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1 Hipocalcemia da vaca leiteira: uma revisão 1 Hypocalcemia in dairy cows: a review 2 Jones Sauer1, Félix González2 3 4 RESUMO 5 A hipocalcemia é um distúrbio metabólico relacionado ao parto e ao início da 6 lactação nos bovinos. Todas as vacas leiteiras sofrem uma queda no nível sérico de 7 cálcio associada à parição. Entretanto, somente algumas desenvolvem casos mais 8 graves, associados a uma maior redução nas concentrações plasmáticas de cálcio. O 9 período mais crítico para o desenvolvimento do distúrbio é o início da lactação, pois as 10 exigências nutricionais de cálcio neste período são superiores. A maior parte dos casos 11 de hipocalcemia ocorre nas primeiras 48 horas pós-parto, sendo que a maioria dos 12 animais acometidos respondem favoravelmente ao tratamento com cálcio. A redução da 13 ingestão de cálcio no último mês de gestação, a fim de estimular o organismo a 14 mobilizar as reservas ósseas através do aumento da secreção de paratormônio e 15 absorção intestinal de cálcio pelo 1,25–dihidroxi-colecalciferol, pode ser considerada 16 como uma medida eficaz na prevenção da hipocalcemia. No entanto, o teor de cálcio 17 deve ser aumentado na alimentação a partir de 2 a 4 dias antes do parto. O balanço 18 catiônico-aniônico (BCA) da dieta vem sendo considerado como redutor na incidência 19 da hipocalcemia. Dietas pré-parto ricas em cátions (como sódio e potássio) aumentam a 20 incidência de hipocalcemia, enquanto que o transtorno é diminuído quando é fornecida 21 uma dieta aniônica (cloreto e enxofre). 22 Descritores: hipocalcemia, dietas aniônicas, vacas leiteiras. 23 1 Médico Veterinário, Departamento Técnico, Cooperativa Languiru, Teutônia, RS/Brasil. 2 Professor Adjunto, Laboratório de Análises Clínicas Veterinárias, , Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS/Brasil. Autor para correspondência: felixgon@ufrgs.br.. 2 ABSTRACT 24 Milk fever is a metabolic disorder related to calving occurring at the beginning 25 of lactation in bovines. Dairy cows always have a decrease in the level of serum calcium 26 associated to calving. However, only few cows develop more serious cases, associated 27 to a larger reduction in plasma concentrations of calcium. The most critical period for 28 the development of the disorder is the beginning of lactation, because nutritional 29 demands of calcium in this period are higher than in gestation. Most cases of milk fever 30 occur within a period of 48 hours post-calving and most affected animals respond well 31 to treatment with calcium. The reduction of calcium ingestion in the last month of 32 gestation, in order to stimulate the organism to mobilize bone reserves through the 33 increase of parathyroid hormone secretion and the intestinal absorption of calcium by 34 1,25-dihydroxi-cholecalcipherol, can be considered as an effective management in the 35 prevention of milk fever. However, calcium intake must be increased 2 to 4 days before 36 calving. Dietary cation-anion balance (DCAB) has been considered an efficient tool for 37 reducing the incidence of milk fever. Diets in the dry period, which are high in cations 38 (sodium and potassium) increase milk fever incidence, while anionic diets (chloride and 39 sulfur) are useful in decreasing the incidence of the problem. 40 Key Words: milk fever, anionic diets, dairy cows. 41 42 INTRODUÇÃO 43 Nos últimos anos a incidência de hipocalcemia aumentou devido ao 44 aprimoramento genético para a produção leiteira [9]. As perdas relacionadas à 45 hipocalcemia referem-se tanto ao custo da intervenção veterinária, como à queda na 46 produção leiteira e às perdas geradas pelas complicações [36]. O principal fator 47 desencadeador da hipocalcemia é o início da lactação, sendo as primeiras 48 horas pós-48 3 parto o período crítico para a sua ocorrência [36], a qual varia entre regiões e 49 propriedades, sendo que em algumas pode chegar a 30% [36] ou acometer até 60% dos 50 animais [22]. No Estado de São Paulo, cerca de 4,25% dos animais da raça Holandesa e 51 mestiças Girolando desenvolvem a hipocalcemia [35]. 52 Entre 75 a 85% dos animais, apresentam casos leves de hipocalcemia 53 respondendo bem a administração de cálcio. Cerca de 15 a 25%, apresentam casos mais 54 complexos, necessitando de mais de um tratamento. Nestes casos há possibilidade da 55 ocorrência de outras complicações, como pneumonia por aspiração, mastite e cetose 56 [36]. A idade dos animais parece ter influência na apresentação da hipocalcemia, sendo 57 os animais de 3a a 7a lactação mais predispostos a ter o distúrbio devido à maior 58 produção de leite e à diminuição na eficiência de manutenção da calcemia [9], o que não 59 se verifica com tanta freqüência nos animais de primeira e segunda lactação [17, 28] 60 (Figura 1). Com o aumento da idade há uma diminuição da capacidade de absorção 61 intestinal de cálcio, devido à redução dos receptores para 1,25–(OH)2D3 [17], além de 62 aumento da enzima C24–hidroxilase, que inativa a vitamina D [19]. 63 A raça Jersey é a mais predisposta a desenvolver hipocalcemia, seguida pelas 64 raças Guernsey e Holandesa [4, 36], conseqüência do alto nível de produção para raças 65 pequenas e maior concentração de cálcio no leite [14]. Cerca de 50% das vacas adultas 66 são acometidas por uma hipocalcemia subclínica durante as primeiras semanas de 67 lactação, caracterizada por redução do apetite e diminuição da motilidade ruminal, 68 interferindo no balanço energético do animal [7]. A hipocalcemia subclínica pode gerar 69 problemas maiores que a hipocalcemia clínica, pois é mais comum e menos 70 diagnosticada, interferindo negativamente na produtividade do rebanho [13]. 71 72 4 ETIOPATOGENIA DA HIPOCALCEMIA 73 Alterações no cálcio sangüíneo 74 A quantidade de cálcio sérico em bovinos é mantida ao redor de 8,5 a 10 mg/dl 75 através de processos homeostáticos, o que equivale a 6 g de cálcio no organismo em 76 uma vaca de 600 kg [14] As reservas e a taxa de mobilização de cálcio imediatamente 77 disponível estão relativamente reduzidas no final da gestação, dificultando a 78 homeostasia do cálcio durante o início da lactação [36]. Este aumento na demanda de 79 cálcio ocorre não apenas após o início da lactação, como também antes do parto devido 80 à síntese do colostro, que se inicia cerca de dois dias antes do parto [26]. O animal 81 durante o período seco necessita aproximadamente 10 a 12 g de cálcio por dia para 82 perdas endógenas e 10 g de cálcio para o crescimento fetal, elevando–se esta exigência 83 para mais de 30 g de cálcio na parição [4], pois para cada 10 kg de colostro são 84 necessários 23 g de cálcio [36]. Se o animal não responder ao aumento no requerimento 85 de cálcio, os níveis de cálcio sangüíneo diminuem e os sinais de hipocalcemia se 86 iniciam [9]. 87 Com as perdas acentuadas de cálcio no parto e no início da lactação, os 88 mecanismos homeostáticos do cálcio podem não ser eficientes para a manutenção dos 89 níveis normais de cálcio sérico. A queda de cálcio no organismo irá comprometer a 90 liberação de acetilcolina e interferir na atividade muscular e outros processos, 91 desencadeando a sintomatologia clínica da hipocalcemia [34]. 92 As dietas pré–parto, que fornecem quantidades superiores a 100 g de cálcio/dia 93 durante o período seco, tem influência direta sobre o desenvolvimento da hipocalcemia. 94 Esta dieta, embora suprindo a exigência diária de cálcio do animal, reduz os 95 mecanismos de mobilização óssea e de absorção intestinal de cálcio. Assim, no parto, o 96 animal não é capaz de mobilizaro cálcio a nível ósseo e nem a nível intestinal, já que 97 5 estes mecanismos demoram alguns dias para serem ativados [14]. O indicado é manter 98 os níveis de cálcio o mais baixo possível nas dietas pré–parto, quando não se considera 99 a diferença cátion–ânion da dieta (DCAD), a fim de estimular os mecanismos de 100 mobilização e absorção de cálcio [17]. 101 Alterações do magnésio na hipocalcemia 102 A hipocalcemia acompanhada por níveis normais de magnésio pode ocasionar 103 uma evolução dos sinais clínicos, que vão sucessivamente de relaxamento a fraqueza 104 muscular, a depressão e a coma [36]. Casos concomitantes de hipocalcemia com 105 hipomagnesemia também podem ocorrer, afetando a mobilização de cálcio e 106 contribuindo para o aparecimento de sinais mais graves por efeito negativo sobre a 107 secreção de PTH [38], e, por conseguinte sobre o equilíbrio homeostático do cálcio [14]. 108 Nos casos em que a hipocalcemia associa–se a hipomagnesemia ocorre excitação 109 inicial, tetanias, hiperestasia, convulsões, sons cardíacos mais audíveis e elevação da 110 freqüência cardíaca e respiratória. Nestes casos, os sinais se prolongam além do 111 primeiro estágio da hipocalcemia [36]. 112 Alterações do fósforo na hipocalcemia 113 Durante a hipocalcemia, a absorção intestinal de fosfato está diminuída, em parte 114 devido à secreção do PTH [22]. Além disso, a redução dos níveis séricos de fosfato é 115 resultado da hipocalcemia e do decúbito, que também pode ser prolongado pela baixa 116 nos níveis de fosfato, interferindo na resposta à terapia com cálcio [9]. A redução no 117 nível de fósforo sérico contribui tanto para o aparecimento dos sinais clínicos da 118 hipocalcemia como também na falha do tratamento, permanecendo o animal em 119 decúbito após tratamento com cálcio [36]. A severidade dos sinais clínicos da 120 hipocalcemia tem relação direta com a queda do nível plasmático de fósforo inorgânico 121 [27]. Além disso, a involução dos sinais clínicos está associada ao retorno dos níveis 122 6 normais de fósforo no plasma, sendo as recidivas de hipocalcemia relacionadas com a 123 duração da hipofosfatemia [22]. Por outro lado, concentrações elevadas de fósforo 124 também têm relação com a hipocalcemia, uma vez que concentrações elevadas de 125 fósforo sérico diminuem as concentrações de 1,25–dihidroxivitamina D3 [22] por inibir 126 a ação da 1-α–hidroxilase [39]. Dietas que fornecem doses superiores a 50 g de P/dia 127 aumentam a incidência da hipocalcemia [20]. 128 Fatores alimentares na hipocalcemia 129 A alimentação pode influenciar na susceptibilidade dos animais, especialmente 130 quando alimentados no período pré e pós–parto em grande quantidade, principalmente 131 com alimentos com altos níveis de proteína ou de carboidratos fermentáveis [36]. Tais 132 alimentos podem provocar distúrbios relacionados com a digestão, por exemplo, 133 acidose, podendo ocasionar hipocalcemia ao interferir na absorção intestinal de cálcio 134 [9]. As vacas secas alimentadas basicamente com feno ou silagem de milho, tem menor 135 incidência de hipocalcemia na parição, por serem alimentos que possuem menores 136 níveis de cálcio. Entretanto, se forem incluídos na dieta altos níveis de cálcio (i.e. alfafa) 137 os índices de hipocalcemia se elevam [9]. 138 139 SINTOMATOLOGIA DA HIPOCALCEMIA 140 No primeiro estágio o animal encontra–se geralmente em estação, relutando em 141 mover–se, não se alimentando adequadamente. Ocorre excitação, tetania, tremores de 142 cabeça e dos membros. Ainda poderá haver ranger de dentes, protrusão da língua e 143 rigidez dos membros posteriores, podendo o animal cair facilmente permanecendo os 144 membros rígidos durante o decúbito. A aferição da temperatura retal indica uma 145 temperatura normal ou levemente aumentada [22, 36]. Somente 10% dos animais são 146 7 diagnosticados nesta fase [29] sendo que os animais não tratados progridem para o 147 segundo estágio num período de uma hora [34]. 148 Com a evolução do distúrbio metabólico, o animal tende a tomar a posição de 149 decúbito esternal sendo incapaz de se levantar, entrando no segundo estágio da doença 150 [2]. Cerca de 70% dos animais são diagnosticados nesta fase [29]. Neste estádio o 151 animal encontra–se muito deprimido, com redução da tetania, sonolência, podendo 152 apresentar a cabeça dobrada para o lado ou pescoço esticado com a cabeça no chão, 153 protrusão da língua, expressão de apreensão e medo, paralisia ruminal, podendo ocorrer 154 constipação [22]. O animal pode ter uma temperatura entre 36º a 38º C, redução na 155 intensidade das bulhas e da freqüência cardíaca [9], redução da pressão e amplitude do 156 pulso, sem alteração aparente na freqüência respiratória [36]. A duração do segundo 157 estágio varia de 1 a 12 horas [34]. 158 A estase intestinal, característica da segunda fase, influenciará negativamente na 159 absorção intestinal, levando o animal a entrar no 3º estágio da doença [9]. Cerca de 20% 160 dos animais são diagnosticados nesta fase do distúrbio [29]. O animal apresenta uma 161 acentuada flacidez da musculatura encontrando-se em decúbito lateral, sendo incapaz de 162 assumir a posição de decúbito esternal, o que favorece o aparecimento de timpanismo. 163 Ocorre hipotermia, com pulso praticamente impalpável, e bulhas cardíacas dificilmente 164 auscultadas [22]. O animal que não receber tratamento nesta fase provavelmente 165 morrerá em três a quatro horas devido à paralisia do músculo respiratório ou cardíaco 166 [22]. Muitos animais caem durante a fase de incoordenação, podendo ocorrer mortes por 167 afogamento [9]. 168 169 8 ALTERAÇOES LABORATORIAIS NA HIPOCALCEMIA 170 O nível sérico do cálcio total em casos de hipocalcemia geralmente estão abaixo 171 de 1,2 mmol/L (5 mg/dL) podendo chegar, em casos extremos, a 0,5 mmol/L (2 mg/dL) 172 [36]. A verificação do nível de cálcio ionizado, que em animais em condições normais, 173 está entre 4,3 a 5,1 mg/dL (1,06 a 1,26 mmol/L) pode conferir melhor idéia sobre a 174 condição do animal. Em casos de hipocalcemia leve, o cálcio ionizado está reduzido de 175 4,2 a 3,2 mg/dL (1,05 a 0,80 mmol/L), em casos moderados de 3,2 a 2,0 mg/dL (0,79 a 176 0,50 mmol/L) e em casos graves a menos de 2,0 mg/dL (0,50 mmol/L) [36]. 177 Existe uma correlação inversa entre os níveis de Ca e Mg em vacas 178 hipocalcêmicas [23]. Vacas em situação normal apresentam concentrações de magnésio 179 entre 2,3 e 2,7 mg/dL. Vacas com hipocalcemia leve apresentam teor de Mg sérico em 180 torno de 3,2 mg/dL, com hipocalcemia moderada em torno de 3,3 mg/dL e com 181 hipocalcemia severa em torno de 3,4 mg/dL [22]. 182 As concentrações normais de fósforo inorgânico variam de 4,3 a 7,7 mg/dL (1,4 a 183 2,5 mmol/L [4], sendo que, nos casos de hipocalcemia, pode ser encontrado em torno de 184 1,5 a 3,0 mg/dL (0,48 a 0,97mmo/L) [36]. A concentração de fósforo varia de acordo 185 com o grau de hipocalcemia. Vacas com hipocalcemia leve apresentam entre 2,0 a 2,7 186 mg/dL, com hipocalcemia moderada entre 1,4 e 1,8 mg/dL e com hipocalcemia severa 187 entre 1,0 e 1,2 mg/dL [22]. 188 A verificação dos níveis de cortisol plasmático e do hematócrito tendem a 189 aumentar em vacas que apresentam um déficit de cálcio devido ao estresse e à 190 desidratação, sendo mais elevados em animais que não respondem ao tratamento [42]. 191 Durante a fase hipocalcêmica as vacas tem um aumento na concentração de cortisol 192 plasmático, o que pode aumentar a imunossupressão, favorecendo o desenvolvimento de 193 outras patologias, como mastite e metrite [13,6]. 194 9195 TRATAMENTO DA HIPOCALCEMIA 196 O tratamento padrão constitui na administração de borogliconato de cálcio (BGC) 197 em solução a 20 a 30%, sendo a via intravenosa a preferencial [10]. O sucesso no 198 tratamento da hipocalcemia tem relação direta com a dose de cálcio administrada [35] 199 (Figura 2). A aplicação de BGC por via subcutânea (SC) pode ser utilizada em casos 200 mais brandos, quando o animal ainda esta de pé [10]. A via peritoneal (VP) também 201 pode ser preferida em casos de toxemia [36]. Em casos em que já houve uma prévia 202 administração de cálcio por via SC, deve–se administrar o cálcio somente por via IV, 203 pois poderá ocorrer uma intoxicação por cálcio, uma vez que o cálcio aplicado por via 204 SC pode não ter sido absorvido completamente e levar a uma superdosagem ao somar o 205 Ca administrado por via IV [9]. A administração de metade da dose por via IV e metade 206 por via SC pode ser uma alternativa razoável devido aos baixos índices de recidivas 207 observados e menores riscos de intoxicação [22]. 208 A dose de cálcio administrado, cerca de 8 a 12 g, é pequena em relação à 209 exigência diária de cálcio. No entanto, o tratamento assegura o retorno ao equilíbrio da 210 função homeostática do cálcio no organismo, contribuindo para o aumento do cálcio 211 sérico [24]. Este equilíbrio homeostático do metabolismo do cálcio não ocorre antes de 212 dois a três dias [34]. A dose máxima permitida de BGC pela via IV é de 250 mL de uma 213 solução a 40%. Devido ao perigo de toxicidade do cálcio, muitos veterinários 214 administram doses menores o que pode ocasionar falha no tratamento [36]. Os animais 215 que não forem assistidos pelo veterinário dentro de uma hora deverão receber uma dose 216 de 600 mL de cálcio a 40% pela via SC em 2 ou 3 locais diferentes, sendo o local 217 massageado após a aplicação para aumentar a absorção [36]. 218 10 A maioria dos animais, cerca de 85%, respondem bem ao tratamento, sendo os 219 resultados rapidamente observados [9]. Entre eles pode–se citar eructação, tremores 220 musculares, defecação, melhora do pulso (amplitude e pressão), aumento das bulhas 221 cardíacas e sudorese no focinho [4]. Grande parte das vacas acometidas levantam após 222 10 minutos da administração de BGC. Entretanto, há animais que podem levar de 2 a 4 223 horas para levantar. Caso o animal não responda ao tratamento após 5–6 horas, deve–se 224 realizar um novo exame e, se necessário, administrar por via IV mais 8–12 gramas de 225 cálcio [36]. As falhas no tratamento geralmente se devem às baixas doses de cálcio 226 administradas (< 4 g) [11]. A Tabela 1 mostra as variações na concentração de soluções 227 de BGC com a respectiva dose a ser administrada. 228 Outras substâncias podem ser utilizadas juntamente com o cálcio. Soluções de 229 cálcio e magnésio podem ser requeridas para prevenir taquicardia e arritmia cardíaca, 230 em casos de hipomagnesemia [22]. O fósforo inorgânico pode ser utilizado como 231 adjuvante no tratamento de vacas que não levantam [22] e em casos de recaídas [4]. 232 Casos de superdosagem geralmente acontecem quando há um prévio tratamento 233 dos animais por parte dos produtores seguido de tratamento veterinário [9,36]. 234 Concentrações elevadas de cálcio provocam depressão progressiva do sistema nervoso 235 tornando a sua atividade reflexa lenta. No sistema gastrointestinal, ocorre redução das 236 contrações das paredes musculares, podendo causar constipação e redução do apetite. 237 No sistema cardíaco, a hipercalcemia causa diminuição do intervalo entre a sístole e a 238 diástole [16], e deprime a atividade cardíaca provocando insuficiência cardíaca e 239 respiratória [8]. O tratamento muito prolongado pode levar a uma toxicidade crônica, 240 ocasionando depósitos de cálcio nos rins, levando os animais a uma grave uremia e, por 241 conseguinte a morte [36]. 242 243 11 MANEJO PREVENTIVO DA HIPOCALCEMIA 244 Ordenha 245 A ordenha pré–parto ocasiona um aumento gradual nos processos de mobilização 246 de cálcio, diminuindo as chances do animal desenvolver hipocalcemia. Vacas com 247 produção acima de 8 kg de leite por dia nas primeiras ordenhas, tiveram menor 248 incidência de hipocalcemia com a ordenha pré-parto, o que não foi observado nas vacas 249 com menor produção [14]. Podem–se recomendar duas ordenhas parciais após o 250 tratamento de um caso clínico, caso o animal não esteja acometido por mastite, 251 reduzindo–se assim a demanda de cálcio e diminuindo a probabilidade de recidivas 252 [34]. 253 Cálcio da dieta 254 A ingestão de grande quantidade de cálcio no período que antecede o parto deve 255 ser evitada, não ultrapassando 100 a 125 g/dia, pois resultará na diminuição dos 256 mecanismos de mobilização óssea de cálcio [9]. As dietas de vacas secas que fornecem 257 menos de 50 g de cálcio/dia são eficazes na prevenção da hipocalcemia [17], pois 258 ativam os mecanismos de mobilização óssea e absorção intestinal de cálcio antes do 259 parto, permitindo ao animal uma melhor homeostasia do cálcio sérico durante e após o 260 parto [9]. O fornecimento de cálcio na dieta deve ser elevado momentos antes do parto e 261 após o parto, numa concentração de cerca de 1% da matéria seca, visando aumentar a 262 disponibilidade de cálcio, necessário para a produção de colostro [36]. 263 Fósforo da dieta 264 Um aporte reduzido de cálcio via alimentação ocasionará ativação da paratireóide. 265 O mesmo mecanismo ocorre quando há um excesso de fosfato na ração [36]. Entretanto, 266 a alimentação com excesso de fosfato por um longo período pode aumentar as chances 267 do animal ter osteoporose [2]. Uma entrada de fósforo em quantidade superior a 30 268 12 g/dia em animais de pequeno porte e superior a 45 g/dia em animais grande porte, 269 prejudicará a formação do metabólito ativo da vitamina D [22]. Não há então 270 necessidade de fornecer doses altas de fósforo na alimentação em vacas no período 271 seco, pois por um lado haverá elevação da síntese do paratormônio, mas por outro, os 272 diminuirá a absorção de cálcio a nível intestinal, por inibição da síntese de 1,25–273 dihidroxi-colecalciferol. Assim, caso seja administrado elevado nível de fósforo na 274 alimentação de vacas secas, é necessário reduzir a quantidade de fósforo próximo ao 275 parto a fim de elevar a absorção de cálcio a nível intestinal [26]. 276 Magnésio da dieta 277 O magnésio tem papel importante no metabolismo do cálcio, pois auxilia na 278 absorção de cálcio a nível intestinal e facilita a ativação da vitamina D no rim, sendo 279 necessária a sua suplementação [10]. A administração diária de 10 a 12 g de magnésio 280 para vacas secas garantirá níveis normais de magnésio no plasma e contribuirá para a 281 absorção normal de cálcio [9]. 282 Existe uma relação entre K e Mg. A fertilização do solo com KCl acarreta um 283 aumento na concentração de K e uma diminuição de Mg na planta, levando a um déficit 284 alimentar em Mg, devido à baixa quantidade ingerida (Tabela 2). O mesmo ocorre 285 quando há aplicação de uréia, diminuindo a absorção de Mg [10]. 286 Uso de vitamina D 287 A utilização de vitamina D2, por via oral, pode ser considerada outra alternativa 288 profilática visando aumentar a absorção intestinal de cálcio em uma dose máxima de 20 289 milhões de U/dia. O tratamento prolongado deve ser evitado, pois pode causar a 290 intoxicação do animal e calcificação metastásica, principalmente em vacas gestantes 291 [36]. A administração de doses menores de vitamina D2 também deve ser evitada, pois 292 provocara interferência na produção de 1,25–dihidroxi-colecalciferoldurante o período 293 13 hipocalcêmico pós–parto [26]. Deve–se iniciar o fornecimento da vitamina D2 pelo 294 menos 5 dias antes da data prevista do parto, reduzindo assim a probabilidade de 295 hipocalcemia. Entretanto, se o parto não ocorrer na data prevista e houver suspensão no 296 fornecimento de vitamina D2 por até 4 dias antes do parto, a probabilidade de 297 hipocalcemia aumenta [36]. A desvantagem da administração de vitamina D3 é a 298 determinação da data do parto, sendo que animais que não parem no tempo pré-299 estabelecido tendem a ser casos mais graves que animais não tratados [9]. Se o animal 300 não parir após 8 dias da última administração, deve–se procurar repetir a dose de 10 301 milhões de U [36]. 302 O uso da vitamina D e seus metabólitos têm como inconveniente a inibição renal 303 da 1–α–hidroxilase, responsável por transformar 25(OH)2D3 em 1,25(OH)2D3 [17]. Os 304 animais tratados com vitamina D3 e 1–α–hidroxivitamina D podem desenvolver o 305 distúrbio metabólico, 14 a 15 dias pós–parto devido à incapacidade em produzir o 306 1,25(OH)2D3 endógeno, em função do feedback negativo ocasionado pela alta 307 concentração de vitamina D no organismo [25]. Baseado neste fato, novos análogos da 308 vitamina D, de ocorrência natural no organismo, mais ativos e com maior período de 309 ação, foram pesquisados. Um destes análogos é o 24–F–1,25 dihidroxi-vitamina D3, que 310 é bastante eficaz na prevenção da hipocalcemia [17], sendo a administrado na dose de 311 100 a 150 µg cinco dias antes do parto, reduzindo a incidência de hipocalcemia. Caso o 312 animal não parir em sete dias, a dose deverá ser repetida [12]. 313 Com a finalidade de evitar a hipervitaminose D, outros compostos podem ser 314 utilizados na prevenção da hipocalcemia. A aplicação de 8 mg de 25–hidroxi-315 colecalciferol intramuscular, de 3 a 10 dias antes do parto pode trazer benefícios [36]. 316 Entretanto, poderá não ser efetivo se as dietas fornecem mais de 40 g de fósforo por dia 317 [22]. A administração de 700 µg de 1–α–hidroxi-vitamina D3 , 8 a 10 dias antes da data 318 14 prevista para o parto é mais eficiente no controle da hipocalcemia, não tendo grande 319 importância a data do parto [9]. 320 Dietas aniônicas ou acídicas 321 A quantidade de ânions e cátions disponíveis em uma dieta determinará o estado 322 ácido–básico do animal. A acidose ocorre em dietas com maiores quantidades de 323 ânions, como cloreto e enxofre, enquanto a alcalose, em dietas com predominância 324 catiônica, ricas em sódio e potássio [17]. As dietas catiônicas aumentam a 325 susceptibilidade a hipocalcemia, tornando os tecidos refratários aos mecanismos de 326 mobilização óssea e diminuindo a produção de 1,25–(OH)2D3, controlados pelo PTH. 327 Por outro lado, a adição de ânions resultará numa diminuição do pH sangüíneo e 328 urinário, aumentando o cálcio sérico pela estimulação da mobilização óssea e da 329 absorção intestinal de cálcio, diminuindo a ocorrência da hipocalcemia [17, 37]. Entre 330 os cátions, o K+ possui um maior poder alcalinizante, elevando com maior intensidade o 331 pH sangüíneo devido a sua maior taxa de absorção em relação ao Na+ e ao Mg2+ [21]. 332 A diferença cátion–ânion da dieta (DCAD) pode ser calculada através da 333 fórmula (Na+ + K+) - (Cl- + S2-), que não considera a presença de outros cátions na 334 dieta, como Ca2+, Mg2+ e nem ânions, como PO42- [21]. Em dietas formuladas 335 basicamente com NaCl, não se observam mudanças evidentes no pH sangüíneo, pois 336 tanto o Na+ quanto o Cl- são 100% absorvidos [15]. O mesmo é observado com a 337 utilização de sais de fósforo, que possuem um poder acidificante muito baixo [17]. Por 338 outro lado, em dietas com CaCl2, há uma maior acidificação sangüínea devido a maior 339 eficiência de absorção do Cl em relação ao Ca [15]. 340 Os ânions mais utilizados nas dietas aniônicas são os sais cálcicos de Cl e S [17] 341 sendo que a dieta deve conter em torno de 0,6% de Cl, não ultrapassando 0,8% pois 342 poderá acarretar inapetência nos animais [13] e a quantidade de enxofre devera estar 343 15 abaixo de 0,4% da MS, a fim de evitar possíveis problemas neurológicos devido a sua 344 toxicidade [15]. 345 O uso de dietas aniônicas deve ser limitado, pois acarreta problemas de 346 palatabilidade [33] diminuindo a ingestão de alimentos, o que pode aumentar a 347 incidência de outras patologias, como cetose [30]. A utilização de melaço para resolver 348 o problema da palatabilidade [10], tem como inconveniente a sua alta concentração de 349 K+. Devem–se preferir dietas que contenham sais aniônicos como MgSO4, MgCl2, 350 CaCl2, CaSO4, NH4Cl, (NH4)2SO4 [31]. 351 Não existe uma DCAD padrão, mas deve–se buscar dietas em que este valor seja 352 inferior a –3 mEq/100g MS [41]. Uma DCAD entre –50 mEq/kg e –100 mEq/kg é 353 eficaz na prevenção à hipocalcemia [17]. Moore et al. [30], forneceram dietas com 0 354 meq/100g e –15 meq/100g, para novilhas e vacas, constatando que, em todos os 355 tratamentos, as novilhas apresentavam concentração de iCa (cálcio ionizável) acima de 356 4 mg/dl (Tabela 3). O único grupo de vacas que apresentou valores adequados de iCa 357 foi o da DCAD de –15 meq/100g, comprovando a eficiência das dietas aniônicas. Os 358 autores sugerem, portanto, que as novilhas não devem receber dieta aniônica [30]. Além 359 disso, foi relatado que vacas com gestações gemelares podem ter maiores chances de 360 desenvolver hipocalcemia quando alimentadas com dieta aniônica, pela acentuada 361 redução na ingestão de alimento nas últimas semanas de gestação [30]. 362 O fornecimento, durante o último mês de gestação, de dietas acídicas ocasiona um 363 aumento de 13% na mobilização de cálcio 14 dias antes do parto, e um aumento de 28% 364 na hora do parto; enquanto que o fornecimento de dietas alcalinogênicas acarreta uma 365 redução de 14% na mobilização de cálcio 14 dias antes do parto [1]. 366 Não está bem definido qual a quantidade de cálcio a ser fornecido juntamente com 367 as dietas acídicas, mas deve–se procurar aumentar a quantidade de cálcio na dieta pré-368 16 parto em torno de 150 gramas/dia [18]. Um método eficaz no controle da resposta de 369 uma dieta aniônica é o monitoramento do pH urinário (Tabela 4), que deverá estar entre 370 5,5 e 6,2 [5]. Dietas aniônicas que causam pH urinário menor de 5,5 devem ser evitadas, 371 pois podem levar a uma acidose metabólica [17]. 372 Além da adição de ânions na dieta para reduzir a DCAD, pode–se reduzir a 373 quantidade de cátions da dieta, observando sempre a exigência mínima diária do 374 mineral [17]. Um exemplo disso seria a redução do fornecimento de bicarbonato de 375 sódio e da ingestão de potássio [21]. As forragens fornecem grande quantidade de K, 376 sendo o cátion encontrado em maior quantidade nas dietas das vacas. Um exemplo disso 377 é a alfafa, rica em proteína e potássio, sendo recomendado limitar seu consumo no 378 período seco [17]. 379 Excesso de fertilização nas pastagens pode resultar em aumento na ingestão de 380 K+ pelas vacas [21]. Uma maneira de limitar a ingestão de K+, é alimentar os animais 381 com gramíneas, que possuem em torno de 1,7% de K, sendo consideradas plantas com 382 baixos níveis de K em relação às leguminosas, que possuem uma concentração de K+ de 383 2,5% [17]. A utilização de dieta aniônica não somente reduz a incidência de 384 hipocalcemia, mas também aumenta a produção leite e a saúde dos animais na lactação 385 posterior, pois reduz os problemas secundários originados pelo distúrbio [13]. 386 387 CONCLUSÃO 388 As vacas leiteiras passam por mudanças metabólicasno peri-parto e é importante 389 que o produtor e o veterinário estejam atentos a estas modificações para intervir o mais 390 precocemente. A incidência da hipocalcemia tende a elevar–se caso medidas 391 preventivas não sejam adotadas, pois a cada ano procura–se um aumento da produção 392 de leite/lactação, devido à pressão de seleção animal nesse sentido. O tratamento mais 393 17 adequado é a adoção de medidas preventivas eficazes, como o fornecimento de dietas 394 aniônicas, que comprovadamente garantem efeitos benéficos para o controle da 395 hipocalcemia. Portanto, o período de transição deverá ser uma das prioridades dentro da 396 pecuária leiteira, onde medidas estratégicas deverão ser adotadas de modo a assegurar 397 não só o controle das doenças metabólicas, mas também a saúde e produtividade do 398 animal. 399 400 REFERÊNCIAS 401 1. Abu D., Phillippo M.H., Milne J.S. & Dick L. 1994. Effects of dietary acidity 402 on calcium balance and mobilization, bone morphology and 1,25 403 dihydroxyvitamin D in prepartal dairy cows. Research of Veterinary Science. 56: 404 310-318. 405 2. Blood D.C. & Radostits O.M. 1989. Clínica veterinária. 7.ed. Rio de Janeiro: 406 Guanabara Koogan, pp. 927–936. 407 3. Capen C.C. & Rosol T.J. 1989. Calcium-regulating hormones and diseases of 408 abnormal mineral metabolism.. In: Kaneko J.J. 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Relação entre a quantidade de fertilizante (KCl) utilizada na pastagem e as 533 concentrações de potássio (K) e magnésio (Mg) nas plantas, em base seca (Epicentre, 534 2000). 535 Quantidade de fertilizante (kg KCl/Ha) K (% MS) Mg (% MS) 0 2,77 0,28 65 3,85 0,23 130 4,02 0,21 260 4,37 0,20 536 537 25 538 Tabela 3. Influência da diferença catiônica-aniônica da dieta (DCAD) sobre o cálcio 539 ionizado (iCa), pH da urina, consumo pré-parto, balanço energético em vacas e novilhas 540 (Adaptado de Moore et al., 2000). 541 542 543 544 Tabela 4. Interpretação do pH urinário em animais alimentados com dietas aniônicas 545 (Jardon, 1995). 546 pH urinário Interpretação >8 pH normal da urina; risco de hipocalcemia 6-7 (5,5 – 6,5 para Jersey) Faixa ideal de pH para prevenir hipocalcemia <6 (<5,5 para Jersey) pH muito baixo; risco de acidose; remover algum sal 547 Parâmetros Dieta Controle DCAD = 0 mEq/100 g MS DCAD = -15 mEq/100 g MS Vacas iCa pré-parto, mg/dl 4,41 4,67 4,93 iCa ao parto, mg/dl 3,67 3,85 4,35 pH urina 7,95 7,32 6,01 Consumo pré-parto, kg/dia 14,5 14,4 13,0 Balanço energético, Mcal/kg 8,42 8,24 6,01 Novilhas iCa pé-parto, mg/dl 4,74 4,83 4,95 iCa ao parto, mg/dl 4,44 4,57 4,62 pH urina 8,03 7,37 6,42 Consumo pré-parto, kg/dia 10,5 9,6 8,0 Balanço energético, Mcal/kg 3,75 2,62 0,09 ABSTRACT ETIOPATOGENIA DA HIPOCALCEMIA SINTOMATOLOGIA DA HIPOCALCEMIA ALTERAÇOES LABORATORIAIS NA HIPOCALCEMIA MANEJO PREVENTIVO DA HIPOCALCEMIA CONCLUSÃO REFERÊNCIAS Nº DE LACTAÇÕES Parâmetros Dieta
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