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Vigiar e Punir

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RESUMO DO LIVRO VIGIAR E PUNIR
O livro é um estudo científico que visa compreender e demonstrar o processo histórico da evolução das legislações penais desde a Era Clássica, bem como sua aplicação aos condenados. O contexto histórico na maior parte do livro se passa na época de transição do Antigo Regime monárquico absolutista francês para a República Democrática Secular, ou seja, durante a Revolução Francesa.
O Corpo dos Condenados
Michel Foucault, estudioso francês, cita já no começo do livro uma terrível cena de suplício, uma tortura atroz ao condenado chamado Damiens, submetido a uma morte sangrenta e agonizante, desmembrado por seis cavalos. Este fora acusado de parricídio, ao tentar assassinar o Rei Luís XV, o resultado de tal “infâmia” foi uma morte lenta, sangrenta e terrivelmente dolorosa. Após esta abordagem, o autor expõe regulamentos internos de um presídio, com regras estritamente rigorosas em relação ao uso do tempo. Um mecanismo de utilização do tempo do condenado.
O objetivo central no primeiro capítulo é o enfoque no desaparecimento dos suplícios como formas de repreensão e punição, substituídas por formas mais “leves”, um arranjo de sofrimentos mais “suaves”. Em poucas dezenas de anos desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desaparece o corpo como alvo principal da repressão penal.
Os terríveis espetáculos vão, no decorrer do final do século XVIII e começo do século XIX, desaparecer e as práticas de punição vão sendo substituídas. A execução pública é então vista com cunho negativo. Porém, essa mudança não ocorreu subitamente, na França, em 1789, onde a Revolução Francesa agitava o país, Joseph-Ignace Guillotin propôs a guilhotina como forma de execução penal na França, a morte, então, deixaria de ser algo lento, agonizante e macabro para tornar-se rápido e instantâneo: “Uma só morte por condenado, obtida de uma só vez e sem recorrer a esses suplícios longos e consequentemente cruéis”.
As práticas de punição tornaram-se pudicas. O corpo toma posição de instrumento ou de intermediário, qualquer interferência sobre ele pelo encarceramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada um direito. De acordo com
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essa penalidade, o corpo é colocado como alvo de privações, obrigações e interdições. O sofrimento físico e a dor não são mais elementos característicos da pena.
A pena não se centralizava mais no suplício como técnica de sofrimento, tomou como objeto a perda de um bem ou de um direito, tornou-se um castigo “incorporal”. O corpo físico, velho aliado da repreensão penal, perde seu papel como objeto de punição, e por fim, a alma, o sentimento, o intelecto, as vontades e as disposições do criminoso tornam-se o alvo central da punição, o objetivo não era mais o castigo físico, mas desviar o criminoso do crime, ou seja, reabilitá-lo na sociedade e torná-lo útil e submisso. As formas como os magistrados e os reformadores definiram para reintegrar os criminosos na sociedade pode ser lida na segunda parte do livro, onde Foucault aborda o tema da punição.
O corpo, como aborda o estudioso, está mergulhado diretamente em um campo econômico e político; os sistemas punitivos devem ser reposicionados em certa “economia política” do corpo: mesmo que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando se adota artifícios mais “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata
– de sua força, sua utilidade e sua submissão. As relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas os investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias e exigem-lhe sinais. O corpo funciona como uma peça numa grande engrenagem político-econômica, o corpo só é útil se é um corpo produtivo e submisso, isto é o que Foucault denomina de tecnologia política do corpo. Tema ao qual o autor esclarece na terceira parte do livro, onde a disciplina é abordada e analisada.
A Ostentação dos Suplícios
Aqui Foucault retorna um pouco mais no tempo, define e expõe de maneira clara a prática do suplício francês, onde a Ordenação de 1670 regeu na França as formas gerais e práticas de punição, a própria punição tinha um papel fundamental, ela era a demonstração de poder e autoridade da justiça perante a sociedade. Os suplícios, no entanto, não constituíam as penas mais frequentes, a maior parte das condenações era banimento ou multa, porém, mesmo estas
penas não corporais traziam consigo um resquício de suplício: exposição, roda, coleira de ferro, açoite, marcação com ferrete. Qualquer pena carregava uma marca do suplício consigo.
O suplício é descrito como uma pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz. O suplício, como aborda Foucault, é uma técnica e não deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei. Uma pena, para ser considerado um suplício deveria atender algumas exigências: produzir certa quantidade de sofrimento, onde a morte é um suplício na medida em que ela não seja apenas uma privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos, como a decapitação que é descrita como o marco zero de um suplício, uma vez que reduz todos os sofrimentos a um só instante, até o esquartejamento, que produz uma dor incalculável e duradoura. O suplício é o fenômeno no qual a vida é retirada através de dor, agonia e sofrimento.
O suplício possui duas qualificações, uma para a vítima, e outro para a justiça. Para a vítima, o suplício deve ser marcante, deixando marcas duradouras de tortura, fazendo com que ela não se esqueça do que ocorrera. Para a justiça, o suplício é a sua demonstração de poder, deve ser visto por todos como um triunfo, uma ostentação.
As sentenças criminais, na maior parte dos países europeus ocorriam sem o conhecimento do acusado, todo o desenrolar só chegava ao conhecimento deste quando iria interrogá-lo antes de dar a sentença. Isto era feito por um motivo: o medo dos tumultos e o medo que houvesse desordem.
A confissão desempenha papel fundamental como prova contra o acusado, este, quando confessa, assume a acusação feita contra ele. Para o direito medieval, a confissão consiste em algo sólido e irrefutável, bastaria isto para levá-lo para a condenação. Porém, aqui, a confissão, apesar de ser uma boa argumentação para levar a condenação do possível criminoso, ela por si só não é suficiente, o juiz precisa de outros meios consistentes para levar alguém a execução. Este serviço era amenizado quando o criminoso confessava, bastaria pouco trabalho por parte do magistrado para que a sentença fosse outorgada. Podemos ver a partir daí o funcionamento do interrogatório como suplício da verdade. A tortura era o meio recorrido para chegar até a verdade, mas mesmo a tortura era utilizada pelo magistrado de maneira técnica e sistematizada.
O corpo do condenado é um elemento essencial no ritual do castigo público. Seu corpo exposto e supliciado deve tornar visível o poder da justiça para todos. A exposição do suplício faz do condenado o arauto de sua própria condenação, nele a justiça justifica o crime no próprio corpo do supliciado e prende o suplício no próprio crime, por exemplo, a utilização de suplícios simbólicos, nos quais a execução faz lembrar a natureza do crime cometido.
Por fim, a vagarosidade do suplício, a dor provocada, os gritos e o sofrimento tem papel de prova nos termos judiciários. O ciclo está encerrado, da tortura atroz até a execução, o corpo do condenado refletiu a veracidade do crime.
O suplício também adquire outro papel importante para a figura do soberano, pois quando alguém cometia alguma espécie de crime, este afrontava diretamente a pessoa do rei. Afrontando a lei, o transgressor fere a própria pessoa do príncipe. Entra em cena o que Foucault define de política do medo, que consistia em tornar sensível a todos, sobre o corpo do criminoso, a presença encolerizada do soberano.Por isso que era necessário fazer do suplício um ato público, onde a população pudesse testemunhar o que seria o destino daqueles que ousassem violar as leis do soberano.
Vemos, sob esta perspectiva, que uma das principais peças nos rituais de suplício é a população, que é convocada para testemunhar as exposições, porque é necessário que tenham medo. O povo, por seu lado, também reivindicava o direito de averiguar o suplício e quem é o supliciado. Foi a partir destas reivindicações por parte da camada popular que surgiram algumas agitações em determinadas cerimônias de suplício, pois alguns crimes considerados pouco graves, onde a justiça abonava a sentença de execução, como em casos de furto doméstico, a pena de morte gerava insatisfação.
Com as possíveis revoltas, a desordem e os tumultos, as práticas rituais do suplício foram sendo progressivamente extinguidas. Por tornar-se um tanto um gasto, como também ser o estopim para o caos social, estas práticas punitivas começaram a ser abolidas. A Revolução Francesa também deu uma nova ênfase e outro sentido para os processos criminais, vemos a partir disto, o fim do suplício como método punitivo na França e na Europa.
A Punição Generalizada
No início da segunda parte, Foucault explica como eram tratados e castigados os supliciados, que eram assim chamados, supostos criminosos e infratores da lei. A morte ali descrita, poderia ser de qualquer maneira, desde que fosse cruel. Quem se encarregava de decidir era o rei, soberano da lei.
Alguns exemplos de castigos são línguas cortadas ou furadas, membros do corpo decepados; os suplicados são estrangulados até a morte, ou então queimados vivos, em alguns casos extremos tinham seus membros arrancados por cavalos, tendo pernas, braços e cabeça presos aos animais que eram, então, tocados.
Penas como estas eram de muita exposição aos indivíduos punidos, pois estes geralmente sofriam seus castigos em público. Quem decidia a forma de punição era o tribunal, era este quem deveria determinar de que forma o indivíduo iria morrer. Isso era feito de maneira cautelosa e com total sigilo, nem a população, nem o supliciado sabia a maneira da morte descrita ali.
É importante ressaltar a existência na época, de tribunais que encontravam muitos meios de abrandar os rigores da penalidade irregular (como as citadas acima), ou seja, se recusando a levar adiante processo quando as infrações eram exageradamente castigadas.
Para Foucault, a forma de punição pelo suplício é errada, pois, ao invés de ''converter'' o cidadão para o bem, reforça mais ainda sua imagem de criminoso, fazendo assim, gerar revolta de sua parte. O autor chega ainda a comparar essa forma de punição com uma guerra civil, onde o poder é armado, exigindo respeito não por uma conversão do supliciado, mas sim por medo das armas que o ameaçam.
Nas cerimônias do suplício, o personagem principal é o povo, sua presença é fundamental, pois assim, além de punir o supliciado, provocará medo na população, e com medo, temerão agir de maneira que desrespeite a lei. Alguns castigos pelos quais eram submetidos, de certa forma eram uma exposição pública da vontade social, visto que ali estavam pessoas que outrora eram responsáveis pela intimidação particular e coletiva do povo. Todo malfeitor, atacando o direito social, torna-se por seus crimes rebelde e traidor da pátria.
A punição, sobretudo, deve afastar a desordem social, deixando em evidência que, a vantagem obtida pelo crime é de fato impertinente e inviável pela punição recebida, que os malfeitores não cogitem sequer tornar a cometer o crime visto que não obterão deles ganho algum. Polícia, justiça e sociedade, devem andar juntos, os crimes precisam ser expostos como a luz do dia, a lei precisa de evidência e clareza, sendo lida, bradada e todos vejam o escárnio que se faz o ato criminoso e com ele a injúria atrelada ao atual malfeitor.
É necessário que a economia não tenha influência nas decisões jurídicas e que a imparcialidade seja regra. No entanto, a idéia de castigo não tem a mesma força para todos. A multa não é temível para o rico, nem a infâmia a quem já está exposto.
Já que o castigo quer evitar a reincidência ele precisa considerar quem é o criminoso em sua natureza profunda. De dois perjúrios quem é mais criminoso, aquele que desde a infância preocupou-se com sua honra, ou aquele que, abandonado na natureza, nunca recebeu educação? Cada qual com suas particularidades individuais na ação penal, precisam ter a chance a um exame na clara arte de punir.
A mitigação das penas
O capítulo começa falando sobre uma força natural que faz o homem sempre tender ao seu bem-estar, logo, para que haja um castigo conveniente, é necessário que este torne repulsiva a ideia de cometer um delito, e que essa ideia, aliada à tendência citada, domine o sentimento que o arrasta para o crime.
A seguir, o autor lista algumas condições para que uma punição seja ideal:
É necessário que a pena e o delito estejam diretamente ligados, com analogias e proximidade, para que o crime perca sua perspectiva vantajosa. Ou seja, para que o castigo não venha do legislador, e sim, da natureza das coisas, nesse caso, do próprio delito.
Na Legislação Criminal de 1791 as penas eram analógicas, transparentes e baseadas em um cálculo simples: aquele que foi feroz em seu crime sofrerá dores físicas, por exemplo.
Nesse tópico, o autor cita um sistema mecânico, onde deve-se inverter as relações crime-pena, fazendo com que a representação do castigo seja mais forte e viva que o delito e
seus prazeres, e que para punir não basta trancar ou obrigar o condenado à algo, mas deve-se combater um ato mau com um ato bom, com sensibilidade.
Michel Foucault destaca ainda que as dores físicas não são interessantes, pois o infrator comete o erro em busca, muitas vezes, de dinheiro, para ter status e moral, mas está enganado, pois perderá isso diante da sociedade com seu castigo, que lhe trará humilhação.
Temos agora o tempo como elemento principal. De acordo com Foucault, a pena perpétua não vale de nada, pois o condenado nunca poderia usufruir de seus resultados. “O tempo é operador da pena.”
É necessário que o castigo seja interessante para a sociedade, que o condenado possa ser útil para tal como forma de retribuição e pagamento pelo crime que lesou a todos.
Nos tópicos 5 e 6, fala-se sobre a publicidade da punição, que consiste em uma técnica que ao invés de colocar medo e pavor coletivo na população, traz a lição e exposição da moralidade, paz e liberdade, para o triunfo das leis , justificando suas medidas. Além disso, apaga a possível glória ao condenado enquanto anti-herói, mostrando o crime apenas como uma desgraça.
Após todas essas condições, Foucault critica a prisão, forma ineficaz de pena, argumentando que isso custa caro à sociedade, e não é eficiente pois trata todos os crimes de maneira uniforme e não se apresenta ao público, considerando tal medida como exercício de tirania.
Na época existiam alguns modelos de encarceramento punitivo, o mais antigo e que foi base de inspiração para os outros, era o “Rasphuis de Amsterdam”, aberto em 1596, e destinado a princípio a mendigos ou a jovens malfeitores. A cadeia de Gand deu uma inspiração para ser uma casa com um conhecimento pedagógico voltada aos presos, fazendo regras para que estes tivessem o incentivo de mudar e querer trabalhar, adquirindo hábitos saudáveis sem preguiça e força de terminar sua pena por bom comportamento.
A prisão de “Walnut Street”, aberta em 1790, tomava o modelo de Gand que era: trabalho obrigatório em oficinas, ocupação constante dos detentos e horário regrado para tudo. Havia uma retribuição individual dos prisioneiros para assegurar sua reinserção moral e material na sociedade. Esse modelo punitivo tinha pontos de convergência como a função de não apagar um crime, mas sim, evitar que o mesmo aconteça novamente. Nas normas de Gand, os inspetores visavam quais detentos estavam em processos de suas autoridades, os que estivessemmantendo bom comportamento, obteriam o perdão.
Walnut Street tem traços específicos de suas regras em relação à punição de um detento, que diferentemente das leis de 1786 (que regravam que o malfeitor fosse punido em público, como se fosse algum tipo de espetáculo), falavam que a execução deveria ser mantida em sigilo, sem nenhum tipo de intervenção do povo.
Os Corpos Dóceis
Neste capítulo o autor descreve toda a microfísica do poder constituída por detalhes sutis e invisíveis, presente nos séculos XVII e XVIII. A microfísica serve à criação de indivíduos que possam cumprir funções úteis se ajustando a um determinado tipo de sociedade emergente. O soldado tornou-se algo que se fabrica, se corrige aos poucos as posturas e, lentamente, uma coação calculada percorre cada parte do corpo. A escala e o objeto do controle, implicam em uma coerção ininterrupta, que tangem os processos da atividade mais que seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço e os movimentos dos indivíduos. Desses critérios nasceu o homem do humanismo moderno.
Arte das distribuições
A produção de um corpo dócil só é possível por intermédio de uma distribuição no espaço: um quadro onde cada um ocupe um lugar e se possa tirar o máximo de cada indivíduo. A arquitetura geral passa a ter o modelo dos conventos e dos monastérios, dos espaços individuais; um universo isolado, ilhas de disciplina, mas enumeradas e localizáveis.
Nas fábricas e nas escolas, os corpos são distribuídos de maneira a regular os fluxos, as relações, os afetos. Tem um lugar para ler, outro pra se divertir, outro para o estudo, outro pra trabalhar, cada coisa em seu lugar. As ligações devem ser ordenadas e delimitadas: cada aluno no seu lugar, cada operário devidamente posicionado na linha de montagem. Otimização do espaço, organização hierárquica do múltiplo para impor-lhe uma ordem: a massa confusa torna-se corpo de trabalho eficiente.
Controle das atividades
O relógio se tornou o grande senhor do nosso tempo, durante séculos, ordens religiosas foram as grandes especialistas nesse campo dos ritmos e atividades regulares. Hoje, encontramos isso em quase todas as instituições: o tempo é precioso e deve ser usado com destreza. Portanto, o corpo dócil deve ficar concentrado, puro, firme, agir com eficiência pelas várias etapas de seu dia.
O tempo possui o corpo dócil, impõe precisão, exatidão e o ritmo perfeito, o corpo é adaptado para passar longas horas na mesma posição, realizando a mesma tarefa. É preciso extrair mais tempo do tempo, e mais força de cada segundo conquistado. Através do cálculo infinitesimal, divide-se o tempo até o infinito, submetendo também infinitamente o indivíduo.
Organização das gêneses
A organização do espaço e do tempo leva diretamente à acumulação do saber e também à dominação e sujeição. O indivíduo a ser docilizado passa por várias etapas de formação: seu processo é dividido em classes, medido por provas, melhorado através exercícios, vestibulares e cursos de reciclagem. Uma série de estágios devem ser ultrapassados mas a formação nunca está concluída, desde os conteúdos mais simples até os mais complexos há sempre algo a se aprender.
O poder disciplinar concentra-se nos detalhes e acumula-se na repetição. Assim o homem “progride”, adquire “formação de qualidade”, torna-se útil e eficiente. A técnica que o funcionário domina é o atestado de sua submissão. O importante é o exercício. A repetição cria o “bom estudante” e o “funcionário exemplar”. “O exercício, transformado em elemento de uma tecnologia política do corpo e da duração, não culmina num mundo do além; mas tende para a uma sujeição que nunca terminou de se completar”.
Composição das forças
Todo treinamento converge para um ponto máximo onde a composição de forças gera o máximo de eficiência. Uma massa amorfa de indivíduos se torna agora um único corpo maquinal para guerrear, produzir, trabalhar, reprimir, exibir conhecimento e qualquer coisa que o poder necessitar. A soma é maior que as partes individuais, mas a organização é sempre
exterior, superior, normalizadora e é quase transcendente. O sinal do professor, do supervisor ou do coronel deve ser respeitado e obedecido imediatamente.
Os Recursos para o bom adestramento
A disciplina é uma técnica de domínio que diz que o ser humano é instrumento de poder e que o mesmo gera conhecimento: essa mesma técnica “fabrica” indivíduos, sendo assim, para ter sucesso na disciplina há vários fatores como: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. O objetivo da disciplina era capacitar indivíduos para que os mesmos pudessem ser úteis em alguma coisa, tornando corpo obediente.
A vigilância hierárquica
O exercício da disciplina supõe um aparelho no qual as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder. No decorrer da época, são construídos esses “observatórios” da multiplicidade humana. A extensão da vigilância hierárquica deve sua importância as novas mecânicas de poder. O poder disciplinar torna-se um sistema adaptado, que, ligado à economia, permite ao poder ser absolutamente indiscreto.
A sanção normalizadora
Para o autor, todos os sistemas disciplinares funcionam com algum mecanismo penal e são beneficiados por uma espécie de privilégio de justiça. As disciplinas estabelecem uma “infra-penalidade”, qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos que escapa aos grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença.
A disciplina traz consigo uma maneira específica de punir. O que pertence à penalidade disciplinar é a inobservância, tudo o que está inadequado à regra. A ordem que os castigos disciplinares devem fazer respeitar é de natureza mista.
O castigo disciplinar tem a função de reduzir os desvios. A punição disciplinar é, pelo menos por uma boa parte, próxima à própria obrigação; ela é menos a vingança da lei ultrajada que sua repetição, sua insistência redobrada.
A punição, na disciplina, não passa de um elemento de um sistema duplo: gratificação-sanção. E é esse sistema que se torna operante no processo de treinamento e de correção. Tal mecanismo permite operações características da penalidade disciplinar: em primeiro lugar, ao invés da simples separação do proibido, como é feito pela justiça penal, temos uma distribuição de pólo positivo e negativo; todo o comportamento cai no campo das boas e das más notas, dos bons e maus pontos. É possível, além disso, estabelecer uma contabilidade penal, que permite obter o balanço positivo de cada um.
A arte de punir, no regime do poder disciplinar, põe em funcionamento cinco operações: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto; diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto — que se deve fazer funcionar como média a respeitar; e por fim, medir em termos quantitativos e hierarquizar de acordo com as capacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos. Fazer funcionar a coação de uma conformidade a realizar. Enfim, traçar a fronteira externa do anormal.
O exame
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. O exame supõe um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder.
O exame inverte a economia da visibilidade no exercício do poder: tradicionalmente, o poder é o que se mostra, e, de maneira paradoxal, encontra o princípio de sua força no movimento com o qual a exibe. O poder disciplinar, ao contrário, se exerce tornando-se invisível: são os súditos que têm que ser vistos. E o exame é a técnica pela qual o poder, em vez de impor sua marca a seus súditos, capta-os num mecanismo de objetivação.
O exame situa os indivíduos numa rede de anotações escritas. Daí a formação de uma série de códigos da individualidade disciplinar que permitem transcrever, homogeneizando os traços individuais estabelecidospelo exame. Graças a todo esse aparelho de escrita que o acompanha, o exame abre duas possibilidades que são correlatas: a constituição do indivíduo como objeto descritível, analisável, sob o controle de um saber
permanente; e a constituição de um sistema comparativo que permite a medida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si, sua distribuição numa “população”.
O exame faz de cada indivíduo um “caso”. O caso é o indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e isso em sua própria individualidade; e é também o indivíduo que tem que ser treinado ou re-treinado, classificado, normalizado, excluído, etc. O exame, como fixação ao mesmo tempo ritual e “científica” das diferenças individuais, indica bem a aparição de uma nova modalidade de poder em que cada um recebe como status sua própria individualidade, a qual está estatutariamente ligada aos traços, às medidas, aos desvios, às “notas” que o caracterizam e fazem dele, de qualquer modo, um “caso”.
As disciplinas marcam o momento em que se efetua a troca do eixo político da individualização. Nas sociedades de que o regime feudal é apenas um exemplo, quanto mais o homem é detentor de poder ou de privilégio, tanto mais é marcado como indivíduo, por rituais, discursos, ou representações plásticas. Num regime disciplinar, a individualização, ao contrário, é “descendente” à medida que o poder se torna mais anônimo e mais funcional, aqueles sobre os quais se exerce tendem a ser mais fortemente individualizados; por “desvios” mais que por proezas.
Num sistema de disciplina, a criança é mais individualizada que o adulto, o doente o é antes do homem são, o louco e delinquente mais que o normal e o não-delinquente. O momento em que o normal tomou o lugar do ancestral, e a medida o lugar do status, substituindo a individualidade do homem memorável pela do homem calculável, esse momento em que as ciências do homem se tornaram possíveis, é aquele em que foram postas em funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia política do corpo. O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a “disciplina”. O poder produz: ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção.
O Panoptismo
Medidas tomadas, através de um regulamento, quando detectada uma grave peste na cidade, no fim do séc. XVII:
Primeiramente, policiamento estrito, fechamento e controle da cidade, proibição de sair de casa durante quarenta dias, sujeito à pena de morte. Cada rua da cidade é colocada sob autoridade de um síndico, que deve fechar as portas e levar consigo as chaves de cada casa. Dentre ruas e pequenos canais, se dá a chegada da comida, sem que haja comunicação entre os fornecedores e habitantes. Se alguém precisar sair de casa, tal coisa será feita por turnos, evitando qualquer encontro. Cada um fixa-se em seu lugar, e, se mover, corre perigo de vida.
No final de cada rua: Sentinelas, e inspeção constante. Há um intendente em cada quarteirão, que deve fazer uma visita diária e verificar o trabalho dos síndicos, que devem fazer rondas diárias. No início da ação, anota-se o papel de todos os habitantes presentes na cidade, um por um, estabelecendo: Sexo, nome e idade, sem exceção. Três exemplares desse documento são divididos entre: o intendente do quarteirão, a prefeitura, e o síndico, para que se realize a chamada diária, verificando-se na visita, mortes, doença e reclamações que são passadas aos intendentes e magistrados. Há apenas um médico: nenhum outro pode cuidar, nem preparar remédios sem receber autorização.
Cinco ou seis dias após o começo da quarentena,acontece a purificação das casas.Os moradores retiram-se, e começam a espalhar perfume nos cômodos, com portas e janelas bem trancadas, seguido da queima de perfume. Quatro horas depois os moradores podem entrar.
Cabia à autoridade suprir a peste, desfazendo todas as confusões, determinando a cada um seu lugar, seu corpo, sua doença e morte, e seu bem. Em torno da peste, ao invés do tumulto, divisões estritas: não às diversas personalidades, mas sim à determinação de seu verdadeiro cotidiano, incluindo nome, lugar. A peste, nesse contexto, provou que se pode definir idealmente o exercício do poder disciplinar
O autor analisa o poder disciplinar na sociedade moderna: é mais vantajoso para a economia vigiar do que punir, pois vigiar pessoas, mantendo-as conscientes desse processo, é uma maneira de evitar que desobedeçam a ordem e as leis, ameaçando o sistema de
“normalidade”. Segundo essa filosofia de vigilância constante, Jeremy Bentham criou o modelo arquitetônico do Panóptico: um edifício construído no formato circular, de forma a garantir a observação constante dos detentos nele contidos.
O Panóptico de Bentham tinha a seguinte configuração: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre, vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel. A construção periférica é dividida em celas com duas janelas cada, uma para o interior, voltada para a da torre e outra para o exterior, permitindo que a luz atravesse a cela de um lado a outro. Na torre central, um vigia, e em cada cela um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia.
Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. Cada um em seu lugar, trancado em sua cela de onde permanecem sob o olhar constante dos vigias. Se os detentos são condenados não há perigo de uma evasão coletiva e se são doentes, elimina-se o perigo de contágio. A massa compacta de pessoas, lugar de muitas trocas, é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas. Aos olhos do guarda, uma técnica controlável; para os detentos por uma solidão sequestrada e vigiada.
Eis efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento, de um modo consciente, uma forma que assegura automaticamente o poder, colocando-os presos numa situação na qual eles mesmos são portadores do poder, o poder de vigiar-se. Por isso Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível (sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado) e inverificável (o detento sempre deve achar que está sendo vigiado).
No Panóptico há duas situações opostas: da periferia, se é totalmente visto, sem nunca ver; da torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto. Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas: basta que as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas. Dispositivo importante, pois automatiza o poder por meio de uma maquinaria que assegura os
interesses, as diferenças, o desequilíbrio. Uma sujeição real nasce, de modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado a um bom comportamento.
Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos. Experimentar remédios e verificar seus efeitos. Tentar diversas punições sobre os prisioneiros, segundo seus crimes e temperamento, e procurar as mais eficazes. Ensinar simultaneamente diversas técnicas aos operários, estabelecer qual é a melhor. Particularmente, abordar o problema da educação, usando crianças; ver o que acontece quando rapazes de dezesseis ou dezoito anos se encontram com moças; verificar se, como pensa Helvetius, qualquer pessoa é capaz de aprender qualquer coisa; criar diversas crianças em diferentes meio de pensar, fazendo alguns acreditarem que dois e dois não são quatro e que a luaé um queijo; entre tantos outros experimentos sociais possíveis.
Ele é aplicável a todo estabelecimento, onde deverá haver um controle e vigilância. Em cada uma de suas aplicações, permite aperfeiçoar o exercício do poder, e isto de duas maneiras: porque pode reduzir o número dos que o exercem, ao mesmo tempo em que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido. O panoptismo é capaz de reformar a moral, preservar a saúde, revigorar a indústria, difundir a instrução, aliviar os encargos públicos, estabelecer a economia como que sobre um rochedo, desfazer, em vez de cortar, o nó górdio das leis sobre os pobres, tudo isso com uma simples idéia arquitetural.
O esquema panóptico, sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades, é destinado a se difundir no corpo social; tem por vocação tornar-se aí uma função generalizada. Enquanto a cidade pestilenta dava um modelo disciplinar excepcional, mas absolutamente violento, o panoptismo é suave e eficaz. Mas temos que reconhecer: ao lado das indústrias mineiras, da química que nascia, dos métodos de contabilidade nacional, ao lado dos altos-fornos ou da máquina a vapor, o panoptismo foi pouco celebrado e valorizado.
Instituições Completas e Austeras
O capítulo I desta parte traz a observância das instituições completas e austeras, tratando inicialmente da prisão e de que forma esta se constituiu fora do aparelho judiciário,
quando se elaboraram por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente; classificá-los, tirar deles o máximo de tempo e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza.
Na França, a cadeia se misturava com a prática do suplício. Ela era, na verdade, um carro que seguia por diversas cidades levando o condenado atrelado a instrumentos de tortura. A multidão participava desta “festa do suplício”, gritando e xingando contra o criminoso ou contra o excesso da punição. Ao mesmo tempo em que era repudiado, o criminoso participava também da festa, ganhava ares de notoriedade, uma vez que os jornais contavam seu nome e sua história antes dele chegar à cidade. Essa festa reservava prazeres que nem a liberdade era capaz de conceder.
Devido a tal fato, o carro-cadeia foi substituído pela carroça celular, que imitava um panóptico ambulante. Foucault resume a tese principal de seu livro ao mostrar que antes da prisão ser inaugurada como peça das punições, ela já havia sido gestada na sociedade a partir do momento em que os mecanismos de poder repartiam, fixavam, classificavam, extraíam forças, treinavam corpos, codificavam comportamentos, mantinham sob visibilidade plena, constituíam sobre eles um saber que se acumulava e se centralizava sobre os indivíduos.
Por isso, a prisão surge como algo inevitável, por mais que existissem outros projetos de punição de reformadores, por mais que ela recebesse críticas sobre sua ineficácia e seu perigo, desde seu pouco tempo, este deu lugar à prisão mais ou menos no formato em que a conhecemos hoje. Foucault ressalta que a prisão já apareceu cercada por críticas e desconfianças: ela não diminuía a taxa de criminalidade, mas aumentava; provocava reincidência, fabricava delinquentes, sobretudo por não tratá-los como seres humanos e abusar do poder, assim, tornando-os coléricos. Ainda, havia a corrupção, o medo e incapacidade dos guardas, especialmente para manterem sua segurança; exploração do trabalho penal, como venda de prisioneiros como escravos; do lado dos detentos, organização do crime, solidariedade e hierarquia entre os criminosos: as condições de identificação e vigilância dos ex-detentos os levavam a praticar novos crimes.
Até hoje as críticas são as mesmas: a prisão ao tentar corrigir não pune, gasta muito
para fazer um trabalho ineficaz. E a resposta é a mesma também: deve-se fazer exatamente o que está no roteiro para que a instituição seja eficaz: princípio da correção, da classificação, da modulação das penas, do trabalho como obrigação e como direito, da educação penitenciária, do controle técnico da detenção, das instituições anexas.
Torna-se então relevante o fato de que a prisão se fundamenta no aparelho para transformar os indivíduos, e o encarceramento penal recobre a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos. Nesse sentido, a prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo através de seus mecanismos internos de repressão e castigo. O isolamento é o seu primeiro princípio, porque a pena deve ser individual e individualizante, apagando as consequências nefastas que atrai ao reunir num mesmo local, condenados muito diversos.
Há que se concluir que não há uma justiça penal destinada a punir todas as práticas ilegais e que, para isso, utiliza-se a polícia como auxiliar, e a prisão como instrumento punitivo, podendo deixar no rastro de sua ação o resíduo inassimilável da delinquência. O maior objetivo da prisão foi ter fabricado a delinquência, fazendo-a legítima, aceita, por isso até hoje a prisão perdura. Concomitantemente, os jornais, os noticiários e a literatura constituíam a estética do crime que ajudava a legitimar a “produção da delinquência”. Mas, por outro lado, existia também um contra noticiário que jogava com os fatos dos crimes, mostrando a devassidão e a miséria espiritual em que viviam os burgueses, colocando culpa na sociedade pelos desfalecidos e criminosos das classes populares.
Foucault afirma que há uma utilidade nos fenômenos que a crítica à prisão denuncia: é que os castigos não objetivam suprimir as infrações, mas distingui-las, distribuí-las, utilizá-las; trata-se de uma tática geral das sujeições, visando uma dominação, uma administração das infrações e não exatamente um aparelho para tornar dóceis os que praticam os crimes. Daí, portanto, a solidão deve ser um instrumento positivo de reforma, assegurando o encontro do detento a sós com o poder que se exerce sobre ele.
Por outro lado, o trabalho penal deve ser concebido como sendo por si mesmo uma maquinaria que transforma o prisioneiro violento, agitado, irrefletido em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade. É preciso observar que por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir à responsabilidade de um delito, revela-se o caráter
delinquente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica. E distingue-se do infrator pelo fato de ser o autor de seu ato e estar amarrado ao seu delito por um feixe por fim.
Ilegalidade e Delinquência
No que se refere à lei, a detenção pode ser privação de liberdade. O encarceramento que a realiza sempre comportou um projeto técnico. A passagem dos suplícios, com seus rituais de ostentação, com sua arte misturada à cerimônia do sofrimento, à penas de prisões enterradas em arquiteturas maciças e guardadas pelo segredo das repartições, não é passagem a uma penalidade indiferenciada, abstrata e confusa; é a passagem de uma arte de punir a outra, não menos científica que ela. A cadeia, tradição que remonta à época das galeras, ainda subsistia sob a monarquia de julho.
As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta. A detenção provoca a reincidência; depois de sair da prisão, se têm mais chance que antes de voltar para ela. A prisão, conseqüentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinqüentes perigosos. Não pode deixar de fabricar delinqüentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa”Segundo o autor é também possível, em primeiro lugar, controlá-la (procurando os indivíduos, infiltrando-se no grupo, organizando a delação mútua): a agitação não precisa de uma população que pratica a ilegalidade de ocasião que é sempre susceptível de se propagar, ou ainda aqueles bandos incertos de vagabundos que recrutam segundo o itinerário ou as circunstâncias, desempregados, mendigos, refratários e que crescem às vezes — isso fora visto no fim dos anos 1900 — até formar forças temíveis de pilhagem e de motim, são substituídos por um grupo relativamente restrito e fechado de indivíduos sobre os quais se pode efetuar vigilância constante.
“A delinquência, esse outro meio, perigoso e por muitas vezes hostil, bloqueia ou ao menos mantém a um nível bastante baixo as práticas ilegais correntes (roubos, violências, rejeitadas ou desordem da lei), impede que elas resultem em formas amplas e manifestas, um pouco como se o efeito de exemplo que
antigamente se exigia da ostentação dos suplícios fosse procurado agora menos no rigor das punições que na existência visível, marcada, da própria delinquência: ao se diferenciar das outras ilegalidades populares, a delinquência pesa sobre elas”.
A utilização política dos delinquentes — sob a forma de espias, denunciantes, provocadores — era fato sabido bem antes dos anos 1900. Mas depois da Revolução essa prática tomou dimensões completamente diversas: a infiltração nos partidos políticos e associações operárias, o recrutamento de homens de ação contra os grevistas e amotinados, a organização de uma subpolítica — que trabalha em relação direta com a polícia legal e suscetível, em último caso, de se tornar uma espécie de exército paralelo — todo um funcionamento extralegal do poder foi em parte realizado pela massa de manobra constituída pelos delinquentes: polícia clandestina e exército de reserva do poder.
Todas essas vigilâncias pressupõem a organização de uma hierarquia em parte oficial, em parte secreta (era essencialmente na polícia parisiense o “serviço de segurança” que compreendia, além dos “agentes ostensivos” — inspetores e cabos — os “agentes secretos” e indicadores movidos pelo receio do castigo ou pela atração de uma recompensa).
Pressupõem também a organização de um sistema de documentação cujo centro se constitui pela localização e identificação dos criminosos: descrição obrigatória juntada aos mandados de prisão e às decisões do tribunal do júri, descrição anotada nos registros de entrada das prisões, cópia de registros do tribunal do júri e de juízes de execução, dirigidas de três em três meses aos Ministérios da Justiça e da Polícia Geral, um pouco mais tarde, no Ministério do Interior, organização de um fichário com lista alfabética de tais indivíduos.
A delinquência, com os agentes ocultos que proporciona, mas também com a quadriculagem geral que autoriza, constitui em meio de vigilância perpétua da população: um aparelho que permite controlar, através dos próprios delinquentes, todo o campo social.
Ora, essa delinquência própria à riqueza é tolerada pelas leis, e, quando lhe acontece cair em seus domínios, ela está segura da indulgência dos tribunais e da discrição da imprensa. Daí a ideia de que os processos criminais podem se tornar ocasião para um debate político, que é preciso aproveitar os processos de opinião ou ações intentadas contra os operários para denunciar o funcionamento geral da justiça penal:
A ordem social dominada pela fatalidade de seu princípio compressivo continua a matar pela mão do carrasco ou com as prisões aqueles cujo natural robusto rejeita ou desdenha suas prescrições, aqueles que por serem fortes demais para ficar presos nesses
cueiros acanhados, os desfazem e rasgam, homens que não querem permanecer crianças.
Então, não há natureza criminosa, mas jogos de força que, segundo a classe a que pertencem os indivíduos, os conduzirão ao poder ou à prisão: pobres, os magistrados de hoje sem dúvida povoariam os campos de trabalhos forçados.
O Carcerário
Neste capítulo final o autor escolhe abordar a formação do sistema carcerário - sistema esse que, para Foucault vai muito além da prisão: é todo o conjunto de instituições (orfanatos, estabelecimentos para aprendizes, fábricas-conventos, asilos, entre outros exemplos que são específicos da França do século XIX, mas que também são observáveis com adaptações em nossa realidade brasileira) às quais o indivíduo participa desde seu nascimento até a morte. A esse sistema, o estudioso atribui o nome de “arquipélago carcerário”, uma forma de transportar a técnica penitenciária de moldar o indivíduo para todo o corpo social, como forma de legitimá-lo e perpetuá-lo na sociedade.
Mettray
Sendo assim, Foucault coloca a data da abertura oficial da Colônia Penal de Mettray (22 de janeiro de 1840) como a data que se completa a formação desse sistema. Mettray era um reformatório privado para a reabilitação de crianças e adolescentes do sexo masculino, com idades entre 6 e 21 anos, numa época em que os delinquentes infanto-juvenis eram aprisionados em celas juntamente com adultos. O modelo adotado em Mettray, que segundo o autor é “a forma disciplinar no estado mais intenso, o modelo em que concentram todas as tecnologias coercitivas do comportamento”, possibilitou que um detento, ao sair, se queixasse por ter que deixar tão cedo a Colônia.
Em Mettray, os detentos se dividiam em pequenos grupos, as famílias, nas quais eram “irmãos”; mas as famílias também tinham um quê de modelo militar, pela maneira como se organizavam, com chefes e subchefes para cada seção, exercícios militares e toda uma
forma de organização do pessoal e dos pertences própria do exército. Ainda, o autor traz os modelos de oficina, escola (com uma hora de aulas diárias) e o modelo judiciário (com a distribuição diária de “justiça” à desobediência), como modelos presentes na dinâmica do reformatório. Como forma de punição, os detentos eram isolados em celas, sendo esse, o melhor meio de agir sobre a moral das crianças, pois é aí que a voz da moral religiosa poderia falar aos seus corações.
Para o autor, os chefes e subchefes de Mettray eram um pouco de juízes, professores, contramestres, pais, irmãos, “engenheiros da conduta, ortopedistas da individualidade”, fabricando corpos dóceis mas capazes, controlando as horas de trabalho, os exercícios físicos, as marchas, a limpeza, e até mesmo os banhos. Uma espécie de adestramento por observação permanente, avaliando constantemente o cotidiano dos detentos, registrando seu histórico e evolução até a sua situação depois de liberado.
Em Mettray, o conhecimento do indivíduo substituiu a modelagem do corpo, por meio de técnicas que induzem modos de comportamento e se misturam com a fixação de relações de poder, formando-se indivíduos submissos e hábeis. Ela se aproxima de outras formas de poder que lhe servem de apoio: a medicina, a educação geral e a religiosidade, mas não se confunde com estas. Nela, os homens da direção (chefes e subchefes, monitores ou contramestres) tinham que viver de modo próximo aos detentos, com roupas similares, submetendo-se aos mesmos aprendizados e mesmas coerções que os colonos, aprendendo a arte das relações de poder.
O Arquipélago Penal
Entretanto, o Foucault critica Mettray, dizendo que essa, a despeito de todas as suas singularidades, ainda é uma prisão, e por isso mesmo é peculiar que detenha, juntamente com os delinquentes, jovens que tenham sido absolvidos pelo judiciário, e ainda mais, alunos que estavam detidos a título de “correção paterna”: o autor coloca “Mettray, como modelo punitivo, está no limite da penalidade estrita.”, era a mais famosa de uma série de instituições que compõem o chamado “arquipélago penal”.
Ainda, há o apontamento da formação do continuam carcerário, responsável pela difusão das técnicas penitenciárias para as disciplinas mais inocentes, formando uma rede carcerária sutil, graduada - vai da instituição mais inofensivas (como os refúgios, as casas de
caridadee misericórdia, orfanatos) à prisão propriamente dita. Desta forma, a prisão se torna apenas mais um passo na vida de um indivíduo que está inserido nesse sistema, de forma a transformar a transição em algo sutil, imperceptível, sem grandes mudanças.
O estudioso aponta alguns efeitos desse arquipélago penal, que transporta as técnicas da instituição penal ao corpo social inteiro: 1) A continuidade das instituições que coexistem em um relacionamento gradual e recíproco (dos órgãos de assistência à prisão, passando pelo orfanato, a casa de correção, o batalhão disciplinar, a cidade operária, o hospital, e outros semelhantes), com continuidade e graduação dos mecanismos punitivos entre si. Foucault ainda aponta que entre a primeira das irregularidades e o último dos crimes o que há em comum “não é mais a falta, não é mais tampouco o ataque ao interesse comum, é o desvio e a anomalia”.
O “fora-da-lei”, que escapava ao domínio direto do poder, torna-se apenas um mito. Para ele, o século XIX construiu canais rigorosos que adestram a docilidade e fabricam a delinquência com os mesmos mecanismos que tentam corrigi-la. Segundo o autor, os estabelecimentos de beneficência “apresentam um conjunto admiravelmente coordenado por meio do qual o indigente não permanece um momento sem ajuda do nascimento até o túmulo”. Sendo assim, a rede carcerária não tem lado de fora, “o delinquente não está fora da lei; mas desde o início, dentro dela, (...) desses mecanismos que fazem passar insensivelmente da disciplina à lei, do desvio à infração”. Foucault afirma que o delinquente é um produto dessas instituições, e que a prisão é apenas a continuação natural de sua hierarquia percorrida em todos os passos.
Tal sistema carcerário torna natural e legítimo o poder de punir, trazendo tolerância à penalidade. “Com efeito, a grande continuidade do sistema carcerário por um lado e outro da lei e suas sentenças dá uma espécie de caução legal aos mecanismos disciplinares” de forma a tornar tão discreto quanto possível o poder de impor uma punição, deixando para trás o antigo excesso de poder característico dos antigos suplícios. Esse processo baixa o nível a partir do qual se torna por aceitável e natural ser punido.
Estabeleceu-se uma certa “vergonha de condenar”, e uma tendência cada vez maior dos juízes de tentar, com a ajuda de psiquiatras, peritos, médicos, estudiosos em geral, medir, avaliar e diagnosticar o delinquente, com uma certa “desnaturação” do poder judicial que os leva a ter, de fato, decisões regidas pelas leis. “Estamos na sociedade do professor-juiz,
do médico-juiz, do educador-juiz, do ‘assistente social’-juiz; todos fazem reinar a universalidade do normativo”.
A tessitura carcerária é, por suas características de captação do corpo e de observação perpétua do indivíduo, o aparelho punitivo que mais de adequa à nova economia de poder. “A rede carcerária constitui uma das armaduras desse poder-saber que tornou historicamente possíveis as ciências humanas. O homem conhecível (alma, individualidade, consciência, comportamento…) é o efeito-objeto desse investimento analítico, dessa dominação-observação”.
A solidez da prisão se explica por meio de todos esses dispositivos e estratégias de poder intrinsecamente estabelecidos na sociedade atual, por isso mesmo ela se sustém, apesar de já ter nascido desacreditada. Por fim, o autor termina dizendo que “se há um desafio político global em torno da prisão, este não é saber se ela será ou não corretiva; se os juízes, os psiquiatras ou os sociólogos exercerão nela mais poder que os administradores e guardas”, o desafio é encontrar uma alternativa â ela.
Relato anônimo
Foucault encerra sua obra com a análise de um trecho anônimo publicado à La Phalange em 1836, que trazia um tom crítico à sociedade parisiense toda organizada com diversas instituições, quartéis, tribunais, delegacias de polícia, e outras tantas. Para o autor, francês, seu país estava muito longe do que fora anteriormente, uma nação dos suplícios, rodas, forcas, guilhotinas; mas também estava longe do idealizado pelos reformadores “a cidade das punições, onde mil pequenos teatros levariam à cena constantemente a representação multicor da justiça”.
Para ele, o texto de La Phalange lembra que “a prisão não é filha das leis nem dos códigos, nem do aparelho judiciário” (p.334), mas são os códigos e o tribunal que estão subordinados à ela; que a prisão não está sozinha, mas ligada a uma série de outros dispositivos carcerários; que as transgressões não são a uma lei específica, mas a todo um aparelho de produção de delinquência; e, por fim, que o sistema carcerário não se sustenta em uma única instituição, que este sistema não é definitivo, mas compõe um leque de estratégias postas em uma batalha que ainda não cessou.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir, Nascimento das Prisões: 27. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.

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