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Trabalho Social com as Fam�lias_01.pdf AN02FREV001/REV 4.0 1 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 2 CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 3 SUMÁRIO MÓDULO I 1 OS VALORES NA FAMÍLIA 1.1 A FAMÍLIA E A REDE DE RELAÇÃO SOCIAL 1.2 O TRABALHO COM A FAMÍLIA EM VULNERABILIDADE SOCIAL 1.3 A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESTADO MÓDULO II 2 AS CONFIGURAÇÕES DA FAMÍLIA E AS TRANSFORMAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE 2.1 DIFERENTES OLHARES SOBRE A FAMÍLIA 2.2 FAMÍLIA BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE 2.3 FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL 2.4 SERVIÇO SOCIAL E O PROCESSO DE TRABALHO COM AS FAMÍLIAS MÓDULO III 3 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO DA FAMÍLIA 3.1 PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 3.2 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR 3.3 DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA 3.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE NAS RELAÇÕES FAMILIARES 3.5 PRINCÍPIO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR 3.6 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE AN02FREV001/REV 4.0 4 MÓDULO IV 4 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A FAMÍLIA 4.1 A PNAS E SUA DIRETRIZ RELATIVA À FAMÍLIA 4.2 DA CONCEITUAÇÃO AO CONHECIMENTO DA FAMÍLIA 4.3 MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR: DA NOMEAÇÃO À OPERACIONALIDADE NA PRÁTICA PROFISSIONAL 4.4 SUAS: DESAFIO DA REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL COM AS FAMÍLIAS MÓDULO V 5 O PAIF 5.1 O CONCEITO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.2 AÇÕES QUE COMPÕE O PAIF 5.2.1 Acolhida 5.2.2 Oficinas com Famílias 5.2.3 Ações Comunitárias 5.2.4 Ações Particularizadas 5.2.5 Encaminhamentos 5.2.6 Recomendações Gerais para a Implementação das Ações do PAIF 5.3 ATENDIMENTO E ACOMPANHAMENTO ÁS FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.3.1 Atendimento Familiar 5.3.2 Acompanhamento Familiar 5.4 DIRETRIZES PARA ORGANIZAÇÃO GERENCIAL DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS DO PAIF 5.4.1 Direção 5.4.2 Planejamento 5.4.3 Organização 5.4.4 Monitoramento 5.4.5 Avaliação AN02FREV001/REV 4.0 5 5.5 SUGESTÕES DE ABORDAGENS METODOLÓGICAS DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.5.1 Pedagogia Problematizadora 5.5.2 Pesquisa – Ação 5.5.3 Considerações Finais sobre Diretrizes Teórico-metodológicas do Trabalho do PAIF 5.6 DIRETRIZES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AN02FREV001/REV 4.0 6 MÓDULO I 1 OS VALORES NA FAMÍLIA "A família é a primeira escola das virtudes sociais de que a sociedade tem necessidade" (CNBB, 2004, p. 116). Frente a essa realidade a família traz em si inúmeros valores essenciais que por nada podem ser ofuscados, tolhidos ou menosprezados, pois a família não é somente lugar de crescimento pessoal, afetos e transmissão de cultura entre as gerações, mas sim uma comunidade de amor, o lugar do direito e do princípio do cuidado, da solidariedade, da partilha, da amizade, do companheirismo e do respeito e unidade. A família é imagem de Deus do qual tem sua origem, seu modelo perfeito, motivação e fim último na comunhão de amor das três pessoas. E ao tornar-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, pois, "É de Deus qual deriva toda a paternidade no céu e na terra" (JOÃO PAULO II, 2007, p. 14). Tendo em vista que Deus constituiu o matrimônio princípio fundamental da sociedade, a família tornou-se a célula primeira e vital da mesma. É da família que saem os cidadãos e também é no seio da família que se encontra a primeira escola das virtudes sociais; conhecidas como a alma da sociedade. A família foi sempre considerada como a primeira e fundamental expressão da natureza social do homem. "A família delineia-se, no desígnio do Criador, como lugar primário da "humanização" da pessoa, da sociedade, do berço da vida e do amor" (JOÃO PAULO II, 1988, p. 40). A família é o lugar e ao mesmo tempo o instrumento mais eficaz de humanização e de personificação da sociedade. Não obstante, em nossos tempos é possível constatarmos uma sociedade cada vez mais despersonificada, desumana e desumanizante. Observamos, por exemplo, o crescimento da violência de forma AN02FREV001/REV 4.0 7 assustadora, a miséria, a fome, as drogas, a pornografia e tantas outras desordens que ferem a essência da família. Segundo o compêndio de doutrina social "A família, comunidade natural contribui de modo único e insubstituível para o bem da sociedade. Ela é a primeira sociedade humana, tendo em vista que ela é uma comunhão de pessoas" (CDSI, 2004, p. 213). A família deve estar em conexão íntima com a sociedade, e esta em resposta a sua participação não deve deixar de lado o seu dever de respeitar e promover a família tendo em vista que ela constitui um valor indispensável e irrenunciável, possui direitos próprios, inalienáveis, que jamais podem ser rechaçados. Assim afirma a exortação apostólica: As autoridades públicas devem fazer o possível por assegurar todas aquelas ajudas econômicas, sociais, educativas, políticas, culturais de que têm necessidade para fazer frente, de modo humano, a todas as suas responsabilidades (JOÃO PAULO II, 2007, p. 45). A família é o lugar natural onde o amor, que é o valor essencial e a mais profunda exigência humana, se realiza e se expande; amor mútuo do homem e da mulher; amor de ambos pelos filhos, que são a síntese viva deles mesmos e a garantia de sua prolongação e sobrevivência no tempo; amor dos filhos aos pais e dos irmãos entre si. Quando a família falha nessa função, os reflexos dessa falência podem traumatizar profundamente os seus membros e dar origem a desajustes psíquicos que repercutem em toda a sua vida, mesmo profissional e pública. A família não é criação humana, nem do estado, nem da Igreja. É constituição ligada à natureza do homem e da mulher, para o bem e a felicidade pessoal, da sociedade e da Igreja. "Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e fundamento da sociedade humana" (PAULO VI, 1965, p.11). Em suma, as famílias cristãs devem assumir sua vocação, devem ser verdadeiras igrejas domésticas tratando das realidades temporais ordenando-as segundo Deus. Pois, são chamadas por graça a uma aliança com seu criador; devem, pois, oferecer-lhe uma resposta de fé e amor. AN02FREV001/REV 4.0 8 Podemos considerar a família como um espaço sagrado, é o teto que nos dá abrigo, onde nascemos, saciamos a fome, damos o primeiro passo, a primeira palavra, onde crescemos, vivemos, criamos valores, aprendemos a nos relacionar, a compartilhar todas as coisas, a aceitar o outro como é, a amar, enfim até a hora de morrermos dignamente. Não há outro lugar mais nobre para o ser humano desenvolver-se integralmente. Mas para que a família seja de fato o santuário da vida, é preciso escolher e experimentar os valores fundamentais que a sustentam, tais como o amor, a fidelidade, o respeito, a humildade, a espiritualidade, a fé e a oração. A família é o primeiro espaço onde cada indivíduo se insere e o qual ajuda na promoção de o ser pessoa. É nesse contexto que ele se consciencializa dos seus papéis primários e onde se inicia o processo de socialização primária, que o leva à articulação com a comunidade. É no seio familiar que se faz a transmissão de valores, costumes e tradições entre gerações. Na educação constitui maior relevância aquilo que o indivíduo é e não aquilo que ele é capaz de fazer. Desde sempre, a família acaba por surgir como um lugar onde se aprende a viver, ser e estar, e onde se começa o processo de consciencialização dos valores sociais inerentes à sociedade e sem os quais esta não consegue subsistir. É neste ambiente que o indivíduo aprende a respeitar os outros e a colaborar com eles. A família surge com direitos e deveres. Esses deveres estão consagrados na Constituição da República Portuguesa e nos valores sociais e morais respectivos à sociedade. Os pais dão vida aos filhos, a partir daí cabe a eles dar-lhes o apoio de que necessitam, a educação e as condições necessárias para o seu crescimento saudável. A família tem um papel educativo essencial, dela vai depender a definição do quadro de referência primário para a prática educativa. No entanto, o desenvolvimento contínuo da função parental está longe de ser linear e positiva. Existem períodos de concordância que resultam em desenvolvimento para todas, mas também surgem momentos de desacordo que põem a família frente à educação com um profundo mal-estar. O meio familiar exerce uma das mais importantes influências no desenvolvimento das capacidades cognitivas e na estruturação das características AN02FREV001/REV 4.0 9 afetivas dos filhos. No entanto, a educação familiar não deve entoar só os efeitos do desenvolvimento dos filhos. A família deve ser considerada um ecossistema da educação. A família é a instituição mais privilegiada da educação, pois é no seu meio natural que o homem nasce e existe e onde se desperta como pessoa. Exerce enorme influência tanto na integração escolar quanto no desenvolvimento dos filhos. 1.1 A FAMÍLIA E A REDE DE RELAÇÃO SOCIAL A rede de relação social é composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Uma das características fundamentais na definição das redes é a sua abertura e porosidade, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos. O homem, como ser social estabelece sua primeira rede de relação no momento em que vem ao mundo. A interação com a família lhe confere o aprendizado e a socialização, que vão se estendendo para outras redes sociais. É por meio da convivência com grupos e pessoas que se moldarão muitas das características pessoais determinantes da sua identidade social. Surgem neste contexto o reconhecimento e a influência dos grupos como elementos decisivos para a manutenção do sentimento de pertinência e de valorização pessoal. Todo indivíduo carece de aceitação e é por meio da vida em grupo que ele irá externar e suprir esta necessidade. Os vínculos estabelecidos tornam-se intencionais, definidos por afinidades e interesses comuns. O grupo então passa a influenciar comportamentos e atitudes funcionando como ponto em uma rede de referência composta por outros grupos, pessoas ou instituições, cada qual com uma função específica na vida da pessoa. A família representa um grupo social primário, nos quais as relações entre os indivíduos são pautadas no sentimento, que por sua vez criam vínculos. Estão ligados a descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção, nesse sentido o termo confunde-se com clã. AN02FREV001/REV 4.0 10 A família é unida por múltiplos laços que costumam compartilhar do mesmo sobrenome, herdado dos ascendentes diretos. A noção de família remete a relacionamento entre pessoas, que não necessariamente compartilham o mesmo domicílio e os mesmos laços sanguíneos ou de parentesco. Essa ampliação da ideia clássica desse agrupamento humano parece claramente assumida na literatura, nos marcos legais e no discurso cotidiano das pessoas. Contudo, talvez ainda não esteja suficientemente incorporada nas ações institucionais. As famílias podem assumir uma estrutura nuclear ou conjugal, que consiste num homem, numa mulher e nos seus filhos, biológicos ou adotados, habitando num ambiente familiar comum. A estrutura nuclear tem uma grande capacidade de adaptação, reformulando a sua constituição, quando necessário. Há também famílias com uma estrutura de pais únicos ou monoparental, tratando-se de uma variação da estrutura nuclear tradicional devido a fenômenos sociais, como o divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade ou adoção de crianças por uma só pessoa. A família ampliada ou consanguínea é outra estrutura, que consiste na família nuclear, mais os parentes diretos ou colaterais, existindo uma extensão das relações entre pais e filhos para avós, pais e netos. Para além destas estruturas, existem também as denominadas de alternativas, sendo elas as famílias comunitárias e as famílias homossexuais. Nas famílias comunitárias, ao contrário dos sistemas familiares tradicionais, onde a total responsabilidade pela criação e educação das crianças se cinge aos pais e à escola, o papel dos pais é descentralizado, sendo as crianças de responsabilidade de todos os membros adultos. Nas famílias homossexuais existe uma ligação conjugal ou marital, por contrato entre duas pessoas do mesmo sexo, que adotaram crianças ou um ou ambos os parceiros têm filhos biológicos de casamentos heterossexuais. Quanto ao tipo de relações pessoais que se apresentam numa família, referimos três tipos de relação. São elas, a de aliança (casal), a de filiação (pais e filhos) e a de consanguinidade (irmãos). É nesta relação de parentesco, de pessoas que se vinculam pelo casamento e/ ou por uniões sexuais, que se geram os filhos. AN02FREV001/REV 4.0 11 O conceito de família, ao ser abordado, evoca obrigatoriamente, os conceitos de papéis e funções, como se tem verificado. Em todas as famílias, independentemente da sociedade, cada membro ocupa determinada posição ou tem determinado estatuto, como por exemplo, marido, mulher, filho ou irmão, sendo orientados por papéis. As famílias como agregações sociais, ao longo dos tempos, assumem ou renunciam funções de proteção e socialização dos seus membros, como resposta às necessidades da sociedade pertencente. Nessa perspectiva, as funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um de nível interno, como a proteção psicossocial dos membros, e o outro de nível externo, como a acomodação a uma cultura e sua transmissão. A família deve responder às mudanças externas e internas de modo a atender às novas circunstâncias sem, no entanto, perder a continuidade proporcional. A família tem também, um papel essencial para com a criança, que é o da afetividade, tal como já foi referido. A sua importância é primordial, pois considera o alimento afetivo tão imprescindível quanto os nutrientes orgânicos. Sem o afeto de um adulto, o ser humano enquanto criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com o outro. As famílias de camadas populares, que são organizadas em rede (participação de outros parentes e de pessoas da comunidade no convívio e em prol da sobrevivência) e que têm como foco o sistema de obrigações, diferenciam-se das de camadas médias, que se organizam em núcleos centrados no parentesco. Esse conhecimento é relativamente difundido. Diante disso, uma das questões que se impõe é a de compreender como essa organização da família em rede poderia ser oficialmente assumida pelas instituições – sem necessariamente passar pela legalização do vínculo ou da responsabilidade, como é geralmente exigido pelo sistema judiciário – com vistas a contribuir para o fortalecimento de certas estratégias de sobrevivência dessa população e da própria prevalência da convivência familiar e comunitária. Nesse aspecto, podemos entender que pais, sobretudo mães, criam vínculos mais estáveis com algumas pessoas de sua rede de relações primárias, com as quais estabelecem trocas recíprocas, para favorecer tanto o cuidado e a proteção de AN02FREV001/REV 4.0 12 seus filhos quanto à possibilidade de inserção social, aspectos classicamente assumidos como funções básicas da família. Contudo, para se pensar a influência das redes de relações primárias no processo de inclusão social ou de novo enraizamento social (GUEIROS, 2007, p.47), se faz necessário examinar as particularidades de cada família em termos de tempo e espaço sociais, principalmente no que se refere à sua configuração e organização, ao seu percurso transgeracional e à sua localização territorial. 1.2 O TRABALHO COM A FAMÍLIA EM VULNERABILIDADE SOCIAL A Política Nacional de Assistência Social apresenta a matricialidade sociofamiliar como um dos tópicos relativos ao “Conceito e à Base de Organização do Sistema Único de Assistência Social”. A implicação disso é a necessidade de se conhecer, em profundidade, as famílias às quais estão direcionadas as ações, pois pela própria multiplicidade de configurações, formas de convivência – diretamente relacionadas às suas condições sociais, crenças e hábitos culturais – e por constituírem espaço de contradições e conflitos, tais famílias apresentam significativas diferenças entre si, mesmo fazendo parte de um mesmo segmento social. Identificar no que as famílias se igualam e no que elas se diferenciam parece ser um dos primeiros desafios que se apresenta para os serviços cuja responsabilidade é a de implementação de políticas sociais, por meio da estruturação de ações que possam ser efetivas e eficazes para determinada população. É necessário um compromisso do profissional no sentido de atender as famílias dentro de suas especificidades, fazendo da prática cotidiana uma prática de natureza investigativa, subsidiando a implementação e a avaliação de políticas sociais que sejam adequadas à realidade. Tendo sempre presente a importância de coletivamente mobilizarem-se forças em prol do enfrentamento das causas estruturais da pauperização, no planejamento e na execução de um trabalho social, há de se direcionarem esforços AN02FREV001/REV 4.0 13 para a articulação entre bens e serviços públicos como forma de assegurar os direitos individuais e sociais à família. Desse modo, torna-se imprescindível a organização da rede de serviços do território, que inclui o constante diálogo entre as diferentes organizações, na perspectiva de evitar descontinuidades, lacunas ou sobreposições de ações. Uma eficiente organização da rede de serviços pode proporcionar o atendimento em tempo hábil às necessidades apresentadas pela família. A prática tem mostrado que, em prol da efetividade e eficácia do trabalho social, certas demandas precisam ser respondidas com a maior brevidade possível, inclusive porque disso depende o não agravamento da questão em foco. Se esse aspecto não for considerado, o que emergiu como sendo de média complexidade pode se transformar em situação de alta complexidade e, por conseguinte, exigir mais tempo e recursos para seu equacionamento, além de ocasionar maior sofrimento e até danos à pessoa ou à família. Na prática com a população de segmentos populares é possível constatar que outro desdobramento da não efetividade das ações é a descrença nos serviços oferecidos, o que pode repercutir negativamente na forma como a família participa da proposta do trabalho e no próprio sentimento de “ter direito a direitos”. Nesse sentido, cabe indagar a devida contextualização das questões apresentadas pela família, bem como do caminho que ela já percorreu na tentativa de ver suas demandas atendidas, de modo a evitar sua culpabilização ou responsabilização, sobretudo nos casos em que o envolvimento do usuário naquele dado projeto não esteja atendendo ao inicialmente planejado. O rigor na análise da situação apresentada pela família e de seu percurso de vida permite a compreensão desse núcleo para além do tempo presente e das demandas emergenciais e pode favorecer a formulação de programas eficazes. Assim sendo, a identificação, a valorização e a potencialização das capacidades ou competências dos sujeitos, se realizada de forma que eles se sintam partícipes desse processo, podem, com o devido apoio técnico e acesso às políticas públicas de proteção social, contribuir para a emancipação da família e, consequentemente, para o equacionamento de suas adversidades cotidianas. Uma análise cuidadosa das questões apresentadas por indivíduos e famílias pode evitar também julgamentos precipitados sobre seus modos de vida. É AN02FREV001/REV 4.0 14 interessante que se indague, por exemplo, quais são os motivos que levam uma mulher-mãe a buscar, de forma repetitiva, novos parceiros. Seria essa uma tentativa de obter proteção em territórios cuja violência é muito grande? Ou seria também uma forma de conquistar, por meio da troca afetiva, algum fortalecimento para enfrentar as agruras de seu dia a dia? Será que o homem continua ocupando, nesse segmento social, o papel de principal mediador entre a família e o meio social imediato? Presumimos que o exame dessa e de outras questões pode contribuir para que o profissional efetive ações concernentes às demandas da população usuária daquele dado programa ou serviço. Um trabalho que abarque esse processo conjunto com a família deve estar diretamente associado às necessidades apresentadas por ela, mas, de regra, é importante que se realizem, além de sua inclusão em políticas de proteção social, diferentes modalidades de atendimento, algumas de caráter individualizado e outras de caráter coletivo. Esse cuidado é necessário porque um indivíduo, ou uma família, pode melhor se expressar em uma determinada modalidade do que em outra e, assim, ampliam-se as possibilidades de identificação de suas questões e de suas potencialidades. A atenção individualizada visa abordar as questões que são singulares àquela família, sobretudo as relativas às vicissitudes de seu percurso de vida, ao convívio de seus vários membros e ao processo socioeducacional de crianças e adolescentes. Os procedimentos de caráter coletivo envolvem diversas famílias e têm o objetivo de trabalhar as particularidades daquele conjunto de sujeitos e de estimular a articulação entre eles, inclusive em prol da reivindicação de seus direitos sociais. Desse modo, o trabalho social com famílias, abarca procedimentos relativos à rede de bens e serviços do território e atenção individualizada e coletiva à população usuária, realizados de forma regular e frequente. O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui- se na regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas AN02FREV001/REV 4.0 15 funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, cofinanciamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil e estes têm o papel efetivo na sua implantação e implementação (PNAS, 2004, p. 32- 33). Anteriormente ao SUAS a lógica era a pobreza, já na era SUAS a lógica são as condições de vulnerabilidade e risco social em que se encontra os cidadãos. O SUAS tem o objetivo de identificar os problemas sociais na ponta do processo, focar as necessidades de cada município e ampliar com eficiência os recursos financeiros e a cobertura social. Assim como também tem por direção o desenvolvimento humano, os direitos de cidadania e o dever de garantir seguranças como: acolhida, renda, convívio familiar e comunitário, desenvolvimento da autonomia e sobrevivência, por meio da hierarquização de serviços que visam reverter as situações de vulnerabilidade e risco social vivenciadas pelas famílias. Deve contemplar igualmente a interdisciplinaridade e intersetorialidade (articulação das políticas de saúde, educação, assistência e habitação, entre outras) e zelar pela permanência a médio e longo prazo dos programas e serviços oferecidos, posto que as famílias já vivem múltiplas instabilidades (de trabalho, de domicílio, da rede de suas relações sociais primárias, por exemplo) e não podem ser submetidas também a projetos que não se constituam em políticas de longo alcance, em termos dos recursos necessários e de um tempo viável ao processo de autonomia e de emancipação da família. Nessa perspectiva, um aspecto que pode e deve ser contemplado é a reflexão, e redefinição se for o caso, de conceitos que orientem os gestores e profissionais no planejamento e execução do trabalho, com vistas a implementar as premissas conceituais e legais das questões em foco, fazer a devida articulação das condições vividas pela população com as relações sociais mais amplas e a defesa intransigente da garantia dos direitos fundamentais dos sujeitos em prol de sua autonomia e cidadania. 1.3 A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESTADO AN02FREV001/REV 4.0 16 O surgimento do Estado, contemporâneo ao nascimento da família moderna como espaço privado e lugar dos afetos, não significou apenas uma separação de esferas. Significou também o estabelecimento de uma relação entre eles, até hoje conflituosa e contraditória. De acordo com Mioto (2004, p. 45), a relação família e Estado é conflituosa desde o princípio, por estar menos relacionada aos indivíduos e mais à disputa do controle sobre o comportamento dos indivíduos. Por essa razão ela tem sido lida de duas formas opostas. Como uma questão de invasão progressiva e de controle do Estado sobre a vida familiar e individual, que atrapalha a legitimidade e desorganiza os sistemas de valores radicados no interior da família. Ou como uma questão que tem permitido uma progressiva emancipação dos indivíduos. Pois, à medida que o Estado intervém enquanto protetor, ele garante os direitos e faz oposição aos outros centros de poderes tradicionais (familiares, religiosos e comunitários), movidos por hierarquias consolidadas e uma solidariedade coativa. A partir deste ponto de vista, podemos citar a intervenção do Estado nas famílias por meio de três grandes linhas. Da legislação por meio da qual se definem e regulam as relações familiares, tais como idade mínima do casamento, obrigatoriedade escolar, deveres e responsabilidades dos pais, posição e direitos dos cônjuges. Das políticas demográficas, tanto na forma de incentivo à natalidade como na forma de controle de natalidade. Da difusão de uma cultura de especialistas nos aparatos policialescos e assistenciais do Estado destinados especialmente às classes populares. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 já previa em seu artigo XVI: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”. O Estado tem o dever de proteção pelo simples fato de que proíbe a autotutela, ou seja, não permite ao particular, salvo em casos excepcionais, usar o próprio esforço. Um direito fundamental sempre gera do Estado um dever de proteção, que geram obrigações vinculantes, vinculando o Estado em toda sua extensão. AN02FREV001/REV 4.0 17 A função geral do Estado de garantir segurança se converteu em obrigação constitucional específica, no momento em que as leis gerais não eram suficientes para que os deveres de proteção fossem concretizados. Cabe ressaltar que os deveres de proteção não são somente estatais. O Estado tem dever de proteção exatamente porque não nos permite, salvo em casos excepcionais, usar o próprio esforço, é vedada a autotutela. Isso não quer dizer que o direito fundamental vincule somente o Estado, o particular está vinculado pelo direito fundamental de outras pessoas, não pode ficar desrespeitando, violando esse direito. O particular tem dever jurídico em relação à outra parte bem como o Estado. Porém, se o particular não estivesse vinculado à outra parte o Estado sequer teria o dever de proteção, nesse caso, tem-se uma mediação dos conflitos por parte do ente estatal. O principal caminho para realização da função protetiva se dá por meio da legislação. No caso da Constituição Brasileira há uma imposição, o legislador não é livre para decidir se edita ou não determinada lei diante do reconhecimento constitucional do dever de proteção. Deve o Estado adotar medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de tutela, fazendo a proteção de maneira adequada e efetiva. Para isso, se faz necessário um projeto de proteção que combine elementos de proteção preventiva e repressiva. O dever de proteção da família consagrado no artigo 226 da Constituição Federal abarca não apenas as famílias constituídas sob a égide do casamento, mas também a união estável e a monoparental. A nova concepção da família é cada vez mais distante daquela que se tinha no Código Civil de 1916. Essa nova família reconhecida pela Constituição Federal de 1988 é fundada no amor e na igualdade, dissociada do casamento. E ainda, não só a entidade familiar deve ser protegida pelo ente estatal. Pela interpretação que se depreende do §8º do art. 226 da Constituição Federal, essa proteção se dará na pessoa de cada um dos entes do núcleo familiar, in verbis: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. AN02FREV001/REV 4.0 18 É dever do Estado a proteção da família, família esta que constitui como diz no próprio texto constitucional, “a base da sociedade”. Com o advento do Estatuto do Idoso, passou a existir por parte do Estado a obrigação de alimentar. Conforme relata Maria Berenice Dias (2001, p. 55): O Estado possui o dever de amparo para com o idoso que não tenha como se sustentar nem tenha parente de quem possa se socorrer, no que se refere à criança e ao adolescente não poderia ser a ação do Estado diferente, principalmente pelo fato de possuírem absoluta prioridade e proteção integral, tendo como suporte o princípio da igualdade. Assim é que se deve reconhecer a obrigação do Estado para assegurar a manutenção de jovens (crianças e adolescentes) com pais ou familiares sem condições econômicas para tanto. No que tange a entidade familiar, esta também é carecedora de proteção estatal, com destaque para as famílias monoparentais que possuem “estrutura mais frágil”. Faz-se necessário que o Estado se preocupe com esta espécie de família, por meio de políticas públicas, ações protetivas que facilitem o melhor desenvolvimento e sustento, pelo fato de serem famílias compostas por um pai ou uma mãe que vive com a prole. Em relação ao casamento, o Estado estabelece de forma rígida os deveres dos cônjuges, com o escopo de proteger a família. O Estado tem como interesse a permanência da família como base da sociedade, fazendo com que todas as pessoas envolvidas estejam amarradas dentro da estrutura familiar. Obrigação ou dever de reconhecer a paternidade ou maternidade é um ponto fulcral no contexto da entidade familiar. Tanto se percebe a intervenção do Estado nesta seara que o legislador ordinário traz a presunção de paternidade do cônjuge varão quando o filho é nascido durante o casamento. O Estado tem o dever de dar proteção à família, pelo exato motivo de que a Constituição Federal de 1988, ao declarar a família como base da sociedade impôs implicitamente limitação ao Estado, com essa previsão a família não poderá ser impunemente violada pelo Estado, não poderá o ente estatal atingir a base da sociedade que serve ao próprio Estado. AN02FREV001/REV 4.0 19 Refere Berenice Dias (2001, p. 57) que o Estado não tem apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas sim ser responsável por ações positivas. No que se refere aos deveres da família e de seus membros em relação à própria entidade familiar, pode-se iniciar pelo casamento. O Código Civil impõe para o casamento e para a união estável, determinados deveres, mas também assegura direitos, o que se pode vislumbrar nos artigos 1.566 e 1.724 respectivamente. O poder familiar trata exatamente da proteção dos pais (pai e mãe conjuntamente) em relação aos filhos menores. Em face do princípio do melhor interesse da criança, os pais estão em igualdade de condições para o exercício do poder familiar e para decidirem o que é melhor para ela. Dentre as obrigações dos pais, está a de prestar alimentos ao filho menor, além de assistir, criar e educá-lo, como referido anteriormente. O princípio da solidariedade social e familiar impõe aos pais o dever de assistência aos filhos e também o dever de amparo às pessoas idosas, por solidariedade entenda-se o que cada um deve ao outro. Como dever da entidade familiar em relação ao seu próprio clã e até mesmo em favor da sociedade destaca-se a necessidade de fiscalizar as ações estatais, conferir se a proteção é efetiva, se as ações positivas estão sendo realizadas e se o Estado está se abstendo no que deve acerca das ações negativas. Enfim, é necessário fiscalizar e cobrar do ente estatal as providências necessárias para que a proteção da família (ou das famílias) seja plena. FIM DO MÓDULO I Trabalho Social com as Fam�lias_02.pdf AN02FREV001/REV 4.0 20 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 21 CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS MÓDULO II Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 22 MÓDULO II 2 AS CONFIGURAÇÕES DA FAMÍLIA E AS TRANSFORMAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE A família hoje é fruto de um processo histórico e para entendê-la é preciso reportar aos seus antigos modelos. Por meio desta análise será possível observar a dinâmica das relações familiares. Caracterizada pelo patriarcalismo na Grécia e na Roma antiga, ela era subordinada ao pai de família. Fica claro nesta época a servidão em que a família vivia, e o poder que o pai de família detinha sobre todos, podendo inclusive decidir pelo direito de vida ou morte dos mesmos. Com a mentalidade dominada pela religiosidade acreditava-se que o estilo de vida de cada um era decorrente da vontade divina. Havia dois tipos de família: Nobre e Camponesa. A nobre era composta pelos senhores donos de terra, e a camponesa era composta pelos agricultores. O século XVIII é marcado pelo surgimento da família Nuclear: Pai, Mãe e Filhos; em que o pai era o provedor e a mãe a cuidadora. Com o crescimento do capitalismo industrial no século XIX, ocorreram mudanças de valores, hábitos e costumes da família nuclear. Estas mudanças se acentuam ainda mais no século XX, e por fim se consolidam após a I Guerra Mundial, quando as mulheres entram no mercado de trabalho e conquistam vários direitos. No Brasil o ingresso da mulher no mercado de trabalho, deu-se a partir da década de 60, quando o país apresentava um especial crescimento econômico. Na sociedade brasileira, predominava a família nuclear, porém em razão das mudanças citadas anteriormente, a mulher cada vez mais tem ocupado cargos remunerados, e muitas vezes elas tem sido as únicas provedoras das suas famílias. As relações conjugais encontram-se cada vez mais delicadas e o número de filhos passou a ser reduzido. AN02FREV001/REV 4.0 23 Dessa maneira, observa-se principalmente na área urbana o aparecimento de novos modelos de agregação familiar, ao lado da família nuclear hoje com o poder repartido entre os cônjuges, há também a decorrência da união de pais e filhos separados de outro casamento que constitui uma nova família composta por membros da união anterior. Em Roma, a concepção de família já não era mais a mesma. Para o direito, a família já não é mais entendida como um grupo de pessoas ligadas pelo sangue, ou por estarem sujeitas a uma mesma autoridade, mas era confundida com o patrimônio. Dessa forma, a noção de família tem variado através dos tempos. Nos dias atuais a família tem sido pensada em um sentido mais abrangente, não como pessoas ligadas pelo sangue, mas também por outros que convivem no mesmo lar. No Brasil, a família é amparada e protegida por meio de artigos da Constituição Federal e do Código Civil, criados com o objetivo de resguardar esta instituição. Atingido pelas transformações societárias, que provocaram alterações na divisão sociotécnica do trabalho, ocorreram, no Brasil, mudanças significativas nas relações familiares. Por meio da revolução industrial, ocorreu uma separação entre o trabalho e a família. Uma nova divisão de trabalho é estabelecida, não apenas entre homens e mulheres, mas também entre jovens e adultos, alterando as relações de poder intrafamiliar. A família contemporânea brasileira neste contexto é permeada por inúmeros desafios, e várias mazelas fazem parte do seu cotidiano, tais como a violência, o desemprego, a pobreza, as drogas e outras complicações. Percebeu-se então que em diversas áreas, a intervenção de profissionais junto à família é permeada por inúmeros desafios. Tratar dessa temática é incursionar por questões complexas e por realidades reconhecidamente em transformações. Antes do Movimento de Reconceituação, os Assistentes Sociais tinham uma maior atuação junto às comunidades e aos movimentos sociais, e a família foi trabalhada de maneira muito superficial. Depois da Reconceituação, o Serviço Social AN02FREV001/REV 4.0 24 começa a se abrir para várias tendências (funcionalista, fenomenológica, dialética), sobretudo da análise crítica das correntes marxistas e socialistas. O Serviço Social mantém um relacionamento com a questão social desde o início da profissão. No Brasil, este relacionamento tem sido historicamente delimitado, em virtude das conjunturas políticas e socioeconômicas do país, tendo em vista as perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional. O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está explícito no Artigo 226° da Constituição Federal, e se reafirma nas legislações específicas de Assistência Social – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Não só para o Serviço Social, mas para todas as profissões, o tema família não é desconhecido e intervém-se nesta dinâmica a todo instante. Porém, poucos profissionais são preparados para trabalhar as relações familiares e as mudanças ocorridas na estrutura familiar ao longo da história. Na maioria das vezes, o processo de intervenção com as famílias é efetivado apenas no âmbito do atendimento direto, não sendo vislumbradas outras possibilidades de se trabalhar com famílias. É importante que o profissional adote uma postura socioeducativa, de trocas numa relação horizontal, tendo em mente o respeito à individualidade de cada família, procurando não fazer julgamento de valores. O Assistente Social é um profissional preocupado com a acolhida, como diálogo, com a possibilidade de melhorar a qualidade de vida do usuário, além de tornar-se aquele que reforça o papel de facilitador das relações de um grupo familiar. Um dos grandes conflitos enfrentados pelo Assistente Social dentro do projeto ético-político hegemônico é trabalhar demandas, pleitos, exigências imediatas, a dor, o sofrimento, a falta de tudo, a eminência da morte, da perda do outro, enfim a falta de condições de trabalho, as condições de vida e o estilo sem perder a perspectiva de médio e longo prazo. O Assistente Social tem enfrentado muitos desafios, tanto no âmbito privado como no público. Há uma busca constante por intervenções que possam responder às demandas que lhe são apresentadas, num contexto marcado pelo sucateamento das políticas públicas e diante do avanço do capitalismo. AN02FREV001/REV 4.0 25 O Assistente Social por meio do seu trabalho nas diversas áreas pode fortalecer a luta emancipatória dos usuários, por meio de sua escolha teórico- metodológica e eticopolítica. Dessa forma, para uma intervenção social crítica e propositiva o Assistente Social desenvolve metodologias de trabalho com famílias por meio do aprimoramento de conhecimentos técnicos, habilidades e saberes que expressam um reconhecimento social do trabalho profissional. Portanto, o aparato de instrumentos e técnicas, quando articulado a um referencial teórico, garante a análise e a interpretação da realidade, bem como uma atuação coerente e comprometida para a consecução do projeto eticopolítico da profissão. 2.1 DIFERENTES OLHARES SOBRE A FAMÍLIA Os grupos familiares existentes em nosso cotidiano podem ser entendidos como frutos do processo histórico, em que os padrões, costumes e necessidades da sociedade, gestados ao longo do tempo, ajudaram a moldá-los, assim como os papéis de cada membro da família. Esta dinâmica das famílias ocorre de modo ativo de geração para geração, em movimentos gradativos. Para entender as famílias, é necessário retroceder aos modelos mais antigos em que se explicitavam as relações entre pais e filhos nos seus diferentes papéis, bem como as diversas relações entre seus componentes. Conforme Sarti (2005): Pensar a família como uma realidade que se constitui pelo discurso sobre si própria, internalizado pelos sujeitos, é uma forma de buscar uma definição que não se antecipe à sua própria realidade, mas que nos permita pensar como ela se constrói, constrói sua noção de si, supondo evidentemente que isto se faz em cultura, dentro, portanto, dos parâmetros coletivos do tempo e do espaço em que vivemos, que ordenam as relações de parentesco (entre irmãos, entre pais e filhos, entre marido e mulher). Sabemos que não há realidade humana exterior à cultura, uma vez que os seres humanos se constituem em cultura, portanto, simbolicamente (SARTI, 2005, p. 27). AN02FREV001/REV 4.0 26 Na Grécia e na Roma antiga, a família era caracterizada pelo patriarcalismo, todas as pessoas viviam sob o teto do pai da família e eram subordinadas a ele. O pai tinha todo poder sobre seus dependentes, incluindo sua mulher, escravos, parentes e filhos, os quais lhe deviam respeito e obediência. O poder sobre os seus filhos, era o mesmo que tinha sobre os seus escravos, podendo-lhes conceder a vida ou a morte, os favores ou os rigores da lei. A justiça que o pai aplicava no âmbito doméstico era de sua alçada exclusiva, não restando aos que se julgassem prejudicados qualquer recurso. Este poder que o “pater familias” possuía era exercido desde o primeiro dia de nascimento de seu rebento, já que o pai tinha o direito de aceitar ou rejeitar o recém-nascido, chegando a ponto de poder vender seu próprio filho como escravo ou matá-lo, se julgasse oportuno. Observa-se a influência que o escravismo, base da vida econômica e social das antigas sociedades grega e romana, exerceu sobre a constituição do modelo familiar em que o pai era a autoridade máxima da casa, detendo em suas mãos um poder descomunal e sobre seus dependentes, o poder de aceitar ou rejeitar, conservar ou vender, preservar a vida ou determinar morte de seus filhos e dependentes. Mais tarde, já na era cristã, os poderes do “pater familias” no Império Romano foram limitados com a proibição da pena de morte sobre os filhos. Mesmo assim, neste modelo familiar da antiguidade clássica os filhos e mesmo a mulher, igual a todos dependentes, continuavam sendo propriedade do chefe da família e considerados como coisas sua, indivíduos esvaziados do sentido de humanidade por força das leis e dos costumes então vigentes. Após a invasão do Império Romano pelas tribos germânicas, no século XII, teve início o período denominado Idade Média apresentando mudanças fundamentais nas sociedades. No início deste período, as sociedades eram essencialmente rurais, dependentes da agricultura e com uma estratificação social rígida e estática. A mentalidade do homem medieval passou a ser regida pela sua fé religiosa, crendo-se que o modelo social em que viviam, era decorrente da vontade divina e/ou um reflexo do céu para o qual deviam preparar-se nesta vida terrena. A igreja AN02FREV001/REV 4.0 27 Católica tinha o domínio e o monopólio sobre as mentes de milhões de indivíduos dos mais diversos países. Nesta época, a família também experimenta tal mudança, que, de modo geral passou a se falar de dois tipos: a família nobre e família camponesa. A família nobre era formada por senhores de terras que cuidavam em preparar-se para a guerra e em manter a ordem em seus domínios. Valorizavam-se, assim, no desenvolvimento da educação de seus filhos, a ideia de hierarquia, os valores de obediência e lealdade a seus superiores, o preparo nas armas com o objetivo de, um dia, torná-los cavaleiros. Já a família camponesa tinha sua vida em torno da produção agrícola da qual participavam todos seus componentes. Os membros desta família tinham poucos momentos de intimidade, pois grande parte do tempo era preenchida no desenvolvimento de atividades, tanto para os adultos quanto para as crianças, no espaço da comunidade. Nos séculos XIII, XIV e XV, justamente a partir do período final da Idade Média e começo da Moderna, mais especificamente na época do Renascimento, a criança ganha um súbito valor para a sociedade, tida como um indivíduo diferenciado do adulto, com especificidades próprias. Conforme afirma Aries (1981, p. 123): Na Idade Média esse sentimento não existia. Quando a criança não precisava mais do apoio constante da mãe ou da ama, ela ingressava na vida adulta, isto é, passava a conviver com os adultos em suas reuniões e festas. Essa infância muito curta fazia com que as crianças ao completarem cinco ou sete anos já ingressassem no mundo dos adultos sem absolutamente nenhuma transição. Ela era considerada um adulto em pequeno tamanho, pois executava as mesmas atividades dos mais velhos. Era como se a criança pequena não existisse. A infância, nesta época, era vista como um estado de transição para a vida adulta. O indivíduo só passava a existir quando podia se misturar e participar da vida adulta. Não se dispensava um tratamento especial para as crianças, o que tornava sua sobrevivência difícil. Segundo Moliére, grande gênio do teatro, contemporâneo daquela época, a criança muito pequena, demasiado frágil ainda para se misturar à vida dos adultos, “não contava”, porque podia desaparecer. A morte de crianças era encarada com naturalidade, “perdi dois filhos pequenos, não sem tristeza, mais sem desespero”, afirmava Montaigne. Todas as crianças, a partir dos sete anos de idade, independente de sua condição social, eram colocadas em famílias estranhas para aprenderem os serviços domésticos. Os trabalhos domésticos não eram considerados degradantes e constituíam uma forma comum de educação tanto para os ricos como para os pobres. O primeiro sentimento que surge em relação à infância é a “paparicação”. Ele surge no meio familiar, na companhia das crianças pequenas. As pessoas não AN02FREV001/REV 4.0 28 hesitam mais em admitir o prazer provocado pelas maneiras das crianças pequenas, o prazer que sentem em paparicá-las. Com o tempo esse hábito expandiu-se e não só mais entre os bem-nascidos, mas, também, já junto ao povo ele pôde ser observado. A criança por sua ingenuidade, gentileza e graça, se torna uma fonte de distração e de relaxamento para os adultos. Dessa forma, por meio desta valorização da infância como um período diferenciado da fase adulta, começa-se desenhar, ainda que palidamente, algo como a tradicional família nuclear – pai, mãe e filhos. Deve-se lembrar, entretanto, que elementos como o patriarcalismo e a tradição familiar (pai, mãe e filhos), ainda são muito presentes na família desta época, apesar das inúmeras modificações já em curso. No final do século XVI a criança já tem consolidada sua posição de “ser” diferente. Esta mudança é relevante se levarmos em conta que em grande parte da Idade Média a criança era considerada como um adulto em miniatura a quem era requerido o desempenho de diversas obrigações diárias, similares às dos adultos. De acordo com Aries (1981, p. 34): A noção de criança bem educada não existia no século XVI, formou-se no início do século XVII através de visões reformadoras da elite de pensadores e moralistas que ocupavam funções eclesiásticas ou governamentais. Com essa preocupação a criança bem educada seria preservada das rudezas e da imoralidade, que se tornariam traços específicos das camadas populares e dos moleques. É em meados do século XVII que surge a preocupação com a educação formal dos filhos, principalmente no seio da burguesia, já acostumada a conviver numa família menor, compostas por um número limitado de componentes: os pais rodeados por seus filhos, residindo numa mesma casa. Aries (1981, p. 66) afirma que: No início do século XVII, foram multiplicadas as escolas com a finalidade de aproximá-las das famílias, impedindo desse modo, o afastamento dos pais- criança. Neste século também foi criado para a criança um traje especial que as distinguia dos adultos. Foi no século XVIII que se completou o surgimento da família denominada nuclear, composta por pai, mãe e filhos. Esse modelo típico veio a se consolidar em fins deste século, com a multiplicação dos colégios, representando a liberação da mãe da obrigatoriedade de ser educadora exclusiva dos seus inúmeros filhos. AN02FREV001/REV 4.0 29 A família nuclear tem no pai o seu provedor e na mãe a fonte dos cuidados do lar. Nela podemos ver nitidamente a separação entre o espaço público e o privado, e assim pouco se envolve com as atividades e eventos do mundo externo. Os filhos tornaram-se o centro dos cuidados e preocupações dos pais, tornando-se impossível perdê-los ou substituí-los sem passar por um grande sentimento de dor. Apesar da consolidação da família nuclear ter ocorrido no século XVIII, foi no século XIX, auge do capitalismo industrial, que ela encontrou seu apogeu como modelo familiar dominante, principalmente devido à multiplicação da classe média nas sociedades europeias e das facilidades domésticas advindas da industrialização. Todas estas mudanças tiveram influência nos modelos familiares vigentes: ao lado do crescimento do modelo nuclear, demonstrando o surgimento da família proletária. Ao lado das mudanças econômicas e sociais causadas pelo crescimento do capitalismo industrial do século XIX, destaca-se a mudança de valores, hábitos e comportamentos advindos da industrialização crescente tais como: a liberdade individual, a autossatisfação e o consumismo materialista. Observa-se a exaltação do indivíduo como o portador de inúmeros desejos lícitos, os quais, a produção de bens em escala deveria satisfazer. Este indivíduo não era mais simplesmente o cidadão, súdito, nobre, plebeu ou burguês, mas ganhou a denominação genérica de consumidor, voraz senhor de inúmeras coisas. A família nuclear sofreu ao longo das décadas do conturbado século XX, mudanças significativas, notadamente em relação ao papel da mulher no seio da família. Isto é, após a Primeira Guerra Mundial as mulheres na Europa começaram a ingressar na vida profissional, conquistando direitos sociais e políticos como, por exemplo, o direito ao voto. Conforme afirma Falcão (2003, p. 80) a inserção da mulher no mercado de trabalho: Iniciou com as I e II Guerras Mundiais em que as mulheres tiveram que assumir a posição dos homens no mercado de trabalho. Com a consolidação do sistema capitalista no século XIX, algumas leis passaram a beneficiar as mulheres. Mesmo com estas conquistas algumas explorações continuaram a existir. Através da evolução dos tempos modernos as mulheres conquistaram seu espaço. AN02FREV001/REV 4.0 30 No Brasil, o ingresso das mulheres no mercado de trabalho deu-se a partir, principalmente, da década de 60, momento de especial crescimento econômico do país e de ampliação dos desejos de consumo da classe média urbana. Nas últimas décadas do século XX, a sociedade brasileira após anos de ditadura experimentou uma reforma política. Da mesma maneira, a sociedade, em seus vários níveis, tornou-se mais plural, e como não poderia deixar de ser, desde então, a família tem experimentado uma pluralidade de modelos coexistindo simultaneamente, no campo e na cidade. Em nossa sociedade brasileira, no alvorecer do século XXI, encontramos o predomínio da família nuclear, com novas características. Ela não é mais patrimônio exclusivo da burguesia, uma vez que este modelo difundiu-se entre outras camadas sociais. As relações dos membros da família nuclear encontram-se bastante alteradas, por conta de fatores externos como a instabilidade econômica dos tempos de globalização e o desemprego estrutural. Cada vez mais a mulher tem buscado ocupações remuneradas fora de casa como forma de prover o sustento da família. As crianças que têm seus pais trabalhando as duas jornadas de trabalho contam com pouco tempo de escolaridade, ingressando cedo no mercado de trabalho. As uniões conjugais encontram-se mais instáveis, o número de divórcios e separações judiciais tem aumentado ano a ano, o que tem causado um aumento significativo no número de famílias chefiadas por mulheres, e estas têm que conciliar a maternidade com a carreira profissional. Ao lado disso, encontra-se o número de filhos que passou a ser reduzido, com significativa queda da taxa de fertilidade na área urbana. Em outros casos, o genitor passa a assumir as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos, papel antes desempenhado exclusivamente pelas mulheres. Conforme afirma Berquó (1989, p. 98): A desagregação dos laços matrimoniais parece caracterizar atualmente amplos setores tanto dos países industrializados como dos subdesenvolvidos e dos em desenvolvimento. Estudos realizados em alguns países da América Latina apontam mudanças significativas no sistema de reprodução humana detectáveis pela crescente queda da fecundidade, pelo aumento do número de divórcios, de uniões consensuais e de famílias monoparentais. AN02FREV001/REV 4.0 31 Dessa maneira observa-se, principalmente na área urbana, o aparecimento de novos modelos de agregação familiar: ao lado da família nuclear que hoje conta com o poder de chefia repartido entre os cônjuges, tendo em vista o trabalho fora de casa, houve o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres e a diminuição do número de filhos. Há ainda, outro elemento: o surgimento de famílias em decorrência da união de pais e mães separados de outros casamentos, que levando os filhos tidos na antiga família, para a constituição de uma nova, já composta por membros da união anterior. 2.2 FAMÍLIA BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE A sociedade contemporânea há algum tempo vem sofrendo profundas mudanças, trazendo significativas repercussões nas relações de trabalho e de produção. Na era da globalização da economia, das inovações tecnológicas (robótica, automação, microeletrônica), tem sido preponderante a flexibilização dos processos de trabalho, determinando novas modalidades de produção, gestão e consumo da força de trabalho. O que se presencia no momento é uma crise estrutural do capital, que teve início nos anos 70 e que perdura até nossos dias. Assim, o capital, em busca de respostas à sua crise, deflagra um processo de reestruturação produtiva, trazendo profundas mudanças no mundo do trabalho. O Brasil é profundamente atingido pelas transformações originadas pela globalização dos mercados e o avanço do Neoliberalismo. Na atualidade, o país vive um momento de redefinição, porque os rearranjos políticos internacionais aprofundaram ainda mais as diferenças, por um lado a concentração da riqueza e por outro o empobrecimento da população, afetando principalmente o mundo do trabalho, apresentando altos índices de desemprego e novos modelos de organização e estruturação, causando a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de trabalho. Reduzindo cada vez mais as responsabilidades do Estado sobre a seguridade social e os direitos sociais da população. AN02FREV001/REV 4.0 32 Ao se falar em família neste começo de século, evidenciam-se as mudanças nos padrões de relacionamentos, que se iniciam com a perda do sentido da tradição. Conforme afirma Sarti (2005, p. 108): Vivemos numa sociedade onde a tradição vem sendo abandonada como em nenhuma outra época da História. Assim, o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho, antes vividos a partir de papéis preestabelecidos, passam a ser concebidos como parte de um projeto em que a individualidade conta decisivamente e adquire cada vez maior importância social. As transformações societárias provocaram alterações na divisão sociotécnica do trabalho, modificando as relações familiares. Com isso, a família deixou de ser uma “unidade de produção” e passou, a se constituir uma “unidade de consumo”. Conforme afirma Netto (1996, p. 46): Parece assente que conjunturas (e a palavra não se refere apenas a lapsos temporais de curta duração) de rápidas e intensas transformações societárias constituem o solo privilegiado para o processamento de alterações profissionais – seja o redimensionamento de profissões já consolidadas, seja o surgimento de novas atividades e ramos profissionais. O mundo do trabalho e o mundo familiar foram separados pela revolução industrial e uma das transformações mais significativas na vida familiar é a crescente participação feminina no mercado de trabalho. O fato de as mulheres brasileiras tornarem-se contribuintes e parceiras no orçamento doméstico, tem-lhe conferido uma nova posição na estrutura familiar e alterado os vínculos que as unem ao marido e aos filhos e redimensionando a divisão sexual do trabalho. Diante dessa nova estrutura familiar, partes dos trabalhos domésticos são distribuídos entre esposa, marido e filhos, sendo que o marido e os filhos agora realizam tarefas que antes eram realizadas apenas pelas mulheres. Como os ganhos são insatisfatórios para a manutenção da família, o adolescente tem ingressado cada vez mais cedo no mercado de trabalho, abandonando assim a escola para reforçar a renda familiar, contrariando o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu Artigo 60: “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. AN02FREV001/REV 4.0 33 Conforme afirma Sarti (2005): Vivemos uma época como nenhuma outra, em que a mais naturalizada de todas as esferas sociais, a família, além de sofrer importantes abalos internos tem sido alvo de marcantes interferências externas. Estas dificultam sustentar a ideologia que associa a família à ideia de natureza, ao evidenciarem que os acontecimentos a ela ligados vão além de respostas biológicas universais às necessidades humanas, mas configuram diferentes respostas sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres em contextos históricos específicos (SARTI, 2005. p.21). As mudanças mais significativas referentes à família brasileira estão relacionadas ao impacto do desenvolvimento tecnológico da sociedade como um todo. As intervenções feitas por meio da tecnologia sobre a reprodução humana colocam em destaque o caráter natural atribuído à família e quebra a sua relação com a natureza, já que a ideia de como a família deveria ser constituída estava ancorada numa visão que a considerava uma unidade biológica constituída segundo as “leis da natureza”. São mudanças difíceis em razão das experiências vividas e simbolizadas na família por meio de dispositivos jurídicos, médicos, psicológicos, religiosos e pedagógicos, e também disciplinares existentes na sociedade. A família contemporânea brasileira é permeada por inúmeros desafios, dentre eles se destacam a violência intra e extrafamiliar, desemprego, pobreza, drogas e outras situações que atingem a família. As mudanças sociais ocorridas ao longo da segunda metade do último século redefiniram progressivamente os laços familiares. Tratar de temáticas da família contemporânea é incursionar por questões complexas e por realidades reconhecidamente em transformação. Percebemos então, que entender a constituição familiar requer uma observação atenta e um olhar crítico para as diversas questões que perpassam a família, a comunidade, e a realidade social na qual está inserida. São necessários vários aspectos para se compreender o objeto em questão. Conforme afirma Heloisa Szymanski (2002), a família tem sido vista como um sistema linguístico construído, no qual significado e compreensão são social e intersubjetivamente construídos em que a mudança é a evolução de novos significados por meio do diálogo. AN02FREV001/REV 4.0 34 O mundo familiar mostra-se numa vibrante variedade de formas de organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas na busca de soluções para as vicissitudes que a vida vai trazendo. Desconsiderar isso é ter a vã pretensão de colocar essa multiplicidade de manifestações sob a camisa-de-força de uma única forma de emocionar, interpretar, comunicar (SZYMANSKI, 2002, p. 56). Sabe-se que é necessário discutir a família como a união de um grupo social que pode ocorrer das mais variadas formas possíveis. É por meio destas novas formulações familiares que conflitos são despertados e preconceitos aflorados. Uma família que não atenda aos padrões estabelecidos por determinado grupo de pessoas, pode fazer com que este respectivo grupo tenha uma atitude de reprovação, ou seja, reprova-se aquilo que não é entendido. De acordo com Frederico Poley apud Goldani (1993, p. 72): Dado que as famílias não só respondem às transformações sociais, econômicas e demográficas, mas também geram, tem sido difícil para os estudiosos da família brasileira interpretarem as mudanças nas estruturas familiares no tempo. A visão dicotômica – entre o tradicional e o moderno – que toma em conta modelos de família elaborados com base nas classes dominantes (rurais) e das classes médias (urbanas) já não satisfaz. Não só por suas limitações como modelos interpretativos associados a uma concepção de família e de tipologias de famílias, mas também porque obscurece a realidade da maioria das famílias brasileiras que pertencem às chamadas camadas populares. A família brasileira em suas diversas formas está ligada às diferentes estruturas da sociedade. Apresenta relações diversificadas que demonstram as várias formas de estrutura familiar que o homem é capaz de desenvolver. Caracteriza-se também por divergências sociais de naturezas diversas como: violação dos direitos humanos, exploração e abuso, barreiras econômicas, sociais e culturais, que atrapalham o desenvolvimento dos seus membros. 2.3 FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL Analisando a história do Serviço Social vê-se que o trabalho com famílias sempre foi uma preocupação do profissional. AN02FREV001/REV 4.0 35 De acordo com Silva (1987): Já Mary Richmond, em seu Diagnóstico Social, mostrava a importância de se considerar o cliente em suas múltiplas relações sociais, em especial com sua família de origem, considerando este, ‘muitas vezes’ o único caminho para obter resultados completos e duradouros. Enfatizava também a necessidade de proceder a um estudo da família, de suas características básicas, de sua importância na gênese e no desenvolvimento dos problemas apresentados pelo cliente e das interferências do meio social sobre esta família caracterizada como ‘unidade integradora’. A partir dessa época, toda a literatura do Serviço Social reafirma a necessidade de não se isolar o indivíduo de seu contexto familiar (SILVA, 1987, p. 84). A família era tomada como unidade a partir das disfunções sociais apresentadas. A proposta de intervenção baseava-se no ajustamento social, e este foi o enfoque dado ao universo familiar, para ajustar a família aos princípios propostos pelas classes sociais dominantes e manter assim a ordem social vigente. Nessa perspectiva, o Estado foi fundamental, apresentando o papel de trabalhar as famílias, especialmente as oriundas das classes empobrecidas. A ação do Estado e de muitos profissionais que estavam ao seu serviço partia do pressuposto de que algumas famílias eram incapazes de educar as crianças e os adolescentes, em função de sua estrutura considerada inadequada para permitir o bom desenvolvimento destes. Até o Movimento de Reconceituação, a questão da família foi tratada de maneira relativa, em função da atuação junto a comunidades e movimentos sociais. A partir de 1965, o Serviço Social passou pelo Movimento de Reconceituação, que se desdobrou em várias tendências; dentre elas, sobretudo, a modernização (funcionalista, fenomenológica e eclética) das correntes marxistas e socialistas de vários matizes. O Serviço Social tem seu surgimento marcado pela consolidação do sistema capitalista no momento de sua manifestação como monopólios, momento este marcado pelo afloramento da “questão social”. Entendida aqui como afirma Iamamoto (2007): [...] conjunto das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do ‘trabalhador livre’, que depende da venda de sua força de trabalho como AN02FREV001/REV 4.0 36 meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando e, causa as relações entre amplos segmentos da sociedade cível e o poder estatal (IAMAMOTO, 2007, p.16- 17). A “questão social”, objeto do Serviço Social tem uma relação com o Serviço Social desde sua gênese como profissão, ela sustenta sua base de intervenção. Todavia, não se coloca de imediato nesta relação, pois “as conexões genéticas do Serviço Social profissional não se entretecem com a questão social, mas com suas peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica” (NETTO, 2000, p. 18). Essa forma de conceber o Serviço Social é entender que o mesmo se constitui a partir de um momento histórico determinado, assim, a profissão é determinada sócio-historicamente, a mesma se constrói sustentada pela contradição. Seu significado social se dá, segundo Iamamoto (1992), na vinculação concreta que esta profissão vai ter na sociedade capitalista, ou seja, na contradição entre quem paga e quem demanda seus serviços. É importante destacar que a profissão não se dá de forma aleatória. O que ocorre é um reordenamento interno do capitalismo evidenciando um espaço concreto para institucionalização da profissão. Dessa forma, entende-se que esse processo constitui-se em um processo de ruptura, conforme analisa Netto (1992), em razão da condição de assalariamento que este profissional assume, tornando-se este momento fundamental para que posteriormente este sujeito se compreenda enquanto membro da classe trabalhadora. Isso provoca um avanço na construção da categoria profissional, ou seja, na sua trajetória histórica. Os assistentes sociais no final da década de 70 e início dos anos 80 construíram aliança com as classes trabalhadoras, tentando dar à prática uma nova direção. Esse posicionamento permitiu perceber a família no interior da questão mais ampla, contraditória e complexa do conflito de classes, sujeitando o entendimento da realidade social a todas as determinações, condicionamentos e influências decorrentes do novo enfoque. Mas essa mudança de percepção não atingiu as políticas sociais, que deveriam voltar para o atendimento familiar. Essa trajetória histórica delineada a AN02FREV001/REV 4.0 37 partir das lutas sociais desenvolvidas em torno das questões da família, não favoreceu a construção de uma política específica de atenção, na época. Para Takashima (1994, p. 65), a família brasileira sempre foi tratada por meio de políticas sociais de atendimento centradas nas figuras da “maternidade e infância”, “menor abandonado; delinquente”, “menino de rua”, “excepcional” e “idoso”. Para a autora, o problema disso é que todos esses foram vistos de forma isolada e descontextualizada até mesmo de seus valores socioculturais. Embora não exista política específica de atenção à família esta se insere, ainda que de forma fragmentada, nas distintas políticas públicas de áreas como saúde, educação e habitação, por exemplo, por meio dos diferentes segmentos que compõem, tais como mulher, criança, adolescente e idoso. Estas transformações societárias vêm implicando, não só a emergência de novas demandas para o Serviço Social, como na necessidade premente de redimensionar a formação profissional a partir de procedimentos investigativos que tomem como objeto as mudanças do espaço ocupacional do Assistente Social. Esta contradição, que dá materialidade ao significado social da profissão e marca sua identidade profissional, é concebida como parte integrante de sua organização como profissão, isto é “não se revela de imediato, não se revela no próprio relato do fazer profissional, das dificuldades que vivenciamos cotidianamente” (IAMAMOTO, 1992, p. 120). Ela é compreendida e adquire sentido no espaço das relações sociais concretas da sociedade da qual é parte. Ao compreender esse movimento, pode-se dizer que a profissão avançou. No sentido de romper com antigas concepções da mesma, deslocadas da realidade, numa visão endógena do Serviço Social (IAMAMOTO, 1992) que não compreendia essa forma histórica de reconhecer a profissão no rol de profissões que surgem a partir de um determinante histórico que é a questão social. Conforme Netto (2000): [...] a base própria da sua profissionalidade, as políticas sociais, conformam um terreno de conflitos – e este é o aspecto decisivo – constituídas como respostas tanto às exigências da ordem monopólica como ao protagonismo proletário, elas se mostram como territórios de confrontos nos quais a atividade profissional é tensionada pelas contradições e antagonismos que as atravessam enquanto respostas (NETTO, 2000, p. 78). AN02FREV001/REV 4.0 38 A profissão ao defender os interesses da classe trabalhadora, ao buscar fundamentação teórica para compreender essa realidade contraditória onde se insere, passou a produzir novos conhecimentos e dar novas respostas para seu exercício profissional no sentido de atender às demandas postas pela questão social, tanto as já existentes como as novas, requerendo. Segundo Iamamoto (2007): [...] no seu enfrentamento, a prevalência das necessidades da coletividade dos trabalhadores, o chamamento à responsabilidade do Estado e a afirmação de políticas sociais de caráter universal, voltadas aos interesses das grandes maiorias, condensando um processo histórico de lutas pela democratização da economia, da política, da cultura na construção de uma esfera pública (IAMAMOTO, 2007, p. 10-11). Assim, compreender a questão social a partir das transformações societárias pós-setenta é, como expõe Iamamoto (2007, p. 114): Uma sociedade em que a igualdade jurídica dos cidadãos convive contraditoriamente, com a realização da desigualdade. Assim, dar conta da questão social, hoje, é decifrar as desigualdades sociais - de classes - em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio-ambiente, etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais. Essas novas expressões da questão social apresentam uma demanda por serviços anteriormente inexistentes e que precisam receber respostas eficientes, seja via ações públicas ou privadas. Para responder a essas demandas apresentadas pela família, exige-se um profissional que, nos dizeres de Iamamoto (2007, p. 49), seja: Exige-se um profissional qualificado, que reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade. Alimentado por uma atitude investigativa, o exercício profissional cotidiano tem ampliadas as possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalho nesse momento de profundas alterações na vida em sociedade. O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações quotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente” e nela atuar, contribuindo, também para moldar os rumos de sua história.
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