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A Privatizacao da democracia Um Catalogo da captura corporativa no Brasil (1)

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00 - Título Nome do Autor
A PRIVATIZAÇÃO 
DA DEMOCRACIA
 Um catálogo da 
captura corporativa 
no Brasil
Organização
Gonzalo Berrón e Luz González 
00 - Título Nome do Autor
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO: CORPORAÇÕES E PODER POLÍTICO: 
NOTAS DO FRONT
LADISLAU DOWBOR
1. ALIMENTOS: CONCENTRAÇÃO 
E IMPACTOS SÓCIOAMBIENTAIS 
MARCEL GOMES
2. CTNBIO: 100% TRANSGÊNICOS 
YAMILA GOLDFARB
3. ENSINO SUPERIOR, POLÍTICA DE INCLUSÃO E NEGÓCIOS: 
OS CASOS DO PROUNI E DO FIES 
FILOMENA SIQUEIRA , DANIEL MARTINS SILVA
4. MEIO AMBIENTE: MENTIRAS VERDADEIRAS 
E VERDADES ESCANTEADAS 
JOANA CARDA
5. “DONOS DA MÍDIA” E DE MUITO MAIS 
VERIDIANA ALIMONTI, GUSTAVO GINDRE
6. O COMPLEXO “FÁRMACO-POLÍTICO”
NAJLA PASSOS
7. ARMAS PARA QUEM? POLÍTICA E ECONOMIA 
DE UMA INDÚSTRIA MORTAL
MARCEL GOMES, DANIEL SANTINI
8. HABITAÇÃO POPULAR, POLÍTICA DE INCLUSÃO E NEGÓCIOS:
UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA
PIERO LOCATELLI
SOBRE O VIGÊNCIA
CRÉDITOS E AGRADECIMENTOS
03
05
22
34
46
63
74
88
109
123
132
142
143
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 4
APRESENTAÇÃO
A presente publicação pretende fornecer uma “radiografia” da 
captura corporativa em alguns dos principais setores da econo-
mia brasileira no momento atual: alimentos, com especial des-
taque para o caso dos transgênicos (biossegurança); educação; 
finanças; juros; meio ambiente; mídia; saúde (indústria farma-
cêutica); segurança (indústria de armas); e setor imobiliário. 
Em cada um dos artigos a seguir, tentamos identificar (a) 
os mecanismos que as empresas utilizam para capturar o poder 
político e econômico em diversos setores da economia brasileira 
e (b) quem são os principais afetados por essa captura. 
Este é um documento elaborado de forma colaborativa com 
diversas organizações e indivíduos, e nossa intenção, ao compi-
lar esses casos, é a de fornecer informações e subsídios para ou-
tros indivíduos e organizações que atuem ou desejem atuar na 
defesa do interesse público e no combate à crescente desigualda-
de econômica no Brasil.
O texto completo e outras informações atualizadas so-
bre esses e outros setores estão disponíveis no site do Vigência: 
www.vigencia.org.
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 5
00 - Título Nome do Autor
INTRODUÇÃO
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 7
a- Novos e velhos desafios 
no quadro político brasileiro
Apresentamos esta publicação em meio a uma intensa discussão 
sobre a atuação dos poderes econômicos no Brasil e seu impacto 
sobre a nossa democracia. É um debate crucial, que deve apro-
fundar a análise sobre os efeitos estruturantes da participação 
política dos atores econômicos na economia e na sociedade, mas 
que não pode ser abordado levianamente, nem utilizado de for-
ma instrumental na contenda político-eleitoral, como tem sido o 
caso até agora: é preciso reconhecer a complexidade da interação 
Estado-empresas. 
Na contramão da banalização do debate sobre essa rela-
ção, que expõe contradições dos dois lados do espectro políti-
co, a proposta desta publicação é, por meio de estudos de caso 
em diferentes setores, fornecer um panorama da influência que 
as empresas exercem sobre os processos políticos no Brasil de 
forma a favorecer seus interesses privados. O que constatamos, 
após investigar os principais mecanismos dos quais elas se uti-
lizam em diferentes fóruns democráticos, é a existência de um 
ciclo perverso, que despreza os interesses de diversas parcelas 
da sociedade brasileira – sobretudo os dos trabalhadores e traba-
lhadoras do campo e da cidade – e radicaliza ainda mais as nos-
sas já profundas desigualdades sociais. 
Trata-se de um quebra-cabeça cujas peças centrais são: o 
capitalismo extremo, que fornece o marco para um cenário 
dinâmico no qual atores econômicos – que aqui denominamos 
genericamente “empresas”, mas que possuem diversas morfo-
INTRODUÇÃO
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 8
Introdução
logias, e incluem bancos e fundos de investimento – interagem 
entre si, ou com Estados e organismos internacionais, que 
não são outra coisa senão as entidades que representam a sobe-
rania popular nos regimes democráticos, e, por fim, os ativistas 
da sociedade civil, que participam nos níveis internacional e do-
méstico e que também se apresentam de múltiplas formas e com 
diversas densidades (movimentos sociais, sindicais e políticos, 
ONGs, redes, comunidades de base, afetados, formações políti-
cas diversas etc.). 
Nesse jogo, os atores econômicos tentam “capturar” as ins-
tituições de representação política nacionais e supranacionais, 
ou seja, os Estados e organismos internacionais, de diversas for-
mas, de modo que seus interesses se transformem em decisões 
públicas (leis e normas, políticas públicas, programas governa-
mentais, licitações, decisões judiciais) que favoreçam primor-
dialmente os interesses das empresas. Resta à sociedade civil a 
tarefa de denunciar e contra-arrestar essa captura pela via da 
disputa sobre os rumos do Estado através da mobilização civil, 
campanhas e outras atividades. 
É um jogo desigual, que se traduz em: a) crescente privati-
zação da democracia – ou seja, um cenário no qual, graças a diver-
sas formas de influência, empresários controlam mecanismos 
centrais da dinâmica democrática (eleições, trabalho parlamen-
tar, programas, obras, poder judiciário etc.) – que, por sua vez, 
resulta em b) políticas públicas, leis e acordos internacionais que 
favorecem os interesses econômicos das grandes corporações 
transnacionais e redundam em c) maior concentração econômi-
ca, que produz d) atores econômicos cada vez mais poderosos em 
relação às outras esferas da sociedade, cuja existência resulta em 
e) sociedades mais pobres, tanto em termos econômicos quanto 
de soberania. E são essas sociedades de extremos cada vez mais 
distantes, nas quais o interesse geral não tem expressão no sis-
tema de representação política, que têm sido a marca central do 
capitalismo global contemporâneo que chamamos de capitalis-
mo extremo.
Ou seja, o que constatamos é a vigência da contradição sim-
ples, mas tenaz e mutante, que jaz no cerne do capitalismo: a da 
dominância de grandes atores econômicos na arena política de 
democracias capitalistas de forma a explorar os demais setores 
menos favorecidos da sociedade. E este acúmulo respalda a ne-
cessidade de construir e sistematizar um debate público sobre a 
privatização da democracia brasileira no século 21. 
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 9
00 - Título Nome do Autor
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 10
b - Capitalismo extremo: 
concentração e desigualdade
Passados mais de 30 anos do início da chamada “globalização”, o 
modelo de mundialização da economia via abertura e desregula-
mentação global dos mercados em termos de comércio e inves-
timentos produziu um novo padrão de concentração e interna-
cionalização da economia. Ao mesmo tempo, operou uma feroz 
desorganização das relações no mundo do trabalho e configurou 
novas relações de consumo, padrões culturais e de relaciona-
mento com a natureza e com o nosso habitat rural e urbano. As 
crises condensadas no crack de 2008 desnudaram, por um lado, 
o caráter mais selvagem e irracional dessa globalização e, por 
outro, a resiliência do “mercado” e, sobretudo, a promiscuidade 
entre os interesses privados, – as empresas – e as agências públi-
cas – os governos e as entidades governamentais internacionais. 
O saldo geral desse processotem sido uma economia trans-
nacional fora do controle dos governos nacionais, nas mãos de 
um número cada vez menor de grupos econômicos e uma distribui-
ção de riqueza recordista em termos de desigualdade. A concentra-
ção e a desigualdade são as duas características centrais do que cha-
mamos de capitalismo extremo: a extrema concentração de riquezas e 
a tendência à extrema concentração da propriedade das empresas.
Cada vez menos e maiores empresas 
O artigo de Ladislau Dowbor nesta publicação cita um estudo do 
Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica que selecionou 
os 43 mil grupos empresariais mais importantes do mundo e 
analisou como se dá, por meio de participações cruzadas e fu-
sões interempresariais, o controle do conjunto. A pesquisa “che-
gou a uma cifra impressionante que mudou a visão que temos 
do sistema econômico mundial: 737 grupos apenas controlam 
80% do mundo corporativo, sendo que, destes, um núcleo de 147 
controla 40%”. Destes 147, 75% são essencialmente grupos finan-
ceiros. “Um grupo tão limitado não precisa fazer conspirações 
misteriosas, são pessoas que se conhecem no campo de golfe ou 
no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam confortavelmente en-
tre si”, afirma Dowbor. “Falar em mecanismos de mercado neste 
clube restrito não faz muito sentido.”1 
No Brasil, é forte a existência de “conglomerados empre-
sariais” que possuem donos com propriedade cruzada em várias 
1 
Vitali, Glattfelder e Battistoni, 
Zurich, 2011; Ver “A rede do po-
der corporativo mundial”, 2012. 
Disponível em: http://dowbor.or-
g/2012/02/a-rede-do-poder-cor-
porativo-mundial-7.html/.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 11
empresas. Segundo Lazzarini, são entidades que surgem “devido 
a dois atributos típicos das redes societárias brasileiras: os con-
sórcios (vários donos associados a um mesmo projeto ou empre-
sa) e as pirâmides de controle (donos com participações em uma 
empresa intermediária que, por sua vez, agrega posições em di-
versas outras)”.2 O autor chama a atenção para o vínculo direto 
ou indireto desses aglomerados com o BNDES ou os fundos de 
pensão das estatais. Segundo ele, o principal problema é justa-
mente a redução da competição: “se três grupos se juntam em 
um consórcio, são dois concorrentes a menos em um setor”.3 A 
cartelização é o passo seguinte.
Uma outra característica desse fenômeno no nosso país tem 
sido a aceleração das fusões e aquisições. Em uma fusão, duas (ou 
mais) empresas viram uma, na aquisição, uma (ou mais) empresas 
compram outra – ou seja, nas duas operações, sempre ocorre a di-
minuição de ao menos uma entidade.4 No período de 2002 a 2015, 
a velocidade das fusões e aquisições pulou de uma média de 384 
em 2002/2005, para 646 em 2006/2009 e, finalmente, para 793 em 
2010/2015.5 Ou seja, dobraram em um período de menos de dez 
anos. Alguns exemplos desse tipo de operações ocorrem em áreas 
com muito impacto na vida cotidiana dos cidadãos. Em 2015, a ame-
ricana United Health, que já comprara a Amil em 2012 por R$ 10 
bilhões, comprou o Hospital Samaritano de São Paulo por R$ 1,3 bi-
lhão. Na área da educação, a fusão entre os grupos Kroton e Anhan-
guera em 2014 criou uma empresa com valor de mercado de mais 
de R$ 24 bilhões e, no ano seguinte, a Estácio Participações, um dos 
maiores grupos educativos particulares do país, adquiriu a Faculda-
de Nossa Cidade pelo valor de R$ 90 milhões. No setor de alimentos, 
em 2012, o grupo francês Casino assumiu o controle do Grupo Pão 
de Açúcar, e, entre outros exemplos, em 2015, a Hortifruti comprou a 
sua concorrente em São Paulo, a Natural da Terra. No setor de turis-
mo, também no ano passado, a CVC comprou a Submarino viagens 
por R$ 80 milhões. Isso quer dizer que menos atores possuem cada 
vez maiores participações no “mercado” (market share), tornando-se, 
por isso, mais poderosos na determinação dos preços, da qualidade 
dos produtos e dos serviços, além das condições impostas aos seus 
usuários, consumidores e fornecedores.
A cada dia, um Brasil e um mundo mais desiguais
A Oxfam liberou em janeiro deste ano um informe baseado no 
relatório do Credit Suisse que afirma que “a distância entre ricos 
e pobres está chegando a novos extremos”, sendo que “o 1% mais 
rico da população mundial acumula mais riquezas atualmente que 
2 
Lazzarini, Sérgio G. Capitalis-
mo de Laços. São Paulo: Cam-
pus, 2011.
3 
Lazzarini, op. cit. p.112.
4 
Há operações mais complexas 
que implicam a compra de par-
tes ou ações de uma determinada 
empresa (compra de participa-
ções não-controladoras), ou duas 
empresas que criam uma terceira 
sem desaparecer (Joint Venture).
5 
Pricewaterhouse and Cooper. 
“Fusões e Aquisições no Brasil, 
Dezembro de 2015”, 2016. Dis-
ponível em: http://www.pwc.
com.br/pt/publicacoes/servicos/
assets/fusoes-aquisicoes/2015/
pwc-fusoes-aquisicoes-dezem-
bro-15.pdf.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 12
todo o resto do mundo junto”. Para a organização, “essa é apenas a 
evidência mais recente de que vivemos atualmente em um mundo 
caracterizado por níveis de desigualdade não registrados há mais 
de um século”. 
Segundo a Oxfam, “a crescente desigualdade econômica é 
ruim para todos nós – ela mina o crescimento e a coesão social. No 
entanto, as consequências para as pessoas mais afetadas pela po-
breza no mundo são particularmente graves”.6 Segundo o relatório:
 
- Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma ri-
queza que 3,6 bilhões de pessoas – a metade mais afetada 
pela pobreza da humanidade. Esse número representa uma 
queda em relação aos 388 indivíduos que se enquadravam 
nessa categoria há bem pouco tempo, em 2010. 
- A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou 
em 45% – ou mais de meio trilhão de dólares (US$ 542 bi-
lhões) – nos cinco anos posteriores a 2010, saltando para 
US$ 1,76 trilhão. 
- A riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de 
US$ 1 trilhão no mesmo período – uma queda de 38%. 
- Desde a virada do século, a metade da população mundial 
mais afetada pela pobreza ficou com apenas 1% do aumen-
to total da riqueza global, enquanto metade desse aumento 
beneficiou o 1% mais rico da população. 
- O rendimento anual médio dos 10% mais pobres da po-
pulação mundial aumentou menos de US$ 3 em quase um 
quarto de século. Sua renda diária aumentou menos de um 
centavo a cada ano. 
Se a situação mundial é preocupante, a América Latina e 
o Brasil permanecem em situação particularmente crítica em 
termos de distribuição de riquezas. Nosso país é um dos mais 
desiguais do mundo: 0,5% da população economicamente ativa 
concentra 43% da riqueza7 e os 8% mais ricos possuem 87% da 
riqueza8. Apesar de políticas redistributivas nos últimos anos 
terem contribuído para aumentar a participação dos mais po-
bres na riqueza nacional, o processo de acumulação do capital 
tem crescido velozmente - enquanto o PIB cresceu 19% entre 
2007 e 2013, por exemplo, a renda dos “super-ricos” (0,3% dos 
declarantes) subiu 39% – e, segundo alguns autores, chega a neu-
tralizar a recente melhoria na distribuição de renda 9.
6 
Oxfam Brasil. “A Economia para o 
1%”, 2016. Disponível em: http://
www.oxfam.org.br/noticias/rela-
torio_davos_2016 e 
http://www.oxfam.org.br/sites/
default/files/arquivos/Infor-
me%20Oxfam%20210%20-%20
A%20Economia%20para%20
o%20um%20por%20cento%20
-%20Janeiro%202016%20-%20
Relatório%20Completo.pdf.
7
Gobetti, S. e Orair, R. Jabuticabas 
Tributárias e a Desigualdade no Bra-
sil, Valor Econômico, 31.jul.2015. 
Disponível em <http://www.
valor. com.br/opiniao/4157532/
jabuticabas- tributarias-e-desi-
gualdade-no-brasil>.
8
Avila, R. Os dados da riquezado Bra-
sil e a estrutura tributária, Brasil De-
bate, 8.jan.2015. Disponível
em http://brasildebate.com.br/ 
os-dados-da-riqueza-do-brasil
-e-a- estrutura-tributaria.
9
Silveira, C. Breves considerações
sobre IR e a distribuição de renda no 
Brasil, Brasil Debate, 21.ago.2015. 
Disponível em http://brasildeba-
te. com.br/breves-consideraco-
es-sobre-ir- e-a-distribuicao-de
-renda-no-brasil.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 13
c- Os afetados
O capitalismo extremo tem custos políticos, sociais, econômicos, am-
bientais e culturais. Tem impacto na saúde da população, cujo aces-
so a medicamentos é limitado pelo preço proibitivo que o sistema 
de patentes assegura às empresas farmacêuticas. Afeta também a 
educação, porque, com um sistema público insuficiente, as pessoas 
ficam a mercê das ofertas “particulares”, que são de pior qualidade 
no caso das universidades ou caras demais no caso do ensino primá-
rio e secundário, quando o direito à educação deveria ser garantido 
pelo Estado. Tem custo para o bolso dos consumidores, que arcam 
com juros exorbitantes só aplicados no Brasil, e para os que procu-
ram uma moradia digna, mas não conseguem ter acesso a ela tanto 
por causa do alto preço dos aluguéis e imóveis em um mercado de 
escassez dominado por agentes privados especulativos quanto pela 
dificuldade em obter crédito.
Esse sistema impõe custos aos pequenos produtores agríco-
las, que ficam reféns dos “contratos de serviço” com as grandes pro-
cessadoras de alimentos, ou a cada dia mais dependentes dos agro-
tóxicos e das sementes transgênicas vendidas com exclusividade 
por algumas transnacionais. Prejudica a saúde de quem se alimenta 
desses produtos produzidos com crescentes doses de veneno. Tem 
impacto sobre todos os seres que vivem neste planeta, ao impor 
obstáculos ou deturpar as políticas para frear o aquecimento global, 
e efeitos diretos nas populações cujo ambiente de vida e forma de 
sustento são alteradas pela construção de barragens e obras como 
Belo Monte. Afeta os jovens, em particular negros e negras, que 
morrem assassinados por causa dos lobbies da “bala”, que, por um 
lado, promovem a venda de armas e a cultura da violência e, por ou-
tro, a ideia de que o Estado deve se equipar cada vez mais para com-
bater a violência e a criminalidade, o que resulta em nosso altíssimo 
índice de letalidade policial e na cada vez mais intensa repressão às 
manifestações sociais com novas armas menos letais. Ao acirrar a 
concentração da capacidade de transmitir informação e produzir 
cultura, também impacta toda a população, que fica refém do olhar 
interessado dessas poucas fontes. 
São muitos os afetados – homens e mulheres, jovens e velhos, 
negros, brancos, índios, urbanos, rurais, migrantes. Por limitações 
de tempo e de recursos, esta publicação só pôde tratar de alguns se-
tores. Mas este catálogo não teria sentido não fosse para chamar a 
atenção para os impactados, sobretudo daqueles com menos recur-
sos para se defender.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 14
00 - Título Nome do Autor
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 15
d- A captura corporativa
O poder estrutural das empresas
O papel dos chamados “grupos de interesse”, incluindo em-
presas e associações empresariais, no desenho e implementação 
de políticas públicas tem interessado a cientistas sociais há pelo 
menos quatro décadas. Marxistas chamaram atenção para o poder 
estrutural das elites econômicas, que advém tanto de seu domínio 
ideológico – ou seja, seu poder de neutralizar ideias contrárias 
a seus interesses10– quanto de seu poder econômico: por terem 
a capacidade de aumentar ou reduzir seu investimento, criar 
ou reduzir empregos e determinar outros fatores cruciais para 
o desempenho das economias nacionais, empresários não pre-
cisam fazer nada para ter seus interesses defendidos pelos go-
vernantes, sempre temorosos dos efeitos eleitorais da retração 
econômica11. O conceito de “posição privilegiada dos interesses 
empresariais”, de Charles Lindblom (1977), pretendia sintetizar 
a ideia de que o setor empresarial tinha um papel privilegiado 
diante de outros grupos sociais devido ao seu poder estrutural na 
economia. Diferentemente de perspectivas que atestavam a neu-
tralidade política das entidades econômicas, defendia-se que o 
Estado, nas democracias capitalistas, funcionava como uma fer-
ramenta do poder empresarial. Também os teóricos pluralistas, 
que descreviam o sistema democrático como uma poliarquia de 
diferentes grupos competindo cada um por seus próprios inte-
resses12 apontavam as empresas como grupos particularmente 
aptos a exercer pressão política sobre os governos, principal-
mente por terem mais recursos para tanto13.
A chamada globalização econômica adicionou novas di-
mensões à questão da captura ao reduzir o espaço político (policy 
space) de que dispõem os países para legislar.14 A crescente mo-
bilidade do capital e consequente competição por investimentos, 
por exemplo, aumentou o poder estrutural do capital privado ao 
fazer com que grupos de investidores ganhassem o que Susan 
Strange15 chamou de “autoridade para recompensar ou punir” 
políticas econômicas de países por sua simples capacidade de 
mover fábricas ou recursos de um país para outro. Assim, quan-
do normas são percebidas por governantes ou legisladores – ou 
apontadas por governos estrangeiros – como prejudiciais a esse 
“ambiente favorável” ou à competitividade do país nos merca-
dos internacionais, elas podem ser abandonadas ou ameniza-
das, mesmo que tenham sido implementadas em nome do bem 
10
Por exemplo, Poulantzas, N. “The 
problems of the capitalist state.” 
In: J. Urry e J. Wakeford (eds.) 
Power in Britain. London: Hei-
nemann Educational Books, 1973; 
e Miliband, R. The State in Ca-
pitalist Society. London: Quar-
tet Books, 1969.
11
Przeworski, A. e Wallerstein, M. 
“Structural Dependence of the 
State on Capital.” American Poli-
tical Science Review 82:1, 1988; Far-
nsworth, K. “Business, politics, 
policy and power” In: Hodgson, 
Susan M. e Irving, Zöe (org.). 
Policy Reconsidered: Mea-
nings, Politics and Practices, 
Bristol: Policy Press, 2007.
12 
Dahl, R. A. Polyarchy: partici-
pation and opposition. New 
Haven: Yale University Press, 
1973.
13 
Dahl, R. A. e Lindblom, C. E. Poli-
tics, economics and welfare. 
Chicago: University of Chicago 
Press, 1976; e Lindblom, C. E. Po-
litics and Markets. New York: 
Basic Books, 1977. Pesquisadores 
da área da economia também têm, 
desde Stigler, se dedicado a ma-
pear os fatores que levam regula-
dores, que deveriam agir guiados 
pelo interesse público, a desenhar 
e implementar normas favoráveis 
ao setor que deveriam estar regu-
lando – a chamada captura regula-
tória. O foco da literatura sobre a 
chamada captura regulatória tem 
sido o mapeamento de incentivos 
e desincentivos para a captura dos 
reguladores e legisladores em âm-
bito doméstico. Para um resumo 
das principais contribuições, ver 
Dal Bó, 2006.
14 
O período também viu o surgi-
mento de diversos novos grupos 
de interesse, tais como empresas 
transnacionais.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 16
público, sendo que o poder estrutural das empresas é tão maior 
quanto for a dependência desses governos de investimentos es-
trangeiros ou da exportação de poucas variedades de matérias
-primas ou commodities.16 
Exemplos do poder estrutural das empresas não faltam no 
Brasil. A política fiscal seja talvez o cenário no qual esse poder 
se mostre mais claramente. Apesar de o Brasil ser um dos únicospaíses do mundo a não taxar lucros e dividendos de empresas 
no imposto de renda de pessoa física, o que priva o país de uma 
receita extra de cerca de R$ 43 bilhões por ano,17 por exemplo, a 
elite econômica ameaça retirar o apoio ao governo a cada tenta-
tiva de ajustar a política fiscal no sentido de repartir a conta com 
o setor mais rico, e afirma que a única solução para equilibrar as 
contas da nação é cortar gastos sociais. As desonerações fiscais 
concedidas pelo governo a certos setores, sem nenhuma condi-
ção social em troca, já custaram ao país mais de R$ 260 bilhões, 
sendo R$ 68 bilhões só entre 2011 e 2014.18 
As formas de captura 
Captura política – As empresas não têm poder estrutural su-
ficiente para determinar as ações de todos os governos em todos 
os setores. A tentativa de atrair votos e/ou a pressão de outros 
grupos de interesse (sindicatos, associações ambientalistas e ou-
tras) contribuem para que políticos decidam regular certas ati-
vidades empresariais. Os empresários afetados passam, então, a 
se engajar ativamente para influenciar o desenho e a implemen-
tação de políticas – seja por meio do lobby, do financiamento de 
campanhas políticas, do apoio a think tanks, cientistas ou insti-
tutos de pesquisa que contribuem para a definição de agendas 
e issues, da participação institucional em comissões e agências 
reguladoras, ou outros.19 
Chamamos de captura política a influência assimétrica, ou 
desproporcional em relação a outros atores sociais, das empre-
sas privadas ou entidades representativas do setor sobre os pro-
cessos e instâncias de tomada de decisão dos poderes públicos, 
de forma a beneficiar seus próprios interesses, muitas vezes em 
detrimento do interesse público. 
Na captura política, as decisões sobre a elaboração e modi-
ficação das leis (de competência do Legislativo), sobre a interpre-
tação e aplicação das leis (Judiciário) e sobre o desenho e execu-
ção das políticas públicas (Executivo) são influenciadas para que 
seja favorecido o lucro de atores econômicos específicos. 
15 
Strange, S. “Territory, State, Au-
thority and the Economy: A New 
Realist Ontology of Global Politi-
cal Economy”. In: Robert Cox (ed.) 
The New Realisms: Perspec-
tives in Multilateralism and 
World Order. Tokyo: United 
Nations University Press, 1997.
16 
Farnsworth, K. and Holden, 
C. “The Business-Social Policy 
Nexus”. Journal of Social
Policy, vol. 35, issue 3, 2006. A 
crise financeira de 2008 renovou 
o interesse das sociedades por 
uma maior regulação do merca-
do, sobretudo o financeiro. Por 
isso, toda a discussão em torno 
da teoria da “captura regulatória” 
ainda é muito atual para com-
preender o tamanho do poder 
que o mercado, especialmente as 
grandes empresas, têm diante da 
sociedade (Etzioni, Amitai. The 
capture theory of regulations—
Revisited.  Society, v. 46, n. 4, p. 
319-323, 2009.). Estudos sobre 
o papel dos grupos de interesse 
demonstram que, tradicional-
mente, os atores empresariais, 
mais do que outros, conseguem 
assegurar decisões em seu favor. 
Em debates que exigem alto co-
nhecimento técnico, por exem-
plo, empresas e entidades repre-
sentativas, respaldadas por mais 
informação, podem promover 
mais facilmente, entre os agentes 
públicos, uma agenda ou deci-
são congruentes com seus inte-
resses particulares (Culpepper, 
Pepper D.  Quiet politics and 
business power: Corporate 
control in Europe and Japan. 
Cambridge: Cambrigde Universi-
ty Press, 2010.). Não por acaso, os 
governos estabelecem interações 
estreitas com os empresários em 
processos decisórios, sobretudo 
naqueles em que há necessidade 
de informações precisas e experti-
se numa determinada agenda política.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 17
O enfraquecimento ou a diluição de regulações que contro-
lam a conduta de determinado setor econômico, o conhecimento 
antecipado de planos ou programas governamentais, a partici-
pação em conselhos ou comissões encarregadas de desenhar ou 
implementar políticas públicas, o financiamento de campanhas 
políticas, o lobby e a promoção de bancadas parlamentares no 
Congresso, bem como a contratação de políticos e funcionários 
públicos com contatos no governo são alguns dos mecanismos 
utilizados por empresas para influenciar as decisões políticas. 
No Brasil, a captura política ocorre em cada um dos se-
tores-chave da economia: grandes empresas de biotecnologia 
pressionam pela autorização da comercialização de produtos 
pouco seguros; farmacêuticas influenciam o desenho de leis de 
patentes para lucrar o máximo possível com medicamentos es-
senciais; donos de emissoras de rádio e TV elegem-se deputa-
dos para aprovar leis que os favoreçam; empreiteiras financiam 
campanhas políticas para garantir que seus interesses sejam de-
fendidos no Legislativo e no Executivo etc.
Além da captura institucional, as empresas também ten-
tam influenciar decisões políticas por meio do que chamamos 
de captura “cultural” ou “ideológica”. Esse tipo de captura ocorre 
quando os atores econômicos, por meio dos meios de comunica-
ção, da publicidade, da produção de conhecimento “científico” e 
de outros mecanismos, disseminam visões de mundo, valores ou 
conceitos determinando quais são as formas mais desejáveis de 
agir, consumir e pensar, ou difundindo a ideia de que essas são 
as únicas possíveis formas de ação, consumo ou pensamento. 
Pior ainda é a tentativa de diversos atores econômicos de incutir 
a ideia de que agir de acordo com seus interesses equivale a agir 
de acordo com o interesse público. Entre os exemplos notórios 
de captura ideológica no âmbito global estão aqueles perpetra-
dos pela indústria farmacêutica, que dissemina a ideia de que o 
desenvolvimento de novos medicamentos só é possível graças 
ao atual sistema de patentes; e o das empresas de petróleo que 
financiam cientistas e congressos que afirmam que a mudança 
climática não existe. 
Além disso, grandes empresas têm a capacidade de forta-
lecer ideologias favoráveis aos seus interesses colaborando com 
determinadas classes políticas, seja deslegitimando um governo 
sob ataque ou apoiando operações que subvertem o jogo demo-
crático, tais como golpes de Estado. Casos históricos de destaque 
são: o papel da empresa norte-americana ITT no Chile em 1973 
(ajudando financeiramente a derrubada de Salvador Allende), ou 
17 
Vila, Isabela. “Imposto sobre 
lucros e dividendos geraria R$ 
43 bi ao ano”, Carta Maior, 17 set. 
2015. Disponível em: http://
cartamaior.com.br/?/Editoria/
Economia/Imposto-sobre-lucros
-e-dividendos-geraria-R$-43-bi
-ao-ano/7/34522.
18 
Inesc. “Estudo do Inesc reve-
la que desonerações tributárias 
afetaram investimento social”, 7 
set. 2015. Disponível em: http://
www.inesc.org.br/noticias/no-
ticias-do-inesc/2015/setembro/
estudo-do-inesc-revela-que-de-
soneracoes-tributarias-afetaram
-investimento-social.
19 
Farnsworth, K. and Holden, 
C. “The Business-Social Policy 
Nexus”. Journal of Social
Policy, vol. 35, issue 3, 2006.
Segundo alguns pesquisadores, 
empresas dependentes de tran-
sações com governos tendem a 
dedicar mais recursos à atuação 
política. Após analisar 24 estu-
dos sobre a atuação das empre-
sas como grupos de interesse em 
Washington, Grossman (2014) 
concluiu que os setores mais ati-
vos são aqueles que têm mais a 
perder com ações governamen-
tais (seja pela decisão de parar 
de comprar seus serviços ou pela 
de restringir suas atividades por 
meio de normas).
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 18
as relações de apoio mútuo entre empresariado e regime militar 
no Brasil (1964-1985). 
Captura econômica – As empresas privadas tambémse utili-
zam de seu poder econômico para se apropriar de uma fatia des-
proporcional da riqueza social ou dos bens comuns, em um pro-
cesso que chamamos de captura econômica. A financeirização de 
praticamente todos os setores da economia, a manutenção de altas 
taxas de juros e a ameaça por grupos de investidores de retirar in-
vestimentos de determinado país caso certas condições econômi-
cas não sejam cumpridas são exemplos das formas pelas quais as 
empresas se utilizam de seu poder econômico para ampliar ainda 
mais a concentração de riqueza em suas mãos. A área social não 
escapa desta lógica: previdência social, saúde, educação, sane-
amento e mobilidade também se transformaram em objetos da 
acumulação dos mercados financeiros. 
A captura no âmbito internacional – A captura corporativa evi-
dentemente não ocorre apenas no nível nacional. Tanto pelo ca-
ráter transnacional das maiores empresas operantes hoje quanto 
pela ausência de mecanismos regulatórios globais eficazes para 
lidar com elas, a esfera internacional é terreno fértil para todos os 
tipos de captura. 
Para Gleckman, o modelo de governança global atual está fa-
lido: suas instituições estão falidas, já que são “remanescentes do 
‘estado-centrismo’” e “está demonstrado que não são capazes de 
governar a globalização contemporânea, conter a mudança climá-
tica ou dar conta das falências sociais sistêmicas”.20 Por um lado, 
as empresas foram adquirindo nos anos da globalização um cres-
cente peso político devido aos ganhos de escala de seus mercados 
e de sua produção, que impulsionaram a “necessidade” das fusões 
e aquisições, resultando em maior concentração e volume das em-
presas na economia global. 
Por outro lado, o sistema se ressente da ausência de uma 
institucionalização da participação que defina regras para criar 
condições de concorrência equitativa entre sociedade civil e em-
presariado nos processos políticos globais.21 No Brasil, por exem-
plo, ainda não foi possível criar espaços institucionalizados para 
a democratização das decisões da política externa, reivindicação 
de muitos atores sociais. Na Europa, o Corporate Europe Observa-
tory (CEO), uma organização sediada em Bruxelas que monitora 
os lobbies empresariais sobre as instituições da União Europeia, 
fez um levantamento sobre a influência das empresas nas nego-
ciações da Associação Transatlântica sobre Comércio e Investi-
mentos – mais conhecida pela sua sigla em inglês, TTIP. O CEO 
20 
Gleckman, Harris Multi-stake-
holder governance seeks to 
dislodge multilateralism 
em The State of Civil Socie-
ty Report, Johanesburg: Civi-
cus, 2014. Disponível em: http://
c i v i c u s . o r g /i m a g e s /s to r i e s /
SOCS%202014.pdf, p.183.
21 
Milkler, John. Global Companies 
as actors in Global Policy and 
Governance. In: Mikler, John 
(org.)    The Handbook of Glo-
bal Companies. Malden: Wiley
-Blackwell, 2013.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 19
constatou que, para elaborar a proposta da UE, foram realizadas 
528 reuniões, das quais 88% foram com lobistas empresariais e só 
9% com grupos de interesse público. A cada dez reuniões com os 
empregadores, por exemplo, houve uma com os trabalhadores. 
A maioria das empresas ou associações empresariais eram euro-
peias, mas foram ouvidos também lobistas dos Estados Unidos. 
Um dos temas prioritários para esse setor foi o da “cooperação 
regulatória”, uma série de ferramentas para as empresas pressio-
narem em Bruxelas, Washington ou outras capitais contra leis ou 
normas que pudessem “ferir interesses empresariais”, geralmente 
contra outros grupos sociais22 – ou seja, garantias para proteger as 
eventuais vantagens adquiridas no TTIP de futuras “ingerências” 
políticas por parte dos Estados.
Outro mecanismo de captura utilizado pelos atores eco-
nômicos na esfera internacional é a chamada abordagem mul-
tissetorial (multistakeholder approach), que advoga a participação 
igualitária de atores privados e públicos nos processos globais de 
tomada de decisão. O Fórum Econômico Mundial, por exemplo, 
levou adiante um amplo processo de consulta e produziu um do-
cumento chamado “Iniciativa de Redesenho Global” (Global Rede-
sign Initiative), que se pretende o “manual mais abrangente para 
um sistema de governança global pós-Estado-nação”, do qual a 
abordagem multissetorial é parte central. O informe afirma que “a 
governança multissetorial é uma modalidade parcial de substitui-
ção das decisões intergovernamentais”. Essa forma de lidar com 
a governança que tem sido promovida também em vários níveis 
dos órgãos da ONU, os quais têm recomendado “institucionalizar 
a parceira público-privado no nível global”.23 
A captura e o enfraquecimento da democracia 
A captura política e a captura econômica por empresas privadas são 
problemáticas não apenas por contribuírem para que o interesse 
privado prevaleça sobre o interesse público, ampliando ainda mais 
a desigualdade econômica e social tanto dentro de um país quanto 
entre países, mas também porque enfraquecem a própria demo-
cracia. Em primeiro lugar, gera-se um sentimento de “impotência 
institucional” – ou seja, cidadãos sentem que não há instâncias às 
quais recorrer (ou, se as há, não sabem quais são) para lidar com os 
problemas que enfrentam, já que as instâncias existentes presu-
mem Estados mais fortes do que empresas privadas. Além disso, a 
super-representação de grupos minoritários em fóruns democrá-
ticos contribui para a percepção por parte dos cidadãos de que as 
instituições democráticas não os representam. 
22
Veja toda a informação no link do 
CEO www.corporateeurope.org.
23 
Gleckman, Harris “Several exam-
ples of practical multistakehol-
der governance exist already: the 
Marine Stewardship Council, the 
Forest Stewardship Council, the 
Global Fund to Fight AIDS, Tu-
berculosis and Malaria, the Kim-
berley Process to certify un-cut 
diamond sales and the UN Secre-
tary-General’s new UM Partner-
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 20
e- Algumas rotas de fuga
Como avançar rumo ao desmantelamento da captura corpora-
tiva, das desigualdades que ela gera e da regulamentação dos 
atores econômicos, em um mundo crescentemente interdepen-
dente, mas que opera totalmente fora do controle e da soberania dos 
povos? Quaisquer possíveis soluções para essa pergunta devem in-
cluir a participação dos principais afetados pela captura, e não fin-
gimos aqui termos receitas para resolver esse problema. Propomos, 
contudo, que é necessário pulverizar o excesso de poder empre-
sarial que permite o assalto às instituições governamentais e am-
pliar a mobilização e participação da sociedade para reforçar a 
capacidade do Estado de resistir a pressões poderosas. 
Entre as medidas com potencial para bloquear a tendência 
ascendente de desigualdade social e concentração da propriedade 
empresarial em poucas mãos, estão: 
- A eliminação dos direitos de propriedade intelectual, que 
impedem o acesso à saúde de milhões para manter o lucro de 
poucas farmacêuticas; 
- A reversão dos acordos de livre comércio e investimentos, 
que desobstruem o caminho do lucro das grandes corpora-
ções, contra os interesses dos trabalhadores e dos pequenos e 
médios produtores do campo e da cidade; 
- A eliminação dos tribunais gerados por esses mecanismos, 
que julgam majoritariamente em favor das empresas e contra 
os Estados e povos; 
- A limitação do tamanho das empresas (e de todas as suas va-
riantes em termos de propriedade) para evitar monopólios, 
cartéis e operações contra usuários e consumidores derivadas 
de sua posição privilegiada no mercado; 
- A retirada dos bens comuns da natureza da esferade atuação 
dos setores privados; 
- A eliminação de paraísos fiscais;
- O fim dos acordos de dupla tributação;
- A implementação de reformas tributárias progressivas que 
onerem as grandes fortunas e as heranças, mecanismos que 
só favorecem a concentração e a perpetuação dos que já ricos, 
continuam ricos. 
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 21
Definitivamente, é preciso ampliar o controle público 
da economia, porque, ao contrário do que diz o credo da mão 
invisível do mercado, é só fortalecendo o público que o bem co-
mum pode ser realizado.
Adicionalmente, como dissemos, no jogo democrático, 
ampliar os mecanismos de transparência e participação da so-
ciedade nas decisões relativas a políticas públicas é a melhor me-
dida para blindar o “público”, ou seja, o que é de todos, contra a 
cooptação por parte dos poderes econômicos nacionais ou, pior 
ainda, estrangeiros. A participação social é chave durante o 
desenho e a implementação das políticas públicas que aspiram 
a proteger o interesse público, em oposição aos interesses par-
ticulares ou privados das empresas ou setores. Deve, por isso, 
ser promovida e apoiada de forma adequada pelas instituições 
públicas. Transparência e acesso à informação são pré-con-
dições para uma participação real da sociedade civil e devem ser 
garantidas. Os governos devem ser ativos na promoção da par-
ticipação social e as organizações sociais devem demandá-la de 
forma ativa.
Algumas medidas que poderiam contribuir para a proteção 
dos procedimentos democráticos e das instituições públicas da 
captura são: 
- Ampla reforma política, realizada por Assembleia Nacional 
- Constituinte específica para este fim; 
- Aperfeiçoamento das leis anticorrupção, com penas maio-
res para ambos os agentes da corrupção; 
- Proibição efetiva ao financiamento empresarial de cam-
panhas eleitorais e de partidos; 
- Fixação de limites baixos para as contribuições pessoais 
para os partidos e as campanhas;
- Promoção do financiamento público dos partidos e das 
campanhas.
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 22
f- Palavras finais
Como vimos, a captura corporativa privatiza a democracia no 
nível nacional por meio da captura política institucional e cul-
tural, e, pela captura econômica, permite que as empresas se 
apropriem de uma parcela cada vez maior das riquezas da socie-
dade. A esfera internacional é também uma arena muito pouco 
sujeita a controles democráticos claros, na qual os Estados, in-
fluenciados pelas próprias comunidades de negócios, fracassam 
na criação de normas para proteger os direitos. De fato, os países 
caminham em sentido oposto, defendendo acordos de comércio 
e investimento que aumentam o poder das empresas. Alguns au-
tores chamam esse cenário de “o novo direito corporativo glo-
bal”24, ou “arquitetura da impunidade”, já que permitem que os 
atores econômicos operem praticamente sem constrangimentos 
sociais ou ambientais.
O Estado “incorporado” e a radicalização do público
Os vários casos e situações expostas nesta publicação mostram 
que os efeitos da captura são ruins para a saúde, a educação, o 
acesso à moradia, o meio ambiente e os direitos humanos em ge-
ral. O quadro é ainda pior para as populações pobres dos países 
pobres, que são as que menos recursos possuem para enfrentar 
as situações de adversidade. Na maioria dos casos, um maior 
ativismo público e estatal é necessário. Quem teme o Estado 
democrático é o mercado, não aqueles que almejam o bem co-
mum. Os povos que almejam o bem comum temem as tiranias 
dos poucos, ou das máquinas estatais controladas por democra-
cias privatizadas que servem aos interesses de alguns. Renunciar 
a uma visão do Estado que consagre o público e o bem comum 
pode significar a eliminação definitiva do comum, mais ainda no 
contexto das nossas sociedades complexas. Ainda assim, o Esta-
do que consagra o público através da sua radicalização deve ser 
não um Estado-pai, mas um Estado-parte – um Estado do qual 
a sociedade seja e se sinta partícipe. Ao mesmo tempo, em vez 
da privatização do Estado pelos agentes do mercado, a sociedade 
precisa ter o Estado “incorporado” no bojo de sua luta por mais 
direitos para todos e todas.
A contradição entre a prevalência do poder econômico e a 
defesa da democracia e dos direitos para todos/as, mesmo que 
vigente e persistente nas nossas sociedades, não é de forma al-
guma intransponível em favor do polo mais despojado da equa-
ção. Mesmo antes de atingirmos uma utopia de uma sociedade 
ship Facility”,  op cit, p.185.
24 
Hernandez Zubizarreta, Juan 
The New Global Corporate 
law , Amsterdam:  The Transna-
tional Institute, January 2015  . 
Disponível em: https://www.tni.
org/en/briefing/new-global-cor-
porate-law.
Introdução
luzgonzalez
Nota
nota ficou cortada
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 23
de iguais, vivendo em paz e harmonia entre si e com a natureza, 
podem ser identificadas formas intermediárias de existência que 
fortaleçam o exercício da democracia em sociedades modernas, 
complexas e globais como as nossas na atualidade. Mas, para 
isso, precisamos sair da caixa em que o capitalismo extremo nos 
colocou e nos libertarmos das restrições ideológicas nas quais 
sua refinada captura cultural nos enreda; sem medo de navegar 
em rumos alternativos. 
Introdução
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 24
00 - Título Nome do Autor
PREFÁCIO
CORPORAÇÕES E PODER POLÍTICO: 
NOTAS DO FRONT 
LADISLAU DOWBOR
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 25
00 - Título Nome do Autor
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 26
00 - Título Nome do Autor
CORPORAÇÕES E PODER POLÍTICO: 
NOTAS DO FRONT1LADISLAU DOWBOR
PREFÁCIO
Olhar o século 21 pelas lentes do século passado não ajuda. 
Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em 
interesses econômicos e mecanismos de mercado. A política, o 
poder, os impostos, o setor público representariam outra di-
mensão. Não é nova a ruptura destas fronteiras, a penetração 
dos interesses de grupos econômicos privados na esfera pú-
blica. O que é novo é a escala, a profundidade e o grau de or-
ganização do processo. O que já foram deformações fragmen-
tadas, penetrações pontuais através de lobbies, de corrupção e 
de “portas-giratórias” entre o setor privado e o setor público se 
avolumaram e, por osmose, estão se transformando em um po-
der político articulado no qual o interesse público aflora apenas 
por momentos e segundo esforços prodigiosos de manifesta-
ções populares, de frágeis artigos na mídia alternativa, de um 
ou outro político independente. O poder corporativo se tornou 
sistêmico, capturando uma a uma as diversas dimensões de ex-
pressão e exercício de poder. 
Uma forma é a própria expansão dos tradicionais lobbies. 
A Google, por exemplo, tem hoje 8 empresas de lobby contrata-
das apenas na Europa, além de financiamento direto de parla-
mentares e de membros da Comissão. É provável que tenha de 
pagar 6 bilhões de euros por ilegalidades cometidas na Europa. 
Os gastos da Google nesta área já se aproximam dos da Micro-
soft. A Google mobilizou congressistas americanos para pres-
sionarem a Comissão: “O esforço coordenado por senadores e 
membros do Congresso, bem como de um comité de congres-
sistas, fez parte de um esforço sofisticado, com muitos milhões 
de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva 
para travar as resistências à sua dominação na Europa.” 2
1
Uma visão mais detalhada da 
análise apresentada no pre-sente artigo pode ser encontrada 
em: http://dowbor.org/2015/11/
l a d i s l a u - d o w b o r - o - c a o t i -
co-poder-dos-gigantes-finan-
ceiros-novembro-2015-16p.
html/; a dimensão propriamente 
brasileira da deformação finan-
ceira encontra-se em: http://
dowbor.org/blog/wp-content/
uploads/2015/10/15-FES-Res-
gatando-o-potencial-finan-
ceiro-do-país.pdf.
2
Marks, Simon e Davies, Harry. 
“Revealed: How Google enlist-
ed members of the US Con-
gress”. The Guardian, 17 dez. 2015. 
Disponível em: http://www.
theguardian.com/world/2015/
dec/17/google-lobbyists-con-
gress-antitrust-brussels-eu.
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 27
Prefácio: Corporações e poder político: notas do front Ladislau Dowbor
Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como 
formas externas de pressão, muito mais importante é o financia-
mento direto de campanhas políticas, através de partidos ou inves-
tindo diretamente nos candidatos. No Brasil a lei promulgada em 
1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos 
desastrosos, em particular no comportamento de parlamentares, 
que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010 os Estados 
Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os ameri-
canos comentem que “temos o melhor Congresso que o dinheiro 
pode comprar”. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade 
da prática, a valer a partir das próximas eleições. Mas em 2015 ainda 
temos uma bancada ruralista, uma da grande mídia, outra das em-
preiteiras, uma dos bancos, uma das montadoras, e contam-se nos 
dedos os representantes do cidadão. O truncamento do Código Flo-
restal e consequente retomada da destruição da Amazônia, o blo-
queio da taxação de transações financeiras e tantas outras medidas, 
ou ausência de medidas, como é o caso da imposição sobre fortunas 
ou capital improdutivo, resultam desta nova relação de forças que 
um Congresso literalmente comprado permite. 
A captura da área jurídica adquiriu imensa importância, e 
se dá por várias formas. Foi notória a tentativa dos grandes ban-
cos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de 
colocar as atividades financeiras fora do alcance do PROCON e 
de outras instâncias de defesa do consumidor. Nos Estados Uni-
dos, um juiz de uma comarca americana decide colocar a Argen-
tina na ilegalidade no quadro dos chamados “fundos abutres”, 
pondo-se claramente a serviço da legalização da especulação fi-
nanceira internacional, e acima da legislação de outro país. 
Uma forma particularmente perniciosa de captura do judi-
ciário se deu através dos acordos ditos “settlements”, pelos quais as 
corporações pagam uma multa mas não precisam reconhecer a cul-
pa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente 
responsabilizados. Assim os administradores corporativos e finan-
ciadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenações. Jo-
seph Stiglitz comenta: “Temos notado repetidas vezes que nenhum 
dos responsáveis encarregados dos grandes bancos que levaram o 
mundo à borda da ruina foi considerado responsável (accountable) 
dos seus malfeitos. Como pode ser que ninguém seja responsá-
vel? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que 
ocorreram nos anos recentes?” 3
A GSK, por exemplo, um gigante da área farmacêutica, fez 
um acordo com a justiça americana para compensar fraude ge-
neralizada com três tipos de medicamentos pagando 3 bilhões 
3
Stiglitz, Joseph. Paper apresen-
tado no painel Defending Human 
Rights no Forum on Business and 
Human Rights, Genebra, 3 dez. 
2013. Disponível em: http://www.
ohchr.org/Documents/Issues/
Business/ForumSession2/State-
ments/JosephStiglitz.doc.
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 28
de dólares. A notícia da condenação por fraude que atingiu mi-
lhões de pacientes não causou prejuízo significativo à empre-
sa, cujas ações subiram ao se constatar que tinha lucrado com a 
fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros 
consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta des-
responsabilização é hoje generalizada, abrindo uma porta para-
lela de financiamento de governos graças às ilegalidades. Para 
dar alguns exemplos, o Deutsche Bank está pagando uma multa 
de 2,6 bilhões de dólares em 2015, o Crédit Suisse está pagando 
2,5 bilhões por condenação em 2014 e assim por diante, envol-
vendo todos os gigantes corporativos. Um exercício de sistema-
tização da criminalidade financeira pode ser encontrado no site 
Corporate Research Project, que apresenta as condenações e acor-
dos agrupados por empresa. 
Hoje as corporações dispõem do seu próprio aparato jurí-
dico, como o International Centre for the Settlement of Invest-
ment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, 
Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, irão atacar um país 
por lhes impor regras ambientais ou sociais que julgam desfa-
voráveis, e processá-lo por lucros que poderiam ter tido. A dis-
puta jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados 
TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) na esfera do 
Atlântico e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacífico, 
ao amarrar um conjunto de países com regras internacionais em 
que os Estados nacionais perderão a capacidade de regular ques-
tões ambientais, sociais e econômicas, e muito particularmente, 
as próprias corporações. Pelo contrário, serão as próprias cor-
porações a impor-lhes, e a nós todos, as suas leis. Nas palavras 
de Luís Parada, um advogado de governos em litígio com gru-
pos mundiais privados, “a questão finalmente é de saber se um 
investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar as suas 
leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar 
às leis que existem no país.” 4
Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá 
através do controle organizado da informação, construindo uma 
fábrica de consensos sobre a qual Noam Chomsky nos deu aná-
lises preciosas.5 O alcance planetário dos meios de comunicação 
de massa e a expansão de gigantes corporativos de produção de 
consensos permitiram que se atrasasse em décadas a compreen-
são popular do vínculo entre o fumo e o câncer, que se travasse 
nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde, que 
se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como 
uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para 
4
Provost, Claire e Kennard, Matt. 
“The obscure legal system that lets 
corporations sue countries”, The 
Guardian, 10 jun. 2015. Disponível 
em: https://www.google.com/
url?q=http://www.theguard-
ian.com/business/2015/jun/10/
obscure-legal-system-lets-cor-
portations-sue-states-ttip-ic-
s i d & s a = U & v e d = 0 a h U K E -
wid0aacve3JAhWJXR4KHX-
k H A v 4 Q F g g F M A A & c l i -
e n t = i n t e r n a l - u d s - c s e & u s -
g=AFQjCNE_bryAhhqokmP_
TQPeoYdWUmYckQ.
5
Ver em particular o documentário 
“Chomsky & Cia”, legendado em 
português, https://www.youtube.
com/watch?v=IHSe9FRGpJU .
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 29
proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das 
mistificações é impressionante. 
Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular 
nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência 
da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a 
suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a ine-
vitável mudança da matriz energética. James Hoggan realizou 
uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indústria. 
A articulação é poderosa, envolvendo instituições conservado-
ras comoo George C. Marshall Institute, o American Enterprise 
Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), 
o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o 
Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum 
Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electrici-
ty (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. As Koch 
Industries e ExxonMobil são poderosos financiadores. Sempre 
petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muitos repu-
blicanos e a direita religiosa.6 
Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da 
mídia. No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa 
3 a 4 horas do nosso dia, e que está presente nas salas de espera, 
nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de al-
guns poucos grupos. No nível mundial, Rupert Murdoch assume 
tranquilamente ser o responsável pela ascensão e suporte a Mar-
gareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefônicas em 
grande escala na Grã-Bretanha, sustenta um clima de ódio de 
direita através da Fox, sem receber mais que um tapinha na mão 
quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o 
controle da nossa visão de mundo por quatro grupos privados 
– os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de 
imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, 
no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em 
termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de 
clima de ódio social. 
A vinculação da dimensão midiática do poder com o siste-
ma corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito 
importante. As campanhas de publicidade veiculadas empurram 
incessantemente comportamentos e atitudes, centradas no con-
sumismo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto 
amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode dar más 
notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo 
quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a fun-
ção dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com 
6 
Hoggan, James. The Climate Cov-
er-up: the crusade to deny global 
warming. Vancouver, Toronto: 
Greystone Books, 2009. Ver: 
http://dowbor.org/200 9/12/
climate-cover-up-the-cruza-
de-to-deny-global-warming-2.
html/; sobre os financiadores, 
ver: http://dowbor.org/2010/04/
petroleira-dos-eua-deu-us-50-
mi-a-ceticos-do-clima-6.html/. 
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 30
a destruição da floresta amazônica. Segundo, como a publicidade 
é remunerada em função de pontos de audiência, a apresenta-
ção de um mundo cor-de-rosa de um lado, e de crimes e perse-
guições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e 
fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desin-
formada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, 
o que remunera as corporações que financiam estes programas. 
O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada 
e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informa-
ção, o consumismo e o interesse das corporações passam a for-
mar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em 
termos de funcionamento democrático da sociedade. 
A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão 
do judiciário e o controle dos sistemas de informação da socieda-
de representam alguns dos instrumentos mais importantes da 
captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas 
o conjunto destes instrumentos leva, em última instância, a um 
mecanismo mais poderoso: a apropriação dos próprios resulta-
dos da atividade econômica, por meio do controle financeiro em 
pouquíssimas mãos.
Vejamos agora um pouco o que são estas grandes corpo-
rações. É surpreendente, mas até 2012 não tínhamos nenhum 
estudo global de como funciona a rede mundial de controle 
corporativo. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, 
um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais 
mais importantes e estudou em profundidade como se dá, atra-
vés de participações cruzadas e de fusões interempresariais, o 
controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que 
mudou a visão que temos do sistema econômico mundial: 737 
grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo 
que nestes um núcleo de 147 controla 40%. Estes últimos gi-
gantes são essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, 
não precisam controlar diretamente o processo decisório, se-
guram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que é 
o acesso aos recursos. Um grupo tão limitado não precisa fa-
zer conspirações misteriosas, são pessoas que se conhecem no 
campo de golfe ou no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam 
confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem 
claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube 
restrito não faz muito sentido.7 
François Morin, assessor do banco central da França, con-
centra a sua análise na forma como os 28 maiores entre estes 
gigantes se articulam. Na análise estão todos: JPMorgan Chase, 
7 
Vitali, Glattfelder e Battistoni, 
Zurich, 2011; Ver: “A rede do pod-
er corporativo mundial”, 2012. 
Disponível em: http://dowbor.or-
g/2012/02/a-rede-do-poder-cor-
porativo-mundial-7.html/ .
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 31
Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, 
Goldman Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de 
dólares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhões. A relação 
com os Estados é particularmente interessante, pois a dívida públi-
ca mundial, de 49 trilhões, está no mesmo nível que o faturamento 
dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, também da ordem de 
50 trilhões. Os Estados, fruto do endividamento público com gigan-
tes privados, viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular 
este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade.8 “Face 
aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes 
atores bancários privados parece escandaloso, em particular se 
pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na origem da crise 
financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual 
dos Estados”.9
Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essen-
cialmente especulação com variações de mercados futuros: o volu-
me atingido em 2015 é de mais de 600 trilhões de dólares, oito vezes 
o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países aceitaram reduzir 
os investimentos públicos e as políticas sociais, inclusive o Brasil, 
para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não 
ver a dimensão política que o sistema assumiu. Os grandes traders 
de commodities controlam nada menos que o comércio dos grãos 
(milho, trigo, arroz, soja), os minerais metálicos, os minerais não 
metálicos e os recursos energéticos, ou seja, o sangue da econo-
mia mundial. As gigantescas variações dos preços do petróleo, por 
exemplo, não resultam de variações da produção ou do consumo, 
muito estáveis na escala planetária, mas dos processos especulati-
vos dos gigantes financeiros.10 
O sistema é hoje articulado. Um aporte particularmente forte 
de François Morin é a análise de como este grupo de bancos foi se 
dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulação, a GFMA 
(Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of Interna-
tional Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives As-
sociation), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) 
e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin 
apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas 
instituições.O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da fi-
nança globalizada e dos maiores bancos internacionais”, constitui 
hoje um poder político assumido: “O presidente do IIF tem um sta-
tus oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes 
bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu 
presidente tem quase o papel de chefe de Estado. Ele faz parte dos 
grandes tomadores de decisão mundiais”.11 
8 
Morin, François. L’hydre mon-
diale: l’oligopole bancaire. Qué-
bec: Lux Editeur, 2015, p.36. Ver: 
h ttp : / /d ow b o r. o r g /2 0 1 5 /0 9 /
francoismorin-lhydre-mon-
diale-loligopole-bancaire-lu-
x-editeur-quebec-2015-165p-is-
bn-978-2-89596-199-4.html/.
9
Ibid. 
10
Sobre os derivativos e o poder 
dos traders de commodities, ver o 
nosso “Produtores, intermediários e 
consumidores”, 2013, http://dowbor.
org/?s=produtores%2C+inter-
medi%C3%A1rios+e+consumi-
dores. 
11
Morin, François. op. cit. , p.61.
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 32
O controle destes gigantes financeiros que passaram a 
reger a economia mundial e as decisões internas das nações 
é hoje simplesmente pouco viável, tanto pela dimensão, como 
pela estrutura organizacional sofisticada de que hoje dis-
põem, além evidentemente dos sistemas de controle sobre a 
política, o judiciário e a mídia – e portanto a opinião pública – 
conforme vimos acima. Mas um instrumento particularmente 
importante deste poder reside no uso dos paraísos fiscais, que 
a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados 
para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. 
Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhões 
de dólares, o estoque de recursos financeiros em paraísos fis-
cais se situa hoje entre 21 e 32 trilhões de dólares segundo a 
Tax Justice Network, cifra que o Economist arredonda para 20 
trilhões. Para se ter uma ideia dos valores, a grande decisão 
da cúpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alo-
car até 2020 100 bilhões de dólares para salvar o planeta do 
aquecimento global: em cinco anos, duzentas vezes menos do 
que está aplicado em paraísos fiscais, capital improdutivo e 
em grande parte ilegal.
Mas não se trata apenas do desvio improdutivo de recur-
sos financeiros necessários para financiar a reconversão tec-
nológica que nos permita parar de destruir o planeta e asse-
gurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados para 
reduzir a explosiva desigualdade. Trata-se de um mecanismo 
poderoso de privar os Estados de qualquer controle: pratica-
mente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas 
“laranja” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente 
desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes 
de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o se-
guimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda 
classe de ilegalidades, em particular a evasão fiscal e inúme-
ras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas.12 
Com o poder hoje muito mais na mão dos gigantes fi-
nanceiros do que nas empresas produtoras, passou-se a exi-
gir resultados de rentabilidade financeira que impossibilitam 
iniciativas, no nível dos técnicos que conhecem os processos 
produtivos da economia real, de preservar um mínimo de de-
cência profissional e de ética corporativa. Temos assim um 
caos em termos de coerência com os interesses de desenvolvi-
mento econômico e social, mas um caos muito direcionado e 
lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recur-
sos financeiros para o topo da hierarquia. 
12
Um excelente estudo destes me-
canismos pode ser encontrado 
em Shaxson, Nicholas. Treasure 
Islands: uncovering the damage of 
offshore banking and tax havens. 
Nova Iorque: St. Martin’s Press, 2011. 
Ver: http://dowbor.org/2015/10/
nicholas-shaxson-treasure-is-
lands-uncovering-the-dama-
ge-of-offshore-banking-and-ta-
x-havens-st-martins-press-new
-york-2011.html/.
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 33
De que tamanhos estamos falando? As 29 corporações fi-
nanceiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial 
Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado 
médio (consolidated assets) da ordem de $1,82 trilhões para os ban-
cos e $0,61 trilhões para as seguradoras analisadas. Para efeitos 
de comparação lembremos que o PIB do Brasil, 7ª potência mun-
dial, é da ordem de $1,4 trilhões. Mais explícito ainda é lembrar 
que, de acordo com os dados de Jen Martens, o sistema das Na-
ções Unidas dispõe de 40 bilhões de dólares anuais para o con-
junto das suas atividades, o que por sua vez representa apenas 
2,3% das despesas militares mundiais.13 
Se tem uma coisa que não falta no mundo, são recursos. O 
imenso avanço da produtividade planetária resulta essencial-
mente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os 
produtores destas transformações, desde a pesquisa fundamen-
tal nas universidades públicas e as políticas públicas de saúde, 
educação e infraestruturas, até os avanços técnicos nas empre-
sas efetivamente produtoras de bens e serviços, que levam van-
tagem: pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, 
encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema fi-
nanceiro, que rendem fortunas a quem nunca produziu, e que 
conseguem, ao juntar nas mãos os fios que controlam tanto o 
setor público como o setor produtivo privado, deformar radical-
mente o desenvolvimento sustentável hoje vital para o mundo. 
Ladislau Dowbor é professor titular de economia da PUC-SP, 
consultor de várias agências da ONU e autor de dezenas de livros 
sobre o desenvolvimento econômico e social. Os seus textos es-
tão disponíveis online em http:///dowbor.org em regime Creative 
Commons.
13
Adams, Barbara e Martens, Jens. 
Fit for whose purpose? - Private fund-
ing and corporate influence in the 
United Nations. Nova Iorque: GPF 
- Global Policy Forum, 2015. Dis-
ponível em: https://www.global-
policy.org/images/pdfs/images/
pdfs/Fit_for_whose_purpose_
online.pdf.
Ladislau DowborPrefácio: Corporações e poder político: notas do front
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 34
00 - Título Nome do Autor
1
ALIMENTOS: CONCENTRAÇÃO E 
IMPACTOS SÓCIOAMBIENTAIS
MARCEL GOMES
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 35
00 - Título Nome do Autor
FORÇA POLÍTICA
Políticos articulam-se em 
favor dos produtores 
rurais, frigoríficos, usinas 
sucroenergéticas e 
processadores de grãos.
DOS 513 DEPUTADOS 
FEDERAIS ELEITOS
Alguns dos temas em 
tratamento no parlamento 
que favorecem os ruralistas:263
DEPUTADOS FAZEM 
PARTE DA BANCADA
FORMA-SE A
BANCADA RURALISTA
51% 49%
REDEFINIÇÃO DO 
TRABALHO ESCRAVO
TERCEIRIZAÇÃO 
LABORAL
DEMARCAÇÃO DE 
TERRAS INDÍGENAS
SISTEMA 
AGROALIMENTAR
Produção agrícola 
até o processamento 
e elaboração dos 
alimentos e as redes 
varejistas.
MODELO É CONCENTRADOR,
FORTALECE OS OLIGOPÓLIOS E 
PREJUDICA O PEQUENO 
PRODUTOR
PAÍS DE CULTURA 
AGROPECUÁRIA 
Faturamento em 2014
1,6 mi de empregos
Participação na indústria:
16,9% em 2004
20,2% em 2014
RESULTADOS
60% sem carteira assinada
30 dos 104 casos de trabalho 
escravo em 2015
61% dos casos de trabalho infantil
ALTO ÍNDICE de doenças
ocupacionais na agroindústria
JBS aplicou em 
2014 R$ 367 mi 
em campanhas 
dos mais diversos 
partidos.
PRINCIPAIS SETORES ALTAMENTE CONCENTRADOS
 Carnes, soja, suco de laranja, indústria agroalimentare varejo.
PARTICIPAÇÃO 
ESTRANGEIRA
DIMINUI A PARTIR 
DO PLANO REAL
D0S 10 MAIORES 
GRUPOS, 6 SÃO 
BRASILEIROS
PARTICIPAÇÃO DOS 4 
MAIORES GRUPOS
2014
20%
1995 2004
20% 34%
MERCADO CONCENTRADO
10%
DO PIB
CRESCENTE INFLUÊNCIA POLÍTICA
ALIMENTOS E CAPTURA CORPORATIVA
GRUPOS 
FINANCIAM 
CAMPANHAS 
POLÍTICAS
R$ 525 bi
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 36
00 - Título Nome do Autor
ALIMENTOS: CONCENTRAÇÃO 
E IMPACTOS SÓCIOAMBIENTAIS
A. Panorama
O complexo denominado Indústria de Alimentação representa 
um dos mais importantes setores da economia brasileira, sen-
do responsável pela geração de cerca de 10% do Produto Interno 
Bruto (PIB) do país. Bastante diversificado, reúne companhias 
que atuam em diferentes ramos do chamado sistema agroali-
mentar, da produção de insumos para a agropecuária ao varejo 
de produtos acabados em grandes supermercados. São conside-
radas atividades da Indústria de Alimentação a produção, a ven-
da e o processamento de grãos, carnes, laticínios, doces e pratos 
prontos congelados, por exemplo.
Em 2014, o setor faturou R$ 525 bilhões e gerou 1,6 milhão de 
empregos, segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Ali-
mentação (ABIA). Sua participação no valor do produto gerado pelo 
conjunto da indústria de transformação cresceu durante o ciclo de 
alta dos preços das commodities, com reflexos nos preços finais dos 
alimentos, passando de 16,9% em 2004 para 20,2% em 2014. 
Ainda que tal ciclo tenha chegado ao fim, puxado pela de-
saceleração da economia mundial (com destaque para a China), 
é pouco provável que o setor perca protagonismo no país. A Or-
ganização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultu-
ra (FAO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento 
Econômico (OCDE), em estudo conjunto, apontam que o Brasil 
pode se tornar o maior exportador global de alimentos até 2024, 
a maior parte como commodities.1
Para isso, o Brasil conta com uma forte cultura agropecuá-
ria – iniciada ainda no período da colonização portuguesa, com 
os engenhos de açúcar –, disponibilidade de terras, clima favo-
rável em boa parte do país e um grande mercado consumidor, 
MARCEL GOMES
1
1 
Relatório em “OCDE-FAO Pers-
pectivas 2015-2024”. Disponí-
vel em: https://www.fao.org.br/
download/PA20142015CB.pdf.
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 37
Marcel Gomes1. Alimentos: Concentração e impactos sócioambientais
seja no próprio país ou no exterior. O Estado brasileiro e as políticas 
públicas têm desempenhado papel decisivo em toda essa trajetória.
Esse cenário tem, cada vez mais, atraído a atenção do ca-
pital estrangeiro, mas não a ponto de diminuir a participação de 
companhias de capital nacional no setor. Ao contrário. Desde o 
início do Plano Real, em 1995, as companhias estrangeiras per-
deram participação no faturamento do conjunto dos 25 maiores 
grupos em atuação no país, de 52% para 41%.2
Dos dez maiores grupos atuantes no país em termos de 
faturamento, seis são brasileiros e quatro, estrangeiros – como 
se pode notar na tabela a seguir. A maior companhia é a Bunge, 
que faturou US$ 9,5 bilhões em 2014. A empresa atua nos mais 
diversos setores do sistema agroalimentar: fornece insumos 
para agricultores, processa grãos e controla marcas próprias 
nos supermercados.
MAIORES GRUPOS ATUANTES NO BRASIL EM 
TERMOS DE FATURAMENTO
Fonte: FIPECAFI/Revista Exame
Do ponto de vista da concentração, é possível identificar 
dois movimentos diferentes desde o início do Plano Real. Entre 
1995 e 2004, o setor de alimentação se concentrou. O processo, 
porém, tomou o sentido contrário após aquele ano. Essa é a con-
clusão do estudo3 que analisou o tema a partir dos índices CR4 e 
CR8, bastante empregados em análises do tipo. Tais indicadores 
medem a porcentagem de mercado que é detida pelas maiores 
empresas – no caso do CR4, as quatro maiores, e no caso do CR8, 
as oito maiores.4
PAÍS DE ORIGEM NOME DA EMPRESA FATURAMENTO 2014
1 EUA Bunge US$ 9,502 bi
2 Brasil JBS US$ 8,980 bi
3 Brasil BRF US$ 8,919 bi
4 EUA Cargill US$ 8,906 bi
5 França LDC US$ 3,969 bi
6 Brasil Copersucar Cooperativa US$ 3,819 bi
7 Brasil Coamo US$ 2,805 bi
8 Reino Unido/ Holanda Unilever US$ 2,433 bi
9 Brasil Copersucar US$ 2,140 bi
10 Brasil Aurora US$ 2,105 bi
2 
Gomes, Marcel. “Globalização e 
concentração no sistema agroali-
mentar brasileiro”, nov. 2015, 
ainda não publicado.
3 
Ibid.
4
De modo geral, pode-se apontar 
que CR4 de 0 = competição per-
feita; CR4 entre 0 e 0,49 = baixa 
concentração; CR4 entre 0,5 e 
0,79 = média concentração; CR4 
entre 0,8 e 0,99 = alta concen-
tração; e CR4 de 1 = monopólio. 
Para que os cálculos se tornassem 
possíveis, várias bases de dados 
foram levantadas.
A Privatização da Democracia - Um catálogo da captura corporativa no Brasil 38
O CR4 saltou de 0,2 para 0,34 entre 1995 e 2004, o que sig-
nifica que as quatro maiores empresas do setor de alimentação 
elevaram o controle do faturamento total do mercado de 20% 
para 34%. Em 1995, os quatro maiores grupos eram Nestlé, Uni-
lever, Copersucar e Bunge, nesta ordem; em 2004, passaram a 
ser Bunge, JBS, BRF e Cargill.
A partir de 2004, porém, o grau de concentração passou a 
cair, e o CR4 de 2014 voltou ao patamar de 20 anos antes (0,2). O 
CR8 seguiu curva semelhante. Essa nova fase pode ser associada ao 
início do ciclo de alta dos preços das commodities, em 2002. Esse 
processo incentivou a entrada de novos atores no setor e a abertura 
de novos negócios, favorecendo a desconcentração industrial.
Na média global, apesar da intensa expansão rumo aos paí-
ses emergentes, a Indústria de Alimentação não é tão concentra-
da. Dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, por 
suas siglas em inglês) apontam que as 50 maiores companhias 
controlam menos de 20% do mercado global.5 É preciso ressal-
tar, porém, que esses índices refletem o conjunto da Indústria de 
Alimentação. Em áreas específicas, como a da carne, houve concen-
tração. Em 2008, Sadia e Perdigão se fundiram, criando a BR Foods, 
uma das maiores exportadoras do Brasil.6 E, em 2010, JBS e Bertin 
se uniram para criar a maior empresa de carnes do mundo.7
Pelas mesmas razões, o setor de suco de laranja também 
chama a atenção. O mercado é concentrado não apenas no Bra-
sil, mas em todo o mundo. As três grandes empresas que operam 
no território nacional também dominam o comércio global do 
produto. São elas Cutrale (30% da produção mundial), Citrosu-
co (25%) e Luis Dreyfus (15%). Em 2011, a fusão da Citrosuco, do 
grupo Fisher, com a Citrovita, do grupo Votorantim, chegou a 
ser avaliada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica 
(Cade), mas acabou aprovada.8
No ramo da soja, a mesma coisa. Bunge, Cargill, ADM e Luis 
Dreyfus controlam cerca de 55% do mercado brasileiro.9 Como o 
mercado de fornecimento de insumos para o produtor também é 
concentrado, o sojicultor situa-se em posição fragilizada na par-
te intermediária da cadeia. Numa ponta, sofre pressão sobre cus-
tos de sementes e químicos. Na outra, sobre seu preço de venda.
No setor de laticínios, a pulverização ainda dita o tom do 
mercado. As dez maiores empresas dominam só 33% do mercado 
brasileiro. No entanto, especialistas avaliam que a tendência é de 
aumento da concentração para patamares mais próximos aos de 
outros países da América Latina, na casa dos 60%. A compra da 
Itambé pela Vigor, em 2013, seria um prenúncio desse processo.10
5 
Global Food Industry. USDA. Dis-
ponível em: http://www.ers.usda.
gov/topics/international-marke-
ts-trade/global-food-markets/
global-food-industry.aspx.
6 
O Globo. “Sadia e Perdigão anun-
ciam

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