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REVISTA DO PROFESSOR, jul./set. 2006 31 (87):Porto Alegre, 22 31-34, RELATO DE EXPERI NCIAS Ensino da Matemática: construindo uma metodologia em ação Aprender a ensinar e tornar-se professor são processos pautados em diversas experiências e modos de conhecimento. Algumas expe- riências são constituídas do espe- lha mento em ex-professores, cujo trabalho o docente vivenciou ao longo de sua formação; outras são adquiridas ao longo de sua própria prática e refletem seu crescimento profissional, pois são construídas a partir da reflexão de suas ações. Na educação brasileira, há muita discussão sobre como se deve ensinar Matemática aos alunos no atual contexto da so- ciedade em que vivemos. Nesse sentido, de acordo com Mizuka- mi, para conseguirem desenvol- ver novas formas de ensinar, os professores precisam trabalhar com seus pares – dentro e fora da escola – de forma a aprender com os sucessos, os fracassos, os erros e as falhas, bem como partilhar idéias e conhecimentos. Deste modo, é importante re- organizar a estrutura do trabalho docente, oferecendo aos professo- res oportunidades de colaboração, de troca, de discussão com os seus colegas e com outros agen- tes. Um profissional não pode ser continuamente absorvido pela sua tarefa; deve também aproveitar um espaço de reflexão no seio da orga- nização do seu trabalho, dentro do qual possa confrontar suas idéias com outras e refletir sobre a sua própria prática. Segundo ensinamentos de Sa- cristán e Gómez, o professor deve atuar como um clínico que diagnostica permanentemente a situa ção e elabora estratégias de intervenção específicas e adapta- das para as situações que ocorrem em sala de aula, interpretando a riqueza educativa da vida na aula, gerada por conseqüências das suas respostas e dos alunos, suas reações, sentimentos e criações. Não é possível realizar mudan- ças nas práticas pedagógicas dos professores na escola de um dia para o outro, ou de uma maneira grandiosa e repentina. O professor, um dos atores desse processo, necessita ter clareza das propos- tas de mudanças que refletirão diretamente em sua prática. Essas mudanças somente serão adequa- das quando o objetivo for atingir a aprendizagem do aluno. Nesse particular, Sacristán afir- ma que a transformação dos do- centes só tem sentido no âmbito da mudança das escolas. Logo, o crescimento profissional do professor é dependente do desen- volvimento da instituição e da de todos os pro fis sio nais da educação ao seu redor, pois o professor não é um profissional que se limita a aplicar corretamente as técnicas, mas aquele que se interroga sobre o sentido e a pertinência de todas as decisões no espaço escolar. Enfim, de acordo com Im- bernón, o professor necessita de novos sistemas de trabalho e de novas aprendizagens para exercer sua profissão docente em função da aprendizagem dos alunos. Estudo em ação A necessidade da busca por estratégias inovadoras, desafia- doras e facilitadoras da aprendi- zagem relacionada a medidas de superfície e comprimento surgiu da experiência de professores em sala de aula. Estávamos cientes de que os exercícios realizados apenas no livro, em folhas reproduzidas ou em diferentes malhas quadricu- ladas, considerando a faixa etária dos alunos, eram, a princípio, limitadores e pouco eficazes para garantir que os alunos adquirissem os conhecimentos necessários para a construção de tal conceito. Percebemos que essas ativida- des não estavam possibilitando amplamente que os alunos ex- plorassem suas hipóteses, cons- truíssem os conhecimentos e chegassem às conclusões sobre as relações entre área e perímetro. Um dos indicadores mais comuns era a necessidade que verbaliza- vam em aprender apenas as regras para os cálculos necessários ao resolverem as situações-problema apresentadas. No entanto, cons- tatávamos que os alunos confun- diam freqüentemente o conceito de área e perímetro. Com essa preocupação, opta- • ALICE MARIA P. R. XAVIER DA SILVA Licenciada em Matemática. Psicóloga – CRP n0 12.552.2/6ª Região. Psicopedagoga. Professora do Ensino Fundamental do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo/SP. E-mail: aliceramosxavier@uol.com.br • LUCIANA BARROS Pedagoga. Professora do Ensino Fundamental do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo/SP. E-mail: ljobarros@comcorp.com.br • VLADEMIR MARIM Licenciado em Matemática. Mestre em Educação. Coordenador da Área de Matemática do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo. Professor da Universidade de Mogi das Cruzes/SP e Pesquisador do Grupo Mathema. São Paulo/SP. E-mail: miarrr@terra.com.br REVISTA DO PROFESSOR, 32 jul./set. 2006(87):Porto Alegre, 22 31-34, RELATO DE EXPERI NCIAS mos por realizar uma atividade prática na 4a série do Ensino Fundamental, com o objetivo de resolver situações-problema en- volvendo os conceitos de área e perímetro, inclusos na proposta dos Parâmetros Curriculares Na- cionais (PCN), abordados no eixo de Grandezas e Medidas. O trabalho com medidas de comprimento é iniciado na Educa- ção Infantil, sendo que o conceito de medir superfícies começa a ser construído na 3a série do Ensino Fundamental; porém, é na 4a série que esses conceitos são revisados e melhor compreendidos pelos edu- candos que, por meio de atividades práticas, vivenciam e se apropriam cada vez mais do uso das unidades de medidas padronizadas. Em reuniões de formação con- tinuada em serviço, organizadas para discutirmos o planejamento de Matemática desta série, elabo- ramos uma seqüência didática uti- lizando alguns dos materiais que já faziam parte de nossa prática, mas o objetivo era utilizá-los de maneira mais eficaz, com base nas experiências dos anos anteriores. Assim, descreveremos a experi- ência desenvolvida com alunos da 4a série do Ensino Fundamental do Colégio Marista Arquidio cesano de São Paulo, em junho de 2005, a qual qualificamos como aprendi- zagem significativa, pois notamos que a participação e o envolvi- mento dos alunos durante essa atividade possibilitou que eles fizessem as relações necessárias entre o conceito e sua aplicação no cotidiano. Construindo significados O primeiro passo para o tra- balho com medidas de superfície e comprimento foi pedir que os alunos construíssem em casa e trouxessem para a escola um me- tro quadrado recortado em folha de jornal. Nesse momento, foram trabalhadas as informações neces- sárias para a realização dessa ta- refa, como, por exemplo, a leitura da notação m² (metro quadrado) como sendo um quadrado que deve ter 1 metro de cada lado. A partir daí, com o metro qua- drado em mãos, começamos a discutir as hipóteses que os alunos concebiam sobre o que poderia ser medido com aquele material. Os alunos relataram que poderíamos medir apenas áreas de re giões pla- nas: quadradas e retangulares. Nes- se plenário, com o conhecimento prévio sobre perímetro, trabalhado na 3a série do Ensino Fundamental, os alunos concluíram que, para medir o perímetro da sala de aula, por exemplo, usariam somente o lado do metro quadrado. Entre muitas questões aborda- das nessa discussão, relaciona- mos também o metro quadrado (m²) – unidade padrão da medida de superfície – que é aplicado na medição de diferentes áreas, por exemplo, chão de sala, paredes, espaços ocupados por parques, condomínios, etc. Na terceira etapa do trabalho, utilizamos o metro quadrado para formar regiões planas no pátio interno do Colégio. Nesse momen- to, a primeira situação-problema proposta a eles foi a de que, em grupos, com seus metros quadra- dos, formassem algumas re giões planas retangulares. Em seguida, levantamos as idéias que elestrouxeram sobre o cálculo do pe- rímetro dessas regiões, e os ques tio - namos sobre co mo medir a superfície que ha viam for- mado. Os alunos, em sua maioria, não apresentaram dificuldades nes- sa etapa, pois esta- vam vi sua li zando a quantidade de metros quadrados que uti lizaram para cons truir essas re- giões e foram ca- pazes de calcular sua área. Ainda mais, contando os segmentos do con- torno, calcularam o perímetro. Na segunda situação-proble- ma, solicitamos aos alunos que construíssem duas ou mais re- giões de mesma área e perímetros diferentes. Nesse momento, os alunos perceberam que os grupos tinham que ter o mesmo número de pessoas, porém não poderiam formar regiões iguais. Ao sociali- zar as construções, conferimos as áreas das regiões e calculamos o seu perímetro, pedindo que um dos alunos de cada grupo contornasse a mesma figura, caminhando sobre a sua lateral, enquanto todos conta- vam quantos metros ele percorria. Finalizando essa etapa do tra- balho, propusemos aos alunos que formassem duas ou mais regiões de mesmo perímetro com áreas diferentes. Percebemos uma certa dificuldade em resolverem essa situação-problema. Posteriormente, com algumas tentativas e rema- nejamento de pessoas entre os grupos, foi possível cumprirem a tarefa. Como eles já haviam cons- truído áreas iguais na etapa ante- rior, sabiam que não poderiam for- mar grupos com o mesmo número de pessoas, pois neste caso a área seria a mesma. Percebemos que a dificuldade ocorreu em relação à organização do grupo para formar a área solicitada. A atividade seguinte ocorreu em outro dia, quando a professora, em REVISTA DO PROFESSOR, jul./set. 2006 33 (87):Porto Alegre, 22 31-34, RELATO DE EXPERI NCIAS sala de aula, recordou a vivência que ocorrera no pátio do colégio, e organizou com eles os registros descobertos, realizando outras problematizações com a utilização de malha quadriculada. Algumas conclusões apresenta- das pelos alunos e registradas no caderno foram: • figuras de mesmo perímetro po- dem ter áreas diferentes; • figuras de mesma área podem ter perímetros diferentes; • figuras de mesma área e mes- mo perímetro podem ter formas diferentes. Posteriormente, propusemos aos alunos que resolvessem os exercícios contidos no livro di- dático. Nesse momento, eles de- monstraram tranqüilidade e re lem- braram as experiências das quais participaram, estabelecendo as re- lações necessárias para resolverem tais exercícios. Ao se esgotarem os exercícios do livro, apresentamos alguns complementares em folha fotocopiada. Conclusões Neste trabalho, apresentamos uma abordagem para o ensino de medidas de superfície e compri- mento por meio de estratégias, com a proposta de reduzir algumas dificuldades na aprendizagem des- ses conteúdos, conforme observa- ções realizadas pelas professoras da 4a série nos anos anterio res. Isto possibilitou, assim, a criação de um espaço para exploração e construção do conhecimento. Além de promover a aprendi- zagem do aluno, a missão do pro- fessor é preparar e inserir as novas gerações de alunos no mundo em constante transformação. Dessa forma, o ensino deve ser adapta- do a esse contexto por meio de conteúdos e metodolo gias a serem desenvolvidos. Concluindo, podemos dizer que nas diversas disciplinas existentes no currículo escolar brasileiro, in- clusive na Matemática, podemos utilizar diferentes me to dologias para oportunizar o desenvolvimento de destrezas e habilidades necessárias à aprendizagem dos alunos. A forma de ensinar está dire- tamente relacionada às técnicas e estratégias das quais os professo- res se apropriam em seu trabalho. Dentre elas, podemos relacionar: Resolução de Problemas, Jogos e Brincadeiras Matemáticas, Mo- delagem Matemática, História da Matemática, Etnomate má tica e o uso de Novas Tecnolo gias nas aulas de Matemática. No processo de ensino e apren- dizagem, dificilmente podemos realizar um trabalho escolar e obter um resultado satisfatório e eficaz, utilizando apenas parte dessas propostas, pois cada tema pode ser mais bem desenvolvido, Um grupo se organiza para formar uma região solicitada pelo professor Estudantes calculam o perímetro de cada região construída no pátio REVISTA DO PROFESSOR, 34 jul./set. 2006(87):Porto Alegre, 22 31-34, RELATO DE EXPERI NCIAS São Paulo, 16/08/2005. Área e perímetro 1. Trouxemos de casa um quadrado feito de jornal com as seguintes medidas: 2. Montamos no pátio do colégio algumas regiões planas e calculamos a área e o perímetro destas regiões. 3. Utilizamos o papel quadriculado para demonstrá-las. Observação: Cada lado do quadrinho do papel representa 1 m da realidade. Portanto: 4. Observamos que: • regiões de mesma área podem ter perímetros diferentes (c, d e e); • regiões de mesma área e mesmo perímetro podem ter formas diferentes (d e f ); • regiões de mesmo perímetro podem ter áreas diferentes (b, d e f ) e (a, e). Registro de atividades conforme consta no caderno do aluno 1 m 1 m 1 m1 m 1 m 2 Área: 1 m 2 Perímetro: 4 m 1 m 1 m1 m 1 m área: 18 m 2 perímetro: 22 m área: 14 m 2 perímetro: 18 m área: 8 m 2 perímetro: 12 m área: 8 m 2 perímetro: 18 m área: 8 m 2 perímetro: 22 m área: 8 m 2 perímetro: 18 m aproveitando-se uma das estraté- gias antes citadas. Para que o professor possa atuar como clínico e diagnosticar o pro- blema da aprendizagem de seus alunos, ele necessita elaborar no- vas estratégias e aplicá-las em sala de aula, conforme nos lembram Go mez e Sacristán. Essas estra- tégias necessitam ser discutidas e compartilhadas entre os pares nas escolas, pois, nesse sentido, se- gundo afirmação de Mi zukami, os professores aprendem uns com os outros, compartilhando também seus fracassos e sucessos. Por fim, confirmamos que mo- mentos de aprendizagem podem ser significativos quando, juntos, professores, alunos e coordenado- res construírem o conhecimento. REFER NCIAS BRASIL, Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei de n. 9394/96. Brasília: Senado Federal, 1996. ______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 2. ed. Brasília, 2000. ______.______. Referenciais para Formação de Professores. Brasília, 1999. IMBERNÓN, F. Amplitude e Profundidade do Olhar: a Educação Ontem, Hoje e Amanhã. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. A Educação no Século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. Formação Docente e Profis sio nal: Formar-se para a Mudança e Incerteza. São Paulo: Cortez, 2002. MIZUKAMI, M. da G. N. et al. Escola e Aprendizagem na Docência: Processos de Investigação e Formação. São Carlos: UFSCar, 2002. SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma Reflexão sobre a Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. Educar e Conviver na Cultura Global. As Exi- gências da Cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002. ______.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. Poderes Instáveis em Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. ______. Uma Reflexão sobre a Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. a b c d e f
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