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ENCE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Escola Nacional de Ciências Estatísticas Professora Elaine Machtyngier Superfícies Suaves - Diferenciabilidade Texto escrito pelo prof. Rolci Cipolatti Sabemos do Cálculo I quando uma função f : IR→ IR é derivável (ou diferenciável) em um ponto x0. De uma maneira mais intuitiva, podemos dizer que uma função é diferenciável em x0 se existe uma reta tangente ao gráfico de f no ponto x0. Este conceito intuitivo pode ser precisado se entendermos o que significa o termo tangente. Novamente intuitivamente falando, uma reta é tangente se nas proximidades do ponto de tangência a reta se comporta como a curva, isto é, se mirarmos um microscópio para o ponto de tangência, teremos dificuldade para distinguir entre quem é curva e quem é reta. Isso não ocorre com o gráfico de f(x) = |x| no ponto x0 = 0. Por mais que ampliemos a figura, haverá sempre o "bico". Essa idéia intuitiva pode ser traduzida analiticamente usando-se o conceito de limite. Como vimos, se f : IR→ IR é uma função diferenciável em x0, são equivalentes as expressões abaixo: 1. Existe a reta tangente ao gráfico de f em x0, isto é, existe m ∈ IR tal que a reta y = f(x0) +m(x− x0) é tangente ao gráfico de f . 2. Existe o limite f ′(x0) = lim x→x0 f(x)− f(x0) x− x0 . Será que essas idéias poderiam ser estendidas para o caso de duas variáveis? Já vimos que para uma função f(x, y), as derivadas parciais ∂f ∂x (x0, y0) e ∂f ∂y (x0, y0) expres- sam inclinações de retas tangentes ao gráfico de f (que é uma superfície) com relação às direções x e y respectivamente (veja Fig. 1). É claro que essas retas tangentes contêm um plano, já que elas não são coincidentes. Surge então a questão: será esse plano tangente ao gráfico de f? Mas é claro que gostaríamos também que a idéia de plano tangente fosse uma extensão natural do caso anterior, isto é, que um plano tangente fosse aquele que nas proximidades do ponto de tangência se confunda com a superfície. 1 Fig.1 Se a resposta da questão acima for afirmativa, teremos como no caso de uma variável, dois conceitos equivalentes, quais sejam: 1. Existem as derivadas parciais ∂f ∂x (x0, y0) e ∂f ∂y (x0, y0), 2. Existe o plano tangente ao gráfico de f no ponto (x0, y0). Novamente, tanto (1) como (2) serviriam para definir diferenciabilidade de f . E, com certeza, escolheríamos (1) por comodidade. Continua então a questão: são equivalentes os conceitos (1) e (2)? É óbvio que (2) implica em (1), visto que se existe um plano tangente no sentido dado acima, então qualquer reta tangente contida no plano que passa pelo ponto de tangência será também tangente à superfície. Em particular, as duas retas paralelas aos planos xz e yz. Logo existem as derivadas parciais que nada mais são que as inclinações dessas retas. Mas e a implicação contrária? É verdadeira? Se pensarmos um pouco veremos que não. Basta que imaginemos uma superfície tal que a interseção com os planos paralelos aos planos xz e yz sejam curvas "suaves"e cuja interseção com outro plano seja um curva com bico (veja Fig. 2). Fig.2 Mais concretamente, consideremos f(x, y) = xy√ x2 + y2 se (x, y) 6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) . 2 Temos ∂f ∂x (0, 0) = 0 e ∂f ∂y (0, 0) = 0, mas f não é diferenciável em (0,0) como pode ser visto fazendo-se um esboço do gráfico de f (veja Fig. 3). O gráfico de f pode ser melhor visualizado recortando-se figuras como em (Fig. 4) e colando-as como indicado. Fig.3 Fig.4 Cole os lados correspondentes mantendo os centros O juntos. Recorte círculos de raio 5cm As superfícies esboçadas nas Figuras 2 e 3 têm as duas retas tangentes, mas o plano que as contém não é tangente no sentido dado anteriormente, embora toquem as superfícies. Por mais que se amplie a figura no ponto de toque, não haverá dificuldade de se distinguir entre quem é plano e quem é superfície. Como diferenciabilidade deve ser sinônimo de suavidade, teremos que considerar (2) como idéia inicial para, a partir dela, obtermos uma definição analítica. É claro que duas retas é pouco e alguém poderia sugerir: uma função é diferenciável em (x0, y0) se possuir retas tangentes em todas as direções. Evidentemente, o exemplo anterior não satisfaz esta exigência. Bem, mas seria a definição correta? Infelizmente ainda não. Se forçarmos um pouco mais a imaginação poderemos encontrar uma superfície que contenha retas tangentes em todas as direções mas que não possua plano tangente. Por exemplo, consideremos a superfície anterior. Se a dobramos de modo que os planos que contêm o eixo dos z a interceptam formando retas, teremos o exemplo desejado. Isto é fácil: observe que esta função assume valores positivos nos quadrantes 1o e 3o e valores negativos nos outros. Se dobrarmos a superfície de modo que assuma valores positivos nos quadrantes 1o e 2o e valores negativos nos outros, teremos a superfície procurada. Para isso, basta considerar a função: f(x, y) = |x|y√ x2 + y2 se (x, y) 6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) que tem como gráfico a superfície da figura 5. 3 Fig.5 No exemplo anterior tivemos o caso de uma função que possui derivadas direcionais em todas as direções mas não é diferenciável em (0, 0), visto que as retas tangentes não estão contidas num mesmo plano. Alguém poderia então arriscar: se todas as retas tangentes estiverem contidas num mesmo plano, este será tangente à superfície. Novamente, puxando um pouco mais pela imaginação, veremos que não. Para isso, consideremos as parábolas: (1) y = x2, (2) y = llx2 10 e (3) y = 9x2 10 (veja Fig. 6). Fig.6 Vamos tentar construir uma função f que seja nula (isto é, seu gráfico coincida com o plano xy) nos pontos (x, y) que não pertençam à região compreendida entre as parábolas (2) e (3) e que, para os pontos (x, y) pertencentes à parábola (1), seja igual a |s| onde s é o comprimento de arco da parábola (1) de (0, 0) até (x, y). Desta forma, sobre a parábola (1), a função se com- porta como a função módulo: f(s) = |s|. Nos pontos (x, y) pertencentes à região compreendida entre as parábolas (2) e (3), definimos a função de modo que seu gráfico seja uma superfície lisa. Dessa forma, o gráfico de f será a superfície dada na figura 7. Fig.7 4 Temos uma função que não possui plano tangente em (0, 0), visto que sobre a parábola (1), há um bico neste ponto. Por outro lado, as derivadas direcionais em (0, 0) existem e são iguais a zero. Além disso, dada uma reta qualquer passando pela origem, y = mx, esta cortará a parábola (2) no ponto P de abscissa x0 = 10m/11. Portanto, o segmento OP estará contido na região onde f é zero. Logo, a derivada direcional de f na direção da reta y = mx é igual a zero, qualquer que seja m ∈ IR (veja Fig. 8). Fig.8 Isto tudo indica que não é boa a nossa idéia inicial de tentar traduzir matematicamente o conceito de diferenciabilidade por meio das derivadas. O que estamos constatando é que esse conceito é mais forte do que supúnhamos. Vamos dar uma parada e refletir sobre o que fizemos; é claro que a extensão do conceito de reta tangente a uma curva para o de plano tangente a uma superfície é natural, mas estamos tentando expressá-lo utilizando ainda retas tangentes: começamos com duas e passamos a todas. Vimos que ter retas tangentes não significa ter plano tangente. Por outro lado, se existir plano tangente, não só todas aquelas retas serão tangentes como também todas as curvas contidas no plano que passam pelo ponto de tangência. Talvez esteja aí nosso erro; estamos nos restringindo somente às retas tangentes. Mas é claro! A suavidade de uma superfície em dado ponto é um conceito local, depende do comportamento da superfície nas proximidades do ponto de tangência e não das direções. Voltemos ao caso de uma variável, a que estamos mais familiarizadose tentemos olhar por esse outro lado; aqui tudo é equivalente, de modo que se f for diferenciável, terá reta tangente (e vice-versa), cuja equação é: y = f(x0) + f ′(x0)(x− x0) Pela figura ao lado podemos ver que f(x) = f(xo) + f ′(xo)(x− xo) + ε, isto é, f(x) pode ser aproximado pela reta tangente com um erro ε que depende de x0 e ∆x. Assim: f(x) = f(x0 +∆x) = f(x0)+f ′(x0)∆x+ε(∆x). Logo: f(x0 + ∆x)− f(x0) ∆x = f ′(x0) + ε(∆x) ∆x . Como lim ∆x→0 f(x0 + ∆x)− f(x0) ∆x = f ′(x0) segue que lim ∆x→0 ε(∆x) ∆x = 0. 5 Isto é, o erro ε(∆x) da aproximaçao de f pela reta tangente em x0, não só tende a zero como tende "mais rápido"do que ∆x. Isto nada mais é do que uma outra forma equivalente de definir diferenciabilidade de f em x0, a saber: Definição 1: Uma função f : IR→ IR é diferenciável em xo se existem m ∈ IR e uma função ε(h) tais que f(x) = f(xo + h) = f(xo) +mh+ ε(h) e lim ∆x→0 ε(∆x) ∆x = 0. Neste caso m é chamado a derivada de f em xo e denotado por f ′(xo) e ε(h) o erro de aproximação linear. Como poderíamos estender esses conceitos ao caso de duas variáveis? Sabemos que se existe plano tangente, sua equação será: z = f(x0, y0) + ∂f ∂x (x0, y0)(x− x0) + ∂f ∂y (x0, y0)(y − y0) Portanto, o valor da função f num ponto P = (x, y) próximo a Po = (xo, yo) deve ser igual ao valor do plano em Po mais um erro ε que deve tender a zero mais rápido do que a distância de P a Po, isto é: f(P ) = f(P0) + ∂f ∂x (P0)∆x+ ∂f ∂y (P0)∆y + ε(∆x,∆y) onde lim ∆x→0 ∆y→0 ε(∆x,∆y)√ ∆x2 + ∆y2 = 0 Observe que fazendo ∆x→ 0 e ∆y → 0 de forma independente, temos que P → Po de uma maneira arbitrária. Portanto: ε(∆x,∆y)√ ∆x2 + ∆y2 → 0 implica que o plano tangente "se confunde com a superfície mais rápido do que P se confunde com Po". Era exatamente isto que queríamos. Podemos então colocar: Definição 2: Uma função f : IR2 → IR é diferenciável em (xo, yo) se existem ml,m2 ∈ IR e ε(h, k) tais que f(xo + h, yo + k) = f(xo, yo) +mlh+m2k + ε(h, k) lim h→0 k→0 ε(h, k)√ h2 + k2 = 0 Neste caso, ml = ∂f ∂x (xo, yo) e m2 = ∂f ∂y (xo, yo). Temos uma idéia intuitiva para o conceito de diferenciabilidade de uma função f e uma definição precisa que a traduz. O que nos falta agora é um resultado que nos permita decidir de uma maneira mais prática se uma dada função é ou não diferenciável. Imaginemos uma superfície diferenciável em todos os pontos de uma vizinhança de Po. En- tão, se deslizarmos o plano tangente pelos pontos (P, f(P )) com P na vizinhança de Po, pode- 6 mos imaginar as inclinações do plano variando suavemente. Isso não ocorreria na presença de "bicos"ou "enrugamentos"da superfície; quando o plano passasse por um desses pontos. suas inclinações sofreiam variações bruscas. Com isso podemos perceber que se não houver variações bruscas nas inclinações do plano tangente, a função deverá ser diferenciável. Realmente, esta pista pode ser formulada e demon- strada como segue: Teorema 1: Se ∂f ∂x e ∂f ∂y existem e são contínuas em Po, então a função f é diferenciável em Po. Prova: Seja ∆f = f(xo + h, yo + k)− f(xo, yo). Então podemos escrever ∆f = f(xo + h, yo + k)− f(xo, yo + k) + f(xo, yo + k)− f(xo, yo). Pelo Teorema do Valor Médio, ∆f = ∂f ∂x (xo + θ1h, yo + k)h+ ∂f ∂y (xo, yo + θ2k)k, 0 < θ1, θ2 < 1. Sejam ε1 = ∂f ∂x (xo + θ1h, yo + k)− ∂f ∂x (xo, yo) e ε2 = ∂f ∂y (xo, yo + θ2k)− ∂f ∂y (xo, yo). Como ∂f ∂x e ∂f ∂y são contínuas em Po, segue que ε1 e ε2 → 0 quando h, k → 0. Portanto f(xo + h, yo + k) = f(xo, yo) + ∂f ∂x (xo, yo)h+ ∂f ∂y (xo, yo)k + ε1h+ ε2k. Se considerarmos ε(h, k) = εlh+ ε2k, então devemos verificar se lim h→0 k→0 ε(h, k)√ h2 + k2 = 0 Pela desigualdade de Cauchy-Schwartz, |εlh+ ε2k| ≤ √ ε2l + ε 2 2 √ h2 + k2. Portanto ε(h, k)√ h2 + k2 ≤ √ ε2l + ε 2 2 → 0 quando h, k → 0 Voltemos a um dos exemplos anteriores. Consideremos f(x, y) = |x|y√ x2 + y2 se (x, y) 6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) É fácil ver que 7 ∂f ∂x = y3 (x2 + y2)3/2 se x > 0 − y 3 (x2 + y2)3/2 se x < 0 Logo ∂f ∂x (0+, y) = 1 e ∂f ∂x (0−, y) = −1, isto é, ∂f ∂x , é descontínua em todos os pontos (0, y). Em particular para y = 0. 8
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