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Ruskin acreditava que a conservação da arquitetura do passado, como expressão de arte e cultura, nos permitiria entender a relação existente entre os estilos arquitetônicos e as técnicas construtivas como a resultante do fruto do trabalho de determinada cultura, utilizando-se da história dessas construções como o veículo de comunicação dos processos de desenvolvimento cultural.
De acordo com Ruskin, a integridade das edificações, como um conjunto formal e técnico-construtivo, se tornava o bem de maior valor que se poderia legar às novas gerações. Essa “herança” seria o mecanismo responsável por transferir ao espaço construído, os sentimentos de pertencimento e apropriação de seus valores memoriais.
Entendia a Arquitetura como uma expressão forte e duradoura capaz de se eternizar carregando em si uma enorme carga de valor histórico e cultural. Ruskin defendia a idéia de que as edificações deveriam atravessar os séculos de maneira intocada envelhecendo segundo seu destino, lhe admitindo a morte se fosse o caso. Com algumas exceções permitia pequenos trabalhos de intervenção (9) que evitassem a queda prematura das edificações.
Do mesmo modo, recomendava a execução de reforços estruturais em elementos de madeira e metal quando estes estavam em risco de se perder, assim como reparos pontuais de fixação ou colagem de esculturas em risco de ruir, mas de maneira nenhuma admitia imitações, cópias e acréscimos.
A ruína é o testemunho da idade, do envelhecimento e da memória, podendo nela estar expressa a essência do monumento
Le Duc
É neste contexto de atividades intensas que sua produção intelectual vai consolidando sua linha de ação e suas teorias sobre a restauração, confirmando, mais tarde, o que hoje conhecemos como “restauração estilística”, ou seja, um processo que, baseado na unidade formal e estilística das edificações buscava criar um modelo idealizado na “pureza” de seu estilo.
“Viollet-le-Duc [...] procurava entender a lógica da concepção do projeto [...] Não se contentava unicamente em fazer uma reconstituição hipotética do estado de origem, mas procurava fazer uma reconstituição daquilo que teria sido feito se, quando da construção, detivessem os conhecimentos e experiências de sua própria época, ou seja, uma reformulação ideal de um dado projeto” (4).
Desenvolvendo uma metodologia de trabalho onde, muitas vezes, o resultado final da intervenção proporcionava uma obra completamente diferente da original, Viollet-le-Duc acreditava que dominando o sistema construtivo da edificação e conhecendo profundamente seu estilo arquitetônico, conseguiria atingir plenamente os objetivos de um processo de restauração. Dizia que se as formas do passado fossem compreendidas em suas instâncias formais e espaciais, serviriam de base para esclarecer os problemas da arquitetura do presente
Viollet-le-Duc acreditava que o arquiteto encarregado de uma restauração, além de ser um construtor de prática reconhecida, deveria dominar todos os estilos e escolas dos diversos períodos da arte, como também, conhecer noções básicas de arqueologia. Assim, o arquiteto restaurador seria escrupuloso o bastante para diferenciar o antigo do novo, fazendo com que se sobressaísse os traços das modificações ao invés de dissimulá-los.
Boito
(1) Os monumentos deveriam ser preferencialmente consolidados a reparados e reparados a restaurados.
(2) Evitar acréscimos e renovações, que, se necessários, deveriam ter caráter diverso do original, mas não poderiam destoar do conjunto.
(3) Os completamentos de partes deterioradas ou faltantes, ainda que sigam a forma primitiva, deveriam ser de material diverso ou ter incisa a data de sua restauração; no caso das restaurações arqueológicas, deveriam ter formas simplificadas.
(4) As obras de consolidação deveriam limitar-se ao estritamente necessário, evitando-se a perda dos elementos característicos ou, mesmo, pitorescos.
(5) Dever-se-ia respeitar as várias fases do monumento, sendo a remoção de elementos somente admitida se tivessem qualidade artística manifestamente inferior à do edifício.
(6) Registrar as obras, apontando-se a utilidade da fotografia para documentar as fases de antes, durante e após a intervenção, devendo o material ser acompanhado de descrições e justificativas e encaminhado ao Ministério da Educação.
(7) Colocar uma lápide com inscrições para apontar a data e as obras de restauro realizadas
Todas as adições (restaurações sucessivas) deveriam ser descartadas. Em relação à pintura, preconizava que se deveria saber o momento de parar e ser a intervenção menor possível. Sobre a arquitetura recaía, em sua opinião, a maior complexidade: distanciava-se de Ruskin e de le-Duc: do primeiro, à medida que não aceitava a morte certa dos monumentos e, do segundo, não aceitando levá-los a um estado que poderia nunca ter existido antes. Alertava para o perigo da forma de agir de le-Duc em função da arbitrariedade que a mesma continha e ao que poderia ser sua inevitável conseqüência: o triunfo do engano. Ao afastar-se das duas teorias, cria, ao mesmo tempo, uma teoria intermediária entre ambas. Cita e concorda com Mérimée ao dizer sobre as restaurações: “nem acréscimos, nem supressões”, ficando evidente o respeito que os acréscimos ao longo da história deveriam ter e orientando, ao mesmo tempo, a mínima intervenção. Boito admitia contradições em suas próprias teorias, uma vez que o assunto era contemporâneo e as mesmas estavam, ainda, em formação.
Riegl
Em seu segundo capítulo, Denkmalkultus trata especificamente dos valores de rememoração, que se dividem em valor de antiguidade, valor histórico e valor de rememoração intencional, sendo que
“A classe dos monumentos intencionais diz respeito às obras destinadas, pela vontade de seus criadores, a comemorar um momento preciso ou um evento complexo do passado. Na classe dos monumentos históricos, o círculo se alarga àqueles que apresentam ainda um momento particular, mas cuja escolha é determinada por nossas preferências subjetivas. Na classe dos monumentos antigos entram enfim todas as criações do homem, independentemente de sua significação ou de sua destinação original [...] As três classes aparecem assim como três estados sucessivos de um processo de generalização crescente do conceito de monumento” (16).
A eficácia estética do valor de antiguidade reside exatamente em seu aspecto vetusto, nos traços de decomposição impostos à obra pelas forças da natureza, alterando sua forma e cor, fazendo aflorar no espectador a sensação do tempo transcorrido, do ciclo de criação-destruição, que se apresenta como lei inexorável da existência. Por isso, o valor de antiguidade determina como pressuposto de ação conservativa exatamente a não-intervenção, ou seja, “ao menos em princípio, ele rejeita toda ação conservativa, toda restauração, enquanto intervenção injustificada sobre o desenrolar das leis da natureza” (18). Entretanto, essa posição não-interventora em relação aos monumentos não significa a aceitação de uma destruição violenta, seja em decorrência da ação do homem, seja proveniente das forças naturais.
Brandi
1º. axioma: “restaura-se somente a matéria da obra de arte” (p. 31), que se refere aos limites da intervenção restauradora, levando em conta que a obra de arte, em sua acepção, é um ato mental que se manifesta em imagem através da matéria e é sobre esta matéria – que se degrada - que se intervém e não sobre esse processo mental, no qual é impossível agir. Daí decorrem as críticas às restaurações baseadas em suposições sobre o “estado original” da obra, condenadas a serem meras recriações fantasiosas, que deturpam a fruição da verdadeira obra de arte.
2º. axioma: “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” (p. 33). Ainda que se busque com a restauração a unidade potencial da obra (conceito de todo distinto de unidadeestilística), não se deve com isso sacrificar a veracidade do monumento, seja através de uma falsificação artística, seja de uma falsificação histórica.
Conceito de Restauração segundo Viollet-le-Duc 
• “Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento.”
 • Procura entender a lógica da concepção do projeto pois esta daria resposta unívocas. 
• Não se contenta em fazer uma reconstituição hipotética do estado de origem 
• Busca a pureza do estilo (faz reconstituição daquilo que teria sido feito, uma reformulação ideal do projeto)
. • Catedral de Saint Sernin, Toulouse
 • Esquema ideal de Le-Duc: 
entender profundamente o sistema de projeto e construção
 2 – conceber um modelo ideal 
3 – impor ao projeto / edifício o esquema idealizado
• A faceta de restaurador de Viollet-le-duc deve ser avaliada dentro do contexto na qual foi produzida: um momento de redescoberta e de grande apreciação das qualidades da arquitetura medieval.
John Ruskin foi um importante teórico inglês do século XIX, que em seus escritos defendia com fervor a preservação dos monumentos
preservação e conservação do patrimônio histórico
Quanto mais antiga é uma edificação mais valor ela apresenta para a sociedade. Para o autor, a maior glória de um edifício está no testemunho duradouro diante dos homens. “É naquela mancha dourada do tempo que devemos procurar a verdadeira luz, a cor e o valor da arquitetura.” (RUSKIN, 2008). Ruskin afirma que a beleza referente às marcas do tempo na arquitetura é um dos responsáveis pela atribuição do conceito de pitoresco à edificação. É como uma sublimidade parasitária, um intermédio entre o sublime e o belo. Toda a sublimidade, assim como toda a beleza, é pitoresca, isto é, própria para se tornar o tema de uma pintura.
Viollet–le-Duc (1814-1879) defende a restauração, permitindo ao arquiteto: completar edifícios através de uma unidade estilística, completar através da lógica, agregar partes novas ainda que não tenham nunca existido na historia da edificação possibilitando sua conclusão. Ele se apoderava das obras, ou seja, o que pensava estar ruim, modificava. Tomava posse do projeto respeitando as características estilísticas e desconsiderando os aspectos históricos, porém havia a preocupação com a busca da perfeição formal. Isso fazia com que fosse possível reconstituir as partes desaparecidas por meio daquelas ainda existentes. Os acabamentos eram tal qual o projeto original, não era possível perceber suas intervenções. Interpretava a arquitetura de uma forma bastante racionalista. Viollet–le-Duc enuncia - Restauração: “A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento.” (VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Trad. Beatriz Mugayar Kühl. Cotia: ed. Ateliê Editorial, 2000. p.29) John Ruskin (1819-1900) defende o anti-intervencionismo, isto quer dizer, uma teoria ruinística. Segundo ele, o monumento deve permanecer intocado como no projeto original do arquiteto, e/ou das gerações passadas, juntamente com as marcas do tempo, nele impressas. Considera a restauração como a destruição mais completa que pode ter em uma edificação, como uma falsificação. Para ele o destino de todo monumento histórico é a ruína e a desagregação progressiva. Para Ruskin a restauração era uma consequência da negligência humana.
Na Inglaterra de meados do século XIX, os movimentos intelectuais (1) em prol da conservação dos monumentos históricos ganharam força a partir do protagonismo de John Ruskin (1819-1900). Seu importante papel como um dos precursores na preservação das obras do passado enriqueceu o conceito de patrimônio histórico, sendo possível afirmar que suas idéias já faziam referências ao que hoje classificamos como patrimônio material e imaterial.
Ruskin foi escritor, crítico de arte, sociólogo, e um apaixonado pelo desenho e pela música. Suas idéias adquiriram maior repercussão no ano de 1849 através do livro The Seven Lamps of Architecture (2) – lançado cinco anos antes do primeiro tomo do Dictionnaire de Viollet-le-Duc (3) –, e no ano de 1853 com The Stones of Venice (4), onde descreveu sua apologia ao “ruinísmo” como um devoto às construções do passado, pregando o total e absoluto respeito à matéria original das edificações.
Viveu em uma época de dicotomia entre os antigos costumes sociais e os emergentes decorrentes da Revolução Industrial, que devido ao seu acelerado desenvolvimento substituía de forma gradativa o sistema de produção das manufaturas. Sua luta contra os efeitos nocivos da industrialização revelou sua forte ligação com a cultura tradicional.
Podemos compreender a luta de Ruskin contra as modificações desses valores através do seguinte trecho: “no lo sería ahora cuando las inquietudes y los descontentos del presente usurpan en nuestros espíritus su lugar al pasado y al porvenir. La calma misma de la naturaleza nos es gradualmente arrancada” (5).
Ruskin acreditava que a conservação da arquitetura do passado, como expressão de arte e cultura, nos permitiria entender a relação existente entre os estilos arquitetônicos e as técnicas construtivas como a resultante do fruto do trabalho de determinada cultura, utilizando-se da história dessas construções como o veículo de comunicação dos processos de desenvolvimento cultural.
Manter vivo o testemunho cultural do passado no cotidiano da cidade, possibilita com que os indivíduos identifiquem nos espaços urbanos, e, nos monumentos históricos, marcos referenciais de identidade e memória. Nos termos de Ruskin (6), “Es preciso poseer, no sólo lo que los hombres han pensado y sentido, sino lo que sus manos han manejado, lo que su fuerza ha ejecutado, lo que sus ojos han contemplado todos los días de su vida”.
Defendia a idéia de que as edificações pertenciam ao seu “primeiro construtor” (7), ou seja, a população de determinada localidade que se tornava herdeira desses bens culturais, estabelecendo uma relação de compromisso social, entre a presente e as futuras gerações, para a preservação das edificações históricas em sua concepção original, evitando assim, atos de negligência e descaso.
De acordo com Ruskin, a integridade das edificações, como um conjunto formal e técnico-construtivo, se tornava o bem de maior valor que se poderia legar às novas gerações. Essa “herança” seria o mecanismo responsável por transferir ao espaço construído, os sentimentos de pertencimento e apropriação de seus valores memoriais.
Para Ruskin, os arquitetos deveriam construir as edificações como se fossem obras de valor histórico em potencial. Desta forma, as construções deveriam causar tamanha admiração em seus “herdeiros” a ponto de virar referência cultural, independentemente de sua excepcionalidade como obra arquitetônica, como mostram as idéias do autor (8),
“Dios nos ha prestado esta tierra durante nuestra vida; no es más que un bien sujeto á restitución. Pertenece á los que vendrán después de nosotros [...] no tenemos el derecho, por actos ó por negligencias, de conducirles á penalidades inútiles, o á privarles de beneficios que estaría en nuestra mano legarles [...] Cuando construyamos diremos, pues, que construimos para siempre [...] Que sea un trabajo por el cual nos estén agradecidos nuestros descendientes; pensemos, colocando piedra sobre piedra, que llegará un tiempo en el cual estas piedras serán conceptuadas sagradas porque nuestras manos las tocaron y que los hombres dirán considerando la labor y la materia trabajada: !Mirad. He aquí lo que nuestros padres hicieron para nosotros! La mayor gloria de un edificio no depende, en efecto, ni de su piedra, ni de su oro. Su gloria toda está en su edad [...]”.
Entendia a Arquitetura como uma expressão forte e duradoura capaz de se eternizar carregando em si uma enorme carga de valor histórico e cultural. Ruskin defendia a idéia de que as edificaçõesdeveriam atravessar os séculos de maneira intocada envelhecendo segundo seu destino, lhe admitindo a morte se fosse o caso. Com algumas exceções permitia pequenos trabalhos de intervenção (9) que evitassem a queda prematura das edificações.
Do mesmo modo, recomendava a execução de reforços estruturais em elementos de madeira e metal quando estes estavam em risco de se perder, assim como reparos pontuais de fixação ou colagem de esculturas em risco de ruir, mas de maneira nenhuma admitia imitações, cópias e acréscimos.
Para Ruskin o edifício só ganhava vida, tornando-se reconhecido como algo de valor, após ter servido de testemunho da morte de várias gerações, ter sido abençoado com a pátina do tempo e assistido a evolução da cidade resistindo mais que todos os seres vivos. Sua visão romântica sobre os processo de conservação, nos remetem à idéia de que somente salvaríamos nossa arquitetura patrimonial se os métodos de preservação permitissem o “congelamento” das cidades, centros e sítios urbanos.
O conceito de pitoresco (10) é utilizado por Ruskin como uma forma de qualificar uma obra arquitetônica de reconhecido valor histórico e cultural. A beleza acrescentada pelo tempo confere às edificações um perfil peculiar e “estilo” característico. Seus elementos únicos captam a atenção do espectador como se fossem, por exemplo, as linhas puras do Clássico ou o efeito de luz e sombra do Gótico.
Desta forma, a idade é compreendida como o principal atributo da edificação onde à medida que permanece íntegra ao longo do tempo adquire beleza ao sofrer os efeitos da pátina de passados 400 ou 500 anos, tornando essas qualidades temporais e acidentais incompatíveis com os processos de restauração. As ruínas se tornam sublimes a partir dos estragos, das rachaduras, da vegetação crescente e das cores que o processo de envelhecimento confere aos materiais da construção. A ruína é o testemunho da idade, do envelhecimento e da memória, podendo nela estar expressa a essência do monumento.
O culto às ruínas se exprime em todo o seu romantismo quando Ruskin propõe uma reflexão sobre o valor dos trabalhos de restauração sobre o antigo estado da edificação, pois acreditava que aqueles remanescentes possuíam o encanto do mistério do que teriam sido e a dúvida do que teria se perdido.
Neste contexto, vale ressaltar suas críticas contra as restaurações que estavam sendo executados, contemporaneamente, na Europa e principalmente na França, tendo com figura central Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc.
Para Ruskin a restauração era a mais completa e bárbara destruição que poderia estar sujeito um edifício. Considerava impossível restituir o que foi belo e grandioso arquitetonicamente, pois a alma dada ao prédio por seu “primeiro construtor” jamais poderia ser devolvida. É veemente afirmando que outra época daria ao monumento outra alma, outro enfoque, outra cara, transformando o objeto em uma nova edificação.
O processo de restauração se resumiria a uma imitação da arquitetura passada se transformando em uma falsa descrição do que teria sido aquela obra, criando assim uma réplica e um falso histórico, pois o novo estado pertenceria a uma nova época. Segundo Ruskin, o processo causava a perda de grande parte do significado documental das edificações históricas afetando sua autenticidade, seus valores evocativos e poéticos.
Acreditando que a degradação fazia parte da história da edificação e entendendo os processos de restauração como um tipo de agressão às mesmas, Ruskin sugeriu a manutenção periódica dos prédios históricos como forma de evitar os danos causados por intervenções de maior amplitude preservando a ação do tempo e o testemunho histórico.
Sua contribuição para a salvaguarda do patrimônio cultural foi de ordem teórica, defendendo a conservação como método de preservação. Seus pensamentos conformaram uma abordagem ideológica onde o dueto romântico nostálgico coexiste de maneira profundamente melancólica, servil e adoradora, como podemos observar em seus livros dedicados à apologia da passividade e da não-intervenção em arquiteturas patrimoniais.
[este texto foi originalmente publicado em DIAS DE OLIVEIRA, Rogério Pinto. Conservação, restauração e intervenção em arquiteturas patrimoniais. Monografia de conclusão do curso de pós-graduação em Arquitetura e Patrimônio Arquitetônico no Brasil. Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica RS, 2007, p.11-16.]
notas
1
Destaca-se entre esses o movimento Arts and Crafts, que teve como seu principal articulador o político e crítico de arte Willian Morris (1834-1896), e tinha como objetivo principal conservar as características das atividades artesanais e da arquitetura tradicional, com base na importância dos trabalhos manuais, opondo-se à produção em série da industrialização.   
2
RUSKIN, John. The Seven Lamps of Architecture. London: Smith, Elder, 1849. 205p.
3
VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Dictionnaire Raisonné de l’Architecture Française du XI au XVI Siècle. Paris: A.Morel, 1866-1868. 10V.
4
RUSKIN, John. The Stones of Venice. London: Smith, Elder, 1874.
5
RUSKIN, John. Las Siete Lámparas de la Arquitectura. Espanha, Valencia: F. Sempere, 1910. p.236.
6
RUSKIN, John. Las Siete Lámparas de la Arquitectura. Espanha, Valencia: F. Sempere, 1910. p.212.
7
O termo “primeiro construtor”, é uma ligação metafórica que Ruskin estabeleceu para referenciar os grupos sociais como os responsáveis pela manutenção e conservação dos bens de valor histórico e cultural, entendendo essa tarefa como um dever à preservação da memória.
8
RUSKIN, John. Las Siete Lámparas de la Arquitectura. Espanha, Valencia: F. Sempere, 1910. p.222-223.
9
Ruskin admitia intervenções de pequeno porte, em nível de estabilização, a fim de consolidar a estrutura da edificação, partindo do princípio de que essa ação não resultasse em elementos visíveis.
10
Deve-se entender a expressão “pitoresco” como uma designação empregada nas Belas Artes, a partir da segunda metade do século XVIII, referente aos efeitos de luz e sombra, cor, manchas e contornos menos precisos aplicados na Pintura e na Escultura, em oposição aos detalhes preciosistas da Arte Clássica. Para Ruskin, a ação do tempo acrescentava às edificações, a “mancha”, a nuance e as indefinições das formas originais.
A leitura do texto de Camillo Boito, Os restauradores, apresentado na Conferência feita na Exposição de Turim, em 1884, mostra claramente o quanto a teoria da Restauração evoluiu a partir de duas teorias fundamentalmente antagônicas: a de Viollet-le-Duc e a de John Ruskin. O amadurecimento é claro e é perceptível a proximidade dos princípios usados na época (fins do XIX e começo do XX) e os de hoje.
Em Os restauradores, Boito chama a atenção para o fato de que restauração e conservação não são a mesma coisa, sendo, com muita freqüência, antônimas. Os conservadores são tidos como “homens necessários e beneméritos” ao passo que os restauradores são quase sempre “supérfluos e perigosos”. Dessa forma, dirige seu discurso sobretudo aos últimos, pregando a precedência da conservação sobre a restauração e a limitação desta ao mínimo necessário. Há abordagem em relação a formas de restauração de diversas artes: escultura, pintura e arquitetura, cada uma tendo suas particularidades e complexidades. A regra geral para a escultura era a de que não houvesse completamentos, excetuando-se quando fossem devidamente documentados (1), pois os mesmos poderiam desfigurar a obra, levando-a por um caminho totalmente diferente do que aquele previsto por seu autor.
Todas as adições (restaurações sucessivas) deveriam ser descartadas. Em relação à pintura, preconizava que se deveria saber o momento de parar e ser a intervenção menor possível. Sobre a arquitetura recaía, em sua opinião, a maior complexidade: distanciava-se de Ruskin e de le-Duc: do primeiro, à medida que não aceitava a morte certa dos monumentos e, do segundo, não aceitando levá-los a um estado que poderia nunca ter existido antes. Alertava para o perigo da forma de agir dele-Duc em função da arbitrariedade que a mesma continha e ao que poderia ser sua inevitável conseqüência: o triunfo do engano. Ao afastar-se das duas teorias, cria, ao mesmo tempo, uma teoria intermediária entre ambas. Cita e concorda com Mérimée ao dizer sobre as restaurações: “nem acréscimos, nem supressões”, ficando evidente o respeito que os acréscimos ao longo da história deveriam ter e orientando, ao mesmo tempo, a mínima intervenção. Boito admitia contradições em suas próprias teorias, uma vez que o assunto era contemporâneo e as mesmas estavam, ainda, em formação.
Em outros aspectos, muitas vezes as idéias apresentadas aproximavam-se das de Ruskin, principalmente ao apontar para a pouca intervenção que deveria existir no monumento. Na verdade, esta aproximação refere-se ao mesmo princípio fundamental, não alteração substancial do monumento, à medida que Boito acreditava na necessidade de certas restaurações (2). Outra característica presente em Ruskin que se desenvolve nessa teoria é a valorização das ruínas como tal e por isso deve-se entender o reconhecimento de sua beleza, de seu aspecto pictórico, na qualidade mesma de ruína. Não há, por parte da teoria aqui analisada, a vontade de que as mesmas voltassem ao aspecto original do edifício e sim a de que permanecessem, de fato, como ruínas. Afasta-se aqui um possível completamento com elementos novos, princípio com certeza adotado por Viollet-le-Duc. Também o medo em relação à restauração como o grande perigo distancia o pensamento de Boito dos escritos de le-Duc, aproximando-o, mais uma vez, a Ruskin.
Em outros momentos, tangenciando le-Duc, o texto mostra exatamente como a nova forma de pensar a intervenção sobre o legado do passado é a resultante de equilíbrio entre as proposições deste e outras, um tanto radicais, de Ruskin. Dessa forma, ao não aceitar a morte inevitável dos monumentos, propunha, em casos necessários, restaurações que, por serem mínimas, acabavam eliminando a arbitrariedade de certas ações. A aceitação de todas as fases históricas presentes numa obra também espraiava os juízos de valores, na maioria das vezes subjetivos, em relação ao que permaneceria ou não. Não se desejava mais levar o edifício a um estado inicial e, fundamentalmente, a um que jamais houvesse existido antes.
Seu discurso representa uma evolução da teoria da restauração a partir da mesma origem e para o mesmo caminho posteriormente traçado pela Carta de Atenas de 1931: a revisão e adaptação dos escritos de Ruskin e de Viollet-le-Duc. A partir do pensamento de Boito, foi feita a separação precisa do que significava restaurar e do que significava conservar. A importância dada ao contexto das obras artísticas é percebida sobretudo quando fala da escultura e, no final do texto, da saída de obras do local de origem.
O texto traz, de forma geral, um amadurecimento dos princípios do restauro, pondo um fim ao maniqueísmo vigente até então e servindo como grande contribuição para a reflexão contemporânea sobre o mesmo. Questões como o embasamento pela documentação e o respeito às fases de uma obra permeiam todas as intervenções contemporâneas, tendo, portanto, grande importância em sua práxis.
[esta resenha é uma adaptação de trabalho desenvolvido para a disciplina “Metodologia e Prática da Reabilitação Urbanística e Arquitetônica” do programa de Mestrado da FAUUSP.]
Der moderne Denkmalkultus (2) é uma obra de fundamental importância acerca das questões relativas à tutela e conservação dos monumentos históricos. Foi escrita em 1903 pelo historiador da arte vienense Alois Riegl, designado, em 1902, presidente da Comissão de Monumentos Históricos da Áustria, e por ela encarregado de empreender a reorganização da legislação de conservação dos monumentos austríacos. O Culto Moderno dos Monumentos foi a base teórica para tal empreitada, desse modo, a obra caracteriza-se como “um conjunto de reflexões destinadas a fundar uma prática, a motivar as tomadas de decisão, a sustentar uma política” (3).
Riegl organiza a obra em três capítulos, sendo o primeiro dedicado à apresentação dos valores atribuídos aos monumentos e sua evolução histórica, o segundo capítulo trata dos valores de rememoração e sua relação com o culto dos monumentos e, finalmente, o último capítulo aborda os valores de contemporaneidade e sua relação com o culto dos monumentos. Dessa forma, fica claro que o autor empreende uma reflexão que se funda muito mais no valor outorgado ao monumento do que no monumento em si, tratando valor não como categoria eterna, mas como evento histórico (4).
Ao examinar, no primeiro capítulo, os vários tipos de valor atribuídos aos monumentos, o autor primeiramente define o que seja monumento, diferenciando os monumentos intencionais daqueles não-intencionais. Para Riegl, “no senso mais antigo e verdadeiramente original do termo” (5), monumento é uma obra criada pela mão do homem com o intuito preciso de conservar para sempre presente e viva na consciência das gerações futuras a lembrança de uma ação ou destino. Nesse sentido, o monumento, em seu sentido original, relaciona-se com a manutenção da memória coletiva de um povo, sociedade ou grupo. Como ressalta Françoise Choay:
“A natureza afetiva do seu propósito é essencial: não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva. [...] A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou familiar” (6).
A criação desses monumentos intencionais remonta às épocas mais recuadas da cultura humana e, embora ainda hoje, segundo Riegl, não se tenha cessado de produzi-los, não é a este tipo de monumento que a sociedade moderna se refere quando se utiliza do termo, mas aos monumentos artísticos e históricos, ou seja, trata-se daqueles monumentos não-intencionais, aos quais “Não é sua destinação original que confere à essas obras a significação de monumentos; somos nós, sujeitos modernos, que à atribuímos” (7).
O monumento histórico é para o Alois Riegl uma criação da sociedade moderna, um evento histórico localizado no tempo e no espaço. Após um período em que não se conhecia senão os monumentos intencionais, a partir do século XV na Itália, as obras da Antigüidade começam a ser valoradas por suas características artísticas e históricas, não mais apenas por serem símbolos ou memoriais das grandezas de Grécia e Roma. Assim, é a partir dessa mudança de atitude que se verifica o despontar de um novo valor de rememoração (8), não mais aquele ligado à memória coletiva, mas o valor histórico-artístico.
O valor histórico para Riegl está diretamente relacionado com a própria noção de história do autor, que chama histórico
“tudo aquilo que foi, e não é mais hoje em dia. No momento atual, nós acrescentamos ainda a esse termo a idéia de que aquilo que foi não poderá jamais se reproduzir, e que tudo aquilo que foi constitui um elo insubstituível e intransferível de uma cadeia de desenvolvimento” (9).
Afirma ainda que “A noção de desenvolvimento é precisamente o centro de toda concepção moderna de história” (10). Essa noção de desenvolvimento ou evolução (11) é fundamental no pensamento riegliano, caracterizando sua abordagem em relação às artes de diferentes períodos e, conseqüentemente, estendida aos monumentos. Para o historiador, a idéia de evolução, surgida na metade do século XIX, confere direito de existência histórica a toda e qualquer corrente artística, inclusive às não-clássicas (12), rompendo, dessa forma com as concepções dogmáticas que apresentavam a sucessão dos estilos artísticos como uma alternância entre florescênciase decadências.
Nesse sentido, deve-se sublinhar que não existe para Riegl um valor artístico absoluto, mas apenas um valor relativo, desde que, no início do século XX, a crença na inexistência de um cânone artístico ou de um ideal artístico objetivo e absoluto paulatinamente se impôs à antiga tese de que havia um tal cânone. Em decorrência, não se pode falar, dentro do contexto do Denkmalkultus, em monumentos artísticos, mas apenas históricos, pois seu valor não é um valor para a arte e sim para a história da arte.
“Em conseqüência, a definição do conceito de ‘valor de arte’ deverá variar segundo o ponto de vista que cada um adote. Segundo a concepção antiga, uma obra de arte possuía um valor artístico na medida em que ele respondesse às exigências de uma estética supostamente objetiva, mas não sucedeu nesses dias dar lugar a alguma formulação incontestável. Segundo a concepção moderna, o valor de arte de um monumento se mede pela maneira com que ele satisfaça às exigências da vontade artística moderna” (13).
Ou seja, o valor que é atribuído ao monumento, e daí a forma específica que este culto irá assumir, está diretamente relacionado com outro conceito-chave do pensamento de Riegl, a Kunstwollen– vontade artística – de cada época. Se até o século XVIII as preceptivas dominaram o fazer artístico, os monumentos tinham, necessariamente, que responder a esse cânone para serem admitidos como tal. A partir do século XIX, porém, quando passa-se a negar a validade dessas preceptivas, abre-se caminho para a valoração positiva de toda e qualquer manifestação artística e, dessa forma, amplia-se sobremaneira o alcance do culto patrimonial, resultando, bem assim, em formas distintas de intervenção e tutela desses monumentos.
Ainda a respeito da visão historiográfica de Alois Riegl, cabe destacar a importância do empirismo em suas pesquisas, manifesta não apenas no Denkmalkultus, mas, entre outros, em seu Stilfragen, de 1893, ou ainda em Spätromische Kunstindustrie, de 1901, nas quais as obras de arte são consideradas documentos históricos e, portanto, passíveis de serem analisadas de maneira análoga (14). Segundo Willibald Sauerländer, “Empirismo e teoria, descrição estreitamente inerente aos fatos e especulação construtiva são nos escritos de Riegl unidos” (15).
Em seu segundo capítulo, Denkmalkultus trata especificamente dos valores de rememoração, que se dividem em valor de antiguidade, valor histórico e valor de rememoração intencional, sendo que
“A classe dos monumentos intencionais diz respeito às obras destinadas, pela vontade de seus criadores, a comemorar um momento preciso ou um evento complexo do passado. Na classe dos monumentos históricos, o círculo se alarga àqueles que apresentam ainda um momento particular, mas cuja escolha é determinada por nossas preferências subjetivas. Na classe dos monumentos antigos entram enfim todas as criações do homem, independentemente de sua significação ou de sua destinação original [...] As três classes aparecem assim como três estados sucessivos de um processo de generalização crescente do conceito de monumento” (16).
O valor de antiguidade para Riegl revela-se imediatamente, ao primeiro contato, com uma obra na qual fica claro seu aspecto não-moderno, isto é, tal valor surge do contraste, da diferença, que pode ser percebida não apenas pelas classes mais instruídas ou cultivadas, mas inclusive pelas massas. E é esse apelo às massas, presente no valor de antiguidade, que fez com que o historiador acreditasse em sua ascendência no nascente século XX, onde passava a predominar uma cultura de massas.
“O valor de ancianidade do monumento histórico não é para ele uma promessa, mas uma realidade. A imediatez com a qual esse valor se apresenta a todos, a facilidade com que se oferece à apropriação das massas (Massen), a sedução fácil que ela exerce sobre estas deixam entrever que ele será o valor preponderante do monumento histórico no século XX” (17).
A eficácia estética do valor de antiguidade reside exatamente em seu aspecto vetusto, nos traços de decomposição impostos à obra pelas forças da natureza, alterando sua forma e cor, fazendo aflorar no espectador a sensação do tempo transcorrido, do ciclo de criação-destruição, que se apresenta como lei inexorável da existência. Por isso, o valor de antiguidade determina como pressuposto de ação conservativa exatamente a não-intervenção, ou seja, “ao menos em princípio, ele rejeita toda ação conservativa, toda restauração, enquanto intervenção injustificada sobre o desenrolar das leis da natureza” (18). Entretanto, essa posição não-interventora em relação aos monumentos não significa a aceitação de uma destruição violenta, seja em decorrência da ação do homem, seja proveniente das forças naturais.
Por sua descrição, o valor de antiguidade, à primeira vista, se assemelha àquela sensibilidade dos românticos, entretanto, ainda que aparentemente próximos, Riegl diferencia claramente o gosto moderno pelo monumento antigo do apreço barroco pelas ruínas. Segundo ele, não há nada mais estranho à sensibilidade moderna que o gosto romântico, para o qual,
“A ruína deveria simplesmente levar à consciência do espectador o contraste, essencialmente barroco, entre a grandeza do passado e a decadência presente. Ela exprime o pesar dessa queda, e a nostalgia correlativa de uma antiguidade que desejariam ver conservada: trata-se, por assim dizer, de um deleite voluptuoso na dor, que, mesmo atenuado por uma certa inocência pastoral, faz o valor estético do pathos barroco” (19).
Ao contrário, a apreciação moderna vê nas ruínas a manifestação do ciclo natural a que se submete inelutavelmente toda obra humana, aqui entendida como um organismo natural, o qual deve se desenvolver livremente, protegido apenas de um fim prematuro. O autor mostra que, analogamente ao desenvolvimento do valor da antiguidade, a proteção de animais, plantas ou ainda florestas inteiras, denominados a partir de então como monumentos naturais, desponta como outro traço característico da cultura moderna (20).
O momento em que Denkmalkultus está sendo escrito por Alois Riegl, início do século XX, marca para o historiador a passagem do valor histórico – predominante até o XIX – ao de antiguidade. Segundo ele, em tempos de mudanças profundas na sociedade, como a que presenciava no fin-de-siécle, valores novos e antigos conviviam, até que os primeiros se impusessem definitivamente sobre os últimos.
“Assim, parece que o valor de rememoração, que se constitui num dos fatores dominantes da cultura atual, ainda não está de modo nenhum chegado, sob sua forma absoluta de valor de antiguidade, a uma maturidade que nos permita passar totalmente de sua forma histórica” (21).
O prazer estético proveniente da contemplação de um monumento não se esgota na constatação de sua vetustez, de seu aspecto antigo, mas se completa com o conhecimento, ainda que superficial, do estilo empregado, da época em que foi construído, o que implica um conhecimento de história da arte e, portanto, o prazer proveniente desse conhecimento não é um prazer imediato, ao contrário, é reflexivo e científico (22), extrapola o valor de antiguidade e caracteriza o valor histórico. Ademais, o valor histórico vem do reconhecimento de que um determinado monumento representa um estado particular e único no desenvolvimento de um domínio da criação humana (23), ou seja, o monumento passa a ser identificado como documento histórico e, por essa razão, deve ser mantido o mais fiel possível ao estado original, como no momento preciso de sua criação, implicação direta no método de conservação adotado, que deve, por oposição ao postulado pelo valor de antiguidade, buscar a paralisação do processo de degradação sofrido pela obra, ainda que admita as transformações já impostas pelo tempo como parte da história do próprio monumento.
O último dos valores de rememoração, o valor de rememoração intencional é, para Riegl, o que mais se aproxima dos valores de contemporaneidade, na medida em que remete-se à busca deum eterno presente e exige do monumento “nada menos [...] que a imortalidade, o eterno presente, a perenidade do estado original” (24). A diferença que se coloca entre valor de rememoração, seja de antiguidade ou intencional, e os valores de contemporaneidade reside em que
“No lugar de considerar o monumento enquanto tal, o valor de contemporaneidade tenderá de imediato a nos fazer tê-lo como igual a uma criação moderna recente, e exigir portanto que o monumento (antigo) apresente um aspecto característico de toda obra humana em sua primeira aparição: dito de outro modo, que dê a impressão de uma perfeita integridade, não tocado pela ação destrutiva da natureza” (25).
Os valores de contemporaneidade, apresentados por Alois Riegl no último capítulo de Denkmalkultus, dividem-se em dois tipos: valor de uso prático, ou apenas valor de uso, e valor de arte, sendo que este divide-se em valor de arte relativo e valor de novidade. No caso do valor de uso, o monumento deve atender às necessidades materiais do homem, enquanto o valor de arte atende às necessidades do espírito, segundo caracterização dada pelo autor.
“Ao lado do transcendente 'valor artístico', Riegl coloca, com efeito, um valor terreno 'de uso', relativo às condições materiais de utilização prática dos monumentos. Consubstancial ao monumento sem qualificação, segundo Riegl, esse valor de uso é igualmente inerente a todos os monumentos históricos, quer tenham conservado seu papel memorial original e suas funções antigas, quer tenham recebido novos usos, mesmo museográficos” (26).
O valor de arte relativo refere-se à capacidade que o monumento antigo mantém de sensibilizar o homem moderno, ou seja, ainda que tenham sido criados movidos por uma kunstwollen radicalmente diferente da nossa, alguma característica de concepção, forma ou cor específica do monumento, a despeito de sua aparência não-moderna, torna-o capaz de satisfazer a kunstwollen moderna. De outro modo, principalmente entre as camadas menos cultivadas da população, quando se espera do monumento a aparência nova e fresca de uma obra recém-criada, o valor de arte predominante é o valor de novidade.
“O caráter acabado do novo, que se exprime da maneira mais simples por uma forma que ainda conserva sua integridade e sua policromia intacta, pode ser apreciada por todo indivíduo, mesmo completamente desprovido de cultura. É por isso que o valor de novidade sempre será o valor artístico do público pouco cultivado” (27).
Segundo Riegl, o valor de novidade atende àquela atitude milenar que atribui ao novo uma incontestável superioridade sobre o velho, tal atitude “está tão solidamente ancorada [na sociedade] que não poderá ser extirpada no espaço de alguns decênios” (28), e de fato, até nossos dias ainda permanece.
Um século após a publicação de Der moderne Denkmalkultus, verifica-se que o valor de antiguidade não conseguiu, como acreditava Riegl, se impor sobre o valor de novidade, mesmo entre aqueles mais cultivados e não somente entre as massas. O gosto crescente pelos monumentos do passado, fator incontestável em nossa sociedade – a ponto de se falar em uma inflação patrimonial –, (29) não se dá em função de seu aspecto de vetustez, que continua a não corresponder a nossa kunstwollencontemporânea. Mesmo aos monumentos antigos impõe-se que se apresentem como novos, com seu aspecto acabado e fresco, tal como uma obra recente. Assim, o patrimônio histórico na sociedade contemporânea, mais do que perpetuar uma memória, presta-se a reafirmar o desejo humano de imortalidade, de perenidade, em sua constante luta contra a dissolução e a morte.
A grande contribuição dessa obra do historiador da arte vienense reside no fato de se apresentarem, através dos diferentes tipos de valor atribuídos aos monumentos, decorrentes das distintas formas de percepção e recepção dos monumentos históricos em cada momento e contexto específicos, os contrastantes meios para sua preservação. E, ao indicar essas múltiplas possibilidades, impor ao sujeito da preservação a necessidade de fazer escolhas, as quais devem ser, necessariamente, baseadas num juízo crítico. Dessa forma, o pensamento riegliano insere definitivamente as práticas da restauração no debate sobre a cultura, considerando-a deliberadamente como “ato de cultura”, antecipando-se às propostas defendidas a partir do segundo pós-guerra europeu pelo chamado “restauro crítico”, que tem nas figuras de Roberto Pane, Renato Bonelli e Agnoldomenico Pica seus protagonistas, e, paralelamente, a marca da contribuição teórica de Cesare Brandi.
“Ao concluir observamos como Riegl conjuga um trabalho de radical repensamento e, pode-se dizer, de fundação conceitual, único e para muitos ainda hoje insuperado; mas nenhum antes dele se deteve com tanta perspicácia sobre a análise das razões mesma do conservar, procedendo sempre com rigor dentro do campo estritamente disciplinar, sem desvios nem quedas no senso sociológico e moralista de um lado, étnico-político e nacionalista de outro. [...] Aquilo que ao contrário se apresenta com um diferente grau de definição, tanto é, em boa medida, demandado da sensibilidade do indivíduo conservador, quanto da proposta operativa, são as conseqüências práticas e aplicativas de uma finíssima premissa; por isso, talvez justamente, cada especificação torna-se inútil quando são garantidas a boa disposição, a preparação, o equilíbrio de juízo, o bom senso do restaurador. E propriamente esse constante, implícito reclamo ao ato de juízo aproxima Riegl, [...] inopinadamente aos sucessivos desenvolvimentos do “restauro crítico” e do pensamento de Cesare Brandi” (30).
A preservação do patrimônio cultural em suas diversas formas e aspectos vem ganhando cada vez mais espaço na sociedade ocidental contemporânea (e também, embora de modo mais discreto, entre as culturas orientais), seja atrelada ao turismo cultural patrocinado por grandes empresas e incentivado por ações governamentais, seja na luta por igualdade e democratização no acesso e fruição da cultura, como no caso de grupos representativos de minorias étnicas ou sociais. Desde a década de 1960 verifica-se ainda a ampliação do raio de alcance das práticas patrimoniais, estendendo-se a um número cada vez maior de países, que passam a ser signatários da Convenção do Patrimônio Mundial e das recomendações internacionais para salvaguarda de bens culturais.
Na atualidade, preservar a memória tem sido mesmo uma obsessão. Muito além dos meios acadêmicos ou técnicos, preservar o passado e seus traços deixou de ser tarefa restrita de historiadores, arqueólogos, arquitetos ou urbanistas; a memória não mais se restringe a objeto de estudo de antropólogos, etnólogos, cientistas sociais ou ainda psicólogos. Cada indivíduo faz-se historiador de si mesmo e do grupo em que está inserido e os discursos relativos à preservação do patrimônio – seja arquitetônico e urbanístico, ambiental ou cultural, material ou imaterial – ganham a mídia e aparecem cada vez mais intensos entre os mais distintos grupos.
Nesse sentido, a problematização das questões relativas às motivações para a conservação e usos atribuídos ao patrimônio na sociedade contemporânea, tendo em vista o exponencial crescimento do que se considera patrimônio cultural, sua extensão territorial e o aumento de seu público em escala mundial, torna-se imprescindível. Também se faz premente uma reflexão sobre as diferentes formas de preservação da memória e ainda sobre o aparato teórico-conceitual, bem como sobre as práticas de restauração empreendidas em favor da manutenção dos suportes materiais dessas memórias.
A recente tradução para língua portuguesa da Teoria da Restauração, de Cesare Brandi, permitirá a um público mais amplo o aprofundamento da reflexão sobre as questões relacionadas com a prática do restauro. Para muitos que trabalham com preservação no Brasil esse importante texto de teoria do restauro permanece desconhecido e, entre aqueles que já o conhecem, tem sido inúmeras vezes classificado como pouco aplicável na prática,restringindo-se a pura reflexão teórica sobre problemas filosóficos ligados ao tema. Na realidade, o trabalho de Brandi ao desenvolver sua Teoria, funda-se na necessidade de excluir o empirismo dos processos de restauração das obras de arte, garantindo, assim, que aquele imperativo moral de preservar nossas relíquias para as gerações futuras seja levado a cabo a contento.
Desde os últimos anos do século XIX e início do século XX vinham sendo empreendidas diversas tentativas com o intuito de disciplinar e limitar as ações de restauração, tendo em vista que as más restaurações estavam causando prejuízos maiores às obras de arte do que a própria ação do tempo sobre elas. Preconizava-se a necessidade de tornar o restauro um ato científico, que seguisse princípios e métodos cientificamente determinados, respeitando os monumentos enquanto documentos históricos, para os quais deveriam ser dispensados cuidados de filólogo, tal como defendia Gustavo Giovannoni, cujas idéias tiveram grande repercussão no entre-guerras europeu.
Entretanto, com a maciça destruição das cidades européias durante a Segunda Guerra e, conseqüentemente, a necessidade de reconstrução também em larga escala, as teorias do restauro científico ou filológico, defendidas por Giovannoni, foram postas em cheque. Não se podia pensar nos monumentos destruídos apenas como documentos, ignorando sua existência como obra figurativa com significação social e simbólica. Em razão da grande escala das intervenções não se podia cogitar o tratamento de lacunas como “neutros”. Assim, esses questionamentos suscitaram o pensamento de que o restauro era, para além de um ato científico de filólogo, também um ato crítico (para um histórico sobre preservação e as transformações das teorias do restauro, ver Giovanni Carbonara, Avvicinamento al restauro. Teoria, storia, monumenti. Napoli, Liguori Editore, 1997).
Nesse contexto, Cesare Brandi será figura de grande destaque. À frente do Instituto Central de Restauração (ICR) de Roma, do qual foi diretor por duas décadas, desde sua fundação, em 1939, até 1960, coordena a restauração de inúmeras obras de arte destruídas nos bombardeios e, paralelamente, desenvolve sua Teoria da Restauração, em que delimita preceitos teóricos que servirão de embasamento à prática do restaurador, aliando suas pesquisas teóricas nos campos da estética e filosofia da arte com as práticas e experiências desenvolvidas no âmbito do ICR.
Publicado pela primeira vez em 1963, Brandi apresenta em seu texto o conceito de restauro como “o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro” (p. 30), isto é, condiciona o ato de restauração à compreensão / experimentação da obra de arte enquanto tal, o que resulta na prevalência do estético sobre o histórico, na medida em que é exatamente a condição de artística o que diferencia a obra de arte de outros produtos da ação humana. Tal colocação refuta as teorias precedentes que preconizavam a manutenção dos monumentos apenas como documentos históricos, relegando a um segundo plano sua imagem figurativa, embora não exclua a importância do valor histórico, intrínseco a todo monumento.
De seu conceito de restauro, Brandi extrai dois axiomas:
1º. axioma: “restaura-se somente a matéria da obra de arte” (p. 31), que se refere aos limites da intervenção restauradora, levando em conta que a obra de arte, em sua acepção, é um ato mental que se manifesta em imagem através da matéria e é sobre esta matéria – que se degrada - que se intervém e não sobre esse processo mental, no qual é impossível agir. Daí decorrem as críticas às restaurações baseadas em suposições sobre o “estado original” da obra, condenadas a serem meras recriações fantasiosas, que deturpam a fruição da verdadeira obra de arte.
2º. axioma: “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” (p. 33). Ainda que se busque com a restauração a unidade potencial da obra (conceito de todo distinto de unidade estilística), não se deve com isso sacrificar a veracidade do monumento, seja através de uma falsificação artística, seja de uma falsificação histórica.
Assim, é o estado de conservação da obra de arte no momento da restauração que irá condicionar e limitar a ação restauradora, a qual deverá, sob o ponto de vista da instância histórica, “limitar-se a desenvolver as sugestões implícitas nos próprios fragmentos ou encontráveis em testemunhos autênticos do estado originário” (p. 47). E em relação à instância estética, os limites da ação do restaurador estão postos em função da matéria original da obra e de sua definição mesmo como obra de arte, pois “a unidade figurativa da obra de arte se dá concomitantemente com a intuição da imagem como obra de arte” (p. 46).
O que deve guiar a intervenção é, portanto, um juízo crítico de valor, idéia presente já no pensamento do historiador da arte vienense Alois Riegl (Le culte moderne des monuments. Son essence et sa genèse. Paris, Seuil, 1984) e que aparece também na Carta de Veneza (1964), complementada pela seguinte ressalva: “O julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser eliminado não podem depender somente do autor do projeto”. Daí a afirmação da restauração como processo coletivo, que não pode depender do gosto ou do arbítrio de um único indivíduo, antes deve ser sustentado por profundos conhecimentos, seja do ponto de vista da técnica a ser empregada, seja do ponto de vista humanístico, relacionado com o domínio da história, estética e filosofia, sem os quais não se pode assegurar a legitimidade das escolhas efetuadas nos procedimentos de restauro.
Brandi define ainda como princípios para intervenção restauradora mais dois aspectos fundamentais:
1º. “a integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isto se venha a infringir a própria unidade que se visa a reconstruir” (p. 47);
2º. “que qualquer intervenção de restauro não torne impossível mas, antes, facilite as eventuais intervenções futuras” (p. 48).
Com esses pontos, mantém-se, como já havia sido posto – desde o século XIX – por Boito ou Giovannoni, a regra da reversibilidade e distingüibilidade das intervenções contemporâneas nos monumentos do passado, datando a restauração como fato histórico indissociável do presente histórico que o produziu. Também no texto brandiano, como nas recomendações da Carta de Veneza, fica clara a extensão dos procedimentos de restauro para o ambiente ou entorno da obra como forma de garantir sua adequada conservação física e também sua leitura como obra de arte.
O rigor de princípios é a marca da reflexão de Cesare Brandi em sua Teoria, na qual fica patente que a restauração é um ato crítico-cultural do presente e, portanto, condicionado pelos valores do presente; valores esses que não podem menosprezar ou se eximir à responsabilidade que o ato de restauro traz em si, tanto para sua própria geração quanto para as seguintes. Nisso consiste a atualidade do pensamento brandiano e o grande mérito de sua tradução em língua portuguesa, a qual certamente aproximará aqueles profissionais que atuam na conservação e restauração no Brasil, tanto quanto os estudiosos e interessados do assunto, da reflexão – fator imprescindível para uma atuação fundamentada e responsável em um campo de conhecimento a cada momento mais extenso e com princípios cada vez mais esgarçados.
[resenha desenvolvida como atividade de pesquisa do mestrado que vem sendo desenvolvido junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.]

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