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3 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Modelos de Átomos N° 3, MAIO 1996 A dificuldade de se fazer modelos adequados para átomos nos lembra citações da Bíblia e do Alcorão: “...e dele não farás imagens!” preciso que se tenha o conceito de orbital, ausente no modelo de Bohr. Logo, os diferentes modelos são modificados em função de novas leituras que se faz sobre a natureza da matéria. Na instigante novela de Jostein Gaarder sobre a história da filosofia, O mundo de Sofia (São Paulo: Com- panhia das Letras, 1995), numa das primeiras cartas que Sofia recebe de um misterioso filósofo há apenas uma interrogação: “Por que o Lego é o jogo mais genial do mundo?” Nas páginas seguintes o autor constrói uma admi- rável analogia entre as variadas peças de Lego e as propostas de Demócrito (460-370 a.C) para a explicação da natureza. Assim como alguns poucos átomos formam milhares de substâncias diferentes, também as variadas peças de Lego servem para construir diferen- tes objetos, pois, como os átomos de Demócri- to, são de diferentes formas e tamanhos, maciças e im- penetráveis. Resistentes, os blocos de Lego podem ser usados para construir diferentes brinquedos por várias ge- rações de crianças. Da mesma manei- ra, quando um corpo — uma árvore ou um animal, por exemplo — morre e se desintegra, os átomos do mesmo são reutilizados novamente em outros corpos. Os átomos são constantes no Universo — excetuando-se apenas os que se transmutam nos processos radioativos — e são sempre os mes- mos, usados na formação de novas substâncias. É importante observar como o mo- delo de Demócrito ainda hoje é ade- quado para a maioria das explicações necessárias sobre átomos. É claro que, por desconhecer maneiras mais Uma das perguntas que pro-fessoras e professores dequímica fazem, principalmen- te quando trabalham no ensino médio, é: “Qual o modelo de átomo que devo ensinar?” Uma boa resposta poderia ser: “Depende para que os átomos modelados vão ser usados depois...” Construímos modelos na busca de facilitar nossas interações com os entes modelados. É por meio de mo- delos, nas mais diferentes situações, que podemos fazer inferências e previsões de propriedades. Por limitações que advêm da ma- neira como interagimos com a na- tureza, temos dificuldades em ima- ginar, por exemplo, a luz com com- portamento dualístico. É mais fácil pensá-la ora como onda, ora como partícula. Construir modelos, isto é, imaginar átomos — e vale recordar que imaginar é fazer imagens — tem limitações e exigências que transcen- dem as interações mais usuais em nosso cotidiano. Em função de nos- sas vivências, é muito mais fácil ima- ginar um elétron corpuscular que um elétron ondulatório. É ainda mais difícil imaginá-lo comportando-se, ao mes- mo tempo, como onda e partícula. Há uma questão capital: para que construímos modelos? Se quisermos explicar as ligações que ocorrem em um cristal de cloreto de sódio, o modelo atômico proposto por Bohr (1875-1962) é razoavelmente ade- quado e nos ajuda a compreender como ocorre a formação de cátions e ânions e como se estabelecem entre estes interações para a estruturação de um edifício cristalino. Se quisermos explicar uma molécula aparentemente simples como a de hidrogênio, esse mesmo modelo oferece muitas limita- ções. Para explicar de forma mais consistente como dois átomos de hi- drogênio formam uma molécula H2, é apropriadas de investigar a natureza da matéria, Demócrito não fala de elétrons, prótons, nêutrons. Essas partículas, tidas como fundamentais, só foram descobertas recentemente (os nêutrons, por exemplo, em 1932). Mesmo estas, porém, não são mais consideradas indivisíveis. Há modelos (confirmados experimentalmente em abril de 1994) que consideram os quarks e léptons como as partículas formadoras dos prótons. Cientistas cogitam agora (anúncio feito em fe- vereiro de 1996) a possibilidade dos quarks serem divisíveis. Se isto for confirmado, teremos a reedição do feito de Rutherford (1871-1937), quando anunciou que átomos tinham núcleo. Vemos que po- demos pensar em um não limite de novos modelos para o átomo. Esta é razão para não ignorarmos o quanto nossos modelos são prováveis. Quando dizemos que os modelos de átomos são prováveis não podemos esquecer que as moléculas que construímos com esses modelos também são modelos prováveis. Isto implica considerar que com esses modelos prováveis fazemos modelos prováveis de reações. Estes comentários fazem aflorar uma citação — inspirada na Bíblia e no Alcorão — que faço em Catalisan- do transformações na educação (Ijuí: UNIJUÍ, 1995, 3ª edição), ao discutir a dificuldade de se fazer modelos adequados para átomos: “...e dele não farás imagens!” Attico I. Chassot, licenciado em química e doutor em educação, é professor do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) - São Leopoldo, RS. Sobre prováveis modelos de átomos Attico Chassot ENSINO DE QUÍMICA 38 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 A constituição da matéria sempre intrigou os homens. Ela está entre as primeiras especulações filosóficas, e nestas a idéia de átomos tem uma longa his- tória. Várias concepções surgiram, tanto no Ocidente como no Oriente, em circunstâncias, culturas e épocas distintas. Diferentes hipóteses a res- peito da constituição da matéria a par- tir de partículas discretas surgiram na Índia antiga, por exemplo, e especula- se se poderia ter ocorrido alguma forma de intercâmbio intelectual com os gregos nesse campo. Tanto no bramanismo como no budismo e no jainismo desenvolveram-se concep- ções de organização da matéria an- tes da era cristã. No entanto, como este artigo trata da tradição ocidental, culminando na obra de John Dalton, esse aspecto do atomismo não será aqui abordado. Por isso, vamos pas- sar em revista algumas das concep- ções surgidas na Grécia e em outras partes da Europa Ocidental. Em Eléia, ao sul da Itália, surgiu no início do século V a.C. uma escola de pensamento, representada por filósofos como Parmênides e Zenão, que se preocuparam sobretudo com questões ligadas ao mundo material. Sua concepção da matéria tem muito ▲ ▲ Recebido em 28/05/04; aceito em 5/11/04 Carlos Alberto L. Filgueiras A teoria atômica de Dalton, um dos marcos da Química do século XIX, surgiu e foi publicada ao longo da primeira década daquele século. Ela deu uma forma operacional, capaz de ser usada em determinações experimentais, a uma das mais antigas inquietações humanas, que dizia respeito à constituição da matéria. Com Dalton cessa toda a especulação puramente abstrata que cercava o tema desde a Antigüidade clássica. Em seu lugar surge uma teoria que une conceitos teóricos à possibilidade de sua aplicação prática. Por isso o presente artigo faz uma breve resenha de aspectos das teorias filosóficas que precederam a elaboração daltoniana e procura mostrar o encadeamento que levou ao aparecimento da obra do químico inglês. origem da Teoria Atômica, Dalton, bicentenário da Teoria Atômica a ver com a realidade ou não do movimento e do vácuo. Para os elea- tas, o movimento, a mudança e a variedade das coisas e tudo o que apreendemos com os sentidos é ilu- sório. O movimento não existe: o pre- tenso deslocamento de uma flecha no ar é um engano de nossos sentidos e pode ser decomposto em quadros estáticos, como numa película cine- matográfica. São nossos olhos que nos iludem, fazendo- nos crer na realidade do movimento. A matéria é contínua; logo não pode haver movimento. Se ele existisse, o desloca- mento de um corpo em relação a outro teria de dar-se no vazio. Caso contrá- rio, corpos diferentes ocupariam o mesmo espaço, o que é absurdo. Se a matéria é contínua, não existem va- zios e o movimento não pode ocorrer. Leucipo de Abdera (ativo em mea- dos doséculo V a.C.), em oposição aos eleatas, acreditava na evidência dos sentidos e, conseqüentemente, na realidade do movimento dos cor- pos. Em conseqüência, deve haver vácuo, para que os corpos se movi- mentem uns em relação aos outros. Para que haja movimento, a matéria não pode ser contínua, portanto ela deve ser constituída por partículas, ou princípios. Os primeiros princípios de que se constitui a matéria são partí- culas fundamentais, os “átomos” (dis- cute-se se o nome “átomos”, ou “indi- visíveis”, teria sido cunhado por Leu- cipo ou por Demócrito). Os átomos, além de indivisíveis, são também sólidos, compactos e podem ter inúme- ros formatos. Dife- rentes combinações de diferentes átomos dão origem à varie- dade de coisas no mundo. Demócrito de Abdera (~460-370 a.C.) é tradicional- mente considerado um elaborador das idéias de Leucipo, embora não se tenha certeza da autoria das contri- buições de cada um, uma vez que o que se conhece deles provém quase totalmente de citações de pósteros, como Aristóteles, que os citaram para deles discordarem. Para Demócrito, nada é criado do nada e nada é des- truído para o nada. Esta é uma ex- pressão prematura do princípio de Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Diferentes hipóteses a respeito da constituição da matéria a partir de partículas discretas surgiram na Índia antiga, e especula-se se poderia ter ocorrido alguma forma de intercâmbio intelectual com os gregos nesse campo 39 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 conservação da matéria, o qual, em sua versão quantitativa, viria a ser explicitado por Lavoisier ao final do século XVIII. Demócrito acreditava que os áto- mos, em adição às características já assinaladas, também eram inquebrá- veis, tinham peso e participavam da constituição de todos os corpos, os quais tinham cada qual seu tipo de átomo. Aristóteles (384-322 a.C.) não aceitava o atomismo de Leucipo e Demócrito, por considerá-lo rudimen- tar. Esse caráter rudimentar resulta de sua natureza exclusivamente materia- lista. Os corpos são constituídos de matéria, mas também de atributos imateriais. As distinções mais impor- tantes entre os corpos estão nas pro- priedades, funções e capacidades de cada um. A principal objeção de Aris- tóteles à teoria atômica de Leucipo e Demócrito é sua incapacidade de ex- plicar a mudança nas substâncias, as transformações químicas, como diría- mos hoje. Se existem átomos para cada tipo de substância, não há pos- sibilidade de transformações quími- cas, o que evidentemente se choca com a evidência. Epicuro de Samos (342/1-271/0 a.C.) sustentava que a única garantia ou critério de verdade é a percepção sensorial. A filosofia epicurista revive o atomismo, ao admitir que toda sen- sação é um movimento de átomos resultando do contato entre corpos materiais. No tato ou no paladar isto é óbvio. A visão, por outro lado, é ex- plicada da mesma maneira, supondo que ela depende de que átomos dos objetos vistos sejam emitidos por esses objetos e venham até nossos olhos. Em Lucrécio (Roma, 100/94-55 a.C.), a teoria atômica é retomada e expressa em verso, num longo poe- ma intitulado De Rerum Natura (Da Natureza das Coisas). Durante a Ida- de Média e o Renascimento, todavia, o materialismo da teoria atômica e a oposição de Aristóteles, elevado à condição de principal filósofo das uni- versidades e da cristandade ociden- tal, tornaram a teoria inaceitável, chegando a ser considerada herética. Com a efervescência cultural da Revolução Científica, as possibilida- des de existência de vácuo e de áto- mos voltaram a ser temas de grande importância. A invenção do barômetro pelo discípulo de Galileo, Evangelista Torricelli (1608-1647), mostrou que, ao se inverter um tubo cheio de mercúrio sobre uma cuba contendo o mesmo metal, a coluna de mercúrio só permanece até um certo pon- to, que depende da pressão atmosférica local. Acima da coluna há vácuo (na realidade, vapor de mercúrio em equi- líbrio com o líquido, o que não se conhecia no século XVII). O aparecimento desse “vácuo” estava de acordo com o prin- cípio hidrostático de Blaise Pascal (1623-1662). Pascal, todavia, distinguia o “vácuo” sobre a coluna de mercúrio do “nada”. Por isso não admitia a possibilidade de haver vácuo fora do mundo. No entendi- mento moderno de que o “vá- cuo” é na verdade uma rarefa- ção, o pensamento de Pascal nos afigura bastante moderno. De acordo com René Descar- tes (1596-1650), a caracterís- tica essencial da matéria do universo é sua extensão. A extensão é também a característica fundamen- tal do espaço. A matéria cartesiana é infinitamente divisível e não há espaço vazio na natureza. O universo está pleno de matéria e o movimento é uma realidade, transmitindo-se por contato entre vórtices que se comu- nicam ao longo do espaço. Esses vórtices, ou turbilhões, seriam devidos ao movimento de um material hipoté- tico e muito sutil que permearia todo o universo, denominado “éter”. Pierre Gassendi (1592-1655) se contra- punha a seu contemporâneo, defen- dendo uma espécie de “atomismo cristianizado”, a partir das idéias de Epicuro. Como sacerdote católico, Gassendi não podia admitir o atomis- mo ateu dos gregos e sim um sistema que necessitava de Deus como cria- dor e autor da força que anima e regu- la o mundo. Na Inglaterrra, Robert Boyle (1627- 1691) procurou conciliar o atomismo com sua própria experiência de quími- co, preferindo, todavia, falar de “cor- púsculos” constituintes dos corpos, em vez de fenômenos que não são oriundos apenas de trocas entre as características aristotélicas da ma- téria. Uma qualidade como o odor depende do arranjo dos corpúsculos que formam os corpos: desta sorte, Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Cronologia sucinta do desenvolvimento da obra de Dalton até chegar à Teoria Atômica 1801: Lei das Pressões Parciais 1803: Primeira tabela de pesos atômicos (publicada em 1805) 1807: Primeira publicação da teoria atômica de Dalton, por Thomas Thomson (System of Chemistry) 1808: Publicação da primeira parte do livro mais importante de Dalton, o New System of Chemical Philosophy, com seu próprio relato da nova teoria atômica (as outras duas partes se seguiriam em 1810 e 1827, respectivamente). John Dalton em gravura de 1823. Além de equipa- mento de laboratório, vêem-se também os símbolos químicos de Dalton nos papéis à sua frente. 40 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 duas substâncias de mau odor po- dem interagir, produzindo um novo composto de cheiro agradável. Muitas outras abordagens do con- ceito de átomo apareceram ao longo do tempo. Todas elas partilharam com aquelas que aqui foram delineadas seu caráter de pura especulação filo- sófica. Somente no início do século XIX é que surgirá, com John Dalton, uma teoria atômica operacional. Nem sequer Lavoisier, cuja obra aponta, poucos anos antes de Dalton, para o que se costuma chamar de Química Moderna, quis tratar do assunto, por ainda não dispor de dados concretos sobre o tema. O rigor lavoisiano em só afirmar aquilo que pode ser deter- minado pela experiência, fugindo do que só pode ser conjecturado, está presente nesta afirmação de seu Tratado Elementar de Química, de 1789: A química caminha pois em direção a seu objetivo e em di- reção à perfeição, dividindo, subdividindo e ainda resubdi- vidindo, e nós ignoramos qual será o fim de sua trajetória. Não podemos assegurar que aquilo que consideramos hoje como simples o seja de fato; tudo que podemos dizer é que tal subs- tância é o termo atual ao qual chega a análise química, e que ela não pode mais se subdividir no estado atual de nossos conhecimentos. Por ter essa convicção ele não quis especular sobre o conceito de átomo. William Higgins (1762/3-1825), um químico irlandês, publicou em1789 um livro em que comparava a velha química flogística, anterior a Lavoisier, com a nova química do pesquisador francês e seu círculo. Nessa obra ele usa o termo “partículas últimas” para o que nós chamaríamos átomos. Todavia, ele diz, por exemplo, que as partículas últimas de enxofre e de oxigênio no dióxido de enxofre são to- das idênticas em peso, o mesmo sucedendo com as partículas últimas de nitrogênio e oxigênio que consti- tuem o óxido nítrico. Sua teoria atô- mica era, portanto, ainda bastante rudimentar e continha incorreções. No entanto, alguns anos após a publica- ção da teoria atômica de Dalton, Higgins alegou que o crédito da des- coberta da teoria deveria ser credi- tado a ele. Isto originou uma longa controvérsia, mas uma análise do co- pioso material existente mostra a grande originalidade e abrangência do trabalho de Dalton. Vida e obra de John Dalton John Dalton (1766-1844) nasceu em Eaglesfield, um lugarejo do norte da Inglaterra, filho de um modesto te- celão. A família pertencia à religião Quaker, que foi uma forte influência para John e à qual ele permaneceu ligado por toda a vida. Sua educação formal não chegou ao nível universi- tário, mas ele sempre demonstrou muita determinação e grande predile- ção por Matemática. Sua aptidão nos estudos foi sempre extraordinária, e ele se tornou um autodidata em mui- tos assuntos. A necessidade de aju- dar a família fez com que desde cedo o jovem Dalton começasse a traba- lhar naquilo que sabia fazer: ensinar. Aos 12 anos de idade criou uma es- cola, que funcionava de início num paiol, sendo depois transferida para o salão de reuniões dos Quakers. A escola teve duração efêmera, pois funcionou só até 1780. Ao mesmo tempo, Dalton continuou a estudar e veio a tornar-se versado em grego, latim, francês e filosofia natural. Em 1781, John e seu irmão Jonathan fo- ram convidados a se tornarem assis- tentes na escola de Kendal, onde lecionaram Matemática e línguas antigas e modernas. A partir de 1785, com a aposentadoria do mestre- escola, seu primo George Bewley, os dois irmãos assumiram a direção da escola. De 1784 a 1794, John Dalton escreveu em jornais, estudou Zoolo- gia e Botânica, passou a manter um diário de observações meteorológi- cas e a lecionar cursos de filosofia natural, incluindo-se aí a química dos gases. Em 1793 foi convidado a ser professor de Matemática e filosofia natural no New College, de Manches- ter. A partir daí, viveu naquela cidade até o fim de seus dias. Em suas aulas de Química, um dos livros adotados era o Tratado Elementar de Química, de Lavoisier. Poucos anos depois ele deixou o cargo de professor no New College e passou a se manter sobre- tudo com aulas particulares. Um de seus alunos ilustres foi James Prescott Joule (1818-1889), futuro ela- borador da teoria mecânica do calor. Dalton desenvolveu desde cedo uma paixão pela meteorologia. Por 46 anos tomou medidas diárias do tem- po e das condições atmosféricas, re- gistrando no papel mais de duzentas mil observações. Se for verdade a opi- nião popular de que o assunto que mais interessa aos ingleses é o tem- po, então Dalton pode ser conside- rado a quintessência do britanismo. Esse interesse pela meteorologia levou-o a debruçar-se sobre o estudo dos gases, concentrando-se, numa fase inicial, naqueles que constituem a atmosfera. Sua meticulosidade em realizar e anotar observações era pro- verbial. Embora seus copiosos volu- mes de notas manuscritas houves- sem já sido publicados, é de lamentar que os originais tenham sido total- mente destruídos na noite de 23-24 de dezembro de 1940, juntamente com milhares de outros documentos e volumes preciosos, quando um ata- que aéreo da Luftwaffe, a força aérea alemã, bombardeou sua cidade e Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Frontispício de A New System of Chemi- cal Philosophy, de 1808. 41 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 destruiu a sede da Sociedade Literária e Filosófica de Manchester, onde estavam depositados aqueles mate- riais. O primeiro dos estudos de Dalton sobre os gases levou à teoria da mis- tura dos gases. Havia ao final do sé- culo XVIII um enigma que desafiava os pesquisadores. Sabia-se que a atmosfera era composta principal- mente de nitrogênio e oxigênio, contendo também gás carbônico e vapor d’água. No entanto, como se relacionavam esses gases entre si? Formavam eles um composto gaso- so, que podia ser decomposto duran- te as reações exaustivamente estuda- das pelos eminentes químicos dos setecentos, ou, ao contrário, estavam apenas misturados, como numa mistura de açúcar e sal? Curiosamen- te, a composição do ar era pratica- mente constante, como mostravam as abundantes observações de Dal- ton realizadas em lugares os mais dis- tantes entre si. Alguns anos depois, em França, o químico Louis Joseph Gay-Lussac (1778-1850) viria a mos- trar que a constituição percentual da atmosfera é praticamente constante até alturas consideráveis, mesmo sendo a pressão menor. Isto ele pró- prio determinou por meio de duas ascensões em balão, no ano de 1804, quando chegou a atingir a altitude de 7016 metros. Dalton, sob a influência de Newton, acreditava que os gases da atmosfera formassem apenas uma mistura, sem que qualquer ligação química existisse entre eles. Se isso fosse correto, por que o dióxido de carbono, mais pesado, não se con- centraria nas camadas inferiores da atmosfera, seguido do vapor d’água, do oxigênio e do nitrogênio, em or- dem decrescente de peso? Aqui é bom lembrar que ainda não se sabia que o oxigênio e o nitrogênio forma- vam espécies diatômicas O2 e N2, e que a composição da água era consi- derada como sendo do tipo 1:1 em hidrogênio e oxigênio, ou HO. A con- dução da questão por Dalton é um exemplo de que muitas vezes a ciên- cia progride não a partir de dados experimentais, mas sim de uma idéia concebida previamente pelo cientista e só então testada à luz da experiên- cia. Tudo isso está claro em seu artigo intitulado “Nova teoria da constituição dos fluidos aeriformes mistos e parti- cularmente da atmosfera”, lido origi- nalmente em 1801 na Sociedade Literária e Filosófica de Manchester e publicado no ano seguinte nas Me- mórias da Sociedade. Nessa memó- ria Dalton introduz a seguinte propo- sição: Quando dois fluidos elásti- cos, denominados A e B, são misturados, não há qualquer re- pulsão mútua entre suas partí- culas, isto é, as partículas de A não repelem as de B, como elas se repelem umas às outras (isto é, só A repele A, ou só B repele B, n. do presente autor). Conseqüentemente, a pressão ou peso total sobre qualquer partícula deve-se apenas àque- las de sua própria espécie. Esta é uma importante lei desco- berta por Dalton, conhecida como lei das pressões parciais. Mais tarde ele daria um novo enunciado dessa lei em termos mais práticos: Quando a mistura de quais- quer dois ou mais gases atinge o equilíbrio, a energia elástica de cada um deles sobre a su- perfície do recipiente ou de qualquer líquido é precisamen- te a mesma como se ele fosse o único gás presente ocupan- do todo o espaço, e todos os outros tivessem sido retirados. Seu amigo William Henry (1774- 1836) enunciaria essa mesma lei co- mo: cada gás é um vácuo para qual- quer outro gás. Um enunciado moder- no da lei é: a pressão total de uma mistura de gases é igual à soma das pressões que cada um exerceria se estivesse sozinho. Na realidade, os dados então disponíveis não levariam a essa generalização, mas Dalton es- tava convencido de sua realidade, que veio a se mostrar correta. Anos mais tarde o próprio Dalton confessaria, numa conferência profe- rida na Royal Institution, em Londres, que sua teoria atômica lhe veio a partir da lei das pressões parciais. A inde- pendência de um gás em relação a outro seria devida aos diferentes tamanhosdas partículas que os cons- tituíam. Mais tarde também lhe ocor- reu a idéia de que seus pesos tam- bém seriam diferentes. É sintomático da variedade dos interesses de Dalton que, no mesmo ano de 1801 em que produziu suas memórias sobre os gases, ele tam- bém publicaria seus Elementos de Gramática Inglesa. Esse interesse por assuntos de natureza variada seria mantido ao longo de toda a sua vida. A influência de Lavoisier e seu ima- ginário calórico, o fluido do calor, tam- bém foram consideráveis sobre Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Os símbolos criados por Dalton para os elementos e seus compostos, de A New Sys- tem of Chemical Philosophy. 42 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 Dalton. Ele descreveria uma partícula gasosa como constituída por um átomo central de matéria sólida extre- mamente pequena, que está cercado por uma atmosfera de calor, de grande densidade nas proximidades do átomo, e rarefazendo-se gradualmen- te de acordo com alguma potência da distância. Já que as partículas de dife- rentes gases não interagiam quimi- camente, uma possível conseqüên- cia era aquela que ele vislumbrou brilhantemente ao formular a lei das pressões parciais. A preocupação em mostrar a vali- dade de suas idéias a respeito da natureza dos gases que constituem a atmosfera levou Dalton a continuar sua pesquisa, enveredando pelo ca- minho da natureza da dissolução dos gases em água e do problema de de- terminar o peso relativo de diferentes gases em relação a outros. Aqui se encontra o germe de sua teoria atô- mica. Seus apontamentos de setem- bro de 1803 mostram pela primeira vez os símbolos atômicos, fórmulas atômicas e pesos relativos do que ele ainda chamava de “partículas últi- mas”. Como o vapor d’água tem den- sidade menor que o oxigênio, embora contenha oxigênio, ele rejeitou com- parar os pesos relativos das partícu- las últimas com as densidades dos gases. A partir daí decidiu tentar obter os pesos relativos a partir das propor- ções em que essas partículas se combinam. Surgiram então relações simples como as seguintes: o car- bono se une ao oxigênio para formar o monóxido de carbono na proporção de 3 para 4 em peso, ao passo que na formação do dióxido de carbono a proporção é de 3 para 8. Conside- rações dessa natureza levaram a mais uma lei fundamental, a das pro- porções múltiplas: em compostos diferentes formados pelos mesmos elementos, há uma razão simples en- tre o peso fixo de um elemento e os pesos variáveis do outro. Na verdade, pode-se ler nos apon- tamentos de laboratório de Dalton que, em 1803, de forma explícita ou implícita, ele já sustentava os seguin- tes princípios: • a matéria é constituída por par- tículas últimas ou átomos; • os átomos são indivisíveis e não podem ser criados nem destruí- dos (Princípio de Conservação da Matéria - Lavoisier); • todos os átomos de um mesmo elemento são idênticos e apre- sentam o mesmo peso; • átomos de elementos diferentes têm pesos diferentes; • os compostos são formados por um número fixo de átomos de seus elementos constituintes (Lei das Proporções Fixas - Proust); • se existir mais de um composto formado por dois elementos diferentes, os números dos áto- mos de cada elemento nos compostos guardam entre si uma razão de números inteiros (Lei das Proporções Múltiplas - Dalton) - podemos aplicar este princípio em muitos exemplos, como nos óxidos de ferro, FeO, Fe2O3 e Fe3O4; • o peso1 do átomo de um ele- mento é constante em seus compostos - se a reagir com b para formar ab e c reagir com d para formar cd, então se ab reagir com cd os produtos serão ad e cb (Lei das Proporções Recíprocas - Richter). Como exemplo, podemos considerar as seguintes reações, dadas, em notação moderna, por: 2K + I2 → 2KI Pb + Cl2 → PbCl2 2KI + PbCl2 → 2KCl + PbI2 Estava preparado o terreno para a explicitação da Teoria Atômica. A Teoria Atômica A primeira comunicação oral de Dalton a respeito de sua teoria foi lida por ele na Sociedade Literária e Filo- sófica de Manchester em 21 de outu- bro de 1803. Sua publicação deveu- se inicialmente a seu amigo Thomas Thomson (1773-1852) que, após ouvi- la do autor em 1804, decidiu apresen- tá-la, com o devido crédito, em seu livro System of Chemistry, publicado em 1807. Thomson, em sua detalha- da descrição da teoria de Dalton, usa Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Versão elaborada dos símbolos criados por Dalton para os elementos e seus compostos. 43 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Tabela 1: Os pesos atômicos segundo Dalton: primeira tabela de pesos atômicos, apresentada oralmente por Dalton em 1803 e publicada como artigo nas Memoirs of the Philosophical Society of Manchester (2nd series, v. 1, p. 271-287, 1805). O padrão é o átomo de hidrogênio, cujo peso atômico foi considerado unitário. A coluna da direita apresenta parte de sua segunda tabela, publicada no livro A New System of Chemical Philosophy, em 1808. Pesos atômicos (sic) Espécie química 1805 1808 Hidrogênio 1 1 Azoto 4,2 5 Carbono 4,3 5 Amônia 5,2 6 Oxigênio 5,5 7 Água 6,5 8 Fósforo 7,2 9 Hidrogênio fosforetado (PH3) 8,2 - Gás nitroso (NO) 9,3 12 Éter 9,6 - Óxido gasoso de carbono (CO) 9,8 12 Óxido nitroso (N2O) 13,7 17 Enxofre 14,4 13 Ácido nítrico (NO2) 15,2 19 Hidrogênio sulfuretado (H2S) 15,4 16 Ácido carbônico (CO2) 15,3 19 Álcool 15,1 16 Ácido sulfuroso (SO2) 19,9 - Ácido sulfúrico (SO3) 25,4 34 Hidrogênio carburetado da água estagnada (CH4) 6,3 7 Gás olefiante (C2H4) 5,3 6 O leitor é convidado a analisar os pesos atômicos acima, quando se tratar de compostos, e examinar as fórmulas moleculares atribuídas por Dalton. A água, por exemplo, tinha a fórmula HO. a palavra átomo e também os símbo- los inventados por ele para represen- tar os átomos de sua teoria. Esta veio a ser publicada pelo próprio Dalton em sua obra principal, saída à luz a partir de 1808, o New System of Chemical Philosophy. As três partes do livro foram publicadas, respectiva- mente, em 1808, 1810 e 1827. Dalton ousou onde Lavoisier não tinha se- quer especulado. Ele correlacionou os pesos relativos das unidades fun- damentais dos elementos químicos com as combinações que estes apre- sentavam em seus compostos, consi- derando que todas as partículas de hidrogênio, de oxigênio etc. existentes em qualquer composto desses ele- mentos seriam iguais em peso, tama- nho ou forma; da mesma maneira, qualquer partícula de água seria igual a qualquer outra partícula de água. As partículas constituintes das subs- tâncias simples, contendo apenas um tipo de elemento, foram chamadas de “partículas últimas”, e são os nossos átomos. No livro Novo Sistema, ele assim raciocinou para demonstrar que ga- ses diferentes não podem ter partí- culas de mesmo tamanho: Se medidas iguais dos gases azótico (nitrogênio) e oxigeno- so (oxigênio) fossem mistu- radas, e pudessem rapida- mente unir-se quimicamente, seriam formadas cerca de duas medidas de gás nitroso (óxido nítrico), pesando o mesmo que as duas medidas originais; mas o número de partículas últimas só poderia ser no máximo a metade daquele que existia an- tes da união. Diferentes fluidos elásticos (gases) não têm, por- tanto, o mesmo número de par- tículas, seja no mesmo volume, seja no mesmo peso. A afirmação final de Dalton não é verdadeira, a nossos olhos moder- nos, uma vez que ela se choca com a hipótese de Avogadro, que apare- ceria em 1811, a qual afirma que “volumes iguais de gases diferentes contêm o mesmo número de molé- culas”. Sua primeira “tabela de pesos relativos das partículas últimas dos corpos gasosos e outros”, de 1803, está reproduzida na Tabela 1. Esta ainda era muito primitiva, refletindo a falta de acurácia das determinações de então. No New Systemof Chemi- cal Philosophy ele apresenta uma nova tabela, bastante expandida e aperfeiçoada, que dá conta dos pe- sos relativos de substâncias simples e compostas. As unidades fundamen- tais dessas substâncias são todas denominadas átomos, uma vez que o conceito de molécula, como o co- nhecemos, ainda não existia. Dalton mostrou também como os diferentes átomos se combinavam para formar as substâncias compostas, usando seu complicado sistema de notação. Este viria mais tarde a ser suplantado pelo sistema do químico sueco Jons Jakob Berzelius (1779-1848), que usamos até hoje, no qual o símbolo de um elemento é dado pela inicial ou por uma combinação desta mais uma outra letra do nome latinizado do elemento. A Teoria Atômica, porém, não teve uma aceitação pronta e universal; muito pelo contrário. Apesar do apoio de químicos eminentes como Berze- lius, muitos outros cientistas de reno- me relutaram em aceitá-la. A determi- nação experimental dos pesos atômi- cos permaneceu precária por muito tempo, e a confusão que freqüente- mente se fazia entre átomos e molé- culas ajudou a manter a incerteza. Por isso, durante a maior parte do século XIX preferiu-se trabalhar com o con- ceito de peso equivalente das espé- cies químicas, no lugar de peso atô- mico ou molecular. Só nas últimas décadas dos oitocentos é que a situa- ção começaria a esclarecer-se e a teoria atômica de Dalton passaria a ocupar pouco a pouco o lugar de proeminência que ela goza na Quí- mica. A história da aceitação da Teoria Atômica é interessantíssima, mas bastante longa para ser discutida aqui. Seria necessário um outro artigo para tratar desse processo. Considerações finais Por seus trabalhos, que lhe ren- deram muita fama e honrarias, Dalton foi feito em 1816 membro correspon- 44 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004 Nota Abstract: Two Hundred Years of Dalton’s Atomic Theory - Dalton’s Atomic Theory, one of the landmarks of chemistry in the 19th century, was developed and published along the first decade of that century. It gave an operational format, amenable to use in experimental determinations, to one of humankind’s oldest quests, an explanation of the constitution of matter. With Dalton all purely abstract speculation that pervaded the theme since classical antiquity ceases. In its place emerges a theory that unites theoretical concepts with the possibility of their practical application. For this reason the present article briefly reviews aspects of the philosophical theories that preceded the daltonian elaboration and aims at showing the chain of thought that led to the appearance of the work of the English chemist. Keywords: orign of the atomic theory, Dalton, bicentennial of the atomic theory Duzentos anos da teoria atômica de Dalton Referências bibliográficas CROSLAND, M.P. Historical studies in the language of chemistry. Nova Iorque: Dover, 1978. DALTON, J. A new system of chemi- cal philosophy. Part I, Manchester, 1808; Part II, Manchester, 1810; Part First of Vol. II, Manchester, 1827. LEICESTER, H.M. e KLICKSTEIN, H.S. A sourcebook in chemistry 1400-1900. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1952. PARTINGTON, J.R. A history of chem- istry. Ed. reimpressa. Nova Iorque: St. Martin´s Press, 2000. v. 3. PARTINGTON, J.R. The origins of the atomic theory. Annals of Science, v. 4, p. dente do Institut de France e, em 1830, sucedeu a Humphry Davy (1778-1829) como um dos oito asso- ciados estrangeiros daquele instituto. Foi também eleito, em 1822, membro da Royal Society, a Academia das Ciências da Grã-Bretanha, e quatro anos depois recebeu sua Medalha Real. Dalton sempre gozou de ótima saúde até próximo dos setenta anos; a partir daí sua condição deteriorou gradativamente até sua morte em 1844. Ele manteve até o fim da vida sua rotina metódica de pesquisador incansável. Com o tempo veio a tor- nar-se uma celebridade em toda a Europa, morrendo coberto de honras em seu país e no estrangeiro. Dalton estudou e escreveu sobre assuntos os mais variados, tendo publicado cerca de 150 comunica- ções, desde a cegueira às cores, que ele descobriu em si próprio em 1792, e que conhecemos pelo nome de daltonismo, até sua principal contri- buição à Ciência, uma teoria atômica operacional, que veio a ser um dos esteios da Química. Sua teoria atô- mica diferia de tantas outras, de natu- reza especulativa, enunciadas ante- riormente desde os gregos, porque permitia a realização de cálculos quantitativos baseados em dados experimentais coligidos em labora- tório. A teoria atômica de Dalton é um dos marcos fundamentais da Química do século XIX. Ao contrário das cogi- tações abstratas de tantas outras teo- rias sobre a constituição da matéria, a sua se originou de uma combinação de intuição teórica e observações de laboratório, sendo respaldada direta- mente por seus estudos sobre os ga- ses. A obtenção de resultados confiá- veis nas determinações de pesos atômicos levou muitas décadas. Com pesos atômicos confiáveis e o escla- recimento definitivo da diferença en- tre átomos e moléculas, a teoria pas- sou a ter aceitação universal e tornou- se um dos alicerces da Química. Nota 1. Neste artigo, optou-se por usar a expressão “peso” em vez de “mas- sa”, sendo-se fiel ao uso da época. Carlos Alberto L. Filgueiras (calf@iq.ufrj.br), enge- nheiro químico pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em Química pela Universidade de Maryland (EUA), é docente do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi pre- sidente da SBQ no biênio 1990-1992. 245-282, 1939. PULLMAN, B. 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Elemento 111: Roentgênio No dia 1º de novembro de 2004, o elemento 111, descoberto em dezembro de 1994 por pesquisadores do GSI - Centro de Pesquisas sobre Íons Pe- sados, em Darmstadt, Alemanha (vide QNEsc n. 5, p. 12, 1997), foi ofi- cialmente nomeado pela IUPAC como roentgênio (símbolo Rg). A descoberta deste elemento foi confirmada, em 2003, por um grupo de trabalho conjunto da IUPAC e da IUPAP (União Internacional de Física Pura e Aplicada). A seguir, os desco- bridores do elemento propuseram à IUPAC o nome roentgênio e o símbolo Rg, seguindo a tradição de nomear elementos em homenagem a cientis- tas famosos. Wilhelm Conrad Roent- gen descobriu os raios X em 8 de novembro de 1895, um novo tipo de radiação ao qual ele deu esse nome dada a sua natureza incerta (vide QNEsc n. 2, p. 19-22, 1995). Imediata- mente, os raios X passaram a ser usa- dos em Medicina e encontraram muitas aplicações tecnológicas, anunciando a era da Física Moderna, baseada em propriedades atômicas e moleculares. Em 1901, somente seis anos após sua descoberta, os benefícios dos raios X à humanidade já eram tão evidentes que Roentgen foi laureado com o Prê- mio Nobel de Física. O elemento 111 foi sintetizado exatamente 100 anos depois da descoberta de Roentgen. Para mais informações:www.iupac. o r g / n e w s / a r c h i v e s / 2 0 0 4 / naming111.html. (R.C.R.F.) Rg 111 6 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos Wagner B. de Almeida e Hélio F. dos Santos A matéria é constituída de sub-partículas (prótons, elétrons e nêutrons) cujo comportamento deve ser descrito pela teoria quântica. No presente artigo apresentamos os principais aspectos relacionados ao conceito e ao formalismo da química quântica modelos teóricos, estrutura da matéria, química quântica Observações experimentais e modelos teóricos I nformações importantes a respeito da natureza de átomos e moléculas têm sido obtidas através do estudo da interação da radiação com a ma- téria. Muitas evidências experimentais, desde a metade do século XIX, suge- riam que a luz deveria ser descrita como um movimento ondulatório. Esta evidência incluía o fato de que a luz exi- be fenômenos de interferência e difra- ção. Naquela época, em 1864, a teo- ria eletromagnética ondulatória foi de- senvolvida em uma forma bastante satisfatória por J.C. Maxwell. Suas fa- mosas equações diferenciais en- volvendo os cam- pos elétricos e magnéticos des- crevem a radia- ção luminosa on- dulatória e suas propriedades, em uma forma similar na qual as equações do movimento são aplicáveis às ondas sonoras. Utilizando a teoria eletromag- nética ondulatória, podemos correla- cionar a inteira gama de comprimentos de onda, λ, desde raios X (λ ≈ 10-10 m) até ondas de rádio ordinárias (λ ≥ 1 m). Todas estas superficialmente diferen- tes formas de radiação viajam no vácuo a mesma velocidade, c = 2,998 x 108 m.s-1. Uma onda luminosa pode ser caracterizada por sua freqüência, ν, ou comprimento de onda, λ (ν = c/λ) como mostrado na Figura 1. A espectroscopia tem como funda- mento básico revelar o efeito da inte- ração da radiação com a matéria, es- tando esta no estado gasoso, líquido ou sólido. Desde o século XIX traba- lhos experimentais na área de espec- troscopia, mais especificamente espectroscopia atômica, proporciona- ram um conjunto de informações rele- vantes que levaram cien- tistas a buscarem mo- delos e teorias mais ade- quadas para a descrição da interação da radiação com a matéria. No caso do átomo de hidrogênio, várias equações empíricas foram propostas para descrever seu espec- tro atômico (Figura 2 e Tabela 1). O padrão de espaçamento entre as linhas do espectro pode ser reprodu- zido com o auxílio da equação empí- rica mostrada na Tabela 1, sendo RH a constante de Rydberg e m e n núme- ros inteiros que assumem valores ca- racterísticos nas diferentes regiões do espectro eletromagnético. Considerando as relações entre ra- diação, energia e matéria, pode-se observar que quando gases são ex- postos a uma descarga elétrica ou aquecidos a temperaturas altas, uma emissão característica de luz é obser- vada. Esta consiste de uma série de linhas distintas, chamadas bandas de radiação, distribuídas em várias fre- qüências, com pouca ou nenhuma ra- diação em freqüências intermediárias (Figura 2). Um sólido aquecido, por um outro lado, produz um espectro que parece ser uma função contínua do comprimento de onda. Um espectro como este é chamado de espectro de Figura 1: Espectro de radiação eletromag- nética. O comprimento de onda (λ) é defini- do como sendo a distância entre dois máxi- mos ou dois mínimos da onda. A espectroscopia tem como fundamento básico revelar o efeito da interação da radiação com a matéria 7 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos corpo negro ideal ou espectro normal. O espectro obtido para um corpo ne- gro ideal não depende da natureza, ta- manho ou forma do sólido, mas so- mente da temperatura (Figura 3). A radiação de corpo negro é a radiação eletromagnética em equilíbrio térmico com o corpo negro a uma temperatura específica. Através da análise da radiação do corpo negro, foi estabele- cido experimentalmente que a densi- dade de energia total, ρ, é dada pela lei de Stefan-Boltzmann. ρ = σ.T4 (1) sendo σ uma constante, 7,56 x 10-16 J.m-3.K-4, e T a temperatura absoluta (em K). Se um detector de radiação e um espectroscópio são usados para deter- minar a energia para vários comprimentos de onda, um gráfico suave de densidade de energia (ρ) vs. com- primento de onda (ou freqüência) é obtido, como mostrado na Figura 3. Estas curvas se constituem em uma família, com a forma de cada curva depen- dendo da temperatura. Como pode ser visto na Figura 3, a equação clássica para a densidade de energia em função da freqüência da radiação proposta por Rayleigh-Jeans em 1900, discordou dramaticamente da curva experimental. O desenvolvimento de uma equação para reproduzir a forma experimental da dependência da ener- gia da radiação com o comprimento de onda (ou freqüência) da luz foi um dos problemas centrais dos físicos do século XIX. Planck apresentou no final de 1900 uma solução, na qual foi introduzida pela primeira vez a hipótese da quantização da energia (E = n.h.ν, sendo h a constante de Planck, 6,62 x 10-34 J.s, e n um número inteiro). A curva teórica construída utilizando a equação de Planck concorda perfeitamente com a curva experimental para a radiação do corpo negro. Uma discussão detalhada não será apresentada aqui, mas podemos dizer que este foi o passo inicial para o nascimento da mecânica quântica. Apesar da teoria desenvolvida por Planck para explicar a radiação de cor- po negro ter sido compatível com as observações experimentais, naquela época Planck se questionava quanto ao significado físico do formalismo ma- temático introduzido. Com esta visão, Planck buscou du- rante um longo perío- do explicações físicas para o que ele consi- derava como um “postulado limitado proposto a partir de um ato de desespero”. No final do século XIX Heinrich Hertz realizou experiências e descobriu que uma descarga elétrica entre dois ele- trodos ocorre mais facilmente quando se faz incidir sobre um deles luz ultravioleta. Lenard, seguindo alguns experimentos de Hallwachs, mostrou em seguida que a luz ultravioleta facilita a descarga ao fazer com que elétrons sejam emitidos da superfície do catodo (M, Figura 4a). A emissão de elétrons de uma superfície, devido à incidência de luz sobre essa superfície, é cha- mada de Efeito Fotoelétrico (Figura 4). Os principais aspectos observados empiricamente do Efeito Fotoelétrico não podem ser explicados em termos da teoria ondulatória clássica da radiação. Em 1905 Albert Einstein ques- Tabela 1: Diferentes séries propostas empiricamente para descrever o espectro de emissão atômico do átomo de hidrogênio (Figura 2). Nome da série Região do espectro eletromagnético m n Lyman Ultravioleta 1 2, 3, 4... Balmer Visível 2 3, 4, 5... Paschen Infravermelho 3 4, 5, 6... Brackett Infravermelho 4 5, 6, 7... Pfund Infravermelho 5 6, 7, 8... Figura 3: Espectro de radiação do corpo negro. Figura 4: Ilustração do efeito fotoelétrico No final de 1900 Planck apresentou a hipótese da quantização da energia: E = n.h.ν Esse foi o passo inicial para o nascimento da mecânica quântica Figura 2: Espectro atômico do átomo de hidrogênio em diferentes regiões do espectro eletromagnético. 8 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 tionou o formalismo clássico utilizado na descrição da luz. Einstein propôs que a energia radiante fosse quantizada em pacotes concentrados, que mais tarde vieram a ser chamados de fótons. Eins- tein supôs que a energia do pacote, ou fóton, está relacio- nada à sua freqüência ν pela equação E = h.ν; também foi su- posto que no efeito fotoelétrico um fóton é c o m p l e t a m e n t e absorvido por um elé- tron no fotocatodo. Quando um elétron é emitido da superfíciedo metal, sua energia cinética é K = h.ν - w, sendo o primeiro termo da direita a energia do fóton incidente e w o trabalho necessário para remover os elétrons do metal. No caso de um elétron estar fra- camente ligado e não havendo perdas internas, o fotoelétron vai emergir com energia cinética máxima, Kmax. No efeito fotoelétrico os elétrons podem ser detectados sob a forma de uma corrente elétrica se forem atraídos para um coletor metálico através de uma dife- rença de potencial V. Invertendo o sinal do potencial e tornando-o suficien- temente grande, podemos fazer a corrente fotoelétrica cair a zero. Este é o chamado potencial de corte ou limite, V0. Einstein relacionou o potencial de corte com a energia do fóton incidente pela equação e.V0 = h.ν - w0, onde w0 é chamada de função trabalho, a energia mínima necessária para um elétron atravessar a superfície do metal e esca- par às forças atrativas que ligam-no ao metal. Utilizando as equações mencio- nadas anteriormente e a Figura 4, podemos observar que construindo um gráfico de eV0 em função da freqüência ν obteremos uma linha reta cuja inclina- ção fornece a constante de Planck, h (Figura 4b). Enquanto no efeito fotoelétrico a ra- diação ultravioleta é absorvida pelo elé- tron, Compton mostrou, em 1923, que um feixe de raios X de comprimento de onda λ era espalhado por elétrons quan- do incididos sobre uma amostra de grafi- te. Para interpretar as observações experimentais, Compton postulou que o feixe de raios X incidente não era uma onda de freqüência ν, mas um conjunto de fótons, cada um com energia E = h.ν, e que esses fótons colidiam com os elétrons livres do alvo da mesma forma que colidem duas bolas de bilhar. A natureza corpuscular da radiação foi então confirmada. Portanto foi consta- tado que a radiação ele- tromagnética tem um comportamento dual. A necessidade da hipó- tese do fóton, ou partí- cula localizada, para interpretar processos que envolvem a inte- ração com a matéria é clara, mas ao mesmo tempo é necessária uma teoria ondulatória da radiação pa- ra explicar os fenômenos de interferência e difração. É importante considerar que a radiação não possui um compor- tamento puramente ondulatório nem meramente se comporta como um fei- xe de partículas. A radiação se apresenta como uma onda em certas circuns- tâncias e como uma partícula em outras. A dualidade evidente na natureza onda-partí- cula da radiação é uma característica ge- ral de todos os entes físicos. Veremos que elétrons, por exem- plo, têm a mesma natureza dual dos fó- tons. A conciliação da existência de aspectos ondulatórios com a de aspec- tos corpusculares, para qualquer ente físico, é conseguida com o auxílio da mecânica quântica. Em 1924, Louis De Broglie propôs a existência de ondas de matéria. A hipó- tese de De Broglie era de que o compor- tamento dual onda-partícula da radiação também se aplicava a matéria. Assim como um fóton tem associado a ele uma onda luminosa que governa seu movi- mento, também uma partícula material (por exemplo, um elétron) tem associa- da a ela uma onda de matéria que governa seu movimento. Foi proposto que os aspectos ondulatórios da maté- ria fossem relacionados com seus as- pectos corpusculares exatamente da mesma forma quantitativa com que es- ses aspectos são relacionados para a radiação. Assim, tanto para a matéria quanto para a radiação, as seguintes relações são válidas: E = h.ν e p = h/λ, onde E e p são respectivamente a energia total e momento linear da partícula. O comprimento de onda de De Broglie é portanto definido como: (2) sendo m e v a massa e a velocidade da partícula respectivamente. Apesar da relação de De Broglie ser aplicada a todas as substâncias físicas, o comprimento de onda associado a partículas macroscópicas é mui- to pequeno, não sen- do possível observar o comportamento ondulatório (difração, interferência etc.). Alguns exemplos são apre- sentados na Tabela 2. Desenvolvimento da teoria atômica Evidências experimentais foram acumuladas no início do século pas- sado revelando que átomos contêm elétrons, e como normalmente átomos são neutros, eles devem conter uma carga positiva igual em módulo à carga Modelos teóricos Tabela 2: Exemplos da aplicação da relação de De Broglie. 1. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um elétron de massa 9,1 x 10-31 kg movendo-se a velocidade de 1,0 x 106 m.s-1. 2. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um carro de massa 1 x 103 kg movendo-se a 100 km.h-1 (27,8 m.s-1). Compton postulou que um feixe de raios X, incidindo sobre uma amostra de grafite, não se compotra como uma onda de freqüência ν mas como um conjunto de fótons. Isso confirmou a natureza corpuscular da radiação A dualidade evidente na natureza onda-partícula da radiação é uma característica geral de todos os entes físicos 9 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 negativa de seus elétrons. Portanto um átomo neutro contendo Z elétrons tem uma carga negativa -Ze, onde -e é a car- ga do elétron, e também uma carga positiva de mesmo valor em módulo. O fato de que a massa do elétron é muito pequena se compara- da com a de qualquer átomo, implica que a maior parte da massa do átomo deve estar associada à carga po- sitiva. Estas consi- derações levaram na- turalmente ao proble- ma de como seria a distribuição de cargas positivas e negativas dentro do átomo. Um dos primeiros modelos para o átomo foi proposto por J.J. Thomson em 1910, segundo o qual os elétrons carregados negativamente estariam localizados no interior de uma distribuição esférica contínua de carga positiva, com um raio da ordem de grandeza do raio de um átomo, 10-10 m. Este modelo é conhecido também como “pudim de ameixas”. O modelo de Thomson não fornecia uma concor- dância quantitativa com os espectros observados experimentalmente. A demonstração da inadequação do mo- delo de Thomson foi obtida em 1911 por Ernest Rutherford, a partir da análise de experiências sobre o espalhamento de partículas α por átomos. Rutherford mostrou que em vez de estar espalha- da por todo o átomo, a carga positiva estava concentrada em uma região muito pequena, ou núcleo, no centro do átomo. Este foi um dos progressos mais importantes da física atômica e foi a base da física nuclear. A verificação experimental detalha- da das previsões do modelo nuclear de Rutherford para o átomo deixou pouco espaço para dúvidas em relação à validade desse modelo. Contudo, sur- giram sérias questões a respeito da esta- bilidade de um átomo desse tipo. Os elétrons circulando em órbitas em torno do núcleo, de acordo com a teoria elet- romagnética clássica, perderiam energia e mover-se-iam em espiral até atingir o núcleo. Teríamos um átomo que rapi- damente sofreria um colapso para di- mensões nucleares. Além disso, o espectro contínuo da radiação que seria emitido durante este processo não esta- va de acordo com o espectro atômico de natureza discreta, conforme já se conhecia na época. Em 1913 Niels Bohr desenvolveu um modelo atômico que apresentava concor- dância quantitativa com os dados espectros- cópicos obtidos para o átomo de hidrogênio. Um outro aspecto inte- ressante do modelo de Bohr é que a matemá- tica envolvida era de fácil compreensão. O modelo de Bohr expli- cava a estabilidade do átomo postulando que a energia total do elétron é constante quando este encontra-se em uma das órbitas permitidas, caracterizadas por números inteiros denominados números quânticos (n = 1, 2, 3...). A freqüência da radiação emitida durante uma tran- sição eletrônica entre dois níveis é calculada pela equação: (3) sendo Einicial e Efinal as energias dos dife- rentes estados eletrônicos, definidas, de acordo com o modelo deBohr, como: (4) O raio das órbitas dos elétrons nos diferentes estados eletrônicos é ex- presso como: (5) Nas Equações (4) e (5), m refere- se à massa do elétron, Z ao número atômico do átomo, e à carga do elétron (e = 1,602 x 10-19 C), h = h/2pi e ε0 a permissividade do vácuo (ε0 = 8,85 x 10-12 F.m-1). As propriedades do espectro de absorção dos átomos de um elétron também são facilmente compreensí- veis em termos do modelo de Bohr. O sucesso do modelo de Bohr, medido por sua concordância com as experiên- cias, foi impressionante. Mas fez também acentuar a natureza misterio- sa dos postulados nos quais se ba- seava o modelo. Em 1916 Sommerfeld propôs um modelo no qual as órbitas permitidas para o movimento dos elétrons no áto- mo de hidrogênio seriam elípticas. Isso foi feito na tentativa de explicar a estru- tura fina do espectro do átomo de hi- drogênio, a qual corresponde a uma separação das linhas espectrais. A es- trutura fina pode ser observada so- mente se usarmos um equipamento de alta resolução, já que a separação, em termos de número de onda (1/λ), en- tre as componentes adjacentes de uma única linha espectral é da ordem de 10-4 vezes a separação entre as li- nhas adjacentes. De acordo com o modelo de Bohr, isto deve significar que o que tínhamos pensado ser um único estado de energia do átomo de hidrogênio consiste na realidade em vários estados com energias muito próximas. A esta teoria desenvolvida até aqui nós nos referimos como ‘teoria quân- tica antiga’. Esta teoria só é aplicável a átomos contendo um único elétron (H, He+, Li++ etc.) além de sofrer uma crí- tica subjetiva de que a teoria parece de alguma forma não ter coerência, sendo intelectualmente insatisfatória. A nova teoria quântica proposta por Schrödinger e independentemente por Heisenberg, denominada ‘mecânica quântica’, nos fornecerá um procedi- mento mais geral para o tratamento de partículas de qualquer sistema micros- cópico. Fundamentos da mecânica quântica Como descrito nas seções anterio- res, o final do séc. XIX foi marcado por uma série de experimentos envolvendo a interação da radiação eletromagné- Modelos teóricos O modelo de Thomson não fornecia uma concordância quantitativa com os espectros observados. A demonstração da inadequação desse modelo foi obtida por Rutherford. Ele mostrou que uma carga positiva estava concentrada em uma região muito pequena (o núcleo) no centro do átomo O modelo de Bohr explicava a estabilidade do átomo postulando que a energia total do elétron é constante quando este encontra-se em uma das órbitas permitidas 10 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 tica com a matéria. Dentre os mais importantes, podem ser citados os estudos da radiação emitida por um corpo negro, o efeito fotoelétrico e o espalhamento Compton. Estas inves- tigações experimentais levaram a uma reformulação geral da teoria clássica do eletromagnetismo, introduzindo conceitos como a quantização da ener- gia e as propriedades corpusculares da radiação. Os trabalhos de De Bro- glie, relacionados a dualidade partí- cula-onda, estabe- leceram um forma- lismo quantitativo do comportamento on- dulatório da matéria, sendo o comprimen- to de onda (λ) da ra- diação associada à partícula de massa m e velocidade v dado pela Equação (2). A derivação da Equa- ção (2) pode ser as- sociada aos conceitos de energia e fóton introduzidos por Einstein. No efeito fotoelétrico, a radiação eletro- magnética é considerada como sen- do constituída de partículas movendo- se na velocidade da luz (c = 2,998 x 108 m.s-1), denominadas fótons, cuja energia é E = h.ν (ν ≡ freqüência da radiação). Por outro lado, a teoria da relatividade estabelece que uma partícula nestas condições possui energia E = m.c2, sendo m a massa relativística da partícula. Logo, as duas equações mencionadas anteriormente podem ser combinadas, produzindo: (6) A Equação (6), valida para um fóton movendo-se na velocidade c, é equi- valente a Equação (2) para uma partí- cula de massa m movendo-se com velocidade v. O postulado de De Bro- glie (Equação 2) foi comprovado expe- rimentalmente através de estudos de difração de elétrons. A necessidade de introduzir concei- tos ondulatórios na descrição do com- portamento de partículas microscópi- cas levou a uma reformulação da me- cânica de Newton. Surge assim o con- ceito de onda de matéria (ou função de onda) cuja interpretação foi dada por Max Born em 1926. A análise de Born tem como princípio os conceitos clássicos da radiação eletromagnética e suas propriedades corpusculares. A intensidade da luz é proporcional a A2 (A ≡ amplitude da onda), que por sua vez é proporcional ao número de fó- tons (n) por unidade de volume. Por- tanto, a probabilidade de encontrar um fóton no elemento de volume dV pode ser escrita como A2dV. De forma análoga, Born associou à proba- bilidade de encontrar uma partícula no ele- mento de volume dV a quantidade Ψ2dV, onde Ψ representa a ampli- tude da função de on- da da matéria. A inter- pretação probabilística de Max Born con- trapõe-se ao determi- nismo da mecânica clássica e inicia o desenvolvimento de uma nova teoria para estudar movimentos de partículas, onde as propriedades observáveis são descritas como valores esperados. Esta teoria recebeu o nome de mecâ- nica quântica. Postulado fundamental da mecânica quântica Para qualquer sistema material, existe uma função de onda (Ψ) asso- ciada, a qual é função das coordena- das e tempo, que contém toda infor- mação que pode ser obtida sobre o sistema, e satisfaz a equação abaixo: ÔΨ = oΨ (7) sendo o uma propriedade observável do sistema e Ô o operador correspon- dente. O conceito de operador pode parecer novo para alguns leitores, mas com certeza todos já fizerem uso de algum tipo de operador em exercícios de cálculo. Exemplos de operadores clássicos são a raiz quadrada (√) e a derivada (d/dx), ou seja, operador é “al- go” que executa algum tipo de opera- ção sobre uma função matemática. Em mecânica quântica, o uso de operado- res constitui parte da teoria, como descrito pelo teorema fundamental (Equação 7). Alguns exemplos especí- ficos serão discutidos em maiores de- talhes, visando introduzir a forma dos principais operadores em mecânica quântica. Inicialmente, considere uma partí- cula movendo-se livre da ação de for- ças externas. A função de onda desta partícula pode ser representada como Ψ(x, t) = cos(kx - ωt) + ik sen(kx - ωt) (8) sendo (9) Derivando a expressão (8) em rela- ção a x, mantendo t constante, temos: (10) Reescrevendo a Equação (10), obtém-se: (11) Comparando a Equação (11) com a expressão que representa o postula- do fundamental da mecânica quântica (Equação 7), podemos escrever Ψ = pΨ (12) com p correspondendo ao momento linear da partícula (observável) e ao operador momento linear. O resultado da análise anterior pode ser utilizado em conjunção com os conceitos da mecânica clássica para derivar um outro operador funda- mental em mecânica quântica, o ope- rador energia total ( ). A energia total clássica pode ser escrita como a soma da energia cinética (K) e potencial (V). E = K + V (13) A Equação (13) pode ser escrita em função do momento p como (14) Modelos teóricos A necessidade de introduzir conceitos ondulatórios na descrição do comportamento de partículas microscópicas levou a uma reformulação da mecânica de Newton. Surge assim o conceito de onda de matéria (ou função de onda) 11 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 A soma K + V representa a energia total da partícula de massa m se movendo com velocidade v sob a ação de forças definidas pelo potencial V (F = -dV/dx).Associando o formalismo clássico (Equação 14) com o conceito de operadores da mecânica quântica (Equações 7 e 12) temos: (15) Utilizando (15), a Equação (14) pode ser escrita como: (16) Utilizamos o símbolo para repre- sentar o operador energia total do sis- tema (ao invés de Ê); este é chamado o operador Hamiltoniano (ou operador energia total) do sistema. Assim, (17) Na Equação (17), operador energia cinética (18) ≡ operador energia potencial (19) (20) Utilizando o postulado fundamen- tal da mecânica quântica (Equação 7) e a Equação (17) podemos escrever: Ψ = EΨ (21) A Equação (21) corresponde à Equação de Schrödinger independen- te do tempo. Esta é uma equação fun- damental em mecânica quântica. A equação de Schrödinger, escrita na forma (21), corresponde a um pro- blema de ‘autovalor’ e ‘autovetor’, sendo a energia total (E) o autovalor e a função de onda (Ψ) o autovetor. De acordo com o postulado fundamental da mecânica quântica (Equação 7), a função de onda associada à partícula contém todas as informações neces- sárias para a determinação de suas propriedades observáveis. O valor de E e a forma de Ψ dependem do ope- rador Hamiltoniano ( ), o qual possui contribuições da energia cinética ( ) e potencial ( ) da partícula. O operador possui sempre a mesma forma des- crita na Equação (18), sendo m a massa da partícula. Portanto, o que di- ferencia a aplicação da equação de Schrödinger para diferentes sistemas e processos em física e química é a função potencial ( ). Em analogia com a mecânica clássica, pode ser dito que o comportamento de uma partícula é determinado pelo campo de forças no qual ela se move. As formas do operador para alguns processos simples são apre- sentadas na Tabela 3 para partículas movendo-se em uma dimensão. Em 3a, é apresentado o exemplo mais simples da aplicação da equação de Schrödinger para uma partícula mo- vendo-se livre da ação de forças ex- ternas. Nesta situação, = 0 em qualquer posição x, sendo a energia total (E) puramente cinética. No exem- plo (b), a partícula move-se livremente; entretanto, a função potencial possui valores distintos em diferentes regiões de x. Nas regiões x < 0 e x > a, = 0 e o potencial possui um valor constante igual a V0 na região 0 < x < a. Nesta situação a equação de Schrödinger deve ser resolvida nas duas regiões distintas, com a solução geral determi- nada em cada região definida por condições de contorno, as quais a fun- ção de onda deve satisfazer (Ψ deve ser contínua, finita e unívoca em qual- quer ponto x). No exemplo (3c) o ope- rador Hamiltoniano para descrever o movimento harmônico é apresentado. Note que a função potencial não é constante nesta situação, sendo fun- ção da coordenada x. O estudo do os- cilador harmônico é fundamental em física e química e constitui o princípio básico da descrição teórica de vibra- ção de moléculas. Funções potenciais como aquela representada em (3c) for- mam também a base da construção de campos de força utilizados em estu- dos de mecânica molecular. A Tabela 4 apresenta a forma do operador Hamiltoniano para átomos e moléculas. Os sistemas considerados nesta tabela envolvem um maior nú- mero de partículas movendo-se em um espaço de três dimensões, e portanto são mais complexos do que aqueles representados na Tabela 3. Antes de entrarmos em aspectos específicos sobre as soluções da equação de Schrödinger para os sistemas apre- sentados na Tabela 4, é importante comentar so- bre a construção do ope- rador Hamiltoniano. A energia total do sistema é o somatório de contribuições devido às energias cinética e potencial; logo, o operador Hamiltoniano deve ser constituído de operadores associados Modelos teóricos Tabela 3: Exemplos do operador Hamiltoniano para o movimento de uma partícula de massa m em diferentes campos de força definidos pela função (operador) potencial V. Operador (a) Partícula livre (b) Barreira de potencial (c) Oscilador harmônico O estudo do oscilador harmônico é fundamental em física e química e constitui o princípio básico da descrição teórica de vibração de moléculas 12 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 a todas as formas de energias cinética e potencial do sistema. Para átomos de um elétron, a função potencial é representada somente pelo potencial de interação elétron-núcleo (Ven) . Em átomos de muitos elétrons, a função potencial contém termos devido à atração elétron-núcleo (Ven) e repulsão elétron-elétron (Vee). Em moléculas, considerando os núcleos fixos nas posições de equilíbrio, o operador que representa a energia potencial é composto de termos que descrevem a atração elétron-núcleo (Ven), repulsão elétron-elétron (Vee) e repulsão núcleo- núcleo (Vnn). O operador energia ciné- tica descrito pela Equação (18) em uma dimensão é substituído pelo ope- rador correspondente em três dimen- sões (∇2) denominado operador Lapla- ciano. (22) Em todos os termos do operador aparecem somatórios (Σ) indicando a contribuição de cada partícula individual. Para sistemas que não estão sob ação de forças externas que sofram alte- rações em função do tempo, a energia potencial (V) dependerá apenas das coordenadas das partículas. Neste caso estaremos considerando a equação de Schrödinger independente do tempo, Equação (21). Uma grande parte dos problemas de interesse para a química podem ser formulados em termos de potenciais independentes do tempo. Portanto estamos interessados nas autofunções (Ψ) e autovalores (E) do operador Hamiltoniano, , independente do tempo. Chamaremos daqui por diante a Equação (21) simplesmente de equação de Schrödinger. A Equação de Schrödinger pode ser resolvida exatamente apenas para áto- mos contendo um elétron, como por exemplo o átomo de hidrogênio. Neste caso a função energia potencial possui uma forma simples dependendo ape- nas da distância entre o próton e o elétron (V(r) = -e2/r). Para o caso de áto- mos multieletrônicos e moléculas temos de utilizar métodos matemáticos apro- ximados para a resolução da equação de Schrödinger, pois a complexidade da função energia potencial para a intera- ção de repulsão entre os elétrons impe- de a separação das variáveis na equa- ção de Schrödinger. Neste caso utiliza- mos métodos numéricos com o auxílio de computadores. Para o caso do átomo de hidrogênio, obtemos expres- sões analíticas (fórmulas matemáticas) para a função de onda e energia, cujos detalhes serão omitidos aqui. Os números quânticos principal (n), secun- dário (l) e magnético (ml) surgem natu- ralmente durante o processo algébrico de solução da equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio. A energia total pode ser escrita como E = -13.6/n2 eV (n = 1, 2, 3…), isto é, a energia é quantizada variando com o número quântico principal n. Temos então os Modelos teóricos níveis energéticos permitidos para o elétron no interior do átomo. A quanti- zação da energia não é um postulado na teoria de Schrödinger. Esta surge naturalmente de requisitos matemáticos para que a equação tenha soluções aceitáveis (funções de onda ‘bem com- portadas’). Quando um elétron ocupa um desses níveis sua energia total é constante, e ele não emite e nem absor- ve energia. Estes são chamados esta- dos estacionários. A função de onda pa- ra o átomo de hidrogênio depende de três números quânticos (n, l e ml). Por simplicidade inserimos estes rótulos na função de onda, Ψn,l,ml. Podemos então escrever a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio na forma abaixo Ψn,l,ml (x, y, z) = EnΨn,l,ml (z, y, z) (23) As funções de onda Ψn,l,ml são também chamadas orbitais atômicos, e os designamos por símbolos em função do valor do número quântico secundário l: l = 0, orbital s; l = 1, or- bital p; l = 2, orbital d etc. Osorbitais atômicos são na realidade as funções de onda que são soluções da equação de Schrödinger, Ψ1s, Ψ2s, Ψ2p, Ψ3s, … etc. Podemos ver que cada nível energético n pode ter várias funções de onda associadas, dependendo dos valores dos números quânticos l e ml. A este fenômeno chamamos ‘degene- rescência’. Quando a degenerescên- cia é removida, temos energias distin- tas para os vários subníveis atômicos. Concluindo: quando resolvemos a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio, obtemos as energias para os níveis energéticos (En) e os orbitais atômicos (Ψn,l,ml). Temos então um diagrama de níveis energéticos no interior do átomo, isto é, dizemos que um átomo se constitui de um sistema energético quantizado (somente al- guns valores de energia são possíveis), como mostrado na Figura 5. À medida que n aumenta os níveis se aproximam, tendendo para um contínuo de ener- gia. Pelo diagrama energético repre- sentado na Figura 5, obtido da resolu- ção da equação de Schrödinger, temos uma compreensão clara das transições eletrônicas que originam o espectro atômico de linhas do átomo de hi- drogênio (Figura 2). Para o caso de átomos multiele- Tabela 4: Exemplos do operador Hamiltoniano para átomos e moléculas. Na Equação (a) a massa do elétron, m, foi utilizada em substituição à massa reduzida. Operador (a) Átomos de um elétron (b) Átomos de muitos elétrons (c) Moléculas 13 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos Para saber mais ATKINS, P.W. Físico-química, 6 ed. Rio de Janeiro: Editora LTC, v. 2, 1999. BORN, M. Física atômica, 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. EISBERG, R. e RESNICK, R. Física quântica, átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1988. FOCK, V.A. Princípios de mecânica quântica. Moscou: Editora MIR, 1986. LOPES, J.L. A Estrutura quântica da matéria, do átomo pré-Socrático às partí- culas elementares, 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993. TEIXEIRA DIAS, J.J.C. Química quân- tica, fundamentos e métodos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. trônicos e moléculas, a resolução da equação de Schrödinger utilizando mé- todos aproximados nos leva à obtenção de níveis de energia atômicos e molecu- lares e à determinação de configurações eletrônicas. Para moléculas, a função de onda obtida como solução da equação de Schrödinger repre- senta os orbitais mole- culares, os quais permi- tem uma descrição de ligações químicas em termos de combina- ções de orbitais atô- micos. É importante men- cionar que na Equação (23) a função de onda depende também das coordenadas de spin, sendo o estado eletrônico do sistema caracterizado pelos números quânticos espaciais (n, l e ml) e pelo número quân- tico de spin (ms). A função de onda deve, portanto, ser representada com o símbolo Ψn,l,ml,ms. Esforços têm sido continuamente empreendidos na busca de soluções aproximadas da equação de Schrödin- ger para sistemas de muitos elétrons (átomos e moléculas) com acuracidade satisfatória. O procedimento utilizado pa- ra a resolução da Equação (23) para um sistema contendo muitos elétrons consiste em escrever a função de onda total do sistema para um dado nível energético, digamos o nível fundamen- tal (de mais baixa energia), como um produto de funções dependendo das coordenadas de somente um elétron, além de representar a energia potencial de interação como uma soma de ter- mos. Neste procedimento supomos que os elétrons estão sob a ação de um campo potencial efetivo devido aos núcleos e aos outros elétrons (V = Vefetivo). Na resolução da equação de Schrödinger utilizamos um procedi- mento interativo, onde uma função de onda inicial dita ‘tentativa’ é fornecida, com a qual obtemos o potencial de interação para os elé- trons, o qual é utilizado na resolução da equa- ção de Schrödinger, obtendo assim novas funções de onda e energias orbitais. O procedimento é repe- tido até que a auto- consistência seja atin- gida (não haja mais variações nas funções de onda). Este méto- do é conhecido como método de Hartree-Fock do campo autoconsistente (HF-SCF). Várias sofisticações podem ser incorporadas no método de Hartree- Fock para melhorar a qualidade das funções de onda e energias. Estes métodos são denominados Pós- Hartree-Fock. Conhecida a função de onda total Ψ, várias propriedades podem ser calculadas e posteriormente compa- radas com valores obtidos experimen- talmente. Existe uma variedade de métodos teóricos para a resolução da Equação de Schrödinger tendo como base fun- damental o procedimento de Hartree- Fock para encontrar funções de ondas aproximadas. O método de Hartree- Fock é variacional, o que implica que a energia total obtida é sempre um limite superior para a energia do sistema, isto é, está sempre acima (ou no máximo igual) a energia exata ou experimental. Os métodos podem ser classificados em duas classes: ab initio e semiem- píricos. Nos métodos ab initio nenhum parâmetro experimental é utilizado, e que todas as integrais presentes são avaliadas. Já nos métodos semiempí- ricos vários parâmetros experimentais ajustáveis são utilizados, e o método tem um custo computacional muito mais baixo do que os métodos ab initio. O leitor pode consultar a literatura dispo- nível para maiores detalhes sobre mé- todos quânticos. Para o caso de moléculas, resolve- mos a equação de Schrödinger para os elétrons separada dos núcleos, e a ener- gia molecular total é uma soma das con- tribuições eletrônicas e nucleares. Este procedimento baseia-se na aproxi- mação de Born-Oppenheimer, a qual consiste em descorrelacionar os movi- mentos de núcleos e elétrons. Nesta si- tuação, a equação de Schrödinger pode ser separada em duas equações que descrevem os movimentos de núcleos e elétrons. A matemática utilizada na resolução da equação de Schrödinger é complexa, envolvendo conhecimentos das áreas de cálculo diferencial e inte- gral e álgebra matricial. Estes aspectos não foram considerados no presente artigo, podendo o leitor interessado re- correr à literatura específica fornecida. Finalizando, é importante reforçar que a mecânica quântica é atualmente a teoria aceita e válida para descrever fenômenos relacionados à estrutura da matéria. Entretanto, devido à complexi- dade do formalismo matemático, torna- se necessária a utilização de apro- ximações teóricas. Neste contexto, a busca de novos métodos matemáticos para resolução da equação de Schrö- dinger tem sido um grande desafio para os cientistas, objetivando aplicar a teoria quântica para sistemas de interesse em física e química com a exatidão deseja- da. Wagner B. de Almeida (wagner@netuno.qui.ufmg.br), doutor em química pela Universidade de Manchester, é professor adjunto no Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais. Hélio F. dos Santos (helius@quimica.ufjf.br), doutor em química, é professor do Departamento de Química da Univer- sidade Federal de Juiz de Fora. Figura 5: Diagrama de energia para o áto- mo de hidrogênio. A mecânica quântica é atualmente a teoria aceita e válida para descrever fenômenos relacionados à estrutura da matéria. Entretanto, devido à complexidade do formalismo matemático, torna-se necessária a utilização de aproximações teóricas 22 Sabia-se desde a Antiguidadeque a luz solar pode serdecomposta nas cores do ar- co-íris, mas foi Newton, no século XVII, que pela primeira vez descreveu de forma adequada o fenômeno da decomposição da luz por um prisma, assim como de sua recomposição por um segundo prisma. O conjunto das cores obtidas com o prisma é conhe- cido como espectro, e varia do verme- lho, numa extremidade, ao violeta, na outra. Além das chamadas sete cores do arco-íris, o espectro solar também apresenta radiações
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