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VOLTOLINI, Rinaldo. "Autoridade, violência e sedução". In: Associação Psicanalítica de Porto Alegre (org.). Autoridade e violência. Porto Alegre, APPOA, 2011. 288p


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Autoridade, violência e sedução
Fonte: Associação Psicanalítica de Porto Alegre (org.). Autoridade e violência. Porto Alegre, APPOA, 2011. 288p.
Autor: Rinaldo Voltolini - Psicanalista; Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo;
Leciona disciplinas e orienta trabalhos em psicanálise e educação, coeditor da revista Estilos da Clínica.
O espetáculo de violência, diariamente exibido nas telas de tevê, games, revistas, etc. dá a medida do valor
erótico que o humano consagra a esse fenômeno. O índice elevado da audiência a esses programas, bem como a
proliferação incessante do recurso à exibição da violência, mesmo naqueles programas que não são inteiramente
dedicados ao assunto, revela o quanto nosso interesse tem a marca do compulsivo.
A reação diante das imagens é quase sempre a mesma: mais violência. De fato, o mais comum é reagir
vociferando contra o agressor, com a expectativa de que ele seja igualmente punido, objeto da mesma violência, como
na lei de talião, que, lembremos, historicamente precisou ceder para que uma ideia de justiça não baseada na vingança
pessoal, mas, antes no bem público, pudesse emergir.
Tal clima, insistentemente alimentado, colabora para uma confusão geral quanto ao entendimento do fenômeno da
violência. O senso comum, que não é exclusividade dos menos escolarizados, apela, em geral, para uma solução do
tipo: cobrar das autoridades as providências. A função inconsciente que esse apelo executa é simples: localizarmos o
mal fora de nós! Prendam ou matem os culpados! Assim, o bem vence o mal, que vai para a cova ou para trás das
grades.
Trata-se do mesmo tipo de recurso que utiliza a criança quando, para desresponsabilizar-se de sua agressão, diz
para a autoridade: foi ele que começou! Gostamos de assistir à violência porque assim realizamos nossos impulsos
destrutivos sem precisar reconhecê-los em nós mesmos.
Todo aquele que pretender tomar uma via de esclarecimento do fenômeno da violência deverá contornar essa
tendência inconsciente. Mesmo no plano conceituai, sempre identificado como avesso ao senso comum, não nos
achamos livres dela.
Neste trabalho pretendemos discutir uma dessas relações frequentes no senso comum: a relação entre autoridade
e violência.
É comum associar diretamente autoridade com violência: o exercício da autoridade, entendida como imposição de
uma vontade pelo recurso a um poder, seria um ato violento. Na educação encontramos, provavelmente, seu exemplo
maior.
As várias reformas pedagógicas e morais ocorridas nas últimas quatro décadas e que atingem todo um
entendimento que tínhamos da educação, seja a parental ou a escolar, fundaram-se basicamente sobre a desconfiança
do papel e da performance da autoridade. O adulto poderia ser pernicioso ao bom desenvolvimento da criança e a base
de sua nocividade residiria em seu desejo, impuro, autoritário, de impor-se como aquele que sabe o que é melhor para
o outro. Nessa frase se flagraria, acreditam, o caráter eminentemente autoritário de tal concepção de educação.
O combate ao autoritarismo, que havia se iniciado e construído suas bases no campo eminentemente político,
realizando a crítica e o combate contra os regimes de governos autoritários, enquanto sistemas fundados na proteção de
seus próprios interesses, estenderia seus efeitos também, e principalmente, sobre o campo educativo. Se dizemos
principalmente é porque faz parte de uma crença contemporânea a ideia, distorcida, de que uma nova sociedade
começará com uma nova educação.
Uma série de confusões conceituais, com sérias consequências práticas, se estabeleceu a partir daí. É possível
realizar educação sem a premissa de que uma geração sabe o que é melhor para a outra? Se acharmos que sim, em
quais bases essa educação deveria se assentar? Na discussão justificada, com a exposição das razões de um
procedimento adotado, respondem, em geral. Mas se assim for, não é verdade que esse mesmo princípio já foi avaliado
e decidido pela geração anterior, sem a consulta à geração que acaba de chegar?
A caricatura mais trágica e, ao mesmo tempo, mais eloquente do tipo de paradoxo a que esse princípio pode
levar, ouvi, certa vez, de um pai que defendia a ideia, não sem uma certa ironia, é claro, de não dar nome ao filho que
acabava de nascer, esperando poder discutir com ele, assim que reunisse as condições mínimas necessárias, já que se
trata de uma decisão deveras importante. Mas, então, até lá do que o chamaríamos?
Esse exemplo extremo, raro em sua ocorrência, é verdade, mas corriqueiro em sua premissa, a saber, a de
condenar qualquer exercício de poder, serve para mostrar, de saída, como podemos agir com violência quando não nos
valemos da autoridade. De fato, pode haver circunstância mais evidente do quanto um adulto pode chegar a ser
pernicioso para uma criança?
A psicanálise, por sua própria história e pelo que ensina a experiência analítica, tem condições de questionar,
como veremos, a associação direta entre a autoridade e a violência. Não que ela seja a única a fazer essa distinção,
como demonstra o desenvolvimento do pensamento da ciência política de Hannah Arendt, para destacar apenas um
outro exemplo, mas com ela temos condições de decifrar melhor, dada sua característica de método da interpretação, as
bases em que se sustenta essa confusão. Na psicanálise, também, essa distinção assumiu e assume um papel central,
em sua ética e em sua política institucional.
"Pretendemos mostrar como a impotência em sustentar autenticamente uma práxis reduz-se, como é comum na
história dos homens, ao exercício de um poder", dizia Jacques Lacan [1966. A direção do tratamento e os princípios de
seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998], evidentemente estimulado, entre outras coisas, por uma
questão com a qual debateu ao longo de todo seu percurso teórico, a saber: o que autoriza um analista?
Como não identificar, nessa frase de Lacan, uma posição contrária à do senso comum quanto à relação que pode
existir entre a autoridade e o exercício violento do poder? Lembremos também que essa frase aparece, nada por acaso,
num texto intitulado: "A direção da cura e os princípios de seu poder”! (Lacan, 1998).
Na psicanálise, o tema da autoridade aparece retomado sob suas premissas axiais: a autorização e a autoria. O
célebre aforismo lacaniano "o analista se autoriza por si mesmo", ao qual devemos acrescentar a outra parte,
frequentemente esquecida, "… e de outros", é o ápice dessa discussão e constitui, de maneira condensada, a resposta
da psicanálise ao problema da autoridade.
Mas não devemos nos enganar quanto às bases, como dizíamos, dessa confusão entre autoridade e violência.
Ela não representa o engano de um pensamento que trabalha com uma razão fraca e que, por isso, nubla as distinções
que seriam fundamentais para escapar da confusão. Se assim fosse, bastaria a força do esclarecimento como antídoto.
As bases dessa confusão, como pretendemos demonstrar, se encontram na conveniência dela para o sujeito
descrito por Lacan na fórmula do discurso do capitalista: um sujeito que se acredita autônomo, livre para fazer sua
escolha fora de qualquer determinação inconsciente, e que poderia, ao modo perverso, autorizar-se por si mesmo, sem
a referência ao Outro ou aos outros.
A autoridade e o discurso do capitalista
O essencial do capitalismo para Lacan, concordamos com Dufour, é sua astúcia e sua dinâmica autofágica.
O discurso capitalista é algo loucamente astucioso [...], anda às mil maravilhas, não pode andar
melhor. Mas, justamente anda rápido demais, se consome. Consome-se de modo que se consuma.
( Lacan apud Dufour, 2005. p.9.)
Marx pensava que ele sumiria por suas próprias contradições, para ceder lugar a um outro regime, enquanto
Lacan imagina que seu desaparecimento virá pela autodevoração.A imagem referencial do mercado não é, para Lacan, a do idiota obstinado em tudo consumir e em fomentar o
consumo a qualquer preço, mas, antes a da grande boca mortífera (não seria abusivo relembrar aqui o que essa imagem
pode portar de referência ao enfraquecimento do lugar do pai na modernidade, já que a boca engolidora é uma imagem
à qual Lacan se refere para indicar a mãe que engole o filho se o pai não colocar o graveto que impede sua boca de se
fechar) astuta em seus procedimentos de engolir, até, por fim, engolir a si mesma. Talvez seja essa uma boa imagem do
que pode significar o destino da ilusão de autonomia: a boca que engole a si mesma.
A palavra autonomia, se a escandimos, possibilita pensar, como no exemplo do pai, citado acima, que hesita em
nomear seu filho, no nome autodado, em suma, dar o nome a si mesmo, rompendo assim com qualquer ligação a um fio
que o determina, desde um ponto anterior, externo a si mesmo.
Na dinâmica econômica do capitalismo atual, isso aparece muito bem representado pela perda da relação
intrínseca entre riqueza e lastro. Se, anteriormente, o grau de riqueza de um país era definido pela quantidade
acumulada de ouro, por exemplo, ou seja, era necessário uma base material para referir a riqueza, nas regras atuais do
capitalismo o que conta é a dinâmica e a velocidade da circulação do crédito. O que autoriza os negócios não é mais a
existência e a consistência de um Patrimônio, que funcionaria como a garantia do bom pagamento, mas uma promessa,
de que um rendimento futuro trará as condições do bom pagamento. Em tal dinâmica, não há nenhuma dependência,
nenhuma ligação com o passado, só com o futuro. Digamos que, desse modo, se constrói uma autonomia, na medida
em que você não depende senão de si mesmo, você se autoriza por si mesmo.
Na educação, por sua vez, podemos encontrar a mesma estrutura em jogo. Não é necessário recorrer aos
exemplos extremos, como o do pai citado acima, para flagrarmos o gosto de nossa época pela ideia da autonomia.
É muito comum ouvirmos, hoje em dia, cremos tratar-se mesmo de um ponto de vista dominante, pais dizerem:
meu filho escolherá o que ele quiser! A frase obviamente é simpática e ressoa como legítimo combate a uma época,
autoritária, na qual os pais decidiam o destino dos filhos, profissional e amorosamente, por exemplo.
A ideia implícita, entretanto, de que é possível não influenciar os filhos nas escolhas, ou seja, de que essa escolha
poderia ser autônoma, reflete bem a crença louca de uma época que parece condenar como pernicioso qualquer lastro
que condicione, a partir do passado, o futuro. Que os pais não decidam deliberadamente o destino dos filhos não
significa que não o influenciem de nenhum modo.
Um jovem de 22 anos, levado por seus pais à análise porque, segundo eles, não se interessava por nada, não
escolhia nenhuma carreira, tampouco desejava trabalhar, ouve de seu pai: "Não sei o que acontece, eu nunca lhe exigi
nada, sempre deixei que ele escolhesse o que quisesse..." O analista lhe marca, então: "Pois bem, talvez seja esse
nada que ele está te oferecendo!"
Na escola, por sua vez, o tema da autonomia é abundante. Autores que dominaram e dominam a discussão
pedagógica mais atual, tais como Dewey e Piaget, discutem e defendem amplamente a ideia de autonomia.
A discussão sobre autonomia, como um ideal pedagógico, aparece sempre ligada à da autoridade do professor,
numa equação simples: a maior autonomia do aluno está intrinsecamente ligada à diminuição da autoridade do
professor.
A crítica a uma educação centrada no professor, tipicamente autoritária, dizem, levou a defesa de uma educação
centrada na criança.
A pedagogia tradicional é uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se define
como a de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria. A metodologia decorrente da tal
concepção baseia-se na exposição oral dos conteúdos. (Brasil, 1997. p.39-40)
Contra tal concepção, defende-se o que se conhece pelo nome de escola ativa, que se funda sobre as premissas
do centrado na criança e na supervalorização de sua ação em detrimento da palavra do professor.
Os estudos de Piaget vão se tornar extremamente atraentes nesse sentido, exatamente por referendarem a
ambas premissas. Como se sabe, o próprio nome que batiza a política atual que rege a educação, seu princípio
filosófico, é inspirado nos trabalhos de Piaget: o construtivismo.
Piaget constrói sua base experimental, o campo de sua experiência, na observação direta do comportamento da
criança. Para ele, deve-se "partir da própria criança e esclarecer a pedagogia moral através da psicologia moral”. (Piaget
apud Carvalho, 1999)"
Vale a pena constatar o que tal perspectiva metodológica, em contraste com a psicanálise, que não valoriza a
observação direta do comportamento infantil como o principal meio para a compreensão do comportamento adulto,
comporta de rompimento com a ideia de lastro do passado.
Partir da própria criança por acaso não revelaria uma disposição para tomá-la fora da alienação ao Outro, que a
determina? O centrado na criança não revela aqui sua adesão à tese da autonomia, no sentido de premissa capitalista,
destacada por Lacan, que indicávamos acima? Pode-se pensar numa criança como própria, ou seja, como referida a si
mesma?
A observação direta do comportamento infantil ainda induz à ideia da primazia da ação. De fato, o que se observa
é a ação da criança; mesmo a linguagem será compreendida como ação de linguagem.
Em Piaget, a ação, premissa da chamada escola ativa, é a base, o fundamento do psiquismo: Nb princípio era a
ação!
Mas como compreender os termos da proposta da escola ativa, bem como a crítica que ela porta ao chamado
ensino tradicional? Ou mais, ainda que possamos compreender a que essa crítica e proposta se referem, a que tipo de
postura no ensino ela induz? Tudo leva a crer que induz a privilegiar a ação da criança em detrimento da palavra. Talvez
o estranho e intenso boom de diagnósticos escolares, pois realizados por professores e, em geral, referendados pelos
médicos, de hiperatividade, testemunhe o sintoma que essa crença na primazia da ação sobre a palavra pode construir.
Todo ensino oral (mas há algum que não seja?) é condenado em prol da experiência direta da criança sobre o
material a ser refletido. Evidentemente que a tal experiência direta é toda mediada pela linguagem e, por isso mesmo,
funciona sem maiores problemas, mas a linguagem jamais é entendida como o sustentáculo da experiência. Não está
nela o que autoriza a experiência.
O que Maurice Bianchot identificou plenamente em um de seus maiores livros, o Pas au-delà: 'Falar',
escreve ele, 'é sempre falar segundo a autoridade da palavra'. O que significa que a autoridade (cuja
perda em nossos dias deplora-se muito) nunca é, diga-se o que disser, a autoridade de alguém.
(Dufour, 2005, p.134)
A crença no valor instrumental da linguagem, na linguagem como um ato entre outros, característica do
pensamento construtivista, realiza a mesma operação, já destacada por Lacan como típica do pensamento da ego-
psychology, que é ao mesmo tempo a mesma que anima a teoria cognitivo-comportamental, a saber: a da promoção do
ego autônomo.
Um eu que pode determinar, utilizar os instrumentos à sua disposição da maneira que lhe convier, livre das
determinações. Não é necessário ir muito mais longe na discussão para flagrar aqui a insidiosidade da ideologia liberal.
Como se vê, existe uma identidade ideológica (liberal) entre essas teorias que atraem o interesse geral nos dias
de hoje; liberalismo frequentemente confundido com democracia. Essa identidade reflete bem aquilo que Lacan escreve
na fórmula do discurso do capitalista, quando inverte o sentido da seta que vai do lugar da verdade em direção ao do
agente.
Na escrita dos quatro discursos,Lacan marcará essa seta na direção que indica que a verdade, inconsciente,
aquela que se funda pelo condicionamento da experiência humana pela linguagem, determina o agente, aquele que
sustenta o semblante de agente, na medida em que só pode ser um agente agido, sobredeterminado.
No discurso do capitalista, por sua vez, a seta aparece invertida, marcando uma determinação do lugar do
agente em relação à verdade, o que pode ser lido como a inscrição do ego autônomo.
O sujeito capitalista sustentaria a ilusão de que pode autodeterminar-se, autorizar-se por si mesmo. Ele pode,
por exemplo, mudar seu padrão de pensamento, condicionando-o noutra direção, através de constatações e de
exercícios programados, como pode compreender as coordenadas que regem um objeto qualquer, experimentando-o
diretamente. 
Em ambos os casos, à razão é devolvida sua primazia e seu poder de determinação do comportamento,
eclipsando a constatação promovida pela psicanálise da subordinação da razão ao inconsciente.
Toda essa ilusão de autonomia, é claro, serve para que o indivíduo não perceba outra determinação, essa sim, a
que propulsiona o sistema capitalista: a determinação do objeto sobre o sujeito.
Lacan escreverá com outra seta, que vai do objeto, inscrito no lugar de gozo, em direção ao sujeito, inscrito no
lugar de agente, a determinação do objeto sobre o sujeito. O objeto produzido em série (todos iguais) pelo interesse
capitalista trará a moldura na qual o sujeito deve adaptar-se: para um objeto padrão, um sujeito massificado.
O objeto sob medida, criado pelo capitalista, visa instaurar um sujeito que dele necessite. Assim, não sabemos
mais como podíamos viver antes do computador ou do celular.
A tarefa importante e decisiva para o capitalista é como seduzir. Utilizar-se da própria dinâmica do desejo para
suprimi-la, instaurando o reino da necessidade. Na dinâmica do desejo, o objeto aparece sempre ligado a um fundo de
ausência, seu brilho depende da relação que se estabelece entre ele e uma miragem caucionada pelo objeto perdido.
Mas a consistência desse objeto, nessa dinâmica, é efémera, pois tende a cair, na medida em que a relação de caução
vai se esfumaçando. O capitalista entra, então, com um novo objeto, que reimpulsiona a crença em um objeto que pode
completar o vazio da falta.
Com o enfraquecimento da autoridade da palavra na escola e sua consequente desvalorização em qualquer
perspectiva de ensino, sobrou ao professor seduzir. Todos sabem o quanto se admira um professor que prende a
atenção, que motiva, termos preferidos, é claro, ao termo seduzir. De fato, se as escolas continuam tendo que
apresentar certos conteúdos específicos, decididos pela comunidade dos adultos, como de hábito, apesar das crenças
democráticas a respeito, e que já não estão mais legitimados pela autoridade da tradição, ou pelo simples fato de que a
geração anterior entendeu que eles são melhores para a geração seguinte, só sobra instaurar a necessidade deles via
sedução.
Sedução e violência
Prevenidos de que o exercício de toda e qualquer autoridade leva inevitavelmente ao exercício do autoritarismo,
pais e professores se lançaram à tarefa de seduzir. A quem interessa a sedução? Aos adultos, evidentemente.
É que, seduzido, o outro obedece sem dor. Pode-se levá-lo a fazer o que se quer, ou quase, sem
necessidade de recorrer à autoridade. Ele é seguido de perto docilmente, enquanto está preso sob o
charme. Ele não pode mais resistir [...] Tudo o que a gente obtém é, então, pela doçura. Sua
concentração, sua aplicação, sua assiduidade, seu prazer, se encontram destacadas. (Cifali, 1998, p.
190. Tradução livre)
Como se vê, a sedução, como método, não anula a premissa de que uma geração sabe o que é melhor para a
outra. Apenas se utiliza de outro recurso para fazer passar o que já está decidido. O que é necessário para se seduzir?
Deve-se buscar estar próximo das vontades do outro, admiti-las e valorizá-las, elogiar as produções realizadas
sem recorrer à crítica, ou ser complacente quando for inevitável fazê-la. O adulto deve anular-se, então, e não ser senão
o reflexo especular da criança.
Começa-se, então, por imitar seus gestos, seus gostos, até suas roupas e sua linguagem, como é o caso típico
dos professores dos adolescentes, tudo, enfim, para diminuir a diferença que existe entre eles e que poderia fazê-los
lembrar que há a alteridade e que esta lhes demanda sair da posição cômoda de seu narcisismo.
Do lado do adulto em questão ocorre o mesmo. A constatação de que os alunos estão seduzidos lhes retorna
como ganho narcísico, enquanto comprova o valor de sua presença e de seu saber para o outro. Tudo ocorre, então,
lembrando o mecanismo hipnótico, a fim de que, submersos na sedução, possamos esquecer aquilo para que estamos
ali reunidos, ou seja: o em nome de (que, lembremos, nada por acaso é o terceiro, que impede que a cena se feche nos
dois que pretendem fazer Um, marcando que a validade daquilo está situada num mais além, no Outro). O terceiro,
sempre marcado pela psicanálise como o pai, vem lembrar à mãe que não é possível reintegrar seu produto.
A sedução como método desloca a cena educativa para o campo eminentemente materno.
A sedutora originária seria a mãe. Os outros profissionais só fazem sucedê-la. [...] Ela introduz uma
criança ao prazer, jogo de olhar e de captação, ela abre à relação. Ela joga com intensidade e fusão.
(Cifali, Ibid. p.193. Tradução livre)
Mas sabemos o que essa captura significa, como lembra o duplo sentido que a palavra "cativar" comporta: de
seduzir e de prender, em suma, de um convite à alienação. Há nesse convite um voto, mortífero quando se consuma, à
não distinção, à não separação. Se eu me anulo para que suas vontades sejam satisfeitas é ao preço de que não se
afaste dessa imagem que eu faço de você, como objeto que completa meu sonho. Em você eu me reconheço.
Como tal, esse procedimento não pode senão visar à neutralização do desejo do outro. Se a criança desejar em
outro lugar, o pacto instaurado pela sedução ameaça dissolver-se.
A sedução se funda sobre uma promessa. Promessa de ser reconhecido, não pelo que você faz, por dar provas
de um desempenho qualquer, mas simplesmente pelo que você é, sem necessidade de mudar. Qual a educação que
pode se fundar sobre uma premissa de que não é necessário mudar? Por acaso, não deveríamos nesse ponto refletir o
quanto o estado atual de inadimplência da escola, onde se observa que é possível passar vários anos e sair sem
aprender quase nada, ou seja, sem mudar praticamente nada, se deve à dominância da dinâmica da sedução como
método?
O exercício da autoridade, tributário do campo paterno, na medida em que liga a aquisição da aprendizagem ao
campo do patrimônio legado pelas gerações anteriores, cederia espaço para o exercício da sedução, campo materno,
fincado numa dinâmica narcísica de reconhecimento, e sustentando uma promessa frágil, vulnerável porque
incumprível.
E é por ser incumprível que ela remete diretamente à violência. Nem a criança ou o adolescente, bem como o
adulto educador, podem sustentar por muito tempo o efeito hipnótico sem voltar a acordar. O despertar será
inevitavelmente decepcionante, sobretudo pela constatação de que, fora o aparente amor vivido, não sobrou quase nada
de aprendido que valha para prosseguir vivendo, separado daquele que prometeu que não haveria dificuldades porque
eu sempre seria aceito.
Ele estará estupefato da violência suscitada pela promessa não cumprida. A sedução é vista
frequentemente como um modo de eliminar a agressividade. A decepção que lhe sucede
inevitavelmente deixa o lugar para todas as violências, tanto mais selvagens quanto a relação for
tecida de proximidade e afetos. (Cifali, Ibid. p.195. Tradução livre)
Podemos conjeturar, então, que a violênciacorrente nas escolas de hoje, mas igualmente intensa nos lares, entre
pais e filhos, devem algo a essa dinâmica de substituição da autoridade pela sedução?
Uma vez que a escola prometeu que ensinaria, e não o faz, que o esforço de aprender seria recompensado pela
condição de ser alguém no futuro, mas que não pode mais dar garantias disso, que o aluno seria reconhecido pelo que é
e que os outros se anulariam em prol da satisfação de suas necessidades, enquanto o mundo lá fora segue sendo feito
de exigências incompatíveis com essa promessa, ela funciona pelo engano sedutor. Como tal, não pode ser senão
objeto e lugar de violência.
É crucial constatar que a sedução é uma forma de poder, apesar de sua propaganda defender o contrário. De todo
modo, é ingênuo pensar que se pode escapar de exercer o poder, e nisso reside o prejuízo maior que a dinâmica da
sedução acarreta: ela o mascara. Ao mascará-lo, torna mais difícil se defender dele. Como se defender daquele que se
anula só pensando em você?
Os adultos educadores, no entanto, à medida que compraram como método a sedução, não fazem senão
adaptar-se ao que nossa época reclama deles.
Como destacamos acima, através do que Lacan escreve na fórmula do discurso do capitalista, no capitalismo a
sedução é absolutamente fundamental. As propagandas na televisão, os discursos políticos de palanque, as ofertas
psicoterapêuticas, mesmo as médicas, se empenham em cativar o consumidor e aprisioná-lo, se possível
interminavelmente, na necessidade de um objeto específico, feito para ele, sob medida.
Que o objeto seja feito para você, sob medida, que a educação seja centrada no aluno, é o canto de sereia básico
com o qual a dinâmica capitalista enseja sua consecução.
Se gostamos de pensar na educação como tendo uma função emancipadora, há na estratégia da sedução algo
em flagrante contradição. Mas de onde poderia vir a mudança desejada? Todo o problema é que, como apontou Lacan,
enquanto todos os outros quatro discursos possuem um avesso, posição desde a qual se pode bascular um discurso, o
discurso do capitalista não. Há que se pensar na construção do avesso do capitalista?
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CARVALHO, J. S. F. Autonomia e autoridade no construtivismo: uma crítica às concepções de Piaget. In: AQUINO, J. G.
Autoridade e autonomia na escola: alternativas teóricas e práticas. 4 ed. São Paulo: Summus, 1999. 
CIFALI, M. Le lien éducatif: contre-jourpsychanalytique. 4 ed. Paris: PUF, (1998).
DUFOUR, D. A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia 
de Freud, 2005.
LACAN, J. (1966) A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.