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Tribunal do Júri - Thiago Hanney

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1 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL 
FACULDADE DE DIREITO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS 
MESTRADO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS 
 
 
 
 
 
THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA 
 
 
 SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI 
SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2013 
2 
 
 
THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI 
SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial 
para a obtenção do grau de Mestre pelo 
Programa de Pós-Graduação de Ciências 
Criminais da Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul. 
Orientadora: Prof.ª Dra. Ruth Maria Chittó 
Gauer 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2013 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bibliotecária responsável: 
Alessandra Pinto Fagundes 
CRB10/1244 
 
 
 
 
 
S729s Souza, Thiago Hanney Medeiros de 
 Seleção dos Jurados no Tribunal do Júri segundo o Direito 
Brasileiro. ¾ Porto Alegre, 2013. 
 117 f. 
 Diss. (Mestrado) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-
Graduação em Ciências Criminais, PUCRS, 2013. 
 
 Orientador: Profa. Dra. Ruth Maria Chittó Gauer. 
 
 1. Direito Penal. 2. Sistema Penal. 3. Criminologia. 4. 
Tribunal do Juri. I. Gauer, Ruth Maria Chittó. II. Título. 
 
 
 CDD: 341.4391 
4 
 
 
THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
 
SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI 
SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial 
para a obtenção do grau de Mestre pelo 
Programa de Pós-Graduação de Ciências 
Criminais da Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul. 
 
 
Aprovada em 11 de dezembro de 2013 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 
______________________________________________ 
Prof.ª Dra. Ruth Maria Chittó Gauer – PUCRS 
Presidente da Comissão Examinadora 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr. Álvaro Filipe Oxley da Rocha 
Membro da Comissão Examinadora 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr. Celso de Paula Rodrigues 
Membro da Comissão Examinadora 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2013 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Eis chegado o momento em que expresso minha gratidão aos seres que 
estenderam a mão ou me olharam com atenção durante esta caminhada. 
Lembro perfeitamente como tudo começou, ainda na cidade de João Pessoa: 
em uma manhã de outono de 2011 escutei falar pela primeira vez no Programa 
de Pós-graduação de Ciências Criminais da PUCRS durante uma aula da 
especialização. Instantaneamente fiquei fascinado ao ver o professor Fabio 
D’avila incentivar o ingresso de alunos de todas as partes do Brasil no 
Programa. 
Agradeço ao Céu pela transmissão de sinais que me ajudaram a abraçar a 
oportunidade. Especialmente à Maria, por desatar os nós da minha vida. Aos 
meus pais devoto toda minha gratidão, pelo amor incondicional e por todas as 
renúncias feitas em nome do meu crescimento como ser humano. 
Especialmente a minha mãe, pela fibra inspiradora e por mergulhar de mãos 
dadas comigo em todos os projetos. As minhas irmãs, pelo imenso carinho e 
paciência, por compreenderem o meu distanciamento durante todo esse 
tempo. 
Sou muito grato à Ruth Gauer, minha orientadora. Pelo acolhimento, 
preocupação, sugestões e todo direcionamento ao longo da pesquisa. Levo 
comigo a experiência de ter convivido com uma mulher questionadora e 
comprometida com todas as missões que lhe foram confiadas. 
Ao encontro com a essência de Thayara Castelo Branco, pela amizade que foi 
uma das maiores conquistas alcançadas nessa temporada. Pela parceria 
constante, por semear luz na minha vida. 
À Natália Rodrigues, pela amizade que se transformou em minha maior 
companhia durante essa fase. Pelo compartilhamento de tantas incertezas, por 
todas as discussões e pela apresentação de um modo de viver tão leve. 
Obrigado por rabiscar traços de alegria na minha vida! 
6 
 
À Inez Andrade, por guiar a mudança do roteiro dos próximos capítulos da 
minha história. Por conseguir ler aquilo que ainda não está escrito em mim! 
À Mariana de Paula, por me ensinar a viver intensamente cada instante e por 
despertar em mim a vontade de lidar com as dificuldades com um sorriso no 
rosto. Sim, com ela aprendi a “dançar com a chuva quando a chuva vem”! 
À Carina Petsch, pela lealdade, pelo exemplo de dedicação ao mundo 
acadêmico e ao cultivo de sorrisos nos rostos dos amigos. 
A minha turma de Mestrado, por todas as partilhas e encontros. Agradeço 
especialmente à Brunna, Carlos, Chiavelli e Milton. Também agradeço aos 
amigos que escutaram minhas angústias nos momentos em que mais precisei 
de conforto: Bruna, Goddman, Luana, Rafael e Rodrigo. À Cecy, Helena e 
Hellane, pelo apoio e torcida. A todos meus amigos paraibanos, meu imenso 
afeto. 
Aos professores que fizeram parte da banca de qualificação e defesa do 
Mestrado, por todas as contribuições. 
Aos servidores da 2ª Vara do Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre, 
pela concessão do acesso às listas dos jurados, por todas as explicações e 
conversas que me ajudaram a construir a pesquisa. 
E finalmente, à Porto Alegre. Por ter ampliado meus horizontes, por ter 
alimentado minha mente com tantas experiências culturais e pela sensação de 
estar em casa. Minha eterna gratidão a esta terra! 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
RESUMO 
Na presente pesquisa analisamos a forma pela qual o Tribunal do Júri 
seleciona pessoas para atuar como jurados no Brasil. Buscamos investigar as 
etapas decisivas desta forma de julgamento através de uma abordagem 
histórica, o que nos possibilitou identificar quem são as autoridades 
responsáveis pelo alistamento dos possíveis jurados e quais foram os critérios 
utilizados segundo as legislações pertinentes. Desta forma, compreendemos os 
problemas enfrentados desde o início do século XIX em que houve a 
implantação desse sistema de administração de justiça no Brasil. Com base 
nesses indicadores, podemos retratar as etapas da atual dinâmica de 
organização da lista de jurados bem como avaliar a participação dos cidadãos 
através dos dados presentes nos anos posteriores à Reforma do Júri com a 
aplicação da Lei 11.689/08. 
Palavras-chave: Tribunal do Júri; Jurados; julgamento; seleção. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
ABSTRACT 
In the present research we analyze the way in which the Jury selects people to 
serve as jurors in Brazil. We seek to investigate the decisive stages of this form 
of judgment through a historical approach, which enabled us to identify who are 
the authorities responsible for the enrollment of prospective jurors and what 
were the criteria used in accordance with pertinent legislation. Thus, we 
understand the problems faced since the early nineteenth century, when this 
system of justice administration in Brazil was implanted. Based on these 
indicators, we can depict the steps of the current dynamics of organization of 
the list of jurors as well as evaluating the participation of citizens through the 
data presentin the years following the Jury’s Reform with the implementation of 
the Law 11.689/08. 
Key-words: Jury; jurors; rituals; judgment; selection. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 – Participação no Júri, conforme categorias/profissões.....................91 
Tabela 2 – Média da presença das categorias nos últimos cinco anos............91 
Tabela 3 – Participação no Júri, de acordo com o gênero................................96 
Tabela 4 – Média da participação no Júri nos últimos cinco anos, de acordo 
com o gênero....................................................................................................96 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO .................................................................................................11 
1 SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL IMPERIAL...................................16 
1.1 Quem Julga? A administração da Justiça em discussão........................16 
1.2 Contexto histórico do Júri no Brasil Imperial...........................................22 
1.2.1 1822: Ano do advento da instituição no nosso país...............................23 
1.2.2 1824: Primeira Constituição Federal brasileira.......................................26 
1.2.3 1831: Surgimento do Código de Processo Penal...................................30 
1.2.4 1841: Reforma do Código de Processo Penal.......................................36 
 
2 SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL REPÚBLICA.............................43 
2.1 Advento da República.............................................................................43 
2.2 O papel do poder local............................................................................50 
2.3 1930: A década das transformações......................................................55 
2.4 As novas concepções sobre o Conselho de Sentença..........................60 
2.4.1 Argumento contrário à presença das mulheres: Ausência do lar..........63 
2.4.2 Argumento contrário à presença das mulheres: Sentimentalismo.......66 
2.5 O Tribunal do Júri como definidor de papéis sociais.............................68 
 
3 A ATUAL SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL.................................72 
3.1 Dinâmica da seleção dos jurados..........................................................72 
3.2 Critério da notória idoneidade................................................................76 
3.3 Papel do Juiz..........................................................................................82 
3.4 Recusas peremptórias...........................................................................84 
3.5 A efetividade da medida de requisição de pessoas aos órgãos mais 
populares...............................................................................................87 
3.6 Quem são os jurados?...........................................................................89 
3.6.1 Concentração de nomes em segmentos bem definidos........................89 
3.6.2 Advogado também julga........................................................................94 
3.6.3 A questão de gênero – participação feminina no Júri............................95 
3.6.4 A perpetuação de nomes nas listas.......................................................98 
3.6.5 Em busca de mudanças.........................................................................99 
4 CONCLUSÃO...........................................................................................103 
REFERÊNCIAS........................................................................................110 
11 
 
INTRODUÇÃO 
Os estudos acerca do Júri, em suas diversas esferas, frequentemente 
figuram entre trabalhos de pós-graduação. A grande abrangência do tema e a 
interface com outras áreas do conhecimento justificam o interesse da academia 
pelos estudos envolvendo o tribunal.1 
O objetivo consistiu em compreender a origem do Tribunal do Júri. 
Pretendemos delimitar a pesquisa para analisar a incorporação desta 
instituição no ordenamento jurídico brasileiro, com foco na forma de seleção 
dos jurados desde a primeira experiência em 1822. 
A questão que permeou a presente investigação foi “quem são os 
julgadores convocados para fazer parte do Júri?”. Para respondê-la 
averiguamos as condições profissionais do corpo de jurados, tomando como 
base as fontes onde são buscados os nomes dos possíveis candidatos. 
Dentro dessa perspectiva, foram elencados, como objetivos específicos, 
a análise da abordagem do contexto histórico do Júri no Brasil, a descrição do 
significado do Júri visto como um ritual, avaliação do critério da notória 
idoneidade bem como o funcionamento da medida de requisição de pessoas às 
associações e núcleos comunitários ditos “mais populares”. 
Estudar a seleção imputou à pesquisa a necessidade de investigar a 
trajetória do mecanismo de escolha dos jurados desde a implantação desta 
forma de julgamento no Brasil, dando ênfase aos critérios previstos na 
legislação para o exercício da função e às autoridades responsáveis pelo 
comando desta atribuição. 
 Sob a perspectiva do Júri como um ritual, estruturamos a pequisa com a 
leitura das obras de Arnold Van Gennep, Victor Turner e Mary Douglas. No que 
se refere à escolha dos jurados, fundamentamos a pesquisa nos autores Fauzi 
Hassan Choukr, Kant de Lima, Aury Lopes Jr. e Lênio Streck. 
 
1 Nesse sentido, Salo de Carvalho aborda que: “As discussões sobre o Tribunal do Júri são 
invariavelmente instigantes e muito ricas, o que permite que este espaço de jurisdição 
constitua-se em um constante, renovado e fértil campo de pesquisa.” In: CARVALHO, Salo de. 
Como não se faz um trabalho de conclusão. São Paulo, Saraiva, 2013. P. 91 
12 
 
O que direcionou nosso interesse em estudar o objeto como forma de 
administração de justiça criminal implantada no Brasil foi o desencadeamento 
de uma série de problemas nesse âmbito, como a escassez de nomes para 
compor as listas, os riscos da formação de um conselho de sentença sujeito a 
uma série de influências externas e a ausência de representantes de alguns 
grupos de cidadãos neste campo de atuação devido ao contexto sociopolítico. 
A estrutura da dissertação foi dividida em três capítulos. No primeiro 
identificamos a implantação do Tribunal do Júri em 1822, concedendo abertura 
para que pessoas leigas, quanto ao conhecimento jurídico, pudessem julgar os 
crimes de imprensa. 
Os primeiros contatos com as fontes na época da primeira Constituição 
Federal revelaram quais eram as autoridades responsáveis pelo alistamento 
dos jurados, os critérios determinados pela legislação vigente e a existência de 
dois conselhos de jurados: o conselho de acusação e o conselho de 
julgamento. 
Em 1832 foi promulgado o primeiro Código de Processo Criminal 
brasileiro que ditou regras sobre os jurados, vistos como pessoas 
encarregadas da administração da Justiça nos contextos locais. Já em 1841 
houve uma Reforma do Código de Processo Penal, que criou o cargo de 
Delegado através das figuras “Chefe de Polícia”, “Delegado de Polícia” e 
“Subdelegado de polícia”, concedendo uma série de atribuições, entre elas, a 
organização da lista de jurados com os critérios exigidos como a alfabetização 
e a comprovação de uma renda mínima. 
No final do segundo Império constataram-se algumas mudanças 
estruturais como a extinção do Primeiro Conselho de Acusação, a escolha das 
autoridades responsáveis pela formação das listas dos julgadores e o 
fortalecimento dos critérios estabelecidos para aptidão da função. 
No segundo capítulo constatamos as mudanças ocorridasno início da 
República brasileira, levando em consideração a conjuntura social. A 
permanência do Júri no século XX foi identificada por aspectos referentes ao 
seu possível desaparecimento, em alguns momentos, pela falta de uma 
13 
 
regulação nacional bem como à “elitização” do conselho de sentença notada 
em alguns registros. 
Analisamos a interferência do coronelismo, em especial na região do 
Nordeste, no início do século XX, influenciando na formação do conselho de 
jurados. Tomamos este fenômeno como exemplo para tentar demonstrar o 
quanto o tribunal do júri estava vulnerável devido às possíveis práticas que 
tendiam a impor a tomada de decisões de acordo com certos interesses locais, 
como a não revelação de crimes supostamente cometidos pelos capangas dos 
fazendeiros das cidades do interior do Brasil. 
Com o andamento da pesquisa detectamos a necessidade de 
realizarmos uma identificação da participação feminina no tribunal do júri. A 
abordagem dessa questão foi estruturada no segundo capítulo pelo momento 
da concessão do direito do voto às mulheres em 1932, logo, aproveitamos esta 
informação para enfatizar as regras que revelaram a manutenção da tradição 
de desigualdade entre homens e mulheres no nosso país. Para expressar o 
nível de resistência à participação das mulheres no Júri, tomamos como 
exemplo o registro do discurso do Magistrado Inocêncio Borges da Rosa, 
responsável pelo alistamento dos jurados em Porto Alegre no início do século 
XX para discutir os motivos da não inclusão do gênero nas listas. 
No terceiro capítulo apresentamos um mapeamento da atual forma de 
seleção de jurados, que tem como parâmetro o Código de Processo Penal de 
1941. Para além desta questão, procuramos elencar dados que se referem à 
importância da responsabilidade desta atribuição dada ao Juiz da Vara do Júri, 
bem como descrever o roteiro da escolha dos cidadãos. 
A legislação ordinária brasileira estabelece apenas três critérios para 
seleção dos jurados: idade acima de 18 anos, condição de cidadão e notória 
idoneidade. Na presente pesquisa buscamos discutir o último critério de índole 
subjetiva, tomando como alicerce o entendimento de Lenio Streck sobre o 
assunto: 
O Código de Processo Penal, como se viu, "especifica" quem 
pode e quem não pode ser jurado. A linha norteadora é a de 
que os jurados devam ser cidadãos de notória idoneidade. Mas 
o que são cidadãos de notória idoneidade? Como na maioria 
14 
 
das palavras da lei, está-se diante do que se chama de 
vagueza ambigüidade.2 
Atentamos que há certo silêncio sobre este aspecto, o que abre espaço 
para que o Juiz Presidente do Júri, na condição de administrador do processo 
seletivo dos cidadãos, possa formar uma lista de acordo com sua concepção 
sobre quem é idôneo ou não, recorrendo, na maioria das vezes, à forma mais 
cômoda de alistamento: requisição de nomes a bancos de dados disponíveis 
pelas universidades e instituições bancárias. 
A pesquisa também buscou promover o debate em torno do que 
podemos apontar como último ato da escolha dos jurados – o sistema de 
recusas peremptórias – submetido à Defesa e à Acusação antes da formação 
do Conselho de sete jurados para julgar um determinado caso. Destacamos 
ainda a medida de requisição de nomes de possíveis jurados aos núcleos mais 
“populares” conforme previsão contida no art. 425, § 2º, do Código de Processo 
Penal.3 
 Optamos pela abordagem do objeto de estudo, fundamentalmente, 
através do viés quantitativo. Verificamos, inicialmente, a qualificação do ponto 
de vista pessoal dos jurados alistados perante a 2ª Vara do Júri de Porto 
Alegre, especialmente, em relação ao exercício da profissão, o que nos permite 
identificar as fontes que dão origem ao banco de dados dos possíveis jurados. 
Tomamos como base as listas dos últimos cinco anos posteriores à Reforma do 
procedimento do Júri através da Lei 11.689/08. Consideramos ainda a 
identificação da questão de gênero para averiguar a participação feminina na 
atual conjuntura do Júri. Os dados obtidos por meio do acesso às listas são 
analisados no programa de computador Excel e a apresentação do conteúdo 
das informações é anexada em tabelas que servem de base para a análise. 
 
2 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 4. Ed. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2001, P. 98-100. 
3 Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) 
a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de 
habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) 
habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. (Redação 
dada pela Lei nº 11.689, de 2008) 
§ 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, 
entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, 
repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as 
condições para exercer a função de jurado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) 
15 
 
Por fim, são apresentadas algumas conclusões embasadas na análise 
dos dados bem como a sugestão da adoção de algumas medidas que possam 
promover a diminuição de riscos que envolvem este sistema de administração 
de justiça no contexto contemporâneo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
1) SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL IMPÉRIO 
1.1) “Quem julga?” A administração da justiça em discussão 
Tomando como base a noção do Estado como ente titular da jurisdição 
penal e do poder de punir, verificamos uma preocupação com o sistema de 
administração de justiça responsável pela formatação dos julgamentos. Nesse 
sentido, a pergunta “Quem pode julgar?” tem atravessado gerações e toma 
conta de discussões que buscam (ou tentam buscar) um modelo apropriado 
para o enfrentamento dos processos que competem à área penal. 
De acordo com Ferrajoli, optar por juízes-magistrados ou juízes-
cidadãos sempre se apresentou como a decisão mais importante em matéria 
de ordenamento judicial, caracterizando boa parte da história do processo 
penal. Além das formas múltiplas e variadas de organização da justiça, a 
substancialidade da diferença entre os dois sistemas reside numa ideia única4 
que gira em torno da questão do critério da justiça profissional. 
Vemos que a função de juízes criminais é exercida, por pessoas 
privilegiadas, escolhidas e estipendiadas pelo Governo, como seus 
empregados, ou se exercem por cidadãos livres. Chamem-se estes jurados, 
escabinos, notáveis, pares ou que nomes lhes sejam atribuídos, tudo resulta, 
exclusivamente, em que são sempre juízes cidadãos.5 
A escolha dos sujeitos que vestirão a toga para assumir a 
responsabilidade de julgar fatos tem como apontamentos várias situações 
históricas, como por exemplo, a superação do sistema da Inquisição e a 
propagação dos ideais da Revolução Francesa. 
A participação popular nos julgamentos criminais foi preconizada como 
uma das melhores formas de estruturação da justiça penal. De início, razões de 
ordem política serviam de base aos argumentos de seus pregoeiros e adeptos, 
depois, motivos sentimentais, fantasiados com a indumentária da política 
 
4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista 
dos Tribunais, 2006, p. 530 
5 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 
1957, p. 243-244. 
17 
 
criminal, foram desenvolvidos e expostos para justificar a magistraturapopular.6 
Temos constatado no cenário jurídico, atualmente, a necessidade de 
questionar esta forma de participação do “povo” na tomada de decisões do 
Sistema de Justiça Brasileiro, tendo em vista uma série de mudanças ao longo 
do tempo. Afinal, de acordo com Aury Lopes Jr., para valorizar a figura do juiz 
profissional, em confronto com a dos juízes leigos, não são adequados os 
critérios do século passado (ou melhor, retrasado), invocados com algum 
acerto naquele momento, mas completamente superados na atualidade.7 
Torna-se necessário compreendermos o Tribunal do Júri como 
instituição que tem como nota básica a participação popular nos julgamentos 
criminais. Em uma definição sobre a dinâmica do julgamento, Firmino 
Whitacker atribui que o Júri é visto como um tribunal em que cidadãos 
previamente alistados, sorteados e afinal escolhidos, em sua consciência e sob 
a fé de um solene juramento, decidem, de fato, sobre a culpabilidade ou não 
culpabilidade de um acusado, na generalidade das infrações penais.8 
Trata-se de um órgão judiciário com vestes especiais, tendo em vista 
vários fatores envolvidos: a convocação de pessoas leigas para julgar fatos e a 
dinâmica diferenciada na sessão plenária (o sorteio, juramento, exposições 
argumentativas das partes adversas, entre outros) conferem a este órgão ares 
de um verdadeiro ritual jurídico. 
 
6 MARQUES, José Frederico. O Júri no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª ed. , 
1955, p. 45. 
7 LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: 9ª edição, 2012, p. 1048. Neste 
sentido, Goldschmidt expõe o contexto de existência do Júri e problematiza a questão no livro 
Princípios gerais do processo penal (2002, P. 82) ao revelar que os meios de prova regulada 
foram substituídos pelo direito do acusado de invocar, primeiramente, o testemunho e, depois, 
o juízo de seus compatriotas. Desse modo, desenvolveu-se o Júri na Inglaterra, enquanto seu 
transplante para o mundo chegou a ser objeto de uma petição política, que se justifica por ser a 
Administração de justiça não apenas uma operação lógica, mas também um exercício de 
império; e por isso a participação dos súditos nela foi uma consequência da intervenção do 
povo em todos os poderes do Estado. Pelo contrário, a justificação dessa exigência política 
pela maior independência dos juízes populares decaiu a partir da garantia constitucional da 
independência dos magistrados, e, além disso, é verdade que os juízes populares são 
independentes do governo, mas, pelo contrário, dependem da opinião pública. 
8 WHITACKER, Firmino. Jury (Estado de S. Paulo). São Paulo: Typ. Espíndola, Siqueira e 
Comp. – 1904, p. 1 e 2. 
18 
 
Sabe-se que os caracteres do júri resultam de: primeiro, em cada causa 
são chamados, para decidir, cidadãos tirados entre o povo; segundo, estes 
cidadãos são apenas juízes de fato; terceiro, são livres de quaisquer regras de 
prova legal e, só obedecendo à sua convicção, não tem satisfações a dar sobre 
sua sentença; quarto, gozando o acusado do mais amplo direito de recusar, 
esses caracteres aparecem como juízes, cuja decisão o mesmo acusado 
livremente aceita.9 
Vale considerarmos os seguintes fatos: há um juiz técnico que preside o 
julgamento, responsável pela convocação dos jurados e, em relação ao 
sistema brasileiro de provas, estes cidadãos estão sob a égide do sistema da 
íntima convicção, ou seja, não precisam fundamentar os posicionamentos 
tomados nas decisões, o que se constitui como um dos mais delicados 
problemas que permeiam o nosso sistema, tendo em vista a falta de motivação 
aliada à condição leiga dos jurados. 
Em relação ao Conselho de Sentença, vemos que jurado é o cidadão 
escolhido, mediante sorteio prévio, dentre os 25 recenseados para o Júri.10 
Desses 25 jurados, serão sorteados, em cada julgamento, sete pessoas para 
constituir o conselho de sentença, estando os demais dispensados pelo juiz 
presidente após a escolha. O Conselho de Sentença é o grupo final composto 
de 7 pessoas aptas a julgar um determinado caso, formado, a partir da 
sequência de três momentos: primeiramente, a partir da lista geral anual de 
jurados e posteriormente, após o sorteio de 25 nomes convocados para 
comparecerem na sessão determinada e à submissão às recusas. Se houver o 
número mínimo de jurados, o Conselho será formado, procedendo então ao 
juramento, através da fórmula estabelecida no art. 472 do CPP, sendo esta 
uma fórmula simbólica através da qual os jurados prometem julgar com 
imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência os “ditames da justiça”. 
É, de certo modo, um instrumento de captura psíquica, em que se busca 
 
9 MITTERMAIER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal ou exposição 
comparada dos princípios da prova em matéria criminal, etc, de suas diversas aplicações na 
Alemanha, França, Inglaterra, etc.. Campinas: Editora Bookseller, 1997, p. 88. 
10 TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri no Brasil. São Paulo: Editora Quorum, 2008, p. 
329. 
19 
 
fortalecer o compromisso dos jurados em julgar com a seriedade e 
comprometimento que a função exige.11 
Tendo como foco a compreensão do universo dos jurados, Margarino 
Torres acentua12 que a palavra “jurado” provém do juramento que faziam 
outrora, e ainda hoje, sob a forma de compromisso cívico, os cidadãos são 
obrigados a fazer, ao serem investidos na função julgadora, em conselho de 
sentença. Este juramento tem por fim avivar-lhes a consciência da importância 
e gravidade da missão e, ao mesmo tempo, que adverte cada um das 
responsabilidades, não só moral, perante a sociedade, de que são 
representantes, como individualmente, em face da lei, por abusos ou 
transgressões qualificadas. Em relação a este ato, Mauss revela que a etiqueta 
desempenha um papel essencial em toda a organização judiciária: a marcha do 
processo é comandada pelo emprego de certas palavras consagradas, de 
certos gestos. 13 
 A designação da função de jurado é envolta por toda uma rede 
significativa que acumula elementos religiosos, assim, por exemplo, podemos 
relacionar a questão da reunião de pessoas com diferentes perfis e 
posicionamentos com a escolha dos 12 apóstolos pela figura de Jesus Cristo. 
Do mesmo modo, podemos relacionar o juramento como forma de 
compromisso com a missão imposta de julgar conforme a consciência. 
Consiste o voto de consciência em julgar considerando não somente o 
crime, de que os códigos cogitam, senão também o criminoso, pelo seu 
passado e pelas circunstâncias morais do caso.14 Essa consciência, real ou 
presumida, é produto do ambiente, da moral dominante em cada época e lugar, 
de que, portanto, a lei, única e duradoura, não pode ser jamais a expressão fiel; 
mas tão somente o jurado, quando, pela seleção, seja expoente da moralidade 
e representante legítimo da cultura média da sua classe, com a prerrogativa 
ainda do conhecimento dos hábitos desse meio e talvez da personalidade do 
 
11 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Op. cit. , p. 1026-1029 
12 TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri nos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: 
Livraria Jacinto, 1939, nº 17, p. 77. 
13 MAUSS, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa : Dom Quixote, 1993, p. 191. 
14 TORRES, Magarinos. Processo penal do júri no Brasil. Op. cit., p. 119-120. 
20 
 
próprio imputado e da vítima, o que lhe permitiria avaliar a periculosidade ou 
temibilidade [sic] daquele.15 
Assim, vemos que essa linha de raciocínio tem como base uma 
compreensão de que o povo conhece mais o contexto da situaçãodo crime e, 
por isso, pode ter uma carga maior de elementos para tomar a decisão no 
momento em que é posto para julgar no Tribunal do Júri, ou seja, aos jurados é 
dada certa amplitude para que possam refletir e chegarem a uma conclusão 
sem necessidade de uma resposta lógica formal. 
No chamado sistema da íntima convicção que rege o julgamento dos 
crimes em sede de Júri, o princípio da certeza do homem é tomado como base 
da afirmação ou negação da prova. Consiste ele em que a lei absolutamente 
não se ocupe dos elementos de prova pelos quais o juiz declara existir o delito, 
desse modo, a ela basta que o homem a quem venha confiada essa grave 
função se afirme convencido. Esse sistema faz com que o juiz, mesmo ante 
uma prova que se diria pleníssima, possa declarar-se não convencido, e 
absolver e vice-versa, ou seja, que possa condenar sem nenhum, e mesmo 
contra os mais expressos testemunhos, e sem a obrigação de prestar contas 
da razão pela qual condena.16 
Sobre o tema, Foucault expõe que o princípio da íntima convicção, 
formulado e institucionalizado no fim do século XVIII, tinha um sentido histórico 
perfeitamente preciso: primeiro não se deve mais condenar antes de ter 
chegado a uma certeza total e, segundo, o sentido desse princípio é que não 
se podem validar apenas provas definidas e qualificadas pela lei. E, por fim – é 
o terceiro significado do princípio da convicção íntima - o critério pelo qual se 
reconhecerá que a demonstração foi estabelecida não é o quadro canônico das 
boas provas, é a convicção, sendo esta a de um sujeito qualquer, de um sujeito 
indiferente, que como indivíduo pensante, é capaz de conhecimento e de 
verdade. Ou seja, com o princípio da convicção íntima passamos do regime 
 
15 TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri no Brasil. Op. cit., p. 148. 
16 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Op. cit., p. 409. 
21 
 
aritmético-escolástico da prova clássica a este tipo de regime supostamente 
universal.17 
Constatamos, portanto, que a amplitude do mundo extra-autos, de que 
os jurados podem lançar mão, sepulta qualquer possibilidade de controle e 
legitimação desse imenso poder de julgar.18 Neste sentido, vemos que a falta 
de mecanismo apto a tomar ciência das múltiplas decisões das mentes 
presentes no Conselho de Sentença expõe um dos maiores dramas 
enfrentados pela dinâmica do processo penal brasileiro. 
No que diz respeito à escolha dos jurados, dois sistemas opostos se 
defrontam: o da mais ampla administração de todos os cidadãos ao encargo de 
jurados, desde que não se encontrem em condições de desmerecer 
completamente da confiança pública; e o chamado sistema de categorias, 
segundo o qual as autoridades escolhem um número restrito de cidadãos, a 
quem concedem o privilégio de tomar assento como juízes populares, o que 
pode lentamente conduzir a uma oligarquia.19 
Verificamos, portanto, duas constatações: o primeiro sistema 
compreende todas as pessoas que preencham uma série de requisitos, ou 
melhor, que não possuam “manchas em seus currículos” na época da 
designação, como exemplo: a certidão negativa de antecedentes criminais. Já 
o segundo sistema elege apenas cidadãos pertencentes a segmentos 
específicos, como exemplo, funcionários de órgãos públicos, que possam 
corresponder às expectativas criadas pela Instituição que organiza o 
procedimento de seleção. 
O jurado não tem parcela alguma de mandato popular, pois não é 
escolhido pelo povo para o exercício de suas funções, sendo seu recrutamento 
baseado em um duplo sorteio: um em que é escolhido para compor o Tribunal, 
e outro em que é apontado para servir como integrante do Conselho de 
Sentença. Em nosso sistema legal, é o juiz quem procede ao alistamento do 
Júri, ao que se seguem os dois sorteios mencionados. Assim, dizer que esse 
 
17 FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no collège de France : 1974-1975. São Paulo: 
Martins Fontes, 2001, p. 10-11. 
18 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. Op. cit., p. 1052. 
19 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Op. cit., p. 417. 
22 
 
processo semi-arbitrário de escolha traduz uma incumbência da sociedade 
para declarar culpado, ou não, o réu levado a julgamento, é dar aos vocábulos 
uma significação muito elástica e pouco técnica.20 
Neste trabalho, buscamos analisar o roteiro que imprime os critérios 
existentes para obter a seleção dos jurados no ordenamento jurídico brasileiro, 
realizando uma análise histórica de boa parte dos problemas encarados pela 
instituição do Tribunal do Júri. 
1.2 Contexto histórico do Júri no Brasil Império 
As instituições judiciárias, para que tenham bom êxito, também exigem 
cultura, terreno e clima apropriados.21 Para compreendermos a existência do 
Tribunal do Júri no solo brasileiro temos que levar em consideração o contexto 
social da época em que a instituição “desembarcou” no nosso espaço. 
A instituição do Júri, através das diversas Constituições Brasileiras, 
sofreu várias modificações. Podemos observar que estas mudanças, 
verificadas ao longo dos séculos XIX e XX, foram implantadas de acordo com 
os regimes políticos impostos. 
James Tubenchlak observa que “no Brasil, o caminho percorrido pelo 
Júri, desde 1822, assemelha-se a uma Guerra Santa: ora avançando, ora 
compelido a recuar, ora deformado em sua competência material, resistiu 
galhardamente a tudo isso, inclusive dois períodos ditatoriais”.22 
Em princípio, nos deparamos com uma Instituição que surgiu para 
conduzir o julgamento de processos relativos a uma série de crimes e que, 
posteriormente, tomou outros contornos, alterando sua dinâmica conforme o 
pensamento transmitido através das Constituições e das legislações 
pertinentes. 
 
20 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. São Paulo: Saraiva, Volume I, 1963, p. 88. 
21 MITTERMAIER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal ou exposição 
comparada dos princípios da prova em matéria criminal, etc, de suas diversas aplicações na 
Alemanha, França, Inglaterra, etc.. Op. cit., p. 100. 
22 TUBENCHLAK James, Tribunal do Júri: contradições ou soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, 
p. 4. 
23 
 
Para conduzir o estudo sobre a questão do alistamento dos jurados, faz-
se necessária uma análise do contexto histórico da época em que a Instituição 
foi implantada no Brasil e dos marcos temporais subsequentes para 
compreender os critérios utilizados na realização de tal procedimento, assim 
como das principais mudanças transmitidas através das Constituições e 
reformas feitas no Código de Processo Penal. 
Seguimos a seguinte lógica temporal para conduzir a abordagem do Júri 
no Brasil Imperial: 
a) 1822, ano da instalação do Júri no Brasil; 
b) 1824, advento da primeira Constituição; 
c) 1832, marco do primeiro Código de Processo Penal brasileiro; 
d) 1841, ano que marcou a reforma do Código de Processo Penal; 
 
1.2.1 1822: Origem do Júri no Brasil 
A transição do sistema colonial para o Império acarretou grandes 
transformações e movimentos no país. Conforme Ruth Gauer, o poder Imperial 
se caracterizou por se erguer como um poder tutelar que se encarregou de 
controlar os destinos da nova nação. D. Pedro I, ao aceitar o título de “Defensor 
e Protetor Perpétuo do Brasil”, passou a olhar a segurança da nova nação 
como sua responsabilidade. Na hierarquia social, o Imperador se colocara e 
fora colocado como soberano legítimo o que lhe permitiria dirigir e vigiar o seu 
governo e o povo brasileiro que seria “desgraçado” sema sua presença.23 
A figura de D. Pedro I exerceu papel fundamental para caracterizar 
alguns contornos dados ao Brasil nesta época tão turbulenta: o seu discurso 
era pautado pelo compromisso com o povo brasileiro, com o qual ele passou a 
conviver intensamente, atuando como controlador da sociedade. 
Coube a ele, por influência de José Bonifácio de Andrada e Silva, a 
instituição do Júri no Brasil, pelo ato de 18 de junho de 1822, criando, assim, 
juízes de fato para julgamento de abusos de liberdade de imprensa, declarando 
nesse ato24 que “procurando ligar a bondade, a justiça e a salvação pública, 
 
23 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do Estado-Nação no Brasil. Op. cit., P. 243. 
24 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. Rio de Janeiro: 2ª edição, 
Livraria Francisco Alves, nº 112, 1911, p. 144. 
24 
 
sem ofender a liberdade bem entendida de imprensa, que desejo sustentar e 
conservar, e que tanto bem tem feito à causa sagrada da liberdade brasileira”. 
Constatamos que o Tribunal do Júri “desembarcou” no nosso país 
justamente nos suspiros finais do período do “Brasil Colônia”, tendo como foco 
o enfrentamento da questão dos crimes referentes à legislação de imprensa, 
evitando, assim, o desgaste da imagem do sistema centralizador perante o 
povo considerado, até então, pacífico e cordial. 
Houve um episódio decisivo que marcou a implantação do Júri no Brasil: 
Em 15 de janeiro de 1822, um panfleto do jornalista José da Silva Lisboa – 
Heroicidade Brasileira – provocou a ira do governo e desencadeou um 
processo de censura: o Príncipe Regente mandava que a Junta Diretora da 
Tipografia Nacional não consentisse a impressão de qualquer escrito sem a 
identificação com o nome do autor. Criou-se, então, o primeiro júri de imprensa 
no Brasil com o objetivo de evitar difusões polêmicas. Ordenava-se que as 
tipografias encaminhassem ao procurador da Coroa e Fazenda um exemplar 
de todos os papeis impressos; os artigos deveriam ser assinados pelos 
escritores para sua responsabilidade, assim como os editores e impressores 
seriam responsáveis por todas as publicações.25 Vale ressaltar que o decreto 
baixado pelo Príncipe prescrevia que tal forma de julgamento era provisória. 
Notamos a crescente preocupação do sistema imperial com a 
manutenção da ordem, pautada no discurso propagado pelo decreto que 
instituiu o Júri, ou seja, era necessário conter os meios de comunicação para 
evitar qualquer espécie de ofensa à imagem da atuação de controle político no 
cenário nacional. 
O júri era composto de vinte e quatro “juízes de fato”, cidadãos 
escolhidos dentre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas, cabendo 
sua nomeação ao Corregedor e Ouvidores do crime, nos casos ocorrentes e a 
requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que seria o Promotor e 
Fiscal de tais delitos. Para cada sessão de julgamento 24 cidadãos eram 
 
25 MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1977-1979. 
v.II, p. 151,154. 
25 
 
convocados, podendo o réu, recusar até 16 nomes dos sujeitos sorteados para 
compor o Conselho de Sentença, competindo a oito procederem “no exame, 
conhecimento e averiguação do fato.”.26 
Primeiramente era feita uma seleção dos cidadãos aptos ao ofício de 
julgar, sendo montada uma lista com base em critérios bem subjetivos, de 
acordo com a ótica das autoridades responsáveis inseridas no âmbito de cada 
comarca. Note-se, ainda, a concessão do direito ao réu de recusar 
determinados sujeitos, no que tange à formação do Conselho de Sentença, o 
que diminuiria, em tese, a possibilidade de um julgamento parcial ou 
tendencioso. 
Em 22 de novembro de 1823, D. Pedro ordenou a execução provisória 
de um projeto de lei que criou em cada comarca, dois Conselhos de Juízes de 
Fato, sendo um com nove vogais e o outro com doze. O conselho de nove 
vogais equivalia ao júri de acusação e o de doze ao júri de julgamento ou 
conselho de sentença. As qualidades exigidas para ser jurado eram as 
mesmas requeridas para ser eleitor e os conselhos eram formados por sorteio, 
dentre sessenta homens “bons”.27 
Observamos, então, a vinculação do sistema eleitoral com a política de 
seleção dos jurados para atuação no Tribunal do Júri. Logo, constatamos a 
restrição maciça da população do alcance dos direitos políticos e, 
consequentemente, da concessão do direito ter participação “ativa” nas 
sessões de julgamentos destinadas à decisão popular. 
Assim, a dinâmica do primeiro funcionamento do Júri no ordenamento 
brasileiro acontecia da seguinte forma: um julgamento era dividido em duas 
fases, sob a análise de dois conselhos de jurados. Na primeira fase, o primeiro 
conselho, chamado de Júri de Acusação, tinha competência para decidir sobre 
a procedência da denúncia dos fatos relatados e era formado por nove jurados. 
No caso de recebimento da denúncia, segunda fase, o segundo conselho 
 
26 VASCONCELOS, L. C.. A supressão do júri. Fortaleza : Ed. Instituto do Ceará, 1955, p. 49-
50. 
27 Ibid., p. 50-51. 
26 
 
equivalia ao Júri de julgamento ou conselho de sentença, constituído por doze 
jurados. 
A entrada em cena, no mundo brasileiro, de um projeto de organização 
política calcado nos princípios da representatividade, da liberdade e da 
igualdade dos cidadãos, com base na racionalidade jurídica, foi retratada no 
projeto da elaboração da primeira constituição por parlamentares eleitos pelo 
voto censitário. Assim como a montagem do Estado e da Nação mobilizava 
vários segmentos sociais, dando à monarquia constitucional a soberania ao 
Imperador e, ao mesmo tempo, aos poderes constituídos – executivo, 
legislativo e judiciário - os súditos libertos da tutela do Rei passavam à 
condição de cidadãos, gozariam de direitos políticos.28 
Compreendemos, desse modo, a formação de um estabelecimento de 
um sistema que buscou uma abertura da gestão estatal ao povo e, mais ainda, 
o debate em torno de quem mereceria participar ativamente deste processo, 
tendo em vista o contexto social tão diversificado presente no nosso país. Toda 
essa discussão ativa em torno do sistema de administração de justiça deve-se 
à propagação das concepções semeadas no continente europeu através de 
brasileiros formados em Coimbra, os quais exerceram papel fundamental na 
construção das ideias retratadas na Constituição brasileira de 1824 e nas 
seguintes legislações. 
1.2.2 1824: A Primeira Constituição Brasileira 
Proclamada a Independência em 7 de setembro de 1822, a Constituição 
Imperial de 25 de março de 1824 não silenciou a respeito do Júri e, elevando-
se a um dos ramos do Poder Judiciário, deu-lhe, nos artigos 151 e 152, 
atribuições para, em matéria de fato, decidir as questões criminais, bem como 
as civis.29 O Tribunal do Júri ganhou reconhecimento, ultrapassando a esfera 
 
28 GAUER, Ruth Maria Chittó. Violência e medo na fundação do Estado-Nação. Civitas – 
Revista de Ciências Sociais. Ano 1, nº 2, dezembro de 2001, p. 82. 
29 BRASIL. Constituição (1824). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 
Senado Federal, 1824.: Art. 151 – O poder judicial é independente, e será composto de juízes 
e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os 
códigos determinarem. Art. 152 – Os jurados se pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a 
lei. 
27 
 
de julgamento dos crimes de imprensa, e conseguiu obter um lugar entre as 
instâncias competentespara julgar determinados processos criminais e cíveis. 
Essa instituição, porém, não exerceu poder algum nos processos cíveis, 
pois os legisladores, que procuraram desenvolver e regulamentar os preceitos 
da Carta Constitucional, entenderam que juízes do povo poderiam somente 
decidir com acerto as questões criminais, porque, para julgar os processos 
cíveis, em sua maioria complexos e difíceis, eram indispensáveis o 
conhecimento das leis e a pratica de julgar, que só os magistrados podem ter.30 
Percebemos que a adoção dessa postura da não permissão do povo 
para julgar fatos cíveis revela uma preocupação com a condução de um 
julgamento que impõe uma análise mais técnica para poder tomar uma 
decisão, menosprezando totalmente a complexidade do julgamento de crimes. 
Com o advento da nossa primeira Constituição, em 25 de março de 
1824, passou o Tribunal do Júri a abranger um leque bem maior de delitos. Sua 
composição mudou, passando a ter o Júri de Acusação vinte e três 
componentes, e o Júri de Sentença, a ser formado por doze jurados. Já seu 
caráter de representatividade passou a ser questionado, na medida em que, 
numa sociedade escravocrata, só pudessem ser jurados os cidadãos que 
podiam ser eleitos, ou seja, os chamados “homens bons”, que detivessem uma 
determinada renda, e que consequentemente, pertencessem às camadas 
dominantes.31 
A preocupação com o rumo da Instituição do Tribunal do Júri começou a 
despertar tons de preocupação a partir do momento em que as primeiras listas 
foram montadas: tornou-se visível o desencontro da ideia de representatividade 
popular pregada pelo Brasil afora com a prática de seleção dos jurados. 
Mariza Corrêa ressalta que, em uma sociedade escravocrata e elitista, o 
júri não tinha nenhum caráter de representação popular, embora ampliasse o 
círculo dos decisores. Podiam ser jurados os que podiam ser eleitores, isto é, 
 
30 WHITACKER, Firmino. Jury Op. cit., p. 9. 
31 ALMEIDA, Vital Alberto Rodrigues de. Tribunal do júri e o conselho de sentença. São Paulo: 
WVC, 1999, p. 24. 
28 
 
os chamados “homens bons”, com uma determinada renda e pertencentes a 
determinadas categorias sociais.32 
A primeira Constituição traçou a configuração da participação política do 
povo com base no sufrágio censitário, ou seja, a concessão do direito ao voto 
tinha como critério basilar a percepção da renda econômica anual das pessoas. 
Embora a ideia inicial tenha tomado como base a ampliação da oferta de uma 
possível participação do povo no que diz respeito à vida pública, este discurso 
não foi efetivado devido à centralização da estrutura político-eleitoral existente 
no primeiro reinado do Brasil. 
Constata-se que, na época, mais de 85% dos brasileiros eram 
analfabetos, entre os quais se incluíam muitos dos grandes proprietários 
rurais, mais de 90% da população vivia em áreas rurais, sob o controle 
ou a influência dos grandes proprietários. Nas cidades, muitos votantes eram 
funcionários públicos controlados pelo governo e a maior parte dos cidadãos do 
novo país não tinha usufruído do exercício do voto durante a Colônia. 
Certamente, não tinha também noção do que fosse um governo 
representativo e do que s i gn i f i cava o a to de esco lher a l gué m 
co mo seu represen tan te po l í t i co . Apenas pequena parte da 
população urbana teria noção aproximada da natureza e do funcionamento das 
novas instituições e até mesmo o patriotismo tinha alcance restrito, pois para 
muitos, ele não ia além do ódio ao português, não era o sentimento de 
pertencer a uma pátria comum e soberana.33 
Observamos, portanto, rastros de uma sociedade marcada pela forte 
concentração do poder de decisão nas mãos de determinados segmentos 
sociais e a visível predominância masculina no comando das esferas de 
atuação. Todo esse cenário despertava a atenção de uma população até então 
desconhecedora de ações que possibilitassem o exercício do povo no 
gerenciamento de determinadas decisões. 
 
32 CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p. 29. 
33 CARVALHO, José Muri lo de. Cidad an ia n o B r as i l , O l ongo C am i nho . 3 ª 
e d . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 32 
 
29 
 
Vejamos também, a presença da ideia de que são rejeitados aqueles 
que se sabe com má reputação e são escolhidos aqueles que são 
reconhecidos como sérios, decentes, etc.; apenas o convívio cotidiano na 
esfera municipal pode permitir tal processo de escolha. A justiça correta nasce 
nessa esfera, na qual se pode conhecer os eleitos que, por sua vez, voltarão 
para a vida local após o término do mandato, devendo, portanto, desempenhar 
suas funções de forma justa. Em resumo, a vida local fornece a chave para a 
eleição dos cargos. É a partir da esfera municipal que os cidadãos 
acompanham e participam da montagem do poder.34 
Vemos, então, uma política de seleção ainda mais subjetiva: a busca de 
cidadãos portadores de uma conduta condizente com o sistema e a exclusão 
de outros que pudessem afrontar o pensamento centralizador presente na 
época. 
Tornou-se visível a formação do seguinte quadro: uma sociedade 
governada pelos interesses materiais de uma oligarquia de grandes 
proprietários rurais, exploradores de escravos, e pelo idealismo jurídico, 
cultivado nas duas faculdades de Direito surgidas no Brasil, continuadoras das 
tradições coimbrãs, que, em vez de buscar redução da distância entre a cultura 
das elites e a dos segmentos populares, dava ao Brasil a fisionomia de uma 
realidade mísera de pobretão sob um manto de lantejoulas’ e de pedrarias...35 
Sistematiza-se, assim, um contexto social marcado pela forte influência 
de alguns setores na escolha dos sujeitos que poderiam compor o cenário 
jurídico. Logo, nota-se uma contínua forma de exclusão de núcleos de 
cidadãos no que diz respeito à obtenção do direito à representação da nação, 
fato que transcende o debate entre a questão de classes elitizadas ou não, 
tendo em vista que o dado fundamental buscado pela seleção abrangia a 
condição de homem “bom”. 
Segundo esse sistema, diz Cândido de Oliveira Filho, o Júri, em vez de 
ser na época, a consciência da sociedade, era, simplesmente, nas comarcas e 
 
34 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai – centralização e federalismo no Brasil/ 1823-1866. Belo 
Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p. 88-89. 
35 AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. Introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio 
de Janeiro: IBGE, 1943, p. 179. 
30 
 
termos do interior dos Estados, a consciência dos caciques políticos36. Com 
base nesses dados podemos imaginar um Conselho de Sentença com uma 
composição formada por sujeitos dignos da confiança dos responsáveis pela 
indicação dos possíveis nomes para lista, o que poderia acarretar numa 
reprodução do pensamento “vertical” acerca das possíveis decisões a serem 
tomadas nas sessões de julgamento do Tribunal do Júri. 
1.2.3. 1832: Advento do Código de Processo Criminal 
Em 1832, entrou em vigor o Código de Processo Criminal, que fixou 
normas para a aplicação do Código Criminal de 1830. O Código deu maiores 
poderes aos juízes de paz, eleitos nas localidades já no Império de Dom Pedro 
I, mas que agora podiam, por exemplo, prender e julgar pessoas acusadas de 
cometer pequenas infrações. Ao mesmo tempo, seguindo os modelos 
americano e inglês, o Código instituiu o júri para julgar a grande maioria dos 
crimes, e o habeas corpus, a ser concedido a pessoas presas ilegalmente, ou 
cujaliberdade fosse ameaçada.37 
O Código de Processo Criminal de 1832 foi o primeiro conjunto de 
normas capaz de abordar procedimentos distintos referentes à necessária 
conjugação com o Código Criminal estabelecido em 1830. Em relação a 
algumas mudanças referentes ao Júri, podemos analisar a ampliação dos 
poderes dados aos Juízes de paz – figuras responsáveis pela resolução de 
conflitos mais corriqueiros no cotidiano, eleitos pelos cidadãos ativos, tendo 
também como um de seus deveres selecionar os jurados. 
O círculo judiciário de primeira instância dividiu-se, com o estatuto de 
1832, em três circunscrições: o distrito, o termo e a comarca. O distrito foi 
entregue ao juiz de paz, com tantos inspetores quanto fossem os quarteirões; 
no termo haveria um conselho de jurados, um juiz municipal, um escrivão das 
execuções e os oficiais de justiça necessários; na comarca – a mais ampla 
expressão territorial – havia o juiz de direito, em número que se estenderia até 
três, nas cidades populosas, um deles com o cargo de chefe de polícia. O juiz 
 
36 OLIVEIRA FILHO, Cândido de. A Reforma do Júri. São Paulo: Editora Quorum, 1932. p. 19. 
37 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 4. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 
1996, p. 163. 
31 
 
de paz era filho direto da eleição popular, nomeados os inspetores de 
quarteirão pelas câmaras municipais, sob proposta daquele. Os juízes 
municipais e os promotores públicos – que serviam nos termos – provinham da 
nomeação dos presidentes de província, sob proposta encaminhada em lista 
tríplice, para um mandato de três anos. Os juízes de direito, escolhidos dentre 
bacharéis, saíam das mãos do imperador, por obra e graça de sua vontade.38 
Os termos eram presididos pelo juiz municipal e compunham-se de um ou mais 
municípios em condições de fornecer um mínimo de 50 jurados.39 
Sobre as províncias, Tobias Barreto expressava que sem exercer os 
limites de mera circunscrição territorial, não tinha a província outra vida que a 
do interdito: por si nada fazia, à espera do consentimento muito expresso do 
vulto eminente que lhe davam por curador. Estávamos fartos de aparências 
ilusórias. Nada se realizava sem o “placet central”.40 
A organização judiciária dividiu as províncias em comarcas, estas em 
distritos, e estes em termos, para facilitar a desafiadora situação de um país 
com ares de continente. Vale ressaltar que a escolha dos integrantes tinha 
respaldo na indicação e aceitação de figuras políticas - caso dos Juízes e 
promotores - ou na eleição popular - juízes de paz. 
Outra mudança, pertinente ao Tribunal do Júri com o advento do 
mencionado Código, diz respeito à ampliação do leque de crimes a serem 
julgados por essa instituição judiciária, o que demonstra uma concordância dos 
legisladores com o sistema de “distribuição da função de julgar” incorporado no 
ordenamento brasileiro. 
O projeto do Código de Processo Criminal foi redigido em 1831 por uma 
comissão mista do senado e da câmara, sendo redator Alves Branco, formado 
em Leis por Coimbra, em 1823. A modernização na estrutura das instituições 
 
38 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª Ed. 
São Paulo: Globo, 2001, p. 352-353. 
39 TORRES, João Camillo de Oliveira. A democracia coroada: teoria política do Império do 
Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1964, p. 231. 
40 BARRETO, Tobias. Crítica política e social. Rio de Janeiro: Record, 1990, p. 74 
32 
 
brasileiras possibilitou reformas administrativas que desenharam um novo perfil 
em nossa sociedade.41 
Podemos compreender que os avanços legislativos encontrados neste 
contexto foram frutos de uma crescente influência dos brasileiros que 
estudaram em Coimbra - berço acadêmico que contribuiu para alimentar uma 
nova concepção de mundo – os quais difundiram visões propícias a um 
rompimento com uma arcaica estrutura judicial. 
O Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do 
Brasil estabeleceu em vinte e três jurados o número do “Júri de Acusação” e 
doze o do “Júri de Sentença”, sendo que em cada termo haveria um Conselho 
de Jurados. As qualidades exigidas para a função eram basicamente três: ser 
eleitor, possuir bom-senso e probidade.42 
Com essa legislação houve um reforço da distinção de dois momentos 
procedimentais para avaliar determinados fatos: os jurados eram convocados 
para analisar a procedência da acusação, caso positiva, entraria em cena outro 
grupo de jurados, o qual teria a função de julgar toda situação. Vale mensurar 
também a descrição dos requisitos impostos em 1832: a condição de eleitor 
constituía o único critério concreto para figurar na lista de jurados, o que 
minimizava consideravelmente as possibilidades de alguém exercer tal função. 
O Código, com sua ênfase na participação popular no Tribunal do Júri, 
inflacionou a estrutura judicial até chegar ao ponto de não ter mais cidadãos 
suficientes para preencher os postos de jurados. A situação ficou tão ridícula 
nas províncias pouco povoadas que, em 1835, um comunicado da província do 
Ceará afirmava que não podia reunir as pessoas nem tinha recursos materiais 
necessários para reorganizar a justiça provincial de acordo com o Código de 
Processo Criminal. Em muitos condados rurais eram muitos os problemas para 
selecionar sessenta homens respeitáveis para trabalhar como jurados. Como 
os soldados da Guarda Nacional, os poucos jurados elegíveis não podiam se 
 
41 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do Estado-Nação no Brasil. Op. cit., p. 307. 
42 ALMEIDA, Vital Alberto Rodrigues de. Tribunal do júri e o conselho de sentença. Op. cit., p. 
24. 
33 
 
dar ao luxo de deixar os seus negócios, e quase sempre davam desculpas para 
não apresentar-se..43 
Nesta perspectiva, torna-se visível um foco problemático no que diz 
respeito ao alistamento dos jurados: a falta de cidadãos aptos para o exercício 
da missão. Através dos dados presentes no período histórico analisado, 
compreendemos a difícil missão que competia aos responsáveis pela seleção 
dos cidadãos em províncias com um menor número de pessoas. 
Os críticos notaram os vícios do processo de seleção dos jurados e, em 
todas as partes, se suspeitava que os postos locais estivessem dominados por 
indivíduos parciais. Ou seja, os jurados eram considerados os “filhos legítimos” 
do juiz de paz, pároco e do presidente do conselho municipal, autoridades 
responsáveis pelo alistamento.44 O Padre Lopes Gama, um dos observadores 
sociais mais sensíveis da época em Pernambuco, afirmou que em todas as 
cidades do interior havia certo número de figuras poderosas que elegiam os 
jurados e logo determinavam as decisões destes de acordo com seus próprios 
interesses.45 
Podemos notar que o novo sistema implantado nas unidades político-
administrativas no século XIX para lidar com a seleção dos jurados acarretou 
alguns vícios: a formação de uma lista suspeita, devido à inclusão de 
indivíduos que não tinham a imparcialidade necessária para julgar os casos, 
assim como a perpetuação de uma lista com os mesmos nomes nos anos 
subsequentes, o que demonstra um descompromisso com os ideais 
propagados pela Instituição popular pelo mundo afora. 
O Visconde de Uruguay relatava que o governo (central) recorria à única 
arma que lhe fora deixada. Suspendia e mandava responsabilizar o empregado 
que não executava ou iludia as suas ordens, muitas vezes acintosamente e de 
acordo com a parcialidade à qual pertencia. Era este acusado pelo promotor 
filho da eleição em quetriunfara a mesma parcialidade. Era formada a culpa 
 
43 FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México (D.F.): Fondo de 
Cultura Economica, 1986, p. 191 
44 APOLINÁRIO DE JABOATÃO. Correio Mercantil, Salvador, Bahia, 19 de outubro de 1839. 
45 O CARAPUCEIRO, O Despertador. São Luís, 8 de março de 1840. 
 
34 
 
pelo juiz de paz do mesmo partido. Se por acaso era pronunciado, era julgado 
pelos jurados apurados pelo juiz de paz e presidente da Câmara eleitos pelo 
mesmo partido.46 
Notamos, no arranjo social montado, alguns indícios de um 
preenchimento de determinados cargos de acordo com fins de dominação, ou 
seja, os atos dos cidadãos executores de funções públicas deveriam 
corresponder à rede de pretensões estatais. 
Desde 1834 o ministro da Justiça reconheceu que as juntas 
responsáveis para nomear os jurados usavam seus poderes discricionários 
para eliminar os homens cujas opiniões políticas diferissem das suas.47 Na 
busca da figura do jurado independente da influência do governo e dos juízes 
técnicos, os legisladores haviam criado uma instituição que estava aberta às 
pressões ilegítimas por todos os lados.48 
Algumas vozes começaram a anunciar a prática existente para 
selecionar os jurados na época: eram convocados cidadãos obedientes e 
adeptos à linha de raciocínio dos responsáveis pelo alistamento. Ou seja, os 
jurados eram considerados canais de transmissão das decisões do Juiz de 
Paz, do pároco e do Presidente da Câmara Municipal – o que mantinha uma 
espécie de mecanismo de controle das decisões penais. 
Em relação à atribuição dada aos párocos, José Murilo de Carvalho 
afirma que não há dúvida de que a Igreja era uma instituição influente, sendo 
parte da burocracia estatal. É igualmente inegável que houve intensa 
participação política de padres em certos períodos.49 Aqui, temos o 
reconhecimento da Igreja Católica como detentora de poder deliberante acerca 
da escolha dos cidadãos mais aptos para o serviço de jurado no Tribunal do 
Júri. 
 
46 URUGUAY, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Rio de Janeiro: Tipografia 
Nacional, 1862, tomo II, p. 204, nº2, p. 216 e 217. 
47 BRASIL, Discurso do ministro de Justiça (Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho). Relatório, 
1834, p. 21-22 apud VASCONCELOS, L. C.. A supressão do júri. Op. cit., p. 55 
48 FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. Op. cit., p. 192 
49 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 2 ed. Rio de 
Janeiro: Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996, p. 47. 
35 
 
Os cargos eleitos do Judiciário eram um mero instrumento de defesa de 
grupos familiares. Nas pequenas localidades, a ação política não era pautada 
por valores calcados na civilização, consistindo, então, em mera expressão de 
paixões e de uma ambição voltada para o extermínio do adversário [...] Seria 
pertinente indagar em que medida, nas pequenas localidades, poder-se-ia 
encontrar cidadãos capazes de formar o júri isento capaz de resistir às 
pressões dos clãs familiares. 50 
Percebe-se, então, uma cultura local marcada pela existência de 
vínculos entre os jurados e a sociedade (fato que tendia a suspeição e 
dificultava a formação do Conselho de Sentença) e, ainda mais grave, a 
possibilidade da submissão à pressão advinda de pessoas interessadas em 
determinados rumos acerca da decisão em julgamentos específicos. 
 Segundo uma proposta do ministro da Justiça no ano de 1835, 
Limpo de Abreu, o júri, nos moldes previstos pelo Código do Processo, 
somente deveria ter vigência plena em cidades com uma determinada 
população, pois, em cidades com uma população escassa, o júri não teria um 
bom funcionamento.51 
É evidente que a difícil situação da realização de sessões de 
julgamentos em regiões marcadas pela escassa concentração de cidadãos 
aptos ao alistamento chega a despertar a preocupação de boa parte de sujeitos 
comprometidos com o funcionamento do Tribunal do Júri no ordenamento 
brasileiro. 
O Senador Alves Branco, o mesmo autor do Código de Processo, assim 
se manifestava, na Câmara dos Deputados, em sessão de 9 de setembro de 
1835: 
Reputo também da primeira importância providenciar soluções 
sobre o júri. Sabe-se quanto é difícil no nosso país achar 
atualmente grande número de pessoas habilitadas para 
julgarem as causas; sabe-se quanto é difícil reunir, nas cidades 
principais, quarenta e oito jurados, quanto mais sessenta, 
número necessário para que diariamente trabalhem os dois 
 
50 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai – centralização e federalismo no Brasil/ 1823-1866. Op. 
cit., p. 180- 192. 
51 Ibid., p. 170. 
36 
 
conselhos; sabe-se quão pouca vantagem presta o primeiro às 
partes e de quanta demora lhes é causado. E é esta a razão 
por que proponho que só haja juízo por jurados nas cidades 
populosas e nas cabeças de comarcas e como com esta 
providência é possível dar aos mesmos melhores qualificações, 
assentei que a renda de 500$00 fosse indispensável, para que 
um cidadão tivesse o direito de julgar os outros, procurando no 
maior rendimento maior independência e cultura intelectual.52 
Surge, portanto, a necessidade de uma busca do aprimoramento desta 
forma de administrar a Justiça, considerando quão problemática era a situação 
para poder realizar a seleção dos jurados, tendo em vista o contexto de fatores 
que afetou à sociedade brasileira e que desfavorecia o recrutamento: a 
condição de eleitor (que eliminava boa parte da população para participar do 
Júri), a sucessão de dias de duração de uma sessão de julgamento e a falta de 
remuneração dos jurados para o exercício do ofício. 
Quanto ao Júri, conforme o ato adicional antes de 1840, é objeto de lei 
provincial, não da geral: a fixação do número preciso de jurados para 
funcionarem os tribunais; a renda, base do censo para a qualificação dos 
cidadãos-juízes; as épocas e lugares dos julgamentos; a distinção, segundo o 
grau dos crimes, e o grande júri para conhecer os mais graves atentados, em 
suma, toda a parte variável e regulamentar desta bela instituição.53 
1.2.4 1841: Reforma do Código de Processo Penal 
No final do ano de 1841 foi aprovada a Reforma do Código do Processo 
Criminal, que mexeu com o retrato procedimental até então conhecido de modo 
que o poder central atrelou as influências locais, armadas com a polícia e a 
justiça, ao comando de seus agentes. Criou, no município da corte e em cada 
província, um chefe de polícia, com os delegados e os subdelegados a ele 
subordinados, nomeados pelo imperador e pelos presidentes. O juiz de paz 
despediu-se da majestade rural, jugulado pela autoridade policial, que passou a 
assumir funções policiais e judiciárias; os juízes municipais e os promotores 
 
52 ALVES BRANCO, Discurso, p. 31 Apud ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo 
criminal brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. Vol. I, 1959, p. 176-178. 
53 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A província: estudo sobre a descentralização no 
Brasil. Brasília: Senado Federal, 1996, p. 217. 
37 
 
perderam o vínculo com as câmaras e o júri desceu mais um degrau na sua 
dignidade de justiça popular.54 
Durante o Segundo Império brasileiro o Tribunal do Júri foi alvo de 
algumas mudanças no que diz respeito ao recrutamento dos jurados: 
diminuição do número de cidadãos na lista de 60 para 48 nomes a cada sessão 
de julgamento; atribuição da seleção para outras autoridades e a abolição do 
conselho de sentençareferente à admissibilidade da denúncia. Todas essas 
alterações referentes ao procedimento evidenciaram, ainda mais, os 
desdobramentos do Poder Legislativo na tentativa de administrar tal forma de 
julgamento popular no ordenamento brasileiro. 
Através da Reforma do Código de Processo Penal em 1841 podemos 
visualizar a criação do cargo de Delegado de Polícia, que tinha como uma de 
suas atribuições a seleção dos jurados, função antes exercida pelos Juízes de 
paz, párocos e vereadores. 
Compreende-se, então, que os chefes de polícia, assim como os 
delegados e subdelegados, além de funções policiais, tinham função judiciária. 
A reforma extinguiu o Júri de Acusação e a formação da culpa e a sentença de 
pronúncia foram distribuídas às autoridades policiais e aos juízes municipais, 
dependendo a pronúncia dos delegados e subdelegados de confirmação dos 
juízes municipais. A lista com os nomes dos jurados passou a ser organizada 
pelos delegados de polícia, que, por sua vez, a remetiam aos juízes de direito, 
competindo a uma junta, composta por este, pelo promotor e pelo presidente 
da câmara municipal, conhecer das reclamações a fazer a lista geral de 
jurados.55 
A concentração de poderes retratada na figura do Chefe de Polícia 
revela a presença de ranços inquisitoriais nas alterações legislativas: a decisão 
de admissibilidade da denúncia, que antes competia a cidadãos jurados, agora 
fazia parte do rol de funções do Delegado, o que pôde revelar a mesma 
condução de decisão no que diz respeito à investigação e ao julgamento, 
 
54 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit., 
p. 383. 
55 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Op. cit., p. 19. 
38 
 
situação que minimizou consideravelmente os direitos do sujeito frente à 
acusação. 
A Reforma do Código também ampliou os requisitos para os que 
queriam ser jurados: tinham agora que saber ler e escrever, e ter uma renda 
mínima anual, não mais de duzentos mil-réis, mas de quatrocentos, trezentos 
ou duzentos mil-réis, conforme o tamanho da cidade. Além disso, as sentenças 
proferidas pelo júri ficaram passíveis de apelação, quando o juiz de direito 
assim achasse conveniente.56 
Com a Reforma, houve uma ampliação em torno dos critérios para 
verificar a condição de cidadãos aptos ao serviço do Júri sendo a primeira 
alteração referente à alfabetização, entendida como necessária para que o 
jurado pudesse compreender alguns dados escritos possivelmente levados em 
consideração durante o julgamento e à importância do entendimento da 
resposta a ser proferida no momento da decisão. A segunda alteração versa 
sobre o aumento da renda mínima anual do candidato a jurado, o que consistiu 
em um retrocesso para efetivação de um conselho de sentença mais 
representativo da sociedade, tendo em vista a utilização de um critério 
apropriado para excluir cidadãos pertencentes às camadas sociais mais baixas. 
O mecanismo de seleção dos jurados consistiu em ponto de angústia 
para José Marcelino Pereira de Vasconcellos, processualista que conviveu com 
o universo do Júri na época: 
 Não se pode esperar decisões fundadas em justiça, nem 
contar com garantia alguma, se não houver escrúpulos na 
qualificação dos juízes de fato. Que se pode esperar do 
homem que não tiver juízo claro, ou certa inteligência para bem 
avaliar as questões que são submetidas a seu conhecimento? 
Que não tiver independência, a qual só existe possuindo meios 
de estar a coberto de urgentes necessidades? Que não tenha 
consideração e posição honesta, da qual lhe resulte respeito e 
força moral? É por isso que deve haver grande zelo da parte 
dos delegados de polícia, na formação das respectivas listas.57 
 
56 BASILE, Marcello Otávio N. de C. O império brasileiro: panorama político. In: LINHARES, 
Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. 9. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 240. 
57 VASCONCELLOS, José Marcelino Pereira de. Código dos Jurados. Rio de Janeiro: 
Laemmert & C., 1885, p. 15. 
39 
 
A geração de uma nítida preocupação com a seleção dos jurados nesta 
época pode ser compreendida pela esdrúxula concentração de atos nas mãos 
da Polícia: esta, além de assumir a missão de decidir sobre a procedência da 
admissibilidade do caso, emitindo verdadeiro julgamento em sede processual, 
agora pode escolher os jurados não só de acordo com os critérios formalmente 
estabelecidos, mas de acordo com a sua visão sobre os cidadãos mais bem 
cotados para reproduzir as conclusões policiais. 
O deputado Ferreira Souto demonstrou sua preocupação com este tipo 
de problema: 
Entendo que o modo de qualificar jurados deve ser reformado: 
é realmente um mal que os jurados sejam qualificados pelos 
juízes de paz e câmaras municipais. Mas, não posso concordar 
que se dê ao delegado de polícia e ao juiz de direito a 
atribuição de qualificar os jurados. O juiz de direito tem de 
presidir o Júri; por consequência, não deve arriscar-se à 
suspeita de preparar jurados moldados às suas opiniões. Sei 
que na França os prefeitos formam listas parciais e a organiza 
o presidente da Corte; mas esta forma de organizar o júri é 
muito atacada e má. Dar ao juiz de direito esta faculdade, isso 
me parece contrário à natureza da instituição dos jurados e 
contra o conceito de imparcialidade que deve caracterizar o juiz 
para poder inspirar toda a confiança às partes.58 
 
A pauta de discussão sobre a formação da lista de jurados tem como 
uma de suas faces a nítida preocupação com a atribuição da seleção para 
autoridades que poderiam macular o Júri com recrutamento de cidadãos 
suspeitos, representantes de uma vontade “vertical”, frutos do descompromisso 
com um julgamento imparcial. Note-se também a intenção de remeter a 
seleção dos jurados aos Magistrados que tinham a responsabilidade de presidir 
a sessão de julgamento, estratégia que foi confirmada posteriormente após o 
advento da República. 
 A última grande reforma judiciária do Império deu-se em 1871 e 
seu principal objetivo foi separar as funções policiais e judiciárias misturadas 
em 1841 nas atribuições dos delegados e subdelegados de polícia.59 A 
 
58 FERREIRA SOUTO, Discurso, p. 32 apud ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo 
criminal brasileiro. Op. cit., p. 181. 
59 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Op. cit., p. 
159. 
40 
 
mudança da atribuição da admissibilidade da pretensão acusatória do Chefe de 
Polícia para a figura do Juiz revela um avanço no sentido de alcançar um 
modelo acusatório, tomando como base uma separação das funções de 
investigação e julgamento, atividades dadas a pessoas distintas. 
Os primeiros dados gerais sobre instrução mostram enormes carências 
nessa área. Em 1872, entre os escravos, o índice de analfabetos atingia 99,9% 
e entre a população livre aproximadamente 80%, subindo para mais de 86% 
quando consideramos só as mulheres. Mesmo descontando-se o fato de que 
os percentuais se referem à população total, sem excluir crianças nos primeiros 
anos de vida, eles são bastante elevados. Um abismo separava, pois, a elite 
letrada da grande massa de analfabetos e gente com educação rudimentar.60 
Os índices acerca do nível de instrução da sociedade no final do 
segundo reinado brasileiro configuram um retrato marcado por grandes 
disparidades que acaba surtindo consequências na manutenção do exercício e 
controle das funções jurídicas nas mãos de uma seleta camada de pessoas. 
Tanto as ideias e valores que predominavam entre a elite

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