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Aula 02

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ob
jet
ivo
s
Metas da aula 
Evidenciar nos textos fatores ligados às subjetividades dos autores, 
bem como discutir questões que interferem na criação literária, 
considerando entrevistas, depoimentos, aspectos biográficos, 
histórias, memórias dos escritores.
Esperamos que, ao final desta aula, você seja 
capaz de:
1. reconhecer a complexidade que envolve o 
processo de criação literária do autor;
2. identificar traços importantes na escrita do 
autor, relacionados a diversos aspectos: sociais, 
literários, biográficos, políticos, contextuais;
3. estabelecer a sua leitura para além dos aspectos 
grafados no texto literário, aplicando-a aos que 
também compõem a subjetividade. 
Em cartaz: o escritor em 
“um mundo de histórias”
Henriqueta Do Coutto Prado Valladares 
Bianca Karam Athayde 
Dayhane Ribeiro Paes 2AULA
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
C E D E R J2 4
INTRODUÇÃO
Na Aula 1, destacamos textos teóricos que problematizavam questões concer-
nentes ao sujeito que escreve e ao sujeito que lê textos literários. Pluralizamos, 
portanto, o sujeito. Levamos em consideração que existe uma rede complexa 
ligada às subjetividades da escrita, na medida em que percebemos o quanto 
é difícil definirmos univocamente um Eu. 
Nessa teia que o envolve, estão, dizíamos lá, múltiplas faces que esta subje-
tividade assume em diferentes espaços, situações, vivências e circunstâncias 
diversas, como no trabalho, no lazer, na família, no ambiente acadêmico, nas 
redes sociais. Desempenhamos papéis que nos são impostos, uma espécie 
de comportamento para, digamos assim, uma possível sobrevivência nesses 
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2grupos. Em nosso cotidiano, somos submetidos aos frames (molduras) que 
nos fazem agir de maneira específica em várias situações, pois a convivência 
nos obriga a isso. Por isso, nós nos comportamos de uma forma assistindo a 
uma partida de futebol e, de outra, em uma palestra sobre a profissão que 
exercemos. Tratamos de forma diferenciada o nosso cliente, quando preten-
demos fechar um negócio profissional, e o nosso amigo, que encontramos 
num fim de tarde para relaxar depois de um dia cansativo de trabalho. 
Dessa forma, percebemos que estamos, mesmo fora do espaço literário, 
como em um teatro, várias vezes em um mesmo dia, assumindo diferentes 
performances. Poderíamos, então, concluir que o espaço ficcional não está 
só no palco do teatro, mas em nosso dia a dia. Descobrimos que nós tam-
bém representamos e que, assim, a representação literária de um Eu é uma 
representação da representação. 
Nesta segunda aula, perceberemos que o assunto sobre autoria ainda não se 
esgotou em nossa primeira aproximação. Temos muitos caminhos a percorrer 
ao se tratar dessa subjetividade da escrita. Por isso, tão logo tomamos um livro 
(romance, conto, novela, poema) em nossas mãos, queremos saber não só 
da história que conta. Curiosamente nos interessamos pela história de quem 
conta. Novamente em cena: o autor. O anonimato é, para nós, insuportável, 
dizia-nos Foucault. Então, cada livro aberto suscita também outras fontes onde 
queremos beber para saciar nossa sede de saber. Queremos conhecer mais 
sobre a vida do autor. Quando ele descobriu a sua vocação para tal tipo de 
arte? Também atua em outra modalidade artística? Alguém, especialmente, 
o incentivou a ser um escritor literário? De que forma ele cria? Que outros 
escritores o influenciaram, ou não houve influência externa? De que maneira 
aquela subjetividade “vê” o mundo em que vive? 
São questões e respostas que irão variar segundo cada escritor escolhido 
para leitura. Trata-se de perguntas recorrentes em muitas entrevistas, o que 
nos prova que não estamos sozinhos em nossas buscas. Vejamos algumas 
observações, pertinentes ao tema, em duas partes.
PARTE I: DOS QUE CRIAM ESCRITAS
Sobre as relações entre vida e obra, já destacamos que estas não 
são tranquilas de se estabelecer. Afinal, precisamos das biografias espe-
cializadas, de entrevistas, depoimentos, palestras, cartas assinadas pelo 
próprio autor, para que se afirme a relação intrínseca entre as duas. 
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
C E D E R J2 6
Affonso Romano de Sant’Anna, poeta que também escreve crônicas em 
jornal, publicou em O Globo (em “A voz da Poesia”) um texto sobre 
essa extrema dificuldade, dizendo que há, na poesia, uma “estranha 
relação entre o eu e o mundo. O pessoal e o social. Há de haver uma 
orquestração” (SANT’ANNA, 2012). 
Notamos essa orquestração explícita, por exemplo, na dedicatória 
do poeta romântico Fagundes Varela, no poema “Cântico do Calvário” 
– “À memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863” –, em 
que se observa a direta relação de um fato ocorrido em sua vida e com o 
texto. No entanto, outras aproximações não são tão diretas assim. Elas 
podem acontecer também ao revés. O escritor americano Paul Auster, 
considerado na Aula 1, revela em entrevista que não havia entre ele e o 
pai uma forte convivência. Ela se fazia sim com a mãe, bastante presente 
na vida de Auster. No entanto, em sua literatura, a figura do pai é muito 
mais incisiva do que a da mãe.
Observamos outro exemplo em uma crônica de Manuel Bandeira, 
em que o escritor fala de dois aspectos: da afetividade de sua mãe, repre-
sentada por meio de várias palavras no diminutivo, e de como Mário 
de Andrade percebia este traço na escrita da poesia de Bandeira. Lê-se, 
então, na crônica “Minha Mãe”, o reconhecimento do autor sobre esta 
influência, dita da seguinte maneira: 
Notou Mário de Andrade como em minha poesia a ternura se trai 
quase sempre pelo diminutivo; creio que isso (em que não tinha 
reparado antes da observação de Mário) me veio de diminutivos 
que minha mãe, depois que adoeci, punha em tudo que era para 
mim: ‘o leitinho de Nenen’, ‘a camisinha de Nenen’... Porque ela 
me chamava assim, mesmo depois de eu marmanjo. Enquanto ela 
viveu, foi o nome que tive em casa, ela não podia acostumar-se 
com outro. Só depois que morreu é que passei a exigir que me cha-
massem – duramente – Manuel (BANDEIRA, 1972, p. 185-187). 
Julio Cortázar, escritor argentino, abriu uma palestra proferida 
em Cuba contando um acontecimento insólito. Uma senhora que ele 
havia encontrado no aeroporto afirmava veementemente que ali, com 
certeza, não estava Julio Cortázar, que ele era um outro. O verdadeiro 
Julio Cortázar, ela o conhecera em outra ocasião e lugar, afirmava para 
o próprio, taxativamente. A situação de dúvida lançada pela interlocu-
tora para Cortázar, ele mesmo, coincide na verdade com aspectos de sua 
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2obra literária, que suscita em seus leitores o mesmo tipo de desconforto, 
estranhamento e dissolução de certezas absolutas. 
O escritor português José Cardoso Pires (1925-1998) viveu o 
estranhamento que aquela senhora havia imposto a Julio Cortázar. 
O escritor transformou em literatura a experiência clínica de acordar 
um dia e não se reconhecer. Após perder a memória e olhar a própria 
existência como se fosse outra pessoa, inclusive privado dos sinais de 
escrita, Cardoso Pires sentiu-se uma folha em branco. Já recuperado – da 
mesma maneira misteriosa como ficou doente –, o escritor produziu De 
profundis, valsa lenta, texto em que narra: “Ainda hoje estou a ouvir 
aquele ‘é’. Espantoso como bruscamente o meu eu se transformou ali 
noutro alguém, noutro personagem menos imediato e menos concreto” 
(PIRES, 1998). O livro segue expondo a profunda angústia de procurar 
por si mesmo ao passo em que discute a importância da escrita nesse 
processo. Trata-sede um exemplo sensível da relação que se desdobra 
entre o Eu, o Outro e o Outro de mim. 
Já o escritor moçambicano Mia Couto revelou algo muito interes-
sante sobre seu nome. Ele respondeu à seguinte pergunta em entrevista, 
evidenciando uma nova identidade, escolhida por ele mesmo, realcio-
nada mais intimamente com algo de seu gosto pessoal e de prazer de 
convivência com ele mesmo. Essa opção foi acatada pelos que haviam 
lhe dado o nome de batismo: Antonio Emílio Leite Couto. Vejamos o 
trecho da entrevista:
De onde vem o nome Mia?
Vem de um convívio que eu tinha com gatos, com dois, três anos. 
É óbvio que eu não me lembro, mas os meus pais contam-me, e 
têm fotos para comprovar, que eu comia com gatos, dormia com 
gatos, pensava que era um deles. Eram gatos vadios que foram 
para a nossa varanda e ali ficaram. E um dia decidi que queria ser 
chamado Mia. Eles aceitaram e passei a chamar-me assim. Acho 
que foi o meu primeiro acto de ficção. 
Fonte: forum.angolaxyami.com/livros-o-melhor-da-literatura/290509-
-livros-para-todos.
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
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Para não chegarmos à exaustão de exemplos, convidamos 
você, nosso interlocutor, para acessar o blog indicado no link a 
seguir e ler os poetas brasileiros que influenciaram a poesia de 
Affonso Romano de Sant’Anna, a fim de verificar estas vozes 
que vão compondo subjetividades: http://www.avozdapoesia.
com.br/autores.php?poeta_id=207.
Caro aluno, seria bom que você assistisse a este vídeo com a 
entrevista de Mia Couto, disponível no seguinte site: http://
www.youtube.com/watch?v=SzNedHwwPmI&feature=play
er_detailpage.
De influências nas escritas 
Comecemos por Mia Couto, que em entrevista afirmou ter come-
çado sua escrita pela poesia. E como muitos escritores também fazem: 
ouvindo outras vozes. Seu pai, também poeta, reconhecidamente uma 
influência no caminho literário de Mia Couto, apresentou-o ainda a 
outras vozes (uma vez que traduziu e organizou antologias de muitas 
obras literárias), inclusive da poesia brasileira: Manuel Bandeira, Carlos 
Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e, os mais recentes, 
Manuel de Barros, Adélia Prado e Hilda Hilst. 
É importante destacar que, mesmo se não tivermos acesso, direta-
mente, aos depoimentos do escritor sobre tais influências de leituras de 
outros escritores, a nossa leitura da obra já nos permite percebê-las. Estão 
citadas nos textos reiteradas vezes, fazendo-nos crer que no processo de 
criação de uma escrita há outras obras em diálogo mais ou menos visível. 
Nos romances machadianos, evidencia-se que o autor é leitor de 
Shakespeare, Sterne, Poe. Repetidas vezes, Machado de Assis cita obras 
ou trechos de obras literárias destes escritores. Os árcades, como veremos 
mais adiante, são chamados de neoclássicos por admirarem e assumirem 
como “modelos” os escritores clássicos gregos. Os românticos brasileiros 
reverenciavam Musset, Byron, Schiller. 
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2De como nascem as escritas 
Comecemos conhecendo um pouco da história de Cecília Meirel-
les, poetisa brasileira, e de sua relação com um mundo de histórias de 
imaginação que a fascinava em sua infância. Cecília Meirelles perdeu 
mãe e pai muito cedo. O pai morreu três meses antes de ela nascer e 
a mãe também faleceu, quando a menina tinha três anos. A sua tutela 
coube à avó materna, de origem açoriana de São Miguel. Segundo Cecí-
lia Meirelles, pela a avó soube muitas coisas do folclore açoriano. “Ela 
também me cantava rimances e me ensinava parlendas”, dizia Cecília 
recordando a infância. No entanto, foi Pedrina, sua pajem (também por 
pouco tempo), a “companheira mágica” da infância. Era aquela que não 
só lhe contava histórias do folclore brasileiro (histórias de Saci Pererê e 
Mula-sem-cabeça), mas que as “dramatizava, cantava, dançava e sabia 
adivinhações, cantigas, fábulas etc”. 
Cecília Meirelles também revela que tinha uma relação intrínseca 
com o objeto livro, desde sua encadernação, sua capa, seu aspecto gráfico, 
suas ilustrações. Tinha uma verdadeira paixão pelo exemplar de Os Três 
Mosqueteiros, livro que pertencera ao seu avô. “Aquilo era uma história 
que não acabava nunca; e acho que esse era o seu principal encanto para 
mim”, afirmava Cecília (MEIRELLES, 1972, p. 43).
Toda essa vivência influenciou a escritora Cecília Meirelles que, 
desde pequena, já se sentia fascinada pelas parlendas, ouvidas de sua 
avó, por exemplo. O ritmo, as rimas, os versos que ali estavam também 
seriam recursos usados em sua criação literária – a poesia. Uma pré-visão 
de seu futuro profissional.
Os rimances são histórias muito antigas em verso, cavaleirescas, mais ou 
menos cortesãs. Podem ter origem no séc. XV. O primeiro transcrito é a 
outrora célebre “Nau Catarineta” (ou “Nau Catrineta”); o segundo, o 
rimance “Dona Silvana”.
Este gênero de poemas foi durante muito tempo de tradição oral, talvez 
ao modo do que se passou com as danças e cantares folclóricos, que 
também teriam origem cortesã ou fidalga. Em Portugal, quem primeiro 
cuidou da sua recolha foi o Cavaleiro de Oliveira, no séc. XVIII; no século 
seguinte, Garrett deu seguimento à tarefa, como a continuaram mais 
tarde Teófilo Braga e outros. A ideia inicial da recolha foi romântica, 
como aconteceu na Alemanha por meio do trabalho dos irmãos Grimm.
Os dois são poemas moralizantes e em ambos encontramos o que alguns 
chamam de “maravilhoso cristão”, isto é, a intervenção sobrenatural, e 
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
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daí se enquadrarem na temática religiosa. No primeiro, essa intervenção 
é clara; no segundo, quase só sugerida. É interessante notar que a “Nau 
Catarineta” faz referência à época das descobertas marítimas. 
Fonte: lendasexemplares.blogspot.com.br
Já as parlendas são versinhos com temática infantil que são recitados em 
brincadeiras de crianças, como exemplificado a seguir: 
Parlendas
Hoje é Domingo,
pede cachimbo
O cachimbo é de ouro,
Bate no touro,
O touro é valente,
Bate na gente,
A gente é fraco,
Cai no buraco,
O buraco é fundo,
acabou-se o mundo.
Um, dois, feijão com arroz
Três, quatro, feijão no prato
Cinco, seis, falar inglês
Sete, oito, comer biscoito
Nove, dez, comer pastéis
Uni duni tê 
Salamê min guê 
Sorvete colorido 
O escolhido foi 
você
Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/parlendas.htm
As histórias que muitas pessoas, às vezes,querem transmitir a um 
escritor para que as torne contos, romances ou novelas, Cortázar dispen-
sa. Acercam-se dele afirmando: “tenho uma excelente história para seus 
leitores”. Ele agradece, mas diz que um tema espetacular deverá ser como 
“um diamante dentro de um cristal”, algo que possa ultrapassar o mero 
argumento apresentado. Dessa forma, o escritor argentino explicita que 
“escrever revolucionariamente não significa escrever sobre a revolução”. 
Cortázar explica que percebeu, quando esteve em Cuba, o interesse, a 
emoção e a reflexão crítica de camponeses, quando colocados em contato 
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2com a leitura das obras literárias de William Shakespeare. Ao contrário, 
esse público não se fixava nas leituras de obras que alguns autores faziam 
especialmente para eles, usando linguagens e abordando assuntos que 
julgavam ser mais acessíveis para esse tipo de leitor mais simples. Com 
a intenção ideológica de fazer os camponeses assimilarem ideias pro-
pagadas pelo regime político daquele país, os textos – que poderíamos 
chamar de panfletários devido ao conteúdo – não os motivavam para a 
leitura como faziam os escritos por Shakespeare.Pensemos ainda no que diz Machado de Assis, em Esaú e Jacó, 
chamando a atenção de que, muitas vezes, o valor da obra pode não estar 
na história que conta, mas no como se conta. Se pensarmos na história 
do referido romance (a história de dois gêmeos que se apaixonam pela 
mesma mulher, Flora, e disputam não só o amor da moça, mas também 
posições políticas diversas: um é monarquista e o outro é republicano), 
veremos que ela em si não é extraordinária. A força está na maneira 
como é contada. É o que lemos no capítulo LI / “Aqui presente”: “Supõe 
um fio de anedotas ou uma história comprida, cousa alheia: ainda assim 
podia ser deles somente, porque há estados da alma em que a matéria da 
narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo. Também 
podia ser isto” (ASSIS, 1979, p. 1012, grifo nosso). 
Os personagens de ficção: subjetividades criadas
Lembremos que os escritores criam personagens, dão vida a esses 
seres que, se pensamos serem dominados por seus criadores, nos sur-
preendem com a autonomia que assumem, driblando os seus autores.
Essa força narrativa é tão evidente que os escritores equilibram-se 
nas entrevistas quase sempre obrigados a responder: como é o seu pro-
cesso de criação da escrita? Como são criados os personagens por seus 
criadores?
Beth Brait, em seu livro sobre A personagem, reserva nele um 
capítulo – “De onde vêm esses seres” – para que vários escritores brasi-
leiros respondam a esta pergunta.
Ao acompanharmos as mais diversas e diferentes respostas a tal 
pergunta, também flagramos as subjetividades daqueles que escrevem. 
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
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Cada um tem um modo muito próprio e particular de lidar com os seres 
ficcionais que inventam. Se os escritores admitem que os seres de papel 
ou de palavras existem, muitos confessam que tais personagens têm 
muito dos seus próprios criadores. Podem ser aspectos, traços de suas 
personalidades. No entanto, podem ser feitos como mosaicos, ganhando 
de pessoas outras, conhecidas ou não, esses aspectos humanos. 
Um dos escritores entrevistados por Beth Brait usa a imagem dessa 
mistura, dizendo que retira de cada pessoa conhecida traços para compor 
seus personagens, coloca-os em um liquidificador e, assim, bem chacoa-
lhados pelo movimento do aparelho, ganham vida os seus personagens. 
Lygia Fagundes Telles afirma que a convivência, a proximidade 
excessiva com seus personagens durante um bom tempo faz com que 
ela se sinta vampirizada por eles, como se lhe sugassem todo o sangue. 
Revela que, no fim de uma criação artística de um livro que escreve, se 
encontra em absoluto cansaço e exasperação. 
Moacir Scliar fala muito peculiarmente da criação de seus perso-
nagens, apresentando-se também como um deles – o personagem escritor 
Moacir Scliar. Dessa forma, ele se apresenta como um personagem que 
assume o papel de escritor, porque o escritor difere do ser social.
Acompanhei, há muitos anos, Jorge Amado afirmar, em uma entrevis-
ta, que seu desejo em Dona Flor e seus maridos era que Dona Flor escolhesse 
um dos dois pretendentes. No entanto, a personagem havia ultrapassado a 
vontade do próprio escritor, com muita vida, personalidade e vontade pró-
prias, por isso, ficando com os dois. Zélia Gattai, sua esposa, ao passar na 
porta do escritório, onde Jorge escrevia, foi testemunha do momento em que 
o escritor reconheceu o fato de ter perdido o controle de sua personagem. 
Ela passou exatamente no instante em que Jorge desabafava com Dona Flor: 
“Sua bandida, você me traiu, ficando com os dois maridos”. 
Atentemos ainda para uma observação de Umberto Eco sobre a 
estranha reação de um amigo que se mostrou ofendido com a publicação 
de um de seus livros, por achar que, um dos personagens revelava uma 
história sigilosa, um verdadeiro segredo de sua família. No entanto, 
Eco jamais conhecera o tio desse amigo e nada sabia sobre a misteriosa 
história familiar dele.
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2
Atende ao objetivo 1
Procure, em alguma entrevista com um escritor brasileiro, aspectos rela-
cionados à sua subjetividade. Comente as afirmações do próprio autor 
acerca de sua escrita.
RESPOSTA COMENTADA
Você pode destacar da entrevista com o autor como ele se descobriu 
escritor. Escreva se houve influência de leituras de outros escritores 
ou se alguém (como aconteceu com Cecília Meirelles e com Mia 
Couto) despertou nele o interesse pela escrita. 
ATIVIDADE
PARTE II: DE UM PERSONAGEM EM DESTAQUE: 
O NARRADOR 
Ainda temos que tratar de um personagem muito importante, 
criado pelo autor: o narrador da obra ficcional. O autor o constrói de tal 
forma que cabe a ele a direção da narrativa. É o narrador que conduzirá 
os leitores pelos “bosques da ficção”, com a função de assumir, algumas 
vezes, uma vida quase independente do ser social do autor. O narrador 
pode ser um personagem feminino inventado por um autor masculino 
ou ao contrário. Além disso, sabemos que de pontos de vista masculino 
ou feminino podem vir tomadas de posições diversas. 
Machado de Assis criou em Dom Casmurro o personagem Ben-
tinho. É ele, não esqueçamos, um advogado, o narrador da sua história 
com Capitu. Obviamente, com o poder de convencimento, hábil em criar 
um discurso que sustente e ampare os argumentos para as suas defesas, 
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
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conduz de tal forma seu ponto de vista que transfere para quem acom-
panha o seu relato a dúvida que sente em relação à traição (ou não) de 
Capitu e Escobar. 
Umberto Eco lembra que um autor pode emprestar a um cão o 
ponto de vista de uma narrativa. Foi o que fez P. G. Wodehouse, que 
“certa vez escreveu na primeira pessoa as memórias de um cachorro – 
uma demonstração de que a voz que narra não é necessariamente a do 
autor” (ECO, 1994, p. 20). A afirmação de Umberto Eco nos leva nova-
mente ao que Barthes enuncia: “quem fala na narrativa não é quem é”, 
como lemos na nossa primeira aula. 
Para contar a história, o narrador pode assumir um só ponto de 
vista, tendo uma posição de câmera que, de fora da trama, vai acom-
panhando o desempenho de outros personagens. Pode ter um foco sem 
esse distanciamento, imiscuindo-se junto aos personagens, participando 
das ações, sem saber o que acontecerá mais adiante na história. Outra 
possibilidade para o narrador é tudo ver e saber, a partir de uma visão 
total de tudo e de todos. Chama-se este tipo de narrador de onisciente, 
considerado como um semideus.
Todas as possibilidades são estratégias importantes não só para o 
desenrolar da narrativa, mas também no aspecto de sua verossimilhança, 
para fazê-la ser coerente com as intenções do autor. Já nas primeiras 
linhas do conto “Missa do Galo”, de Machado de Assis, sabemos que 
estamos diante de uma narrativa conduzida por um narrador, que, 
embora distanciado do tempo narrado, está envolvido intimamente 
com o que irá narrar. Dessa forma, o narrador – em primeira – pessoa 
revela: “nunca pude entender uma conversação com uma senhora, há 
muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta” (ASSIS, 1959, p. 584). Aí 
está estabelecida a dubiedade tratada em todo o conto: a diferença de 
idade entre os dois personagens, a distância entre o tempo da escritura 
e o tempo narrado, a incerteza/dúvida do que de fato aconteceu ou do 
que poderia ter acontecido. Assim, permanece a questão: D. Conceição 
insinua-se ou não para o rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro para 
“estudar preparatórios”? 
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2
Caro aluno, recomendamos que você leia esse conto por 
meio do seguintelink: http://www.biblio.com.br/defaultz.
asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAs-
sis/missadogalo.htm.
Há ainda outras narrativas que trazem uma pluralidade de pon-
tos de vista. Nestas não há um só narrador que comande o discurso do 
princípio ao fim. São narrativas que obrigam os leitores a não confiar 
em apenas uma subjetividade, mas a se desapegarem de uma acomoda-
ção a um único ponto de vista. Neste caso, os leitores devem participar 
mais ativamente em busca de significações da obra, em um discurso mais 
elaborado do que a história que as narrativas contam. 
Ignácio Loyola Brandão escreveu um romance intitulado Zero 
(1975). A obra se caracteriza por ter, inseridos na narrativa, recortes de 
jornal, depoimentos de personagens, trechos de entrevistas sobre acon-
tecimentos que revelam um tempo de repressão política no Brasil, nos 
anos de 1970. Ele apresenta uma obra sem uma sequência lógica, em que 
insere trechos que nem mesmo são escritos por ele. É o próprio Ignácio 
Loyola Brandão quem responde ironicamente, quando inquirido sobre 
a obra tão fragmentada em sua forma narrativa, qual seria o eixo desse 
seu livro. E ele responde: “ele (o eixo do livro) pode ser encontrado em 
qualquer loja de autopeças”. 
De outras considerações sobre narradores
Nas concepções sobre narradores, ainda se destacam as que foram 
concebidas por Walter Benjamin no texto “O narrador”, no qual o filó-
sofo alemão se atém principalmente à obra de Nikolai Leskóv. 
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Figura 2.1: Walter Benjamin (1928).
Fonte: http://als.wikipedia.org/wiki/Walter_Benjamin
Neste texto, Benjamin apresenta o narrador como aquele que 
tem o que contar porque, sendo um viajante, adquire experiências de 
vida, ou seja, acumula conhecimentos de outras terras, outras gentes, 
outras culturas. Ao contrário, para Benjamin, existe ainda o narrador 
que não sai, o que é arraigado, enraizado à sua terra, por isso adquire 
no lugar mesmo onde vive as histórias para contar. Este tipo de narrador 
já escutou essas histórias de outros que também ali moravam. Benjamin 
atribui-lhes, respectivamente, as figuras do marinheiro e do camponês. 
O escritor afirma que narradores desta estirpe estão em vias de extinção. 
Um de seus argumentos se sustenta no fato de que, quando se vive em 
um tempo de muitas informações, perde-se esta capacidade de elaborar 
histórias. Tudo está dado e superado em um turbilhão de fatos que vão 
se sucedendo rapidamente, sem dar tempo de reflexão sobre os mesmos. 
Benjamin diz que, caso se peça a alguém que narre um acontecimento, 
a dificuldade em fazê-lo é flagrante. 
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2Seus argumentos ampliam-se ao sinal dos tempos em que as rela-
ções com o trabalho se modificam também. A produção em larga escala 
de itens provenientes da sofisticada industrialização, com a rapidez do 
resultado final, evidencia a desvalorização do que é feito artesanalmente. 
O trabalho elaborado, que demanda maior tempo para que o produto 
fique pronto, porque está sendo moldado nas/pelas mãos dos artesãos, 
requer cuidados minuciosos e especiais que demandam mais tempo. 
Ao passar esse tipo de trabalho aos que herdarão essa tradição, não se 
ensina somente a técnica de fazer, mas a história desse saber, que já vem 
de gerações em gerações.
Outro fator apontado por Benjamin, nesse aspecto do “encolhi-
mento” da capacidade de narrar, advém das mudanças no tratamento 
em relação ao momento da morte. Se antes em quase todo quarto ou sala 
de casa abrigava alguém nesta situação, hoje, as pessoas com doenças 
terminais são transferidas de casa para hospitais, o que os afasta dos 
parentes na hora da morte. No entanto, segundo observa Benjamin, é 
justamente nesse tempo que se trava o conhecimento de uma história de 
vida. Uma verdadeira caminhada, onde se adquiriu sabedoria, desafios, 
alegrias, tristezas, angústias, vai sendo exposta, com todos esses “fios”, 
na hora que se vai deixando a vida. Quando se está mais perto do que 
não se sabe, parece que se avolumam perguntas não só do que se vai 
encontrar (além da vida?), mas também o que se vai deixar dela e nela 
de sua história. É um crescimento para quem escuta esse outro ponto de 
vista sobre a vida que vai cessando. Uma oportunidade de fazer pensar a 
sua própria vida, de se abrir um espaço (às vezes tão raro) para refletir 
sobre a condição de ser-no-mundo.
Pensemos ainda em outras histórias: aquelas não escritas nas folhas 
de papel dos livros, mas escritas em nossas memórias, porque foram 
ouvidas de alguém, um/a narrador/a, com o poder mágico de encantar 
crianças e adultos ou de prepará-los para não abrirem mão de sonhos, 
que não se extinguem com os finais das histórias. Lembremos que assim 
aconteceu com Cecília Meirelles, que, também escritora, não esqueceu 
as histórias contadas por Pedrina, sua babá.
Literatura Brasileira IV | Em cartaz: o escritor em “um mundo de histórias”
C E D E R J3 8
Atende ao objetivo 2
Destaque do texto da aula o trecho relacionado à subjetividade da escrita 
que mais tenha tocado a sua subjetividade e diga o porquê de sua escolha.
RESPOSTA COMENTADA
Você pode escolher alguma consideração feita sobre a criação literá-
ria de um escritor mencionado no texto, por exemplo, de que forma 
é realizada a composição de seus personagens ficcionais. Apresente 
argumentos que levaram você a fazer tal escolha.
ATIVIDADE
CONCLUSÃO
Ainda nesta aula, estamos chamando a sua atenção para a com-
plexa rede de fatores que envolvem a subjetividade da escrita. Se costu-
mamos nos ater ao limite de o que vai grafado entre as duas capas dos 
livros (as histórias que nos trazem), vê-se que ainda há outras histórias 
ligadas à obra. Enveredamos, dessa maneira, para aquelas narrativas 
que estão escritas em outro livro do autor, nas páginas de sua vida, por 
exemplo. São histórias gravadas na infância, de livros lidos de outros 
autores, contadas por outros, observadas no dia a dia de convivência 
com pessoas que cercam aquele que escreve.
ATIVIDADE FINAL
Atende aos objetivos 1, 2 e 3
Escolha uma modalidade de narrador dentre as que foram apresentadas na aula, 
para escrever sobre ela. 
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A
U
LA
 
2
RESPOSTA COMENTADA
Você pode escrever como/de que maneira a atuação do personagem narrador 
influencia a leitura de uma obra. Por exemplo, o narrador de “Missa do Galo”, de 
Machado de Assis, diz na primeira linha do conto: “nunca pude entender uma 
conversação com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta”. 
Percebemos que ele faz parte da história. Você deve considerar se este envolvimento 
do narrador influencia no que ele escreve.
R E S U M O
Tendemos a considerar em nossas leituras os aspectos ligados às histórias que 
lemos. Queremos ler linha após linha para o fim, para saber o que acontecerá com 
os personagens em um romance, conto ou novela. No entanto, nesta aula, per-
cebemos que as saídas que os leitores fazem do texto também guardam sentidos 
para ele e nele. Trata-se de aspectos relacionados às subjetividades dos autores, 
que criam um mundo de histórias, histórias de um mundo – um mundo ficcional 
permeado do que é peculiar à realidade empírica do autor, mas também à sua 
imaginação. Acompanhar as ideias estéticas do escritor, sua visão de mundo, seus 
traços biográficos colocados em entrevistas ou trazidos pela crítica especializada 
sobre autores enriquecem nossas leituras. A figura presente do autor nos fascina. 
Mas nada nos encanta mais do que a leitura da obra escrita. É nela que se dá o 
encontro de subjetividades: a de quem escrevecom a de quem lê, ainda que seja 
para um encontro que revele as diferenças entre as duas. Pode ser também que 
se vejam em outra subjetividade complementações, possibilidades de desdobrar 
reflexões críticas, uma ponte de comunicação com o Outro que também nos 
habita. Vamos caminhando no sentido de entender que escrever de um ponto de 
vista em 3ª pessoa, ou seja, sobre aqueles que estão distantes de um Eu, pode não 
significar isenção de si mesmo. Escrever sobre si, assumindo um Eu, pode também 
mascarar o fascínio sentido por um Outro. Um Ele que se esconde dentro de um 
Eu. Ou um Eu mascarado por um Ele que escreve.
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INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA
Na próxima aula, analisaremos como os autores são, primeiramente, leitores de 
outras histórias. Dessa forma, veremos que os leitores também escrevem suas obras. 
Até lá!

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