vida, mesmo os mais triviais, eram confusas e 
contraditórias. O seu objetivo era colocar seus ouvintes ante a necessidade de definir as suas 
palavras de maneira exata, e obrigá-los a descobrir o que a razão mostrava como verdadeiro. 
O sucesso que obteve fazendo aqueles que o ouviram duvidar de verdades aparentemente 
óbvias, foi tão grande que, em sua velhice, foi julgado e condenado à morte, sob acusação de 
minar a religião do Estado e corromper a juventude. 
Da mesma forma que os sofistas, Sócrates acreditava que a investigação sobre a natureza do 
universo é inútil mas, ao contrário deles, acreditava que um tipo de conhecimento pode ser 
obtido - o do próprio eu. Além disso, acreditava que é este tipo de conhecimento que os 
homens realmente necessitam, e que lhes pode indicar o que devem fazer, permitindo-lhes 
assim levar vida virtuosa. Sócrates acreditava que a virtude é o resultado do conhecimento e 
que o mal é basicamente ignorância - um antigo exemplo da crença encontrada amiúde em 
psicologia que afirma ser o princípio racional ou intelectual o que prevalece no homem. 
Acreditava, ainda, que a verdade está implícita no intelecto humano; que ela necessita apenas 
ser extraída e purificada. Para demonstrar esta asserção, conseguiu que um escravo não 
ensinado, auxiliado somente por perguntas hábeis, descobrisse por si mesmo que o quadrado 
da hipotenusa de um triângulo é igual à soma dos quadrados dos outros dois lados. 
Apesar disso, Sócrates estava mais interessado na natureza integral do homem do que em 
qualquer de suas habilidades individuais. Em essência, seu interesse pelos seres humanos era 
ético, e este fato é responsável por um dos traços característicos de sua abordagem 
psicológica. Considera os homens não como unidades isoladas, mas sempre em relação com 
seus semelhantes e o Estado. De certo modo, esta idéia é a mesma dos atuais behavioristas, 
que acreditam no estudo do organismo total em suas relações com o meio ambiente. 
Realmente, o behaviorismo em seus primeiros tempos pretendeu interessar-se muito pelo 
ambiente físico, ao passo que Sócrates estava interessado principalmente pelo ambiente 
social; mas ultimamente o behaviorismo tem dado 
34 
Edna Heidbreder Psicologias do Século XX 
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cada vez maior ênfase às influências sociais na vida humana e está cada vez mais se 
aproximando dos problemas éticos. 
• O mais famoso aluno de Sócrates foi Platão, que estabeleceu pela primeira vez uma distinção 
definida entre a mente e a matéria, distinção essa que tem aparecido de modo bastante 
destacado na pskologia até os nossos dias. Platão era um aristocrata, tanto por nascimento 
quanto por temperamento, um homem que tinha pouco interesse pelas coisas comuns da 
existência diária, e que se dedicou de modo mais completo possível à vida intelectual, pois 
acreditava que vivendo pelo intelecto, o homem estaria exprimindo as suas maiores 
possibilidades. Em sua vida de contemplação, impressionou-se profundamente pela diferença 
entre as idéias, que são manifestadas pela razão e os objetos que são revelados pelos sentidos; 
e colocando as idéias num mundo a elas pertencente, considerava-as tão reais quanto as do 
mundo conhecido pelos sentidos. As idéias, observou Platão, possuem uma perfeição que 
nunca é encontrada nas coisas concretas. A idéia da beleza, por exemplo, é permanente, sem 
defeitos, imutável, absoluta; ao passo que as coisas belas, que são bonitas somente em relação 
a uma outra, são imperfeitas, mutáveis e contingentes. Para Platão parecia evidente que tudo 
que é permanente, perfeito, imutável e absoluto deveria ser mais real do que os corpos 
perecíveis, mutáveis e imperfeitos os quais, por mais beleza que pudessem conter, poderiam 
apenas se aproximar da beleza pura. Portanto, pressupôs um mundo de idéias, do qual o 
mundo "real" - aquele revelado pelos sentidos - é apenas uma cópia imperfeita. A matéria é a 
substância na qual as idéias se expressam por si mesmas, mas a sua própria natureza torna 
impossível a suá perfeita expressão, porque impõe suas próprias limitações sobre elas e as 
despoja de sua pureza. Assim, Platão não somente estabeleceu uma distinção entre a mente e 
a matéria, mas também associou tais termos a conjuntos de valores opostos. A mente foi 
identificada com o bem e o belo. A matéria era o inimigo, a parte mais inferior do homem e do 
universo, algo para ser combatido e subjugado. Esta distinção, juntamente com os valores 
atribuídos por Platão aos termos, tem permanecido até hoje. Existe ainda uma tendência no 
pensamento diário para considerar a mente como sublime e a matéria como inferior. Em 
alguns setores, entretanto, houve uma curiosa inversão. Os triunfos da ciência moderna têm 
sido os da ciência física; o método e o ponto de vista científicos têm estado associados com o 
estu d 
da natureza física; e para aqueles que adquiriram um conjunto de valores diferente do de 
Platão - que confrontam o que é científico com aquilo que não é, em lugar do nobre e do vil - a 
mente e a matéria trocaram de lugar na escala de valores. É a matéria que se entrega à 
ciência; é a mente que perturba e é intratável. Por etapas simples, a mente é identificada em 
primeiro lugar com o mais elevado bem, em seguida com o que é inefável e inacessível, e 
finalmente com o que é místico e não científico; e em conseqüência, a distinção platônica, em 
grande parte através dos valores que ainda se atêm às suas palavras, até hoje repercute na 
ciência. 
Quando Platão considerava os homens, pensava neles naturalmente do ponto de vista de seu 
próprio interesse pela vida do intelecto. Classificando as forças humanas desde a mais elevada 
até à mais baixa, citava em primeiro lugar a razão, que reside na cabeça; depois, a coragem, 
que se encontra no peito; os sentidos e os desejos, que ficam no abdome. Platão considerava 
essas forças como partes da alma e por isso utilizou um modo de pensar idêntico ao que seria 
mais tarde chamado de faculdade psicológica. Reconheceu também as diferenças individuais 
entre os homens. No Estado ideal, a República, os homens deveriam ser escolhidos para seus 
vários misteres de acordo com suas habilidades. Os dotados de razão superior seriam 
dirigentes; os que possuíssem coragem seriam guerreiros; o resto da humanidade seria 
composta de artesões, comerciantes, trabalhadores e escravos 
- necessários ao Estado, porém de classe inferior aos militares e estadistas, da mesma forma 
em que os desejos e os sentidos são inferiores à coragem e à razão. Esta parte do pensamento 
de Platão, entretanto, teve pouca influência sobre a psicologia moderna. A principal fonte de 
sua influência está na distinção entre a mente e a matéria e sua identificação da mentecom o 
extraterreno - e que ainda persiste na crença mantida por alguns psicólogos de que o mental 
nunca poderá ser objeto de conhecimento científico. 
Mas os próprios gregos não desistiram de tentar compreender a mente. Aristóteles, aluno e 
sucessor de Platáo, e até certo ponto seu rival, ao tentar fazer uma avaliação compreensível do 
ser humano, dirigiu-se às coisas da mente, de maneira idêntica a tudo o mais na ordem 
natural. Entretanto, sua distinção entre a mente e a matéria não foi a mesma de Platão. 
Pensou mais em termos de matéria e forma. No modo de ver as coisas e em temperamento, 
Aristó. 
36 
Edna Hetdbreder 
P8icologias do Século XX 
37 
teles era muito diferente de Platão. Estava interessado pelo concreto e pelo real ao contrário 
de Platão, e desviando sua atenção naquela direção, não encontrou uma diferença marcante 
entre a matéria e a mente ou, como dizia, entre a materia e a forma. Tinha a impressão de que 
uma não podia existir sem a outra. A forma existe no objeto concreto, afirmava ele, não como 
uma entidade separada. A matéria é forma potencial, o objeto real é a forma atualizada na 
matéria, é a união de forma e matéria. O mármore é matéria para a estátua; esta é a forma 
atualizada no mármore. Além disso, a distinção entre a forma e a matéria não é absoluta; o 
mármore, que é matéria para a estátua, é forma para as organizações inferiores da matéria. 
Desse modo a realidade concreta dispõe-se em uma seqüência na qual é impossível indicar um 
ponto qualquer e dizer que de um lado há matéria, e de outro, forma. Este conceito de 
continuidade, embora descrito num contexto muito diferente do de Aristóteles também é o 
mesmo encontrado, muitas vezes, na psicoIogi atual. Os psicólogos modernos da mesma 
forma que Aris tóteles, quando em presença de dados concretos, acham im possível fixar 
limites rígidos e estáveis; não podem indicar uma linha divisória entre os processos 
conscientes e inconscientes, entre a inteligência e a debilidade mental, a raiva e o temor, a 
sanidade e a insanidade mental, o instinto e a razão, a infância e a maturidade, a psicologia e a 
fisiologia. Lidam muito menos com diferenças absolutas do que com seqüências nas quais 
existem gradações contínuas entre os extremos. 
/ Relacionado intimamente com o conceito de matéria e forma está o costume de explicar os 
fenômenos em função de suas causas últimas. Aristóteles fez uma exceção à regra de que a 
forma nunca existe isolada. A forma final, o Ser Supremo, não pode de maneira alguma ser 
matéria. É, portanto, forma pura; e desde que a matéria se esforça para resultar em forma, 
esta forma final é o alvo para o qual toda a natureza se encaminha. Por conseguinte, a 
natureza toda, incluindo a humana, é explicada teleologicamente como tendendo para um fim 
ou objetivo. Mas como a ciência trata com causas próximas, com acontecimentos 
imediatamente anteriores a um dado efeito, não foi favorável a esta noção da teleologia. 
Outra implicação do esquema geral de Aristóteles, entretanto, apareceu de modo pronunciado 
na psicologia moderna. No mundo da natureza, Aristóteles descobre que a matéria e a forma 
sempre se relacionam. Se o corpo 
todo fosse um olho, a alma seria a vista. O corpo existe por causa da alma, porém, a alma 
existe somente no corpo e através do corpo. Em outras palavras, as atividades da alma são 
aquelas dos órgãos corporais. É tão impossível desejar e ter impulsos sem as estruturas físicas 
adequadas cõmo enxergar sem olhos. Considera os processos psicológicos individuais como 
atividades e funções das estruturas físicas, que se realizam em um mundo onde tal atividade é 
definitivamente relacionada com uma certa constituição física. 
Mas na alma, Aristóteles faz distinção entre a parte mortal e a imortal. As atividades que são 
funções das estruturas do corpo perecem com o mesmo, porém existe no homem um 
intelecto ativo que não é uma função do corpo. É este intelecto ativo que Aristóteles declara 
ser simples, imaterial e imortal, e foi esta parte de seu ensino, o seu reconhecimento do 
intelecto ativo, que exigiu o maior interesse dos teólogos medievais. 
Em acréscimo ao seu tratamento dos processos psicológicos dentro do esquema geral das 
coisas, Aristóteles fez uma contribuição definida à teoria psicológica em seu estudo da 
memória, principalmente em sua famosa enunciação dos princípios da associação. Estes 
princípios - associação por contraste, por igualdade e por contigüidade no tempo e no espaço - 
foram dados como regras empíricas. Na maneira aparentemente causal das idéias se 
apresentarem, Aristóteles não via o acaso, mas sim uma lei. Tanto a concepção geral de 
associação quanto as regras próprias que formulou exerceram uma grande influência no 
desenvolvimento da psicologia séculos mais tarde. 
Aristóteles foi o último dos grandes filósofos da antigüidade. Sua morte, no último quartel do 
quarto século antes de Cristo, assinala o encerramento do período mais original e produtivo do 
pensamento grego. Entre as filosofias que floresceram durante os séculos finais do mundo 
antigo, as idéias sustentadas pelos estóicos e epicuristas são as mais interessantes para a 
psicologia devido às atividades contrastantes que eles assumiam naquilo que pode ser 
considerado uma aplicação prática da psicologia. As duas escolas se ocuparam principalmente 
com o problema de conseguir o máximo da vida humana. Em geral, os estóicos apoiavam a 
supressão, e os epicuristas eram favoráveis à expressão dos impulsos naturais. Os estóicos 
acreditavam na submissão do desejo à razão por amor à virtude, que devia ser buscada 
39 
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Edita Hed,breder 
pelo seu valor intrínseco; os epicuristas acreditavam na disciplina da expressão dos impulsos 
naturais a fim de obter a felicidade e a tranqüilidade. É interessante observar que os processos 
dessas duas escolas rivais persistem até hoje nas modernas teorias sobre o controle da 
natureza humana, e na obtenção da felicidade e da virtude. 
Dessa maneira, quando a psicologia era ainda uma parte da filosofia, muitos dos padrões de 
pensamento que deveriam tornar-se proeminentes mais tarde, já haviam aparecido. Isto não 
quer dizer que os atuais modos de pensar foram conscientemente emprestados dos antigos, 
nem que as descobertas da ciência moderna já estivessem implícitas nas antigas especulações. 
Antes significa que os mesmos problemas surgiram na vida humana, foram percebidos da 
mesma maneira, e deram origem aos mesmos métodos para resolvê-los. Naquela época, como 
agora, existiam os problemas dos elementos e da forma, das partes e do todo, da relação entre 
a mente e o corpo, da função e da estrutura, dos processos e da substância, e do controle e 
orientação da natureza humana para obter a realização, a virtude e a felicidade. 
Do ponto de vista das contribuições positivas para a psicologia científica, a Idade Média é 
relativamente sem importância. Sua contribuição característica aos problemas psicológicos 
acha-se nos estudos escolásticos sobre a natureza e os atributos da alma. Mas, como todos 
sabem, esses estudos foram muitas vezes mencionados como sendo a própria antítese do 
método científico. Não começam com perguntas, mas com uma verdade já aceita, baseada na 
autoridade. Ao avançar, não se utilizavam da observação e da indução, mas se apoiavam no 
desenrolar minucioso das implicações dos conceitos e na dedução lógica das conseqüências. 
Não buscavam, enfim, a evidência dos fatos mas a sua validade lógica. Seu método de pensar 
tem sido usado como o exemplo par excelience da especulação sem base, do raciocínio 
trabalhando sem o lastro dos fatos empíricos. Todavia, os efeitos negativos dessa mesma 
prática foram da mais Ita importância para a ciência. Muitas das características da ciência - de 
fato, não a sua natureza essencial, mas um número apreciável de seus traços acidentais - 
podem ser explicadas como uma revoltacontra os excessos de tal método. A sua aversão pelo 
dogmatismo e o seu temor pelas especulações não provadas são perfeitos sobreviventes das 
atitudes emocionais desenvolvidas na luta necessariamente violenta contra o apelo à 
autoridade e a urática da deducão v. au o 
Psicologias do Século XX 
escolasticismo medieval havia tornado a moda intelectual vigente. 
O período moderno da filosofia, entretanto, está repleto de antecipações das psicologias da 
atualidade. Contém, realmente, tantas previsões de problemas e teorias que estão sendo 
estudados hoje em dia, que é impossível tentar fazer uma descrição ampla dos mesmos. 
Muitos pontos de vista interessantes e sugestivos em si mesmos devem ser postos de lado, e a 
atenção deverá se limitar às linhas de pensamento que possuem alguma relação histórica 
evidente com o desenvolvimento do ponto de vista científico em psicologia. O que apresenta 
maior seqüência lógica é a linha de investigação crítica que se refere a Descartes, aos 
empiristas ingleses e a Kant, e que teve entre os seus subprodutos o surgimento de duas 
escolas de psicologia pré-científica, o associacionismo na Grã-Bretanha e o herbartismO na 
Alemanha. 
Muito perto da fonte deste movimento estava René Descartes, cuja obra na primeira metade 
do século XVII é inteiramente típica do início do período moderno pela sua revolta contra o 
dogmatismo da tradição escolástica. O próprio Descartes, entretanto, não passava de um 
rebelde por temperamento. Era um homem extremamente razoável, sincero, muito cauteloso, 
que, embora se tivesse devotado à procura do saber, descobriu, ao atingir a maturidade, que 
nada existia que ele soubesse com certeza. Verificando que podia duvidar de algumas das 
maiores crenças dos homens, decidiu deliberadameflte utilizar a dúvida como um método - 
duvidar de tudo que fosse possível duvidar, na esperança de chegar ao evidente por si e ao 
indubitável. Descobriu que podia duvidar bastante: da existência de Deus, do mundo, e mesmo 
da existência de seu próprio corpo. De uma coisa não podia duvidar: era o fato de que estava 
duvidando, e a certeza de que sua dúvida - isto é, seu pensamento - existia, deu-lhe 
o fundamento para seu sistema. Estabeleceu sua convicção na famosa frase: "Penso, logo 
existo", e a considerou como um axioma. Estabeleceu, portanto, a crença em sua própria 
existência como um ser pensante, e daí por um processo de raciocínio dedutivo, a crença na 
existência de Deus e do mundo, incluindo o seu próprio corpo físico. Sua prova da existência 
de Deus consistia no argumento que ele, que duvidava e era um ser imperfeito, não obstante 
possuía a idéia de Deus, um ser perfeito. E uma vez que o perfeito não pode depender do 
imperfeito, é necessário admitir a existência de Deus para poder ter a idéia Dele. Então, se 
Deus 
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Edna HeidLreder psicologias do Século XX 
41 
existe, o mundo deve existir, porque as idéias que nós percebemos clara e distintamente como 
verdades - não aquelas que aceitamos simplesmente pela evidência da imaginação e dos 
sentidos - devem ser verdadeiras, "porque do contrário não poderia ser que Deus, sendo 
totalmente perfeito e veraz, as tivesse colocado em nós". Assim Descartes chegou com o seu 
raciocínio a tudo aquilo que a sua dúyida havia destruído. A diferença entre o seu primeiro 
estado e o último não era uma diferença nos objetos da crença, mas no fato de que os 
mesmos estavam agora estabelecidos racionalmente. 
Este ponto é significativo. Quer dizer que embora Descartes combatesse o dogmatismo do 
pensamento escolástico, não atacou os seus métodos intelectualistas. Recorria à razão em 
lugar da experiência. Se existe algo em Descartes mais notável do que o esforço deliberado de 
um completo ceticismo, é a sua fé serena no poder do intelecto humano para esclarecer a 
confusão reinante. À primeira vista, parece que Descartes não leva em conta a possibilidade de 
a razão ser inadequada para tal tarefa. Quando descobriu que não podia ter certeza de nada, 
lançou mão da razão como uma coisa natural e dedicou-se sistematicamente à tarefa de 
elaborar um fundamento intelectual estável para o universo. Desferiu um notável golpe na 
subserviência medieval à autoridade, mas, ao assim fazer, utilizou o método dedutivo que é 
tão característico do pensamento medieval quanto o seu dogmatismo. 
-N Existem várias afirmações de Descartes que são de especial interesse para a psicologia. A de 
maior alcance entre elas é o seu dualismo que, embora diferente do de Platão em sua origem, 
é idêntico em seus efeitos. De acordo com Descartes, existem duas substâncias: mente e 
matéria, a substância pensante e a extensa. Esta concepção colocou-o em algumas 
dificuldades interessantes e esclarecedoras; havia separado a mente e a matéria de modo tão 
completo que achava difícil juntá-las novamente de forma harmônica. Um resultado desta 
situação foi a teoria de que os animais, por não possuírem res cogitans, ou substância 
pensante, são autômatos - uma interpretação dos organismos vivos complexos que é 
especialmente interessante à luz das recentes interpretações mecanicistas do comportamento 
animal e humano. Descartes foi, na realidade, um completo mecanicista em referência a todo 
o mundo material. Acreditava que todas as ações do corpo humano - os movimentos dos 
músculos e tendões, as atividades da respiração, mesmo os pro cesso 
da sensação - podem ser explicadas de acordo com princípios mecânicos. Foi Descartes, de 
fato, que introduziu o conceito de ação reflexa, tão largamente usado desde então nas 
explanações mecanicistas dos processos corporais. Todavia, Descartes se absteve de 
considerar os seres humanos como meros autômatos; acreditava que em cada pessoa havia 
uma alma provida de razão, uma substância pensante, que tinha o poder de dirigir e alterar o 
rumo mecânico dos acontecimentos. Esta alma age através da glândula pineal na base do 
cérebro, e influencia os movimentos do corpo, agindo sobre os espíritos animais no sangue, o 
qual entrando por um nervo ou outro determina que movimento deve ser efetuado. Mas, a 
ação do corpo em si, embora sujeita à direção da alma, é puramente mecânica. A relação entre 
a mente e o corpo, como Descartes a via, é, portanto, de interação. A mente age sobre o corpo 
da maneira que acabamos de descrever, e sofre a influência do corpo através da sensação, 
emoção e ação. Descartes deixou de explicar como duas substâncias tão diferentes podem se 
influenciar reciprocamente, porém estabeleceu a posição do dualismo e do interacionismo 
com a máxima clareza e assim reafirmou a distinção entre a mente e a matéria no pensamento 
moderno. 
Outro ponto dos ensinamentos de Descartes que tem uma conexão direta com a psicologia é a 
sua crença nas idéias inatas. Descartes, que era tão bom matemático quanto filósofo, admitiu 
que existem certas verdades necessárias ou axiomas que constituem a base do conhecimento 
demonstrável. Tais verdades, segundo admitia, são inerentes à natureza humana e quando 
percebidas são evidentes por si mesmas. Apesar de sua intenção de duvidar de tudo, Descartes 
não argumentou sobre a existência das idéias inatas. Esta questão da dúvida, entretanto, foi 
suscitada por alguns de seus críticos, e alcançou tal importância que se tornou o ponto de 
partida da longa série de investigações, pelas quais os filósofos da Grã-Bretanha 
desenvolveram o seu empirismo crítico. 
Um deles, contemporâneo mais velho de Descartes, foi Thomas Hobbes, monarquista 
britânico, rude e obstinado, que escreveu um certo número de tratados sobre a natureza 
humana, nos quais deu especial atenção às relações do homem com o Estado. O Leviatã, 
publicado em 1651, dois anos após a execução de Carlos 1, foi talvez o mais importante deles. 
Este livro é em primeiro lugar um tratado de política, mas ao lado de seu tratamento das 
questões políticas existe 
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Ecina Heidbreder

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