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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS 2014 Organizadores Laboratório de Algas Marinhas Janaína Pires Santos Vanessa Urrea Victoria Laboratório de Anatomia Vegetal Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Yasmin Vidal Hirao Laboratório de Genética Molecular de Plantas Bruno Silvestre Lira Laboratório de Fitoquímica Fernanda Mendes de Rezende Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento Vegetal Alejandra Matiz Lopez Bruno Nobuya Katayama Gobara Carolina Krebs Kleingesinds Paulo Marcelo Rayner Oliveira Paulo Tamaso Mioto Ricardo Ernesto Bianchetti Laboratório de Sistemática Vegetal Gisele Gomes Nogueira Alves Guilherme de Medeiros Antar Professora responsável Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan Autores Annelise Frazão Beatriz Nogueira Torrano da Silva Carmen Palacios Cassia Ayumi Takahashi Cíntia Iha Daniele Serra Fabiana Firetti-Leggieri Fernanda Anselmo Moreira Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Fernanda Mendes de Rezende Fernando Sena Gisele Alves Guilherme Antar Janaína Pires Santos Jenifer Carvalho José Hernandes Lopes-Filho Juliana El Ottra Juliana Lovo Karina Bertechine Gagliardi Karoline Magalhães Ferreira Lubiana Kátia Pereira dos Santos Keyla Rodrigues Marcelo Fernando Devecchi Marco Aurélio Sivero Mayworm Mauro Alexandre Marabesi Paula Novaes Paulo Marcelo Rayner Oliveira. Paulo Tamaso Mioto Priscila Torres Ricardo Ernesto Bianchetti Sarah Aparecida Soares Sarah Gomes de Oliveira Thália do Socorro Serra Gama Vanessa Urrea Victoria Yasmin Vidal Hirao São Paulo 2014 Botânica no Inverno 2014 / Org. de Alejandra Matiz Lopez[et al.]. – São Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, 2014. 192 p. : il. Versão impressa: ISBN 978-85-85658-50-2 Versão online: ISBN 978-85-85658-51-9 Inclui bibliografia 1. Botânica. 2. Extensão. 3. Pós-Graduação.I. Título. Prefácio Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 29 docentes, os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimada em 300.000 espécimes e um fitotério, com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 6, o mais alto entre as botânicas do país. Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós-graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos/(potenciais) pesquisadores ao seu corpo discente. Na IV edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas Anatomia Vegetal, Sistemática e Taxonomia, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Biologia Molecular, Biologia Celular e Fitoquímica, além de proporcionar a experiência de vivenciarem as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento. Para a realização do IV Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPQ, à Monsanto, à Eppendorf, à Synth, à RCS Copiadora e ao Nahu Hostel. Desejamos a todos um bom curso. Comissão Organizadora do IV Botânica no Inverno Índice A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes ................................................. 1 Bioquímica, fisiologia e ecofisiologia da fotossíntese .............................................................................. 9 Aspectos gerais do desenvolvimento do meristema apical radicular e meristema apical caulinar .......... 14 Plantas e sociedade ................................................................................................................................. 24 Microalgas: ecologia, biodiversidade e importância ............................................................................... 35 Tópicos atuais das relações entre os metabolismos do carbono e nitrogênio em plantas vasculares ...... 48 Metabolismo secundário vegetal ............................................................................................................. 65 Fontes vegetais atuais e potenciais de energia, álcool e biodiesel .......................................................... 72 Ficocolóides: polissacarídeos das algas marinhas suas aplicações e o cenário industrial atual .............. 82 Sinalização luminosa e o desenvolvimento vegetal ................................................................................ 88 Metabólitos secundários na interação planta-planta .............................................................................. 103 Os estudos da flor .................................................................................................................................. 113 Algas invasoras ..................................................................................................................................... 122 Papel ecológico dos metabólitos secundários frente ao estresse abiótico ............................................. 127 Polinização e tipos de reprodução em angiopermas .............................................................................. 136 Princípios e métodos da sistemática vegetal ......................................................................................... 143 Citogenética vegetal .............................................................................................................................. 150 Árvores filogenéticas: da classificação aos estudos evolutivos ............................................................ 162 Leitura complementar ........................................................................................................................... 176 1 A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes Cíntia Iha Fernando Sena Registros fósseis indicam que havia vida na Terra há cerca de 3 bilhões de anos. Nessa época, a única forma de vida eram células procarióticas, que viviam em um ambiente pobre em oxigênio e rico em gás carbônico e outros gases. As primeiras evidências concretas do aparecimento de organismos fotossintetizantes datam de 2,8 a 2,5 bilhões de anos atrás. As evidências fósseis, geoquímicas e moleculares indicam que esses organismos eram semelhantes às cianobactérias atuais. Esses dados mostram que a origem das cianobactérias e da fotossíntese oxigênica foram concomitantes na história da vida na Terra. As cianobactérias e a fotossíntese oxigênica permitiram grande modificação do ambiente. A reação da fotossíntese absorve o gás carbônico atmosférico e libera oxigênio. Com o passar dos milhões de anos, o oxigênio foi se acumulando e culminou na primeira grande poluição atmosférica. A maioria dos organismos procariontesque existiam possuíam um metabolismo redutivo anaeróbio, que era pouco eficiente, e, por causa da oxidação resultante do acúmulo de oxigênio, esse organismos redutores sofreram uma extinção em massa. Apesar disso, essa oxidação do ambiente permitiu dois eventos muito importantes: o primeiro foi o aparecimento de um metabolismo muito mais eficiente – a respiração aeróbia; o segundo foi o consequente surgimento dos organismos eucariontes. Os primeiros eucariontes apareceram há cerca de 1,5 bilhões de anos. O fato impressionante é que a diversificação dos eucariontes ocorreu de forma bastante rápida, em comparação ao tempo entre o surgimento da vida até o aparecimento do primeiro eucarionte. Do aparecimento da vida até o surgimento da primeira célula eucariótica se passaram 2 a 1,5 bilhões de anos; do aparecimento do eucariotos até os dias de hoje, cerca de 1,5 bilhões de anos. A diversidade atual e já extinta de eucariontes é enorme. Provavelmente esse “bloom” evolucionário de eucariontes só foi possível em decorrência de um terceiro evento ocasionado pela oxidação da atmosfera: o surgimento da camada de ozônio, que protegeu a vida contra os raios UV que danificam a estrutura do DNA. O nosso planeta está repleto de vida fotossintetizante, sendo que os únicos procariontes fotossintetizantes conhecidos são as cianobactérias. Todas as outras formas de vida que fazem fotossíntese são eucariontes. O surgimento do eucarionte fotossintetizante ocorreu graças a uma cianobactéria que viveu simbioticamente dentro de uma célula eucarionte, até então não fotossintetizante. Esse evento é chamado de endossimbiose. O advento da endossimbiose deu capacidade às células eucarióticas de captar luz e fixar carbono, gerando seu próprio alimento, o que foi vantajoso para elas. A cianobactéria também se beneficiou, pois recebeu abrigo e proteção da célula eucariótica. Ocorreu então uma coevolução entre a célula hospedeira e a cianobactéria intracelular, que evoluiu para organelas, hoje conhecidas como cloroplastos. Essa coevolução permitiu a origem e o desenvolvimento das plantas e algas atuais. A ideia básica sobre a origem dos cloroplastos parece muito simples: a endossimbiose de uma cianobactéria dentro de uma célula eucariótica, em que ambas se beneficiam e podem coevoluir. Porém, a 2 realidade é muito mais complicada. Existem eucariontes fotossintetizantes de vários tamanhos, desde as plantas terrestres e grandes macroalgas até unicelulares, como as microalgas. Além disso, esses organismos podem ser sésseis ou móveis e ocupam todos os ambientes: terrestre, aquático, do equador aos polos. A diversidade de eucariontes fotossintetizantes é enorme e muitos desses organismos não evoluíram juntos. Esse capítulo vai mostrar um panorama geral da origem do cloroplasto e como esse evento permitiu a diversidade de organismos eucariontes fotossintetizantes. As algas e sua diversidade Para tratar da evolução do cloroplasto e dos organismos eucariontes fotossintetizantes é necessário ter uma visão geral da diversidade desses organismos. Tradicionalmente, as algas são todas as formas de vida fotossintetizante com clorofila a, que não são as plantas terrestres. Essa visão era suficientemente ampla para incluir organismos tão distintos como procariontes (as cianobactérias) e eucariontes. Dos eucariontes são considerados “algas” tanto organismos próximos às plantas terrestres como protozoários próximos a organismos não fotossintetizantes (Figura 1). De modo geral, as algas estão supostamente unificadas com base na fotossíntese oxigênica, apesar dessa habilidade não retratar uma evolução originada de um mesmo ancestral comum. Todas as formas de vidas existentes hoje estão divididas em três domínios: Bacteria, Archaea (procariontes) e Eukarya (todos os organismos eucariontes). A fotossíntese oxigênica está presente nos domínios Bacteria (apenas nas cianobactérias) e Eukarya, espalhada em diversos grupos. É consensual que a origem dos eucariotos é única, ou seja, ocorreu apenas uma vez, porém existem várias evidências mostrando que os organismos eucariontes fotossintetizantes surgiram diversas vezes. Para entender essa diversidade será passado brevemente quem são esses organismos. Atualmente, são reconhecidos cinco grandes grupos em Eukarya: Unicontes (dividido em Opistocontes e Amoebozoa), Archaeplastida, Rhizaria, Chromoalveolados (divididos principalmente em Alveolados e Estramenópilas) e “Excavados” (dividido em Excavados e Discicristados). Apenas um deles não possui representantes fotossintetizantes: os Unicontes (Figura 1). A primeira vez que ocorreu a endossimbiose foi com ancestral comum do grupo Archaeplastida (archae = antigo; plastida = cloroplasto). Esse evento ocorreu apenas uma vez e é chamado de endossimbiose primária. Todas as espécies desse grupo são fotossintetizantes e existem fortes indícios de ser um grupo monofilético. Existem três grandes linhagens distintas: Rhodophyta, que são as algas vermelhas; Chloroplastida, que inclui as algas verdes e as plantas terrestres; e Glaucophyta. O grupo Rhizaria possui organismos que são majoritariamente ameboides e fazem parte, principalmente, do plâncton do mar. Porém existem também organismos de água doce e terrestres. Fazem parte desse grupo: Radiolaria, Foraminifera, Plasmodiophora, Heliozoa e Cercozoa. Apenas em Cercozoa existem organismos fotossintetizantes, as “cloraraquiniófitas” (Chlorarachniophyta). Estas algas são unicelulares, marinhas. Apesar de elas serem fotossintetizantes, estão bastante relacionadas com organismos heterotróficos. Estramenópilas fotossintetizantes constituem em torno de onze linhagens distintas, todas elas possuem cloroplasto com clorofila a e c. Entre elas estão dois grupos que são ecológica e economicamente importantes: as diatomáceas e as algas pardas, juntos formam o grupo heterocontes. As diatomáceas são microalgas muito abundantes no plâncton marinho e de água doce. Possuem uma carapaça de sílica bipartida que se encaixam 3 como uma caixa com uma tampa. As algas pardas (Phaeophyceae) são macroalgas que estão amplamente distribuídas no globo terrestre, principalmente nas regiões temperadas. Existem espécies enormes, que podem chegar a 60 metros de comprimento e formam verdadeiras florestas subaquáticas, conhecidas como florestas de kelps. Dentro do grupo dos alveolados, apenas os dinoflagelados possuem representantes fotossintetizantes, mesmo assim, não são todos. Dinoflagelados formam um grupo diverso, predominantemente unicelular. Apenas metade deles é fotossintetizante, mas há indícios que o ancestral comum do grupo era capaz de realizar fotossíntese e, ao longo da evolução, uma parte perdeu essa capacidade. Apicomplexas são grupo-irmão dos dinoflagelados e inclui importantes agentes que causam doenças, como malária (Plasmodium) e toxoplasmose. Todos os apicomplexas, apesar de não fazerem fotossíntese, possuem um cloroplasto vestigial chamado apicoplasto, sugerindo que o ancestral comum entre dinoflagelados e os aplicomplexas era fotossintetizante. As haptófitas e as criptófitas são algas evolutivamente próximas das estramenópilas. Elas também possuem cloroplasto com clorofilas a e c, o que sugere que o ancestral comum entre as estramenópilas, haptófitas e criptófitas já possuía cloroplasto com clorofila c. Os únicos organismos fotossintetizantes dos excavados são as euglenófitas. Ainda assim, apenas uma parte delas possuem cloroplastos. As euglenófitas são unicelulares de vida livre que ocorrem nos ambientes marinhos e de água doce. Figura 1 - Árvore filogenética de Eukarya, mostrando os grandes grupos. Os ramos pretos indicam a presença de organismos capazes de realizarfotossíntese. Modificado de Baudalf (2008). 4 Endossimbiose primária Todos os organismos que fazem fotossíntese oxigênica possuem clorofila a como molécula principal para captação luz. Essa molécula está associada a um sistema químico e fotoquímico tão complexo que chega a ser inconcebível a ideia de que ela possa ter surgido mais de uma vez no planeta. Já foi dito anteriormente que a clorofila a surgiu nas cianobactérias, antes do aparecimento do primeiro eucarionte e que existem evidências que sugerem veementemente que o cloroplasto dos organismos eucariontes surgiu com a endossimbiose de uma cianobactéria dentro de uma célula eucarionte hospedeira. Com isso, o que prova que a endossimbiose primária ocorreu apenas uma vez é a origem única da clorofila a das cianobactérias. O cloroplasto dos eucariontes que evoluíram da endossimbiose de uma cianobactéria possui duas membranas. Esses cloroplastos são chamados de primários ou simples. Existem duas explicações para a presença dessas duas membranas. A hipótese mais comum é que a membrana interna era a membrana plasmática da cianobactéria, enquanto que a membrana mais externa é do fagossomo (vacúolo digestivo) da célula eucarionte (Figura 2a). A outra explicação é que tanto a membrana interna como a externa pertenciam à cianobactéria original. Neste caso, assume-se que a membrana do fagossomo foi perdida. As cianobactérias são bactérias gram-negativas, isto é, possuem parede celular constituída por uma camada de peptidioglicano, envolvendo a membrana plasmática, e externamente a essa camada há outra membrana lipoprotéica. Durante a evolução dos cloroplastos, a camada de peptideoglicano foi perdida, mantendo-se as duas camadas lipoproteicas - a membrana plasmática e a membrana lipoproteica mais externa da parede celular. De modo geral, a endossimbiose ocorre de forma bem corriqueira no planeta. Vários casos podem ser citados, o mais comum é o dos recifes de corais. Os corais são cnidários que possuem dentro de suas células endossimbiontes que são dinoflagelados, chamados zooxantelas. São as zooxantelas que promovem as cores dos corais. Elas realizam fotossíntese e fornecem alimento para os cnidários, que por sua vez, fornecem abrigo para elas. Quando há um desequilíbrio ambiental, seja por poluição ou aumento da temperatura da água, os cnidários expulsam as zooxantelas de suas células, o que provoca o branqueamento dos corais. No caso das plantas e das algas, elas não são capazes de expulsar os cloroplastos de suas células. Ao longo da evolução das células vegetais e dos cloroplastos ocorreu uma transferência lateral de genes. Ou seja, genes que pertenciam à cianobactéria foram transferidos para o núcleo da célula hospedeira. Esta, por sua vez, passou a produzir as proteínas importantes para a vida da cianobactéria, tornando-a dependente da célula hospedeira (Figura 2b). Se a transferência lateral de genes não tivesse ocorrido, provavelmente a cianobactéria não iria coevoluir para o cloroplasto da célula vegetal. A célula hospedeira ancestral, que adquiriu o cloroplasto primário, deu origem a três linhagens bem definidas: as glaucófitas, as algas vermelhas e as algas verdes (que inclui as plantas terrestres) (figura 2c). Esses três grupos formam uma linhagem monofilética chamada Archaeplastida. As glaucófitas constituem um pequeno grupo de algas unicelulares de água doce. O cloroplasto das glaucófitas, chamado de cianela, agrega várias evidências da endossimbiose primária. As cianelas ainda mantêm vestígios da camada de peptideoglicano (componente da parede celular da cianobactéria) entre as duas membranas. Os cloroplastos das algas vermelhas e as cianelas possuem pigmentos para captação de luz semelhante ao das cianobactérias atuais (clorofila a e ficobiliproteínas). As algas verdes, grupo diverso que inclui desde organismos unicelulares até as plantas terrestres, possui o cloroplasto mais diferenciado das cianobactérias. Esses cloroplastos perderam as ficobiliproteínas, desenvolveram a clorofila b e possui um complexo de membrana formando os tilacóides. 5 Todos os outros organismos fotossintetizantes adquiriram cloroplasto a partir de um eucarionte da linhagem Archaeplastida e não de uma cianobactéria. Esse evento é chamado de endossimbiose secundária. Figura 2 - Representação esquemática da evolução do cloroplasto através da Endossimbiose Primária. Chl a: clorofila a, Chl b: clorofila b, PB: ficobiliproteínas, TLC: Transferência lateral de genes. Modificado de Bellorin & Oliveira (2006). Endossimbiose secundária Como já foi dito anteriormente, todos os outros organismos fotossintetizantes, que não fazem parte do grupo Archaeplastida, não possuem cloroplasto originado da endossimbiose primária, ou seja, a partir de uma cianobactéria. O cloroplasto desses grupos se originou a partir de células eucariontes que já possuíam cloroplasto primário, é a chamada endossimbiose secundária. Diferente da endossimbiose primária, que ocorreu apenas uma vez na história da evolução, a endossimbiose secundária ocorreu diversas vezes, em vários grupos diferentes. Os grupos que possuem cloroplastos secundários são: euglenófitas, dinoflagelados, algas heterocontes (diatomáceas e algas pardas), haptófitas, criptófitas, apicomplexas e “cloraraquiniófitas”. A primeira evidência que indica a endossimbiose secundária é a presença de mais de duas membranas nos cloroplastos desses grupos. As euglenas e os dinoflagelados possuem três membranas e as algas heterocontes, as haptófitas, as criptófitas, os apicomplexas e as “cloraraquiniófitas” possuem quatro membranas (Tabela 1). Outra evidência consistente da endossimbiose secundária é a presença do núcleo vestigial (chamado de nucleomorfo) do eucarionte endossimbionte, presente nos grupos “cloraraquiniófitas” e criptófitas. A explicação para as mais de duas camadas do cloroplasto secundário é que as duas camadas mais internas pertencem ao cloroplasto primário, a terceira camada mais interna seria correspondente à membrana plasmática do eucarionte que foi engolfado e, por fim, a quarta camada, a mais externa, corresponde à membrana 6 do fagossomo. No caso do cloroplasto com três membranas, é mais provável que o cloroplasto secundário tenha perdido uma das membranas, que possivelmente era a membrana plasmática do eucarionte endossimbionte. Assim como na endossimbiose primária, para que o eucarionte hospedeiro e o eucarionte endossimbionte coevoluam, foi necessário que a transferência lateral de genes tivesse ocorrido. Dessa vez, não apenas genes do genoma do cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte tiveram que ser transferidos para o genoma nuclear do eucarionte hospedeiro, mas também genes nucleares do eucarionte endossimbionte tiveram que ser transferidos para o núcleo do hospedeiro. Tabela 1 - Tabela comparativa entre os grupos fotossintetizantes. Chl a: clorofila a, Chl b: clorofila b, Chl c: clorofila c, PB: ficobiliproteínas Membranas do cloroplasto Nucleomorfo Principais pigmentos Glaucófitas 2 Ausente chl a, PB Algas Vermelhas 2 Ausente chl a, PB Algas Verdes 2 Ausente chl a, chl b Cryptomonas 4 Presente chl a, chl c, PB Estramenópilas 4 Ausente chl a, chl c Haptófitas 4 Ausente chl a, chl c Dinoflagelados 3 Ausente chl a, chl c Chloraracniófitas 4 Presente chl a, chl b Euglenas 3 Ausente chl a, chl b Apicomplexos 4 Ausente não fotossintetizente Os eucariotos que possuem cloroplastos secundários são tão diversos, assim como esses cloroplastos são diversos entre si. Por causa dessa diversidade, é bem aceito que a endossimbiose secundária tenha ocorrido algumas vezes. Existem dois principais tipos decloroplastos secundários: aqueles derivados da endossimbiose de alga verde e aqueles derivados de alga vermelha. A endossimbiose por alga verde ocorreu duas vezes de forma independente na história da evolução. Desses dois eventos, foram originadas as linhagens das “cloraraquiniófitas” e das euglenófitas fotossintetizantes (figura 3). A endossimbiose por uma alga vermelha é mais complexa, pois não se sabe ainda se esse evento ocorreu apenas uma vez ou mais de uma. No cenário atual, é mais parcimoniosa a ocorrência de uma única endossimbiose secundária de uma alga vermelha, que ramificou para os dinoflagelados, algas heterocontes, haptófitas, criptófitas e apicomplexas (Figura 4). Os cloroplastos originados pela endossimbiose secundária de uma alga verde possuem clorofila a e b. As “cloraraquiniófitas” guardam bastante evidência sobre a endossimbiose secundária. Esses organismos pertencem à linhagem Cercozoa e existem poucas espécies reconhecidas. O cloroplasto possui quatro membranas, um citoplasma vestigial com ribossomos funcionais, um nucleomorfo e o cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte. 7 As euglenófitas fotossintetizantes pertencem ao grupo dos Excavados e não são evolutivamente próximas às “cloraraquiniófitas”, o que corrobora a hipótese de que ocorreram duas endossimbioses secundárias de alga verde. Além disso, apenas uma parte das euglenófitas possui cloroplasto, indicando que a endossimbiose não ocorreu no ancestral comum do grupo, mas sim durante a sua diversificação. Inicialmente, acreditava-se que o cloroplasto das euglenófitas havia sido originado por uma endossimbiose primária, pois são bastante reduzidos. Esse cloroplasto possui três membranas e não possui nucleomorfo, restando apenas o cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte. Figura 3 - Representação esquemática da evolução do cloroplasto através da Endossimbiose Secundária por uma alga verde. Chl a: clorofila a, Chl b: clorofila b. Modificado de Bellorin & Oliveira (2006). Uma origem do cloroplasto a partir de uma alga vermelha foi proposta inicialmente com os cloroplastos das criptófitas, que são as únicas algas que possuem cloroplasto com ficobiliproteínas e mais de duas membranas. Esses cloroplastos também possuem clorofila c, pigmento também encontrado nos cloroplastos das algas heterocontes, haptófitas e dinoflagelados. A hipótese mais parcimoniosa é que a endossimbiose de uma alga vermelha ocorreu apenas uma vez na história evolutiva e que desse ancestral, divergiu o grupo conhecido como Chromoalveolados (Figura 4). As criptófitas são organismos unicelulares marinhos ou de água doce. O cloroplasto secundário desse grupo tem quatro membranas, possui um citoplasma vestigial com ribossomos e pode armazenar reserva de amido. Há também um nucleomorfo e o cloroplasto primário contém tilacóides. Como já foi dito, além das clorofilas a e c, estão presentes ficobiliproteínas, pigmento presente nas algas vermelhas. A membrana mais externa do cloroplasto secundário é contínua com as membranas do retículo endoplasmático que envolve o núcleo. As algas heterocontes e as haptófitas possuem o cloroplasto com quatro membranas e são muito semelhantes (Figura 4b). Perderam o nucleomorfo, mas estão localizadas no lúmen do retículo endoplasmático. 8 Possuem clorofila a e c, mas perderam as ficobiliproteínas. As algas heterocontes constituem o mais diverso grupo de algas, que possui desde organismos unicelulares presentes no picoplâncton até complexas macroalgas que chegam a um tamanho de muitos metros, as chamadas kelps. Uma história evolutiva mais confusa é a dos alveolados (Figura 4c). Dentro desse grupo estão os dinoflagelados, onde metade faz fotossíntese e a outra não. O cloroplasto dos dinoflagelados fotossintetizantes possuem três membranas, não possui nucleomorfo e contém clorofila a e c. Estudos indicam que a metade heterotrófica dos dinoflagelados perdeu o cloroplasto ao longo da evolução. O caso mais surpreendente da evolução dos cloroplastos são os apicomplexas. Todos os apicomplexas são heterotróficos e muitos estão associados a doenças animais. Eles possuem um cloroplasto não fotossintetizante e reduzido de quatro membranas, que são chamados de apicoplastos. Esses cloroplastos perderam totalmente a capacidade de fotossíntese, mas os vestígios de um ancestral fotossintetizante ainda estão presentes. A situação filogenética dos chromoalveolados ainda é duvidosa e pouco resolvida. A hipótese mais parcimoniosa sugere um evento único de uma endossimbiose secundária de uma alga vermelha, que coevolui, divergindo para os grupos das criptófitas, haptófitas, alveolados e estramenópilas. Ao longo da evolução, grande parte das espécies desses grupos perdeu o cloroplasto, ou a capacidade de fazer fotossíntese. Figura 4 - Representação esquemática da evolução do cloroplasto através da Endossimbiose Secundária por uma alga vermelha. Chl a: clorofila a, PB: ficobiliproteínas. Modificado de Bellorin & Oliveira (2006). 9 Bioquímica, fisiologia e ecofisiologia da fotossíntese Mauro Alexandre Marabesi Introdução A fotossíntese é o processo fisiológico através do qual a energia solar é convertida em produtos orgânicos que são utilizados tanto pelos organismos fotossintetizantes como pelos organismos heterotróficos. Os produtos fotossintéticos estão na base do fluxo de energia da maioria dos ecossistemas, com exceção de ambientes acima de 70º C como as fontes hidrotermais, onde a quimiossíntese é a base do fluxo energético. A fotossíntese pode ser dividida em dois processos acoplados que ocorrem no cloroplasto. O primeiro processo é a transformação da energia solar nas membranas do cloroplasto em poder redutor (NADPH) e energia na forma de ATP. O segundo processo ocorre no estroma do cloroplasto onde o poder redutor e o ATP formado na fase anterior são utilizados para produzir carboidratos no ciclo de Calvin. Em algumas espécies a redução do nitrogênio e do enxofre ocorre nas folhas utilizando o poder redutor produzido na fotossíntese. Porém como estas espécies são minoria a partir de agora usaremos o termo fotossíntese como sinônimo da redução do dióxido de carbono. A equação geral da fotossíntese é: 2H2A + CO2 CH2O + A2 Esta equação demonstra que o processo fotossintético depende de reações de óxido – redução, que a glicose não é o carboidrato produzido por este processo e que nem todos os organismos usam a água como doador de elétrons. Existem bactérias nas quais o elemento A é o enxofre, e, portanto utilizam H2S como doador de elétrons e produzem carboidratos e S2. Este tipo de fotossíntese na realidade foi a primeira a ocorrer na história da Terra e deu origem à fotossíntese oxigênica na qual o elemento A é o oxigênio. Esta mudança permitiu a expansão e a diversificação dos organismos fotossintetizantes basais (bactérias e cianobactérias), pois utiliza o substrato que mais estava disponível nos mares primitivos, a água. Bioquímica e fisiologia da fotossíntese A fotossíntese é um processo procarionte, uma vez que os cloroplastos das células vegetais são resultados da simbiose de células eucariontes com procariontes. Alguns cloroplastos são derivados de endossimbiose primária (ou seja, resultante de um evento de simbiose que ocorreu há 1,6 milhões de anos) e alguns de endossimbiose secundária no qual um organismo incorporou outro que possuía a simbiose primária, neste caso os cloroplastos possuem mais de duas membranas. Um caso bastante incomum de simbiose secundária ocorre em corais onde o pólipo do coral engloba algas e estas permanecem funcionais dentro dos pólipos. A transformação da energia luminosaem poder redutor e ATP ocorre nas membranas do cloroplasto onde diversas proteínas transmembrânicas estão presentes. Estas proteínas se organizam em complexos que são conectados por carregadores móveis de elétrons. O primeiro complexo é o fotossistema II, que é formado por diversas proteínas, dentre estas estão o complexo antena (onde as clorofilas e carotenóides estão alojados e orientados por proteínas) que “coletam” a energia luminosa e a transferem por ressonância entre as moléculas de clorofila para um centro de reação, resultando na liberação de um elétron de uma molécula especial de clorofila, dando início ao transporte de elétrons. Na parte voltada para os tilacóides do fotossistema II está localizado o 10 complexo que hidrolisa a água liberando o oxigênio, H + e elétrons. Estes últimos irão repor o elétron doado no centro de reação. O fotossistema II doa elétrons para o complexo do citocromo bf que por sua vez doa elétrons para o fotossistema I. O fotossístema I pode doar seu elétron para o NADP + (através de um aceptor de elétrons, geralmente a ferredoxina) para formar o NADPH. Os H + liberados pelo fotossistema II se acumulam no interior do tilacóide formando um gradiente de prótons. Este gradiente é a força motora da produção de ATP que ocorre em um complexo protéico denominado ATPase. O ATP e NADPH produzidos nestas reações são utilizados no ciclo de Calvin para reduzir o CO2 a trioses fosfato (que são açúcares de 3 carbonos). Estas trioses fosfato podem seguir dois caminhos, um deles é atravessar as membranas do cloroplasto e no citoplasma seguirem a via da neoglicogênese (inverso da glicólise) para produzir sacarose ou podem ficar retidas no cloroplasto onde são usadas para formar amido. O ciclo de Calvin pode ser dividido em três fases, a primeira é a fase de carboxilação onde o CO2 é incorporado na ribulose 1,5 bifosfato (RUBP, que possui 5 Carbonos) formando 2 compostos de 3 carbonos (de forma que plantas que possuem este metabolismo são denominadas de C3). Esta reação é catalisada por uma enzima denominada de ribulose 1,5 bifosfato carboxilase/oxigenase (abreviada como RUBISCO). Esta enzima é ineficiente, pois possui baixa afinidade com o CO2 e porque também reage com o O2 dando origem ao ciclo de fotorrespiração. A fase seguinte do ciclo de Calvin é a de redução, onde os compostos de 3 carbonos são reduzidos (usando o NADPH e ATP gerados na primeira etapa da fotossíntese- descrita anteriormente) a carboidratos (trioses fosfato). Uma parte destes sai do ciclo de Calvin e uma parte fica retida para a regeneração do aceptor de CO2, a RUBP. A estequiometria destas reações requer que para a formação de 2 trioses fosfato sejam usadas 6 moléculas de CO2 e 6 moléculas de RUBP originando 12 moléculas de 3 carbonos, 2 destas saem do ciclo e 10 destas são usadas na regeneração da RUBP. Estes dois processos estão acoplados de forma que se a cadeia transportadora de elétrons funciona mais rápido do que o ciclo de Calvin terá um acúmulo de H + nas membranas do tilacóides. Este acúmulo de H + leva a acidificação dos tilacóides que causa uma mudança conformacional nos complexos antenas, levando-os a dissipar a maior parte da energia absorvida na forma de calor, desta forma reduzindo a taxa de transporte de elétrons e ajustando a velocidade dos dois processos. Fotorrespiração e mecanismos de concentração de CO2 A reação da RUBISCO com o oxigênio dá origem a um composto de 3 carbonos e um de 2 carbonos. O composto de 3 carbonos pode seguir o ciclo de Calvin, mas o composto de 2 carbonos não. Desta forma existe um ciclo denominado de fotorrespiração que recicla os compostos de 2 carbonos. Neste ciclo, 2 moléculas de 2 carbonos são combinadas para formar uma molécula de 3 carbonos com a liberação de uma molécula de CO2. Estima-se que a 25º C a liberação de CO2 pela fotorespiração diminui a produtividade da planta em um 25%. A taxa de fotorrespiração é controlada principalmente por dois fatores, a temperatura e a razão CO2/O2 no tecido vegetal. A razão CO2/O2 determina a disponibilidade dos dois substratos e qualquer fator que diminua a disponibilidade de CO2 (como o fechamento estomático) irá aumentar a taxa de fotorrespiração e qualquer fator que aumente a disponibilidade de CO2 irá diminuir a taxa de fotorrespiração. Conforme a temperatura aumenta, há um incremento na taxa de fotorrespiração devido a dois fatores: o primeiro é que com o aumento da temperatura, a solubilidade do CO2 no tecido diminui mais do que a do O2, o que equivale a diminuir a razão CO2/O2. O segundo fator é que a atividade de oxigenase da RUBISCO aumenta consideravelmente quando 11 comparada com a sua atividade carboxilase. Algumas plantas desenvolveram mecanismos de concentração de CO2 que são capazes de diminuir a fotorrespiração, devido ao aumento na razão CO2/O2. Estas vias fotossintéticas são denominadas de C4 e o Metabolismo ácido das crassuláceas (CAM). Estes dois tipos de metabolismos possuem o mesmo requerimento enzimático, diferindo apenas na morfologia e na escala temporal. No metabolismo C4, o CO2 ao chegar ao citoplasma das células do mesófilo se dissolve formando HCO3, o qual é usado pela enzima fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPC) juntamente com o fosfoenol piruvato (PEP) para formar oxaloacetato (que é um composto de 4 carbonos e daí o nome C4). Este último por sua vez é reduzido a malato. O malato então é transportado para as células da bainha perivascular onde entra no cloroplasto e é descarboxilado, liberando CO2 e piruvato que retorna para as células do mesófilo onde é transformado em fosfoenolpiruvato, com gasto de uma molécula de ATP, e reinicia o ciclo. Como o ciclo C4 funciona muito mais rápido do que o ciclo de Calvin ocorre o acúmulo de CO2 no cloroplasto. No metabolismo CAM a formação do oxaloacetato ocorre no período noturno e o malato formado é armazenado no vacúolo (este armazenamento de ácido foi visto pela primeira vez em uma crassulácea e recebeu o nome de Metabolismo Ácido das Crassuláceas). No dia seguinte (período claro), o malato é liberado do vacúolo e descarboxilado no citossol. O CO2 gerado neste processo vai para o cloroplasto onde é usado no ciclo de Calvin. Difusão de CO2 pela folha O CO2 para reagir com a RUBISCO no ciclo de Calvin deve-se difundir da atmosfera até o cloroplasto. Esta rota de difusão pode ser entendida como uma série de resistências ao fluxo de CO2 que levam a uma redução de sua concentração ao longo desta via. A primeira resistência é a da camada limite, que é constituída de ar parado ao redor da folha. A resistência desta camada envolve a presença de tricomas na superfície da folha e a velocidade do vento. Quanto maior a quantidade de tricomas, maior a camada de ar parado ao redor da folha e, portanto, maior a resistência à difusão do CO2. Por outro lado, quando maior for a velocidade do vento, menor será a camada de ar parado e, portanto, menor a resistência a difusão do CO2. A segunda resistência é dada pelos estômatos, sendo que a difusão do CO2 será proporcional à quantidade e abertura destes. Depois de entrar na folha pelos estômatos o CO2 deve-se difundir pelos espaços intercelulares até atingir a parede celular das células do mesófilo. Até este momento o CO2 difundiu-se pelo ar e esta parte da difusão é denominada de gasosa. Ao entrar em contato com as paredes celulares o CO2 deve se difundir pelo citossol até o cloroplasto e esta parte da difusão é denominado de aquosa. Como a difusão pela água é 10.000 vezes mais lenta que pelo ar esta fase da difusão representa uma resistência tão grande quanto às outras somadas. Desta forma a concentração de CO2 vai diminuindo gradativamente daatmosfera ao cloroplasto. Ecofisiologia Apesar da fotossíntese não poder ser medida diretamente, existem equipamentos que conseguem estimar a taxa de assimilação líquida de CO2 no tecido foliar de maneira não destrutiva. Estes equipamentos são denominados de sistemas de trocas gasosas e, apesar de serem complexos, funcionam com base em um princípio simples. Estes sistemas enclausuram uma parte da folha (ou a folha inteira) e possuem um analisador de gás por infravermelho, desta forma, este analisador quantifica a concentração de CO2 e H2O do ar antes de passar pela 12 folha e o analisa novamente após passar pela folha. Através da diferença na concentração de CO2 calcula-se a taxa de consumo de CO2, denominada de taxa de assimilação líquida (A). Esta variável é denominada dessa forma, pois representa a resultante entre todos os processos que assimilam CO2 (fotossíntese) e todos os processos que liberam CO2 (fotorrespiração e respiração). Através da diferença na concentração de H2O calcula- se a taxa de transpiração (E). Os estudos de ecofisiologia podem ser entendidos sob a perspectiva de como a bioquímica e fisiologia da fotossíntese influenciam a eficiência da utilização de recursos (luz, água e nutrientes, com foco no nitrogênio) e como estas estratégias de utilização dos recursos se distribuem nas diferentes espécies e quais são as regras gerais desta variação. A eficiência do uso de qualquer recurso é calculada como a taxa de assimilação líquida de CO2 dividida pela quantidade do recurso em questão. A taxa de assimilação líquida é usada, pois representa a entrada de energia para as plantas e, portanto é assumido neste tipo de análise que a seleção natural favorece espécies que possuem maior entrada de energia por unidade de recurso utilizado. A eficiência do uso na luz é definida como: A/ N o de fótons utilizados, a eficiência instantânea do uso da água é definida como: A/E e a eficiência do uso do nitrogênio é definida como: A/[Nitrogênio da folha]. Estas eficiências são diferentes entre espécies, e podem ajudar a compreender a distribuição espacial das espécies vegetais. Espécies que vivem no sub-bosque de florestas ou na sombra possuem maior eficiência do uso da luz do que espécies que atingem o dossel de uma floresta ou estão no sol pleno. Entre os diferentes tipos de fotossíntese as plantas C4 possuem uma baixa eficiência do uso da luz em baixa irradiância de fótons (menos de 200 µmol de fótons m -2 s- 1 ) devido ao custo extra de ATP no ciclo C4, porém sob condições de alta irradiância (maior que 1000 µmol de fótons m -2 s -1 ), essas plantas possuem uma elevada taxa de assimilação de CO2, e consequentemente, uma maior eficiência no uso da luz. Geralmente, espécies que habitam locais secos (como o deserto e/ou o cerrado) possuem maior eficiência do uso da água do que espécies que habitam locais úmidos (florestas). Entre os diferentes tipos de fotossíntese as espécies CAM e C4 possuem maior eficiência no uso da água do que espécies C3. A relação entre a taxa de assimilação de CO2 e a quantidade de nitrogênio foliar é a mais estudada na literatura, por possuir uma forte base fisiológica e devido ao nitrogênio ser o elemento mineral limitante na maioria dos ecossistemas. A base fisiológica desta relação é que o conteúdo de nitrogênio foliar determina a quantidade de enzimas, clorofila, NADPH e ATP disponíveis para o metabolismo fotossintético. Devido à RUBISCO ser uma enzima pouco eficiente na sua atividade carboxilase é necessário uma grande quantidade dela. Estima-se que a RUBISCO compreenda em torno de 50% das proteínas solúveis das folhas. Estudos demonstraram que cerca de 80% do nitrogênio foliar em trigo está no cloroplasto e que em espécies herbáceas cerca de um 50-60% do nitrogênio foliar é investido na maquinaria fotossintética. Estudos realizados em diversas localidades ao longo do planeta têm mostrado que a relação fotossíntese – nitrogênio é mais similar entre espécies que ocorrem em um mesmo habitat do que entre espécies de habitats diferentes. A base desta conclusão é que para as espécies coexistirem estas devem possuir uma eficiência similar no uso dos recursos. Entre os diferentes tipos de fotossíntese as espécies C4 possuem maior eficiência do uso do nitrogênio do que espécies C3. Isto é devido a dois fatores: 1) como a RUBISCO em espécies C4 opera em alta concentração de CO2, ela torna-se mais eficiente e, portanto é necessária uma menor quantidade desta enzima por cloroplasto. 13 Outro fator é que a RUBISCO só esta presente nos cloroplasto das células da bainha perivascular, desta forma diminui a quantidade de células no tecido foliar que devem sintetizar esta enzima. O uso de um recurso também tem influência sobre outros. A eficiência do uso da luz é muito maior em plantas sob luz baixa do que sob luz alta, enquanto que na eficiência do uso do nitrogênio ocorre o contrário, desta forma quem possui uma alta eficiência no uso da luz possui uma baixa eficiência no uso do nitrogênio e vice-versa. A outra linha de pesquisa em ecofisiologia está voltada para o entendimento do “espectro da economia foliar”. Neste tipo de estudo, em um grande número de espécies é comparada a relação entre diversas características foliares, tais como a taxa de assimilação líquida de CO2 (Amax) que representa a quantidade de CO2 assimilado com luz saturante e concentração de CO2 atmosférica; a taxa de respiração (Rd) que representa a quantidade de CO2 liberado pela folha durante a respiração; a massa foliar específica (MFE) que representa a estrutura da folha e; o conteúdo de nitrogênio da folha (N). Nestes estudos a massa foliar específica representa o investimento de biomassa na folha e o conteúdo de nitrogênio foliar o investimento de nitrogênio feito na folha. O retorno deste investimento é medido como Amax e o custo de manutenção da folha é estimado pela taxa de respiração. Atualmente o maior destes estudos foi realizado com um banco de dados de 2500 espécies de 175 localidades de diferentes tipos de vegetação. Foi demonstrado, através de análise multivariável, que a variação dessas características entre espécies foi explicada pelo primeiro eixo, onde espécies com alto Amax, N e baixo MFE se agrupam em um extremo deste eixo (espécies com potencial de crescimento rápido), enquanto no outro extremo deste eixo se agrupam as espécies com características invertidas e correspondem às plantas com crescimento lento. Esta análise demonstrou que as espécies se distribuem ao longo de um contínuo de estratégias de utilização dos recursos, onde um extremo é representado pela estratégia de baixo investimento estrutural (baixo MFE) e alto investimento mineral (alto N) associado a um retorno rápido deste investimento (alto Amax) e um alto custo de manutenção (alto Rd) o que permite estas espécies crescerem rapidamente, ocupando os espaços disponíveis. Porém devido à alta demanda minerais estas espécies geralmente estão associadas a locais ricos em nutrientes. O outro extremo é representado pela estratégia de conservação de recursos, onde temos alto investimento estrutural (alto MFE), baixo investimento mineral (baixo N), baixo retorno do investimento (baixo Amax) associado a um baixo custo de manutenção (baixo Rd). Esta estratégia de conservação dos recursos é bem sucedida em locais pobres em minerais. Entre estas duas estratégias opostas existe um contínuo, composto por espécies que apresentam características intermediárias. 14 Aspectos gerais do desenvolvimento do meristema apical radicular e meristema apical caulinar Paulo Marcelo Rayner Oliveira Introdução As plantas, atualmente, são resultado de milharesde anos de exposição às adversidades ambientais. Diferentemente dos animais, as plantas são sésseis e, consequentemente, incapazes de migrar sob condições ambientais desfavoráveis ou fugir o ataque de predadores Apesar disso, os organismos vegetais apresentam as mais diversas adaptações que os permitiram colonizar os mais diferentes tipos de ambientes. Essas características adaptativas mostram-se bastante variadas e, às vezes, um tanto quanto peculiares como, por exemplo, no caso das epífitas. Exemplos dessas diferenças marcantes no padrão de desenvolvimento podem ser observadas na bromeliácea Tillandsia recurvata,(L.) L. que possui um sistema radicular cuja principal função é a de fixação e, do outro lado, a Orchidaceae Chiloschista usneoides (D.Don) Lindl. , que possui um sistema caulinar bastante reduzido, sendo que quase todo seu metabolismo é executado pela parte radicular. Todas estas variações na arquitetura vegetal só são possíveis devido a duas regiões extremamente importantes para o desenvolvimento, que são os meristemas apicais caulinar e radicular. Se tratando de desenvolvimento, os hormônios vegetais (ou fitormônios) aparecem como protagonistas. Sabe-se que quase todos os eventos que acontecem no corpo da planta tem a participação destas moléculas. As principais classes hormonais são: Auxina (AIA), Citocininas (CK), Giberelinas ou Ácido Giberélico (AG), Ácido Abscísico (ABA) e o Etileno. Todavia, existem também outras substâncias reguladoras do crescimento como os Brassinosteróides, Ácido Salicílico, Ácido Jasmônico, Estrigolactonas e o Óxido Nítrico. Tendo em vista a importância dos hormônios, veremos um pouco dos processos dos quais alguns destes compostos participam durante o crescimento e desenvolvimento vegetal. Todo processo de formação do corpo vegetal acontece com a determinação dos polos meristemáticos ainda na fase embrionária. Na região apical do embrião é estabelecido o polo do Meristema Apical Caulinar (MAC), e na região basal do embrião polo do Meristema Apical Radicular (MAR). Esses dois centros celulares vão garantir a continuidade no desenvolvimento da planta, pois durante a fase embrionária ainda não estão formados os órgãos que estarão presentes na fase de desenvolvimento pós-embrionária como, por exemplo, folhas, órgãos reprodutivos e sistema radicular completo. O processo de formação destas duas regiões é bastante complexo. Da mesma forma, o modo como são organizados os meristemas e vias de sinalização que atuam, quase que de forma restrita em algumas regiões dos meristemas, são também bastante intrincadas. Meristema apical caulinar Primeiramente analisaremos o MAC (figura 1), que exibe o seguinte padrão de organização: a região mais interna é a Zona Central, que é composta pelo Centro Organizador (CO) que é circundado pelo Nicho de Células Tronco (NCT). O CO apresenta baixa taxa de divisão celular e supre o NCT com novas células. Já o NCT apresenta uma maior taxa de divisão, porém as células ainda são morfologicamente indiferenciadas. Estas duas regiões são contornadas pelas Zonas Periféricas (ZP), regiões onde acontece a formação de novos órgãos. 15 Figura1 – Representação das zonas do meristema apical caulinar. Os mecanismos moleculares que regulam o desenvolvimento do MAC são de alta complexidade, porém parte dessa maquinaria já é conhecida (figura 1). No âmbito hormonal, a citocinina mostra-se determinante para a manutenção e desenvolvimento do MAC. Os maiores teores desta molécula estão localizados no CO. Esta região é fortemente controlada por um fator de transcrição denominado WUSCHEL (WUS). Este define o centro organizador, fazendo com que estas células apresentem baixa atividade mitótica e permaneçam morfologicamente indiferenciadas. No centro organizador, WUS regula negativamente alguns fatores de transcrição como ARABIDOPSIS RESPONSE REGULATOR7 (ARR7) e ARABIDOPSIS RESPONSE REGULATOR15 (ARR15), sendo que regulam a expressão de genes envolvidos na inibição da sinalização intracelular da citocinina. De forma sinergística, a citocinina induz a expressão de WUS, ou seja, há um feedback positivo neste caso. Já as células do NCT permanecem indiferenciadas devido à ação do fator de transcrição SHOOT MERISTEMLESS (STM). O STM que está presente na zona periférica induz genes que codificam enzimas que participam da rota biossintética da citocinina, no caso isopenetenil transferase (IPT7), este mecanismo aumenta os teores de citocinina no NCT, impedindo a diferenciação destas células. Além disso, as proteínas codificadas pelo WUS no CO são transportadas para o NCT, induzindo a transcrição de CLAVATA (CLV3), que atua juntamente com a citocinina mantendo células desta região indiferenciadas. Contudo CLV3 inibe a expressão de WUS no NCT o que permite a estas células sair da condição de quiescência, mas permaneçam indiferenciadas. 16 Figura 2 – Interações hormonais e gênicas nas regiões do meristema apical caulinar. NCT nicho de células tronco, CO centro organizador, ZP zona periférica. STM também atua na região da zona periférica, inibindo a biossíntese da giberelina e a expressão do gene ASYMMETRIC LEAVES (AS1), garantindo que as células permaneçam morfologicamente indiferenciadas. A auxina também aparece como fator chave no desenvolvimento da parte caulinar do vegetal (figura 3). Nas regiões onde o balanço hormonal é favorável à auxina, ocorre também um aumento nos teores de giberelina, repressão de STM, expressão do gene ASYMMETRIC LEAVES (AS1) e por fim inicio a formação do primórdio foliar. A determinação da região meristemática onde será formado o novo órgão foliar é sinalizada via gene CUP SHAPED COTYLEDON (CUC), que promove a inibição da proliferação celular estabelecendo uma fronteira entre a região meristemática e a região de formação da folha. 17 Figura 3 – Interação entre auxina, citocinina e outros elementos durante a formação do primórdio foliar. Meristema apical radicular Nesta seção analisaremos o meristema apical radicular (MAR) que é originado a partir do polo radicular. O polo radicular localiza-se na parte basal do embrião sendo formado a partir da hipófise. Durante este processo, a auxina aparece como protagonista (figura 4a). Este hormônio é um regulador positivo do fator de transcrição AUXIN RESPONSE FACTOR5/MONOPTEROS (ARF5/MP). A expressão de ARF5 leva à indução de outro fator de transcrição o TARGET OF MONOPTEROS7 (TMO7). No momento em que o TMO7 é expresso, este é transportado para a hipófise, e então dá-se início a uma cascata de transdução de sinais que determinará o estabelecimento polo radicular. Também faz parte deste processo de regulação o BODENLOS (BDL) e TOPLESS (TPL). Entretanto, este conjunto atua como repressor do ARF5/MP. BDL e TPL são regulados negativamente pela auxina. Deste modo forma-se um circuito de regulação onde a auxina induz expressão do ARF5 que leva à expressão de TMO7 dando origem às células iniciais da raiz primária. Do outro lado, BDL e TPL controlam a expressão de ARF5, restringindo o destino celular apenas às células da hipófise. Contudo, existe outro mecanismo que atua de forma complementar. Neste caso, estão envolvidos os genes PLETHORA (PLT) e CLASS III HOMEODOMAIN-LEUCINE ZIPPER (HD-ZIP III). PLT tem sua expressão induzida pela auxina, que na fase embrionária atua na especificação das células tronco da raiz. Além disso, PLT inibe HD-ZIP III que está envolvido no processo de determinação do polo caulinar, na repressão de PLT. Assim estes dois genes trabalham em feedback negativo, onde um controla a expressão do outro. Neste momento tambémocorre a determinação do nicho de células tronco onde se localiza o centro quiescente (figura 4b). Este evento é mediado pela auxina que induz a expressão de ARR7 e ARR15 e estes inibem a sinalização da citocinina onde será formado o NCT. Já a região onde será formado o centro quiescente, tem-se a participação ativa da citocinina. 18 Figura 4 – Embrião na fase globular. Em A a indução da divisão da hipósife. Em B, estabelecimento do nicho de células tronco e centro quiescente. Conhecendo o processo de estabelecimento do primórdio radicular, vejamos a organização da raiz (figura 5) que pode ser dividida da seguinte forma: Zona Meristemática (ZM), Zona de transição (ZT), Zona de alongamento (ZA) e Zona de Diferenciação/Maturação (ZD). A região meristemática compreende o Nicho de Células Tronco (NCT) que é formada pelo Centro Quiescente (CQ) – equivalente ao Centro Organizador do meristema apical caulinar – e as células tronco propriamente ditas. Também constitui esta região a coifa, que é formada a partir de divisões celulares que ocorrem em direção à parte apical da raiz. Esta estrutura funciona como uma barreira conferindo proteção ao CQ e ao NCT da columela. Além disso, ela também favorece a penetração da raiz no substrato, decorrente da presença de uma mucilagem. Outra função da coifa é a gravipercepção, ou seja, percepção da direção e sentido do vetor gravitacional. Mudanças na orientação do corpo da planta podem direcionar o crescimento da raiz. A Zona de transição se localiza entre a ZM e a ZA, sendo que neste local as células iniciam o processo de diferenciação, recebendo informações de identidade tecidual. A Zona de alongamento é a parte da raiz onde as células vão crescer longitudinalmente e onde vão começar a apresentar a identidade tecidual que foi determinada ainda na região meristemática e Zona de Transição. E por fim, a Zona de Diferenciação e Maturação é a região onde as células vão completar o seu desenvolvimento. Além da divisão espacial, a raiz também possui a divisão de tecidos (figura 5). A camada mais interna é formada pelo cilindro vascular. Este é composto pelo xilema e floema, que são componentes do sistema vascular não só da raiz, mas da planta inteira. Adjacente ao cilindro, temos o periciclo. Este tecido é conhecido por ter células com características meristemáticas e é o local onde se formam as raízes laterais. Externamente ao periciclo encontra-se a endoderme. Esta camada é a uma barreira divide o córtex do cilindro, por possuir uma estrutura de impermeabilização que sela os caminhos do apoplasto (espaço intercelular), fazendo com que água e 19 nutrientes entrem na planta via simplasto (espaço intracelular). A união do cilindro vascular, periciclo e endoderme, forma o estelo. Por fim temos o já citado córtex, que funciona principalmente como tecido de absorção e acúmulo e a epiderme que é o tecido de revestimento da raiz. Figura 5- Divisão e organização tecidual da raiz. O simples fato do estabelecimento do CQ e do NCT não garante o desenvolvimento da raiz; para isso é necessária a manutenção da atividade meristemática, que é o que vai garantir o a quiescência das células d CQ e o funcionamento do nicho de células tronco. Para controlar esta condição das células, existem mecanismos que funcionam em conjunto. Um deles é comandado pelos genes SCARECROW (SCR) e SHORT ROOT (SHR). A dinâmica acontece da seguinte forma: SHR é expresso no estelo, formando a proteína que também recebe o nome de SHR. Esta proteína é transportada até o CQ e interage com a proteína SCR formando um complexo proteico. Esta estrutura induz a ativação do próprio gene SCR, sendo que este é responsável por impedir que as células do CQ se diferenciem em outros tipos de célula. O outro sistema é composto por PLETHORA 1 (PLT1) e PLETHORA 2 (PLT2). Estes genes, que são regulados pela auxina, induzem a expressão das proteínas PIN, importantes transportadores da própria auxina. Isto ajuda a manter altos níveis de auxina no CQ e no NCT, inibindo a diferenciação celular. Veja esquema abaixo (figura 6). 20 Figura 6 – Mecanismos moleculares que promovem a manutenção do centro quiescente. Outro ponto crucial neste processo é a manutenção do tamanho do meristema, pois é o que comanda o crescimento e desenvolvimento radicular. A interação da auxina com a citocinina é o que governa parte deste processo. Sabe-se que estes dois hormônios podem interagir de forma positiva ou antagônica, sendo que diferentes fatores vão determinar o tipo de interação destas moléculas. No caso da região meristemática, há um antagonismo onde a auxina vai manter a alta taxa de divisão celular das células próximas ao meristema e a citocinina vai controlar a taxa de diferenciação na região abaixo do meristema - a zona de transição. Este controle se dá através da regulação do gene SHORT HYPOCOTYL2 (SHY2), que controla a produção da proteína SHY2. SHY2 é um repressor da auxina. Entretanto, a própria auxina, em altas concentrações, leva à repressão de SHY2. Já a citocinina, através do ARABIDOPSIS RESPONSE REGULATOR1 (ARR1), induz a expressão de SHY2 na região vascular da região de transição. Adicionalmente, este gene possui também a função de reprimir a proteína PIN. Menores níveis de auxina e proteínas PIN tem como consequência menores níveis de auxina e menor atividade mitótica, respectivamente. Todavia, vale lembrar que mesmo com a inibição de alguma PIN, outras continuam o transporte, pois se o fluxo de auxina for totalmente interrompido, o CQ e o NCT serão prejudicados. Este mecanismo determina o tamanho do corpo da raiz. Outro fato que controla o tamanho do meristema é gerido pelo fator de transcrição, que é expresso no CQ. WUS-RELATED HOMEOBOX 5 (WOX5) que é homólogo ao WUS que, como foi comentado anteriormente, atua no centro organizador do meristema apical caulinar. O WOX5 assim como WUS são regulados negativamente por um peptídeo o CLE40, que é homólogo ao CLV3 no MAC. Neste caso, WOX5 possui a função induzir a proliferação das células tronco que originam columela. Sabe-se também que ele é regulado positivamente pelo SCR que, por sua vez, é induzido pela auxina. Já na columela, CLE40 regula negativamente a expressão do WOX5 o que permite a diferenciação das células que vão formar a essa estrutura, conforme mostrado na figura 7. 21 Figura 7 – Mecanismos de regulação da atividade meristemática. Partindo para o processo de diferenciação, temos a formação do floema. Como dito anteriormente, no caso da raiz, juntamente com o xilema ele forma o cilindro vascular. Temos como elementos constituintes do floema as células companheiras e os elementos de vaso. Existem dois fatores que mostram ser extremamente importantes na especificação dos tecidos floemáticos. O primeiro, e imprescindível, é o OCTOPUS (OPS). Sua expressão ocorre primariamente próxima ao CQ, uma de suas funções é determinar o destino celular para formação do floema. Outro importante papel é promover a continuidade no processo de diferenciação das células deste tecido. O segundo fator é o ALTERED PHLOEM DEVELOPMENT (APL) que é responsável pela diferenciação das células companheiras e elementos de vaso. Além disso, este fator aparentemente inibe a diferenciação do xilema. APL e OPS trabalham de forma complementar. Plantas mutantes ops (plantas que são defectivas deste fator de transcrição) não apresentam células com características floemáticas como presença de calose, espessamento da parede e alongamento. Já mutantes apl apresentam atraso na iniciação das divisões celulares que vão gerar as células companheiras e elementos de vaso, problemas na formaçãodo protofloema e metafloema. Entretanto, sabe se que outros fatores também atuariam junto com OPS e APL, mas o funcionamento ainda não estaria bem elucidado. Completando o cilindro vascular temos o xilema. Um dos reguladores de sua formação é o fator de inibição da diferenciação de elementos traqueídeos (TDIF) (do Inglês Tracheary Element Differentiation Inhibitory Factor). Este é um peptídeo exibe funções como inibição da diferenciação das células do procâmbio e indução da proliferação destas células, além de induzir a expressão do WOX4 que atua na manutenção das células procambiais. Com relação à diferenciação dos tecidos xilemáticos, temos dois genes da família VASCULAR-RELATED NAC-DOMAIN (VND). Neste caso VND6 inicia a diferenciação do metaxilema e o VND7 que age diferenciando o protoxilema. E estes dois genes juntamente com SECONDARY WALL- ASSOCIATED NAC DOMAIN PROTEIN1 (SND1) são responsáveis por compor uma grande e complexa 22 cascata de sinalização que leva à deposição de parede secundária, processo este induzido por MYB. Vale ressaltar que estes são apenas alguns dos reguladores da formação do xilema. Uma imensa quantidade de genes está envolvida no processo alguns já bem estabelecidos, outros nem tanto. Além disso, hormônios como auxina, citocinina, etileno também atuam no processo de formação. A variação no balanço entre a auxina e citocinina determina a diferenciação entre metaxilema e procâmbio. Estudos mostram que peptídeos CLE degradam alguns ARRs que são específicos na regulação negativa da citocinina, neste caso seria inibida a formação do protoxilema devido à presença da citocinina. Em contrapartida a auxina induz a expressão de ARRs que atuariam na contramão. Essa oscilação de repressão e indução determinaria o destino celular das iniciais do xilema. Outro tecido que compõe o estelo, juntamente com floema, xilema e endoderme é o periciclo. Sabe-se que este preserva características meristemáticas em algumas células. Estas células se localizam nos polos do xilema, e é exatamente nesta região que ocorre a formação das raízes laterais. O mecanismo que está por trás deste evento é liderado principalmente pela auxina. Este hormônio é transportado de duas formas. O primeiro é o transporte à longa distancia que é feito através do floema, sendo o meio mais rápido. Já a segunda é o chamado “transporte polar” que é mediado pelas proteínas PIN. No modo polar, a auxina é transportada célula a célula e consequentemente é um processo mais demorado. No transporte polar, a auxina entra nas células pelos carreadores de influxo os AUX/LAX e sai através dos já citados carreadores de efluxo as proteínas PINs. Em Arabidopsis a indução da raiz lateral ocorre ainda na região zona de transição através do transporte polar de auxina. Outro hormônio aparece como regulador positivo do processo: o etileno. A dinâmica acontece da seguinte forma: A auxina é transportada basipetamente pelas proteínas PIN. Estas tem a função não só de realizar o transporte basípeto, mas também fazem a redistribuição da auxina no corpo da raiz. O etileno por sua vez tem sua síntese induzida pela auxina e as células na presença de etileno se tornam mais sensíveis à ação da auxina. Por consequência destes eventos, células do periciclo responsivas à auxina entram em processo de divisão ocorrendo a formação da nova raiz lateral. Completando o estelo, tem-se a endoderme. A formação deste tecido acontece concomitantemente com a formação do córtex (figura 8). Figura 8 – Formação da endoderme e córtex via interação de SHORTROOT(SHR) e SCARCROW (SCR). 23 Isso se deve ao fato da interação entre o SHR e o SCR. Da mesma forma que SHR é transportada ao CQ, existe o transporte para células iniciais que são derivadas do CQ. A divisão desta célula inicial dá origem à endoderme e ao córtex. Estudos mostraram que mutantes shr (plantas que são deficientes de SHR) possuem uma camada de células que se assemelha com córtex. Já mutantes scr possuem tecidos que se assemelham ao córtex e endoderme. Entretanto não há uma distinção entre os dois tecidos. Sendo assim, tudo leva a crer que SHR esteja ligado à determinação da identidade da endoderme. Finalmente, revestindo a raiz temos a epiderme. Em algumas plantas, ela é originada das iniciais da columela, em outras a partir da diferenciação das células do córtex. Em Arabdopsis a epiderme é formada em camadas alternadas, por dois tipos de células: os tricoblastos e atricoblastos. A diferença entre estes dois tipos celulares está na capacidade de formação dos pelos radiculares. Esta estrutura constitui-se na verdade de expansões da parede celular da região jovem da raiz, que aumenta a superfície de contato da raiz e, consequentemente, proporciona uma maior absorção de água e nutrientes. Existem alguns fatores de transcrição que regulam a formação dos pelos radiculares. Um deles é o GLABRA2 (GLB2), que é responsável por inibir a formação de pelos nos atricoblastos e é regulado positivamente por um complexo de fatores de transcrição: TRANSPARENT TESTA GLABRA 1 (TTG1) e WEREWOLF (WER). O complexo TTG1-WER também induz a produção da proteína CAPRICE (CPC) no atricoblasto. Entretanto, CPC é transportada para o tricoblasto onde entra em ação inibindo o próprio WER-TTG1. Esta inibição consequentemente leva repressão do GLB2, permitindo formação dos pelos radiculares (figura 9). O modo como este transporte ocorre ainda não é bem entendido. Figura 9 – Mecanismos de formação dos pelos radiculares. Todos os mecanismos moleculares e fisiológicos aqui apresentados representam apenas uma pequena parcela de todas as vias de sinalização presentes na planta. Este capítulo foi elaborado com o intuito de mostrar que todo o processo de desenvolvimento vegetal é gerenciado por uma rede de interações. Todos os dados aqui apresentados tiveram como base Arabidopsis thaliana (L.) Heynh., pois atualmente é a planta modelo com um dos maiores volumes de dados. Porém, vale destacar que é necessário explorar outras espécies dado, a plasticidade que as plantas apresentam. 24 Plantas e sociedade Fernanda Anselmo Moreira Fernanda Mendes de Rezende Introdução As plantas são muito importantes para a manutenção do equilíbrio nos ecossistemas devido às diversas atividades que elas desempenham, tais como, regulação do clima, sequestro de carbono, purificação da água e do ar, translocação e ciclagem de nutrientes, redução da radiação que incide no solo, atenuação da ação dos ventos, além de ser fonte de alimento para muitos organismos vivos, incluindo os seres humanos, sendo, portanto, a base de muitas cadeias alimentares. Dessa maneira, os seres humanos, assim como vários outros organismos vivos, são totalmente dependentes das plantas. Os humanos utilizam as plantas das mais variadas maneiras com o objetivo de sanar as suas necessidades e, consequentemente, aumentar as suas chances de sobrevivência e melhorar as suas condições de vida. As plantas sempre foram usadas pelos homens como fonte de alimento e com o passar do tempo outras funções foram agregadas a elas. Além de fornecedoras de energia para a manutenção do nosso corpo, elas são usadas como matéria-prima para a confecção de roupas, ferramentas e moradias. As indústrias farmacêuticas e de cosméticos utilizam as plantas, direta ou indiretamente, em muitos de seus produtos e esses setores têm grande impacto econômico, visto que, eles movimentam bilhões de dólares por ano. Elas também são utilizadas como combustível para o fogo e nos últimos tempos como matéria-prima para produção de biocombustíveis, principalmente devido à crise do petróleo. Algumas delas também têm grande impactoeconômico no setor agropecuário, pois podem ser tóxicas a determinados animais de criação ou invadir plantações. Outras, por outro lado, são apreciadas por sua beleza e então são cultivadas e comercializadas simplesmente para fins estéticos. Há plantas que são importantes não por serem fontes de alívio e curas de enfermidades, mas sim por serem tóxicas aos humanos. Por fim, deve-se também ressaltar que certas plantas são importantes por causarem impactos sociais negativos devido a sua empregabilidade na produção de drogas de abuso, e o comércio ilegal dessas, em virtude de suas propriedades alucinógenas. A seguir serão discutidas algumas das aplicações desse grupo de seres vivos em nosso cotidiano, bem como aspectos sociais referentes a algumas dessas aplicações. Plantas alimentícias Os seres humanos, assim como os demais animais e outros grupos de organismos vivos, são heterotróficos, necessitando das plantas, direta ou indiretamente, para obter os nutrientes necessários para a sua sobrevivência. Dessa maneira, o primeiro uso que os humanos fizeram das plantas foi como fonte de alimento, sendo a domesticação de plantas o fator crucial para transição do hábito nômade de caçador coletor para o hábito sedentário de homem agricultor, possibilitando a formação de comunidades. Um dos problemas mais graves que a humanidade enfrenta é a má distribuição dos recursos alimentícios. Grande parcela da população mundial não tem acesso a um mínimo de alimentos que permita um estado satisfatório de saúde, em contrapartida há um grande número de seres humanos que tem problemas de 25 saúde por se sobrealimentarem. Se por um lado há pessoas sofrendo por carência crônica de proteínas e vitaminas, por outro há pessoas que sofrem com obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Além da água, os humanos precisam consumir outros cinco tipos de nutrientes, para ter uma dieta saudável. Carboidratos, lipídeos e proteínas são nutrientes necessários em grandes quantidades e, por isso, são chamados de macronutrientes, enquanto que vitaminas e minerais, necessários em pequenas quantidades, são denominados micronutrientes. As fibras apesar de não serem classificadas nem como macronutrientes ou micronutrientes são importantes para a saúde humana. Certos compostos provenientes do metabolismo secundário das plantas também têm sido considerados substâncias que promovem melhorias na saúde, são os chamados alimentos funcionais, que produzem benefícios específicos à saúde, além da sua função nutritiva básica; e os nutracêuticos, que contêm um ou mais ingredientes biologicamente ativos que foram isolados ou purificados de alimentos e que são comercializados como um ingrediente suplementar à dieta. Os carboidratos são a principal fonte energética para as células e podem ser encontrados nas plantas na forma de monossacarídeos (por exemplo, frutose presente nas frutas), dissacarídeos (sacarose presente na cana- de-açúcar e na beterraba) e amido (trigo, arroz, milho, batata, mandioca, batata-doce e feijão são as principais fontes). As proteínas também podem ser fornecedoras de energia, mas também desempenham outras funções no organismo, tais como, estrutural, enzimática, regulação de várias funções corporais (hormônios), transporte e defesa. Há vinte tipos de aminoácidos que compõem as proteínas, sendo que onze delas o corpo humano é capaz de sintetizar e os nove restantes (aminoácidos essenciais) são obtidos exclusivamente através da dieta. As proteínas de origem vegetal geralmente são consideradas incompletas, pois não apresentam todos os aminoácidos nas devidas proporções, mas através de uma combinação de plantas, geralmente um cereal e uma leguminosa, é possível obter todos os aminoácidos necessários e nas devidas proporções. Dentre as plantas, as leguminosas apresentam maior riqueza em proteínas. Plantas oleaginosas produzem misturas de substâncias chamadas de óleos fixos, estes são misturas de triglicerídeos, formados por três resíduos de ácidos graxos esterificados com uma molécula de glicerol. Alguns ácidos graxos são considerados essenciais pois, embora necessários ao organismo humano, este não é capaz de sintetizá-los. Os ácidos graxos essenciais são os ácidos linoléico, linolênico e araquidônico e podem ser encontrados nos óleos vegetais. Os óleos vegetais como, por exemplo, os óleos de canola, girassol, soja, milho e oliva apresentam ácidos graxos insaturados e estes, além de altamente energéticos, diminuem as chances de desenvolver doenças cardiovasculares, além de ajudarem a reduzir os níveis de colesterol no sangue. As fibras dietéticas (lignina, celulose, hemicelulose, pectina, dentre outras substâncias) geralmente não são digeridas pelo sistema digestório, mas são responsáveis por manter estável o nível de glicose no sangue, reduzir o nível de colesterol sanguíneo e acelerar a passagem do bolo fecal pelo cólon. Elas podem ser encontradas em grãos integrais, frutas, vegetais e sementes. As vitaminas, por sua vez, são importantes por atuarem como coenzimas e por estarem ligadas à síntese de substâncias importantes ao organismo. Algumas vitaminas podem ser obtidas através do consumo de plantas, enquanto que outras não. As vitaminas A, C e todas do complexo B, exceto a B12, podem ser obtidas em dietas envolvendo plantas. Por outro lado, as vitaminas B12 e D não podem ser obtidas através do consumo de plantas, sendo obtidas por outras fontes. 26 A vitamina A é responsável por várias funções no organismo humano, dentre elas, formação dos pigmentos visuais da retina presente nos olhos e manutenção do tecido epitelial. Ela pode ser obtida mediante o consumo de frutas e vegetais de coloração amarela, laranja e verde escuro que contém o precursor da vitamina A, o betacaroteno. O ácido ascórbico, vitamina C, pode ser encontrado em frutas frescas e vegetais e essa vitamina tem como função a síntese de colágeno, produção de hormônios, além de ser antioxidante. Já as vitaminas do complexo B atuam como coenzimas em diversas reações metabólicas e as principais fontes de vitamina B, exceto a vitamina B12, são os grãos integrais, sementes, legumes e nozes. Muitos estudos têm relacionado o consumo de compostos provenientes do metabolismo secundário das plantas com benefícios a saúde. Os compostos fenólicos constituem uma importante classe de metabólitos secundários e muitas dessas substâncias são conhecidas por terem uma forte atividade antioxidante. Dentre os compostos fenólicos com atividade antioxidante destacam-se os flavonoides, as cumarinas, os taninos e os ácidos fenólicos. Compostos conhecidos por apresentarem essa atividade são interessantes do ponto de vista nutricional por prevenirem várias doenças que podem estar relacionadas ao estresse oxidativo, tais como: aterosclerose, diabetes, câncer e artrite reumatóide. Além da importância nutricional, as plantas alimentícias também são importantes do ponto de vista econômico, visto que certos países têm a maior parte da sua economia voltada para o setor agrícola. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores países agrícolas do mundo e esse setor movimenta cerca de US$ 100 bilhões por ano. As principais culturas de importância econômica mundial são os cereais (Poaceae), seguidos das leguminosas (Fabaceae). Trigo, arroz e milho são os cereais mais cultivados ao redor do mundo, há mais de 7.000 anos, e a soja é um exemplo de leguminosa muito cultivada. Muito investimento é destinado para o desenvolvimento de tecnologias que visam aumentar o rendimento dessas e de outras culturas. Na realidade, hoje, a produção de alimento é suficiente suprir as necessidades nutricionais da população mundial, porém, o alimento é mal distribuído e há muito
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