Buscar

Estrutura Atômica e Ligação Química

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 68 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 68 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 68 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

3
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Modelos de Átomos N° 3, MAIO 1996
A dificuldade de se
fazer modelos
adequados para
átomos nos lembra
citações da Bíblia e do
Alcorão: “...e dele não
farás imagens!”
preciso que se tenha o conceito de
orbital, ausente no modelo de Bohr.
Logo, os diferentes modelos são
modificados em função de novas
leituras que se faz sobre a natureza
da matéria.
Na instigante novela de Jostein
Gaarder sobre a história da filosofia,
O mundo de Sofia (São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995), numa das
primeiras cartas que Sofia recebe de
um misterioso filósofo há apenas uma
interrogação: “Por que o Lego é o jogo
mais genial do mundo?” Nas páginas
seguintes o autor constrói uma admi-
rável analogia entre as variadas peças
de Lego e as propostas de Demócrito
(460-370 a.C) para a explicação da
natureza. Assim como
alguns poucos átomos
formam milhares de
substâncias diferentes,
também as variadas
peças de Lego servem
para construir diferen-
tes objetos, pois, como
os átomos de Demócri-
to, são de diferentes
formas e tamanhos, maciças e im-
penetráveis. Resistentes, os blocos de
Lego podem ser usados para construir
diferentes brinquedos por várias ge-
rações de crianças. Da mesma manei-
ra, quando um corpo — uma árvore
ou um animal, por exemplo — morre
e se desintegra, os átomos do mesmo
são reutilizados novamente em outros
corpos. Os átomos são constantes no
Universo — excetuando-se apenas os
que se transmutam nos processos
radioativos — e são sempre os mes-
mos, usados na formação de novas
substâncias.
É importante observar como o mo-
delo de Demócrito ainda hoje é ade-
quado para a maioria das explicações
necessárias sobre átomos. É claro
que, por desconhecer maneiras mais
Uma das perguntas que pro-fessoras e professores dequímica fazem, principalmen-
te quando trabalham no ensino médio,
é: “Qual o modelo de átomo que devo
ensinar?” Uma boa resposta poderia
ser: “Depende para que os átomos
modelados vão ser usados depois...”
Construímos modelos na busca de
facilitar nossas interações com os
entes modelados. É por meio de mo-
delos, nas mais diferentes situações,
que podemos fazer inferências e
previsões de propriedades.
Por limitações que advêm da ma-
neira como interagimos com a na-
tureza, temos dificuldades em ima-
ginar, por exemplo, a luz com com-
portamento dualístico. É mais fácil
pensá-la ora como onda, ora como
partícula. Construir modelos, isto é,
imaginar átomos — e vale recordar
que imaginar é fazer imagens — tem
limitações e exigências que transcen-
dem as interações mais usuais em
nosso cotidiano. Em função de nos-
sas vivências, é muito mais fácil ima-
ginar um elétron corpuscular que um
elétron ondulatório. É ainda mais difícil
imaginá-lo comportando-se, ao mes-
mo tempo, como onda e partícula.
Há uma questão capital: para que
construímos modelos? Se quisermos
explicar as ligações que ocorrem em
um cristal de cloreto de sódio, o
modelo atômico proposto por Bohr
(1875-1962) é razoavelmente ade-
quado e nos ajuda a compreender
como ocorre a formação de cátions e
ânions e como se estabelecem entre
estes interações para a estruturação
de um edifício cristalino. Se quisermos
explicar uma molécula aparentemente
simples como a de hidrogênio, esse
mesmo modelo oferece muitas limita-
ções. Para explicar de forma mais
consistente como dois átomos de hi-
drogênio formam uma molécula H2, é
apropriadas de investigar a natureza
da matéria, Demócrito não fala de
elétrons, prótons, nêutrons. Essas
partículas, tidas como fundamentais,
só foram descobertas recentemente
(os nêutrons, por exemplo, em 1932).
Mesmo estas, porém, não são mais
consideradas indivisíveis. Há modelos
(confirmados experimentalmente em
abril de 1994) que consideram os
quarks e léptons como as partículas
formadoras dos prótons. Cientistas
cogitam agora (anúncio feito em fe-
vereiro de 1996) a possibilidade dos
quarks serem divisíveis. Se isto for
confirmado, teremos a reedição do
feito de Rutherford (1871-1937),
quando anunciou que átomos tinham
núcleo. Vemos que po-
demos pensar em um
não limite de novos
modelos para o átomo.
Esta é razão para não
ignorarmos o quanto
nossos modelos são
prováveis.
Quando dizemos
que os modelos de
átomos são prováveis não podemos
esquecer que as moléculas que
construímos com esses modelos
também são modelos prováveis. Isto
implica considerar que com esses
modelos prováveis fazemos modelos
prováveis de reações.
Estes comentários fazem aflorar
uma citação — inspirada na Bíblia e
no Alcorão — que faço em Catalisan-
do transformações na educação (Ijuí:
UNIJUÍ, 1995, 3ª edição), ao discutir a
dificuldade de se fazer modelos
adequados para átomos: “...e dele
não farás imagens!”
Attico I. Chassot, licenciado em química e doutor
em educação, é professor do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (UNISINOS) - São Leopoldo, RS.
Sobre prováveis modelos de átomos
Attico Chassot
ENSINO DE QUÍMICA
38
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
A
constituição da matéria
sempre intrigou os homens.
Ela está entre as primeiras
especulações filosóficas, e nestas a
idéia de átomos tem uma longa his-
tória. Várias concepções surgiram,
tanto no Ocidente como no Oriente,
em circunstâncias, culturas e épocas
distintas. Diferentes hipóteses a res-
peito da constituição da matéria a par-
tir de partículas discretas surgiram na
Índia antiga, por exemplo, e especula-
se se poderia ter ocorrido alguma
forma de intercâmbio intelectual com
os gregos nesse campo. Tanto no
bramanismo como no budismo e no
jainismo desenvolveram-se concep-
ções de organização da matéria an-
tes da era cristã. No entanto, como
este artigo trata da tradição ocidental,
culminando na obra de John Dalton,
esse aspecto do atomismo não será
aqui abordado. Por isso, vamos pas-
sar em revista algumas das concep-
ções surgidas na Grécia e em outras
partes da Europa Ocidental.
Em Eléia, ao sul da Itália, surgiu
no início do século V a.C. uma escola
de pensamento, representada por
filósofos como Parmênides e Zenão,
que se preocuparam sobretudo com
questões ligadas ao mundo material.
Sua concepção da matéria tem muito
▲
▲
Recebido em 28/05/04; aceito em 5/11/04
Carlos Alberto L. Filgueiras
A teoria atômica de Dalton, um dos marcos da Química do século XIX, surgiu e foi publicada ao longo da
primeira década daquele século. Ela deu uma forma operacional, capaz de ser usada em determinações
experimentais, a uma das mais antigas inquietações humanas, que dizia respeito à constituição da matéria.
Com Dalton cessa toda a especulação puramente abstrata que cercava o tema desde a Antigüidade clássica.
Em seu lugar surge uma teoria que une conceitos teóricos à possibilidade de sua aplicação prática. Por isso
o presente artigo faz uma breve resenha de aspectos das teorias filosóficas que precederam a elaboração
daltoniana e procura mostrar o encadeamento que levou ao aparecimento da obra do químico inglês.
origem da Teoria Atômica, Dalton, bicentenário da Teoria Atômica
a ver com a realidade ou não do
movimento e do vácuo. Para os elea-
tas, o movimento, a mudança e a
variedade das coisas e tudo o que
apreendemos com os sentidos é ilu-
sório. O movimento não existe: o pre-
tenso deslocamento de uma flecha no
ar é um engano de nossos sentidos
e pode ser decomposto em quadros
estáticos, como numa película cine-
matográfica. São nossos olhos que
nos iludem, fazendo-
nos crer na realidade
do movimento. A
matéria é contínua;
logo não pode haver
movimento. Se ele
existisse, o desloca-
mento de um corpo
em relação a outro
teria de dar-se no
vazio. Caso contrá-
rio, corpos diferentes ocupariam o
mesmo espaço, o que é absurdo. Se
a matéria é contínua, não existem va-
zios e o movimento não pode ocorrer.
Leucipo de Abdera (ativo em mea-
dos doséculo V a.C.), em oposição
aos eleatas, acreditava na evidência
dos sentidos e, conseqüentemente,
na realidade do movimento dos cor-
pos. Em conseqüência, deve haver
vácuo, para que os corpos se movi-
mentem uns em relação aos outros.
Para que haja movimento, a matéria
não pode ser contínua, portanto ela
deve ser constituída por partículas, ou
princípios. Os primeiros princípios de
que se constitui a matéria são partí-
culas fundamentais, os “átomos” (dis-
cute-se se o nome “átomos”, ou “indi-
visíveis”, teria sido cunhado por Leu-
cipo ou por Demócrito). Os átomos,
além de indivisíveis, são também
sólidos, compactos
e podem ter inúme-
ros formatos. Dife-
rentes combinações
de diferentes átomos
dão origem à varie-
dade de coisas no
mundo.
Demócrito de
Abdera (~460-370
a.C.) é tradicional-
mente considerado um elaborador
das idéias de Leucipo, embora não
se tenha certeza da autoria das contri-
buições de cada um, uma vez que o
que se conhece deles provém quase
totalmente de citações de pósteros,
como Aristóteles, que os citaram para
deles discordarem. Para Demócrito,
nada é criado do nada e nada é des-
truído para o nada. Esta é uma ex-
pressão prematura do princípio de
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Diferentes hipóteses a
respeito da constituição da
matéria a partir de
partículas discretas
surgiram na Índia antiga, e
especula-se se poderia ter
ocorrido alguma forma de
intercâmbio intelectual com
os gregos nesse campo
39
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
conservação da matéria, o qual, em
sua versão quantitativa, viria a ser
explicitado por Lavoisier ao final do
século XVIII.
Demócrito acreditava que os áto-
mos, em adição às características já
assinaladas, também eram inquebrá-
veis, tinham peso e participavam da
constituição de todos os corpos, os
quais tinham cada qual seu tipo de
átomo.
Aristóteles (384-322 a.C.) não
aceitava o atomismo de Leucipo e
Demócrito, por considerá-lo rudimen-
tar. Esse caráter rudimentar resulta de
sua natureza exclusivamente materia-
lista. Os corpos são constituídos de
matéria, mas também de atributos
imateriais. As distinções mais impor-
tantes entre os corpos estão nas pro-
priedades, funções e capacidades de
cada um. A principal objeção de Aris-
tóteles à teoria atômica de Leucipo e
Demócrito é sua incapacidade de ex-
plicar a mudança nas substâncias, as
transformações químicas, como diría-
mos hoje. Se existem átomos para
cada tipo de substância, não há pos-
sibilidade de transformações quími-
cas, o que evidentemente se choca
com a evidência.
Epicuro de Samos (342/1-271/0
a.C.) sustentava que a única garantia
ou critério de verdade é a percepção
sensorial. A filosofia epicurista revive
o atomismo, ao admitir que toda sen-
sação é um movimento de átomos
resultando do contato entre corpos
materiais. No tato ou no paladar isto
é óbvio. A visão, por outro lado, é ex-
plicada da mesma maneira, supondo
que ela depende de que átomos dos
objetos vistos sejam emitidos por
esses objetos e venham até nossos
olhos.
Em Lucrécio (Roma, 100/94-55
a.C.), a teoria atômica é retomada e
expressa em verso, num longo poe-
ma intitulado De Rerum Natura (Da
Natureza das Coisas). Durante a Ida-
de Média e o Renascimento, todavia,
o materialismo da teoria atômica e a
oposição de Aristóteles, elevado à
condição de principal filósofo das uni-
versidades e da cristandade ociden-
tal, tornaram a teoria inaceitável,
chegando a ser considerada herética.
Com a efervescência cultural da
Revolução Científica, as possibilida-
des de existência de vácuo e de áto-
mos voltaram a ser temas de grande
importância. A invenção do barômetro
pelo discípulo de Galileo, Evangelista
Torricelli (1608-1647), mostrou que, ao
se inverter um tubo cheio de mercúrio
sobre uma cuba contendo o mesmo
metal, a coluna de mercúrio só
permanece até um certo pon-
to, que depende da pressão
atmosférica local. Acima da
coluna há vácuo (na realidade,
vapor de mercúrio em equi-
líbrio com o líquido, o que não
se conhecia no século XVII). O
aparecimento desse “vácuo”
estava de acordo com o prin-
cípio hidrostático de Blaise
Pascal (1623-1662). Pascal,
todavia, distinguia o “vácuo”
sobre a coluna de mercúrio do
“nada”. Por isso não admitia a
possibilidade de haver vácuo
fora do mundo. No entendi-
mento moderno de que o “vá-
cuo” é na verdade uma rarefa-
ção, o pensamento de Pascal
nos afigura bastante moderno.
De acordo com René Descar-
tes (1596-1650), a caracterís-
tica essencial da matéria do
universo é sua extensão. A extensão
é também a característica fundamen-
tal do espaço. A matéria cartesiana é
infinitamente divisível e não há espaço
vazio na natureza. O universo está
pleno de matéria e o movimento é
uma realidade, transmitindo-se por
contato entre vórtices que se comu-
nicam ao longo do espaço. Esses
vórtices, ou turbilhões, seriam devidos
ao movimento de um material hipoté-
tico e muito sutil que permearia todo
o universo, denominado “éter”. Pierre
Gassendi (1592-1655) se contra-
punha a seu contemporâneo, defen-
dendo uma espécie de “atomismo
cristianizado”, a partir das idéias de
Epicuro. Como sacerdote católico,
Gassendi não podia admitir o atomis-
mo ateu dos gregos e sim um sistema
que necessitava de Deus como cria-
dor e autor da força que anima e regu-
la o mundo.
Na Inglaterrra, Robert Boyle (1627-
1691) procurou conciliar o atomismo
com sua própria experiência de quími-
co, preferindo, todavia, falar de “cor-
púsculos” constituintes dos corpos,
em vez de fenômenos que não são
oriundos apenas de trocas entre as
características aristotélicas da ma-
téria. Uma qualidade como o odor
depende do arranjo dos corpúsculos
que formam os corpos: desta sorte,
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Cronologia sucinta do desenvolvimento da obra de Dalton
até chegar à Teoria Atômica
1801: Lei das Pressões Parciais
1803: Primeira tabela de pesos atômicos (publicada em 1805)
1807: Primeira publicação da teoria atômica de Dalton, por Thomas Thomson
(System of Chemistry)
1808: Publicação da primeira parte do livro mais importante de Dalton, o
New System of Chemical Philosophy, com seu próprio relato da nova
teoria atômica (as outras duas partes se seguiriam em 1810 e 1827,
respectivamente).
John Dalton em gravura de 1823. Além de equipa-
mento de laboratório, vêem-se também os símbolos
químicos de Dalton nos papéis à sua frente.
40
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
duas substâncias de mau odor po-
dem interagir, produzindo um novo
composto de cheiro agradável.
Muitas outras abordagens do con-
ceito de átomo apareceram ao longo
do tempo. Todas elas partilharam com
aquelas que aqui foram delineadas
seu caráter de pura especulação filo-
sófica. Somente no início do século
XIX é que surgirá, com John Dalton,
uma teoria atômica operacional. Nem
sequer Lavoisier, cuja obra aponta,
poucos anos antes de Dalton, para o
que se costuma chamar de Química
Moderna, quis tratar do assunto, por
ainda não dispor de dados concretos
sobre o tema. O rigor lavoisiano em
só afirmar aquilo que pode ser deter-
minado pela experiência, fugindo do
que só pode ser conjecturado, está
presente nesta afirmação de seu
Tratado Elementar de Química, de
1789:
A química caminha pois em
direção a seu objetivo e em di-
reção à perfeição, dividindo,
subdividindo e ainda resubdi-
vidindo, e nós ignoramos qual
será o fim de sua trajetória. Não
podemos assegurar que aquilo
que consideramos hoje como
simples o seja de fato; tudo que
podemos dizer é que tal subs-
tância é o termo atual ao qual
chega a análise química, e que
ela não pode mais se subdividir
no estado atual de nossos
conhecimentos.
Por ter essa convicção ele não quis
especular sobre o conceito de átomo.
William Higgins (1762/3-1825), um
químico irlandês, publicou em1789
um livro em que comparava a velha
química flogística, anterior a Lavoisier,
com a nova química do pesquisador
francês e seu círculo. Nessa obra ele
usa o termo “partículas últimas” para
o que nós chamaríamos átomos.
Todavia, ele diz, por exemplo, que as
partículas últimas de enxofre e de
oxigênio no dióxido de enxofre são to-
das idênticas em peso, o mesmo
sucedendo com as partículas últimas
de nitrogênio e oxigênio que consti-
tuem o óxido nítrico. Sua teoria atô-
mica era, portanto, ainda bastante
rudimentar e continha incorreções. No
entanto, alguns anos após a publica-
ção da teoria atômica de Dalton,
Higgins alegou que o crédito da des-
coberta da teoria deveria ser credi-
tado a ele. Isto originou uma longa
controvérsia, mas uma análise do co-
pioso material existente mostra a
grande originalidade e abrangência
do trabalho de Dalton.
Vida e obra de John Dalton
John Dalton (1766-1844) nasceu
em Eaglesfield, um lugarejo do norte
da Inglaterra, filho de um modesto te-
celão. A família pertencia à religião
Quaker, que foi uma forte influência
para John e à qual ele permaneceu
ligado por toda a vida. Sua educação
formal não chegou ao nível universi-
tário, mas ele sempre demonstrou
muita determinação e grande predile-
ção por Matemática. Sua aptidão nos
estudos foi sempre extraordinária, e
ele se tornou um autodidata em mui-
tos assuntos. A necessidade de aju-
dar a família fez com que desde cedo
o jovem Dalton começasse a traba-
lhar naquilo que sabia fazer: ensinar.
Aos 12 anos de idade criou uma es-
cola, que funcionava de início num
paiol, sendo depois transferida para
o salão de reuniões dos Quakers. A
escola teve duração efêmera, pois
funcionou só até 1780. Ao mesmo
tempo, Dalton continuou a estudar e
veio a tornar-se versado em grego,
latim, francês e filosofia natural. Em
1781, John e seu irmão Jonathan fo-
ram convidados a se tornarem assis-
tentes na escola de Kendal, onde
lecionaram Matemática e línguas
antigas e modernas. A partir de 1785,
com a aposentadoria do mestre-
escola, seu primo George Bewley, os
dois irmãos assumiram a direção da
escola. De 1784 a 1794, John Dalton
escreveu em jornais, estudou Zoolo-
gia e Botânica, passou a manter um
diário de observações meteorológi-
cas e a lecionar cursos de filosofia
natural, incluindo-se aí a química dos
gases. Em 1793 foi convidado a ser
professor de Matemática e filosofia
natural no New College, de Manches-
ter. A partir daí, viveu naquela cidade
até o fim de seus dias. Em suas aulas
de Química, um dos livros adotados
era o Tratado Elementar de Química,
de Lavoisier. Poucos anos depois ele
deixou o cargo de professor no New
College e passou a se manter sobre-
tudo com aulas particulares. Um de
seus alunos ilustres foi James
Prescott Joule (1818-1889), futuro ela-
borador da teoria mecânica do calor.
Dalton desenvolveu desde cedo
uma paixão pela meteorologia. Por 46
anos tomou medidas diárias do tem-
po e das condições atmosféricas, re-
gistrando no papel mais de duzentas
mil observações. Se for verdade a opi-
nião popular de que o assunto que
mais interessa aos ingleses é o tem-
po, então Dalton pode ser conside-
rado a quintessência do britanismo.
Esse interesse pela meteorologia
levou-o a debruçar-se sobre o estudo
dos gases, concentrando-se, numa
fase inicial, naqueles que constituem
a atmosfera. Sua meticulosidade em
realizar e anotar observações era pro-
verbial. Embora seus copiosos volu-
mes de notas manuscritas houves-
sem já sido publicados, é de lamentar
que os originais tenham sido total-
mente destruídos na noite de 23-24
de dezembro de 1940, juntamente
com milhares de outros documentos
e volumes preciosos, quando um ata-
que aéreo da Luftwaffe, a força aérea
alemã, bombardeou sua cidade e
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Frontispício de A New System of Chemi-
cal Philosophy, de 1808.
41
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
destruiu a sede da Sociedade Literária
e Filosófica de Manchester, onde
estavam depositados aqueles mate-
riais.
O primeiro dos estudos de Dalton
sobre os gases levou à teoria da mis-
tura dos gases. Havia ao final do sé-
culo XVIII um enigma que desafiava
os pesquisadores. Sabia-se que a
atmosfera era composta principal-
mente de nitrogênio e oxigênio,
contendo também gás carbônico e
vapor d’água. No entanto, como se
relacionavam esses gases entre si?
Formavam eles um composto gaso-
so, que podia ser decomposto duran-
te as reações exaustivamente estuda-
das pelos eminentes químicos dos
setecentos, ou, ao contrário, estavam
apenas misturados, como numa
mistura de açúcar e sal? Curiosamen-
te, a composição do ar era pratica-
mente constante, como mostravam
as abundantes observações de Dal-
ton realizadas em lugares os mais dis-
tantes entre si. Alguns anos depois,
em França, o químico Louis Joseph
Gay-Lussac (1778-1850) viria a mos-
trar que a constituição percentual da
atmosfera é praticamente constante
até alturas consideráveis, mesmo
sendo a pressão menor. Isto ele pró-
prio determinou por meio de duas
ascensões em balão, no ano de 1804,
quando chegou a atingir a altitude de
7016 metros. Dalton, sob a influência
de Newton, acreditava que os gases
da atmosfera formassem apenas uma
mistura, sem que qualquer ligação
química existisse entre eles. Se isso
fosse correto, por que o dióxido de
carbono, mais pesado, não se con-
centraria nas camadas inferiores da
atmosfera, seguido do vapor d’água,
do oxigênio e do nitrogênio, em or-
dem decrescente de peso? Aqui é
bom lembrar que ainda não se sabia
que o oxigênio e o nitrogênio forma-
vam espécies diatômicas O2 e N2, e
que a composição da água era consi-
derada como sendo do tipo 1:1 em
hidrogênio e oxigênio, ou HO. A con-
dução da questão por Dalton é um
exemplo de que muitas vezes a ciên-
cia progride não a partir de dados
experimentais, mas sim de uma idéia
concebida previamente pelo cientista
e só então testada à luz da experiên-
cia. Tudo isso está claro em seu artigo
intitulado “Nova teoria da constituição
dos fluidos aeriformes mistos e parti-
cularmente da atmosfera”, lido origi-
nalmente em 1801 na Sociedade
Literária e Filosófica de Manchester e
publicado no ano seguinte nas Me-
mórias da Sociedade. Nessa memó-
ria Dalton introduz a seguinte propo-
sição:
Quando dois fluidos elásti-
cos, denominados A e B, são
misturados, não há qualquer re-
pulsão mútua entre suas partí-
culas, isto é, as partículas de A
não repelem as de B, como
elas se repelem umas às outras
(isto é, só A repele A, ou só B
repele B, n. do presente autor).
Conseqüentemente, a pressão
ou peso total sobre qualquer
partícula deve-se apenas àque-
las de sua própria espécie.
Esta é uma importante lei desco-
berta por Dalton, conhecida como lei
das pressões parciais. Mais tarde ele
daria um novo enunciado dessa lei
em termos mais práticos:
Quando a mistura de quais-
quer dois ou mais gases atinge
o equilíbrio, a energia elástica
de cada um deles sobre a su-
perfície do recipiente ou de
qualquer líquido é precisamen-
te a mesma como se ele fosse
o único gás presente ocupan-
do todo o espaço, e todos os
outros tivessem sido retirados.
Seu amigo William Henry (1774-
1836) enunciaria essa mesma lei co-
mo: cada gás é um vácuo para qual-
quer outro gás. Um enunciado moder-
no da lei é: a pressão total de uma
mistura de gases é igual à soma das
pressões que cada um exerceria se
estivesse sozinho. Na realidade, os
dados então disponíveis não levariam
a essa generalização, mas Dalton es-
tava convencido de sua realidade,
que veio a se mostrar correta.
Anos mais tarde o próprio Dalton
confessaria, numa conferência profe-
rida na Royal Institution, em Londres,
que sua teoria atômica lhe veio a partir
da lei das pressões parciais. A inde-
pendência de um gás em relação a
outro seria devida aos diferentes
tamanhosdas partículas que os cons-
tituíam. Mais tarde também lhe ocor-
reu a idéia de que seus pesos tam-
bém seriam diferentes.
É sintomático da variedade dos
interesses de Dalton que, no mesmo
ano de 1801 em que produziu suas
memórias sobre os gases, ele tam-
bém publicaria seus Elementos de
Gramática Inglesa. Esse interesse por
assuntos de natureza variada seria
mantido ao longo de toda a sua vida.
A influência de Lavoisier e seu ima-
ginário calórico, o fluido do calor, tam-
bém foram consideráveis sobre
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Os símbolos criados por Dalton para os elementos e seus compostos, de A New Sys-
tem of Chemical Philosophy.
42
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
Dalton. Ele descreveria uma partícula
gasosa como constituída por um
átomo central de matéria sólida extre-
mamente pequena, que está cercado
por uma atmosfera de calor, de grande
densidade nas proximidades do
átomo, e rarefazendo-se gradualmen-
te de acordo com alguma potência da
distância. Já que as partículas de dife-
rentes gases não interagiam quimi-
camente, uma possível conseqüên-
cia era aquela que ele vislumbrou
brilhantemente ao formular a lei das
pressões parciais.
A preocupação em mostrar a vali-
dade de suas idéias a respeito da
natureza dos gases que constituem
a atmosfera levou Dalton a continuar
sua pesquisa, enveredando pelo ca-
minho da natureza da dissolução dos
gases em água e do problema de de-
terminar o peso relativo de diferentes
gases em relação a outros. Aqui se
encontra o germe de sua teoria atô-
mica. Seus apontamentos de setem-
bro de 1803 mostram pela primeira
vez os símbolos atômicos, fórmulas
atômicas e pesos relativos do que ele
ainda chamava de “partículas últi-
mas”. Como o vapor d’água tem den-
sidade menor que o oxigênio, embora
contenha oxigênio, ele rejeitou com-
parar os pesos relativos das partícu-
las últimas com as densidades dos
gases. A partir daí decidiu tentar obter
os pesos relativos a partir das propor-
ções em que essas partículas se
combinam. Surgiram então relações
simples como as seguintes: o car-
bono se une ao oxigênio para formar
o monóxido de carbono na proporção
de 3 para 4 em peso, ao passo que
na formação do dióxido de carbono
a proporção é de 3 para 8. Conside-
rações dessa natureza levaram a
mais uma lei fundamental, a das pro-
porções múltiplas: em compostos
diferentes formados pelos mesmos
elementos, há uma razão simples en-
tre o peso fixo de um elemento e os
pesos variáveis do outro.
Na verdade, pode-se ler nos apon-
tamentos de laboratório de Dalton
que, em 1803, de forma explícita ou
implícita, ele já sustentava os seguin-
tes princípios:
• a matéria é constituída por par-
tículas últimas ou átomos;
• os átomos são indivisíveis e não
podem ser criados nem destruí-
dos (Princípio de Conservação
da Matéria - Lavoisier);
• todos os átomos de um mesmo
elemento são idênticos e apre-
sentam o mesmo peso;
• átomos de elementos diferentes
têm pesos diferentes;
• os compostos são formados por
um número fixo de átomos de
seus elementos constituintes
(Lei das Proporções Fixas -
Proust);
• se existir mais de um composto
formado por dois elementos
diferentes, os números dos áto-
mos de cada elemento nos
compostos guardam entre si
uma razão de números inteiros
(Lei das Proporções Múltiplas -
Dalton) - podemos aplicar este
princípio em muitos exemplos,
como nos óxidos de ferro, FeO,
Fe2O3 e Fe3O4;
• o peso1 do átomo de um ele-
mento é constante em seus
compostos - se a reagir com b
para formar ab e c reagir com d
para formar cd, então se ab
reagir com cd os produtos serão
ad e cb (Lei das Proporções
Recíprocas - Richter). Como
exemplo, podemos considerar
as seguintes reações, dadas,
em notação moderna, por:
2K + I2 → 2KI
Pb + Cl2 → PbCl2
2KI + PbCl2 → 2KCl + PbI2
Estava preparado o terreno para
a explicitação da Teoria Atômica.
A Teoria Atômica
A primeira comunicação oral de
Dalton a respeito de sua teoria foi lida
por ele na Sociedade Literária e Filo-
sófica de Manchester em 21 de outu-
bro de 1803. Sua publicação deveu-
se inicialmente a seu amigo Thomas
Thomson (1773-1852) que, após ouvi-
la do autor em 1804, decidiu apresen-
tá-la, com o devido crédito, em seu
livro System of Chemistry, publicado
em 1807. Thomson, em sua detalha-
da descrição da teoria de Dalton, usa
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Versão elaborada dos símbolos criados por Dalton para os elementos e seus compostos.
43
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Tabela 1: Os pesos atômicos segundo Dalton: primeira tabela de pesos atômicos,
apresentada oralmente por Dalton em 1803 e publicada como artigo nas Memoirs of the
Philosophical Society of Manchester (2nd series, v. 1, p. 271-287, 1805). O padrão é o
átomo de hidrogênio, cujo peso atômico foi considerado unitário. A coluna da direita
apresenta parte de sua segunda tabela, publicada no livro A New System of Chemical
Philosophy, em 1808.
Pesos atômicos (sic)
Espécie química 1805 1808
Hidrogênio 1 1
Azoto 4,2 5
Carbono 4,3 5
Amônia 5,2 6
Oxigênio 5,5 7
Água 6,5 8
Fósforo 7,2 9
Hidrogênio fosforetado (PH3) 8,2 -
Gás nitroso (NO) 9,3 12
Éter 9,6 -
Óxido gasoso de carbono (CO) 9,8 12
Óxido nitroso (N2O) 13,7 17
Enxofre 14,4 13
Ácido nítrico (NO2) 15,2 19
Hidrogênio sulfuretado (H2S) 15,4 16
Ácido carbônico (CO2) 15,3 19
Álcool 15,1 16
Ácido sulfuroso (SO2) 19,9 -
Ácido sulfúrico (SO3) 25,4 34
Hidrogênio carburetado da água estagnada (CH4) 6,3 7
Gás olefiante (C2H4) 5,3 6
O leitor é convidado a analisar os pesos atômicos acima, quando se tratar de compostos,
e examinar as fórmulas moleculares atribuídas por Dalton. A água, por exemplo, tinha a
fórmula HO.
a palavra átomo e também os símbo-
los inventados por ele para represen-
tar os átomos de sua teoria. Esta veio
a ser publicada pelo próprio Dalton
em sua obra principal, saída à luz a
partir de 1808, o New System of
Chemical Philosophy. As três partes
do livro foram publicadas, respectiva-
mente, em 1808, 1810 e 1827. Dalton
ousou onde Lavoisier não tinha se-
quer especulado. Ele correlacionou
os pesos relativos das unidades fun-
damentais dos elementos químicos
com as combinações que estes apre-
sentavam em seus compostos, consi-
derando que todas as partículas de
hidrogênio, de oxigênio etc. existentes
em qualquer composto desses ele-
mentos seriam iguais em peso, tama-
nho ou forma; da mesma maneira,
qualquer partícula de água seria igual
a qualquer outra partícula de água.
As partículas constituintes das subs-
tâncias simples, contendo apenas um
tipo de elemento, foram chamadas de
“partículas últimas”, e são os nossos
átomos.
No livro Novo Sistema, ele assim
raciocinou para demonstrar que ga-
ses diferentes não podem ter partí-
culas de mesmo tamanho:
Se medidas iguais dos gases
azótico (nitrogênio) e oxigeno-
so (oxigênio) fossem mistu-
radas, e pudessem rapida-
mente unir-se quimicamente,
seriam formadas cerca de duas
medidas de gás nitroso (óxido
nítrico), pesando o mesmo que
as duas medidas originais; mas
o número de partículas últimas
só poderia ser no máximo a
metade daquele que existia an-
tes da união. Diferentes fluidos
elásticos (gases) não têm, por-
tanto, o mesmo número de par-
tículas, seja no mesmo volume,
seja no mesmo peso.
A afirmação final de Dalton não é
verdadeira, a nossos olhos moder-
nos, uma vez que ela se choca com
a hipótese de Avogadro, que apare-
ceria em 1811, a qual afirma que
“volumes iguais de gases diferentes
contêm o mesmo número de molé-
culas”.
Sua primeira “tabela de pesos
relativos das partículas últimas dos
corpos gasosos e outros”, de 1803,
está reproduzida na Tabela 1. Esta
ainda era muito primitiva, refletindo a
falta de acurácia das determinações
de então. No New Systemof Chemi-
cal Philosophy ele apresenta uma
nova tabela, bastante expandida e
aperfeiçoada, que dá conta dos pe-
sos relativos de substâncias simples
e compostas. As unidades fundamen-
tais dessas substâncias são todas
denominadas átomos, uma vez que
o conceito de molécula, como o co-
nhecemos, ainda não existia. Dalton
mostrou também como os diferentes
átomos se combinavam para formar
as substâncias compostas, usando
seu complicado sistema de notação.
Este viria mais tarde a ser suplantado
pelo sistema do químico sueco Jons
Jakob Berzelius (1779-1848), que
usamos até hoje, no qual o símbolo
de um elemento é dado pela inicial
ou por uma combinação desta mais
uma outra letra do nome latinizado do
elemento.
A Teoria Atômica, porém, não teve
uma aceitação pronta e universal;
muito pelo contrário. Apesar do apoio
de químicos eminentes como Berze-
lius, muitos outros cientistas de reno-
me relutaram em aceitá-la. A determi-
nação experimental dos pesos atômi-
cos permaneceu precária por muito
tempo, e a confusão que freqüente-
mente se fazia entre átomos e molé-
culas ajudou a manter a incerteza. Por
isso, durante a maior parte do século
XIX preferiu-se trabalhar com o con-
ceito de peso equivalente das espé-
cies químicas, no lugar de peso atô-
mico ou molecular. Só nas últimas
décadas dos oitocentos é que a situa-
ção começaria a esclarecer-se e a
teoria atômica de Dalton passaria a
ocupar pouco a pouco o lugar de
proeminência que ela goza na Quí-
mica. A história da aceitação da Teoria
Atômica é interessantíssima, mas
bastante longa para ser discutida
aqui. Seria necessário um outro artigo
para tratar desse processo.
Considerações finais
Por seus trabalhos, que lhe ren-
deram muita fama e honrarias, Dalton
foi feito em 1816 membro correspon-
44
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 20, NOVEMBRO 2004
Nota
Abstract: Two Hundred Years of Dalton’s Atomic Theory - Dalton’s Atomic Theory, one of the landmarks of chemistry in the 19th century, was developed and published along the first decade of that
century. It gave an operational format, amenable to use in experimental determinations, to one of humankind’s oldest quests, an explanation of the constitution of matter. With Dalton all purely
abstract speculation that pervaded the theme since classical antiquity ceases. In its place emerges a theory that unites theoretical concepts with the possibility of their practical application. For this
reason the present article briefly reviews aspects of the philosophical theories that preceded the daltonian elaboration and aims at showing the chain of thought that led to the appearance of the work
of the English chemist.
Keywords: orign of the atomic theory, Dalton, bicentennial of the atomic theory
Duzentos anos da teoria atômica de Dalton
Referências bibliográficas
CROSLAND, M.P. Historical studies in
the language of chemistry. Nova Iorque:
Dover, 1978.
DALTON, J. A new system of chemi-
cal philosophy. Part I, Manchester, 1808;
Part II, Manchester, 1810; Part First of Vol.
II, Manchester, 1827.
LEICESTER, H.M. e KLICKSTEIN, H.S.
A sourcebook in chemistry 1400-1900.
Nova Iorque: McGraw-Hill, 1952.
PARTINGTON, J.R. A history of chem-
istry. Ed. reimpressa. Nova Iorque: St.
Martin´s Press, 2000. v. 3.
PARTINGTON, J.R. The origins of the
atomic theory. Annals of Science, v. 4, p.
dente do Institut de France e, em
1830, sucedeu a Humphry Davy
(1778-1829) como um dos oito asso-
ciados estrangeiros daquele instituto.
Foi também eleito, em 1822, membro
da Royal Society, a Academia das
Ciências da Grã-Bretanha, e quatro
anos depois recebeu sua Medalha
Real.
Dalton sempre gozou de ótima
saúde até próximo dos setenta anos;
a partir daí sua condição deteriorou
gradativamente até sua morte em
1844. Ele manteve até o fim da vida
sua rotina metódica de pesquisador
incansável. Com o tempo veio a tor-
nar-se uma celebridade em toda a
Europa, morrendo coberto de honras
em seu país e no estrangeiro.
Dalton estudou e escreveu sobre
assuntos os mais variados, tendo
publicado cerca de 150 comunica-
ções, desde a cegueira às cores, que
ele descobriu em si próprio em 1792,
e que conhecemos pelo nome de
daltonismo, até sua principal contri-
buição à Ciência, uma teoria atômica
operacional, que veio a ser um dos
esteios da Química. Sua teoria atô-
mica diferia de tantas outras, de natu-
reza especulativa, enunciadas ante-
riormente desde os gregos, porque
permitia a realização de cálculos
quantitativos baseados em dados
experimentais coligidos em labora-
tório. A teoria atômica de Dalton é um
dos marcos fundamentais da Química
do século XIX. Ao contrário das cogi-
tações abstratas de tantas outras teo-
rias sobre a constituição da matéria,
a sua se originou de uma combinação
de intuição teórica e observações de
laboratório, sendo respaldada direta-
mente por seus estudos sobre os ga-
ses. A obtenção de resultados confiá-
veis nas determinações de pesos
atômicos levou muitas décadas. Com
pesos atômicos confiáveis e o escla-
recimento definitivo da diferença en-
tre átomos e moléculas, a teoria pas-
sou a ter aceitação universal e tornou-
se um dos alicerces da Química.
Nota
1. Neste artigo, optou-se por usar
a expressão “peso” em vez de “mas-
sa”, sendo-se fiel ao uso da época.
Carlos Alberto L. Filgueiras (calf@iq.ufrj.br), enge-
nheiro químico pela Universidade Federal de Minas
Gerais e doutor em Química pela Universidade de
Maryland (EUA), é docente do Instituto de Química
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi pre-
sidente da SBQ no biênio 1990-1992.
245-282, 1939.
PULLMAN, B. The atom in the history of
human thought. Oxford: Oxford University
Press, 1998.
TOULMIN, S. e GOODFIELD, J. The ar-
chitecture of matter. Chicago: The Univer-
sity of Chicago Press, 1982.
Para saber mais
BENSAUDE-VINCENT, B. e STENGERS,
I. História da Química. Lisboa: Instituto
Piaget, 1992.
BROCK, W.H. The Norton history of che-
mistry. Nova Iorque: W. W. Norton, 1993.
IHDE, A.J. The development of modern
chemistry. Nova Iorque: Harper & Row, 1970.
HUDSON, J. The history of chemistry.
Londres: MacMillan, 1992.
HARTLEY, H. Studies in the history of
chemistry. Oxford: Clarendon Press,
1971.
FERREIRA, R. Notas sobre as origens
da teoria atômica de Dalton. Quim. Nova,
v. 10, p. 204-207, 1987.
MORTIMER, E.F. Para além das
fronteiras da Química: Relações en-
tre Filosofia, Psicologia e Ensino de
Química. Quim. Nova, v. 20, p. 200-
207, 1997.
CHAGAS, A.P. Os noventa anos de
Les Atomes. Quim. Nova na Escola, n.
17, p. 36-38, 2003.
Elemento 111: Roentgênio
No dia 1º de novembro
de 2004, o elemento
111, descoberto em
dezembro de 1994 por
pesquisadores do GSI
- Centro de Pesquisas sobre Íons Pe-
sados, em Darmstadt, Alemanha
(vide QNEsc n. 5, p. 12, 1997), foi ofi-
cialmente nomeado pela IUPAC como
roentgênio (símbolo Rg).
A descoberta deste elemento foi
confirmada, em 2003, por um grupo
de trabalho conjunto da IUPAC e da
IUPAP (União Internacional de Física
Pura e Aplicada). A seguir, os desco-
bridores do elemento propuseram à
IUPAC o nome roentgênio e o símbolo
Rg, seguindo a tradição de nomear
elementos em homenagem a cientis-
tas famosos. Wilhelm Conrad Roent-
gen descobriu os raios X em 8 de
novembro de 1895, um novo tipo de
radiação ao qual ele deu esse nome
dada a sua natureza incerta (vide
QNEsc n. 2, p. 19-22, 1995). Imediata-
mente, os raios X passaram a ser usa-
dos em Medicina e encontraram muitas
aplicações tecnológicas, anunciando
a era da Física Moderna, baseada em
propriedades atômicas e moleculares.
Em 1901, somente seis anos após sua
descoberta, os benefícios dos raios X
à humanidade já eram tão evidentes
que Roentgen foi laureado com o Prê-
mio Nobel de Física. O elemento 111
foi sintetizado exatamente 100 anos
depois da descoberta de Roentgen.
Para mais informações:www.iupac.
o r g / n e w s / a r c h i v e s / 2 0 0 4 /
naming111.html.
(R.C.R.F.)
Rg
111
6
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos
Wagner B. de Almeida e Hélio F. dos Santos
A matéria é constituída de sub-partículas (prótons, elétrons e nêutrons) cujo comportamento deve ser descrito
pela teoria quântica. No presente artigo apresentamos os principais aspectos relacionados ao conceito e ao
formalismo da química quântica
modelos teóricos, estrutura da matéria, química quântica
Observações experimentais e modelos
teóricos
I
nformações importantes a respeito
da natureza de átomos e moléculas
têm sido obtidas através do estudo
da interação da radiação com a ma-
téria. Muitas evidências experimentais,
desde a metade do século XIX, suge-
riam que a luz deveria ser descrita
como um movimento ondulatório. Esta
evidência incluía o fato de que a luz exi-
be fenômenos de interferência e difra-
ção. Naquela época, em 1864, a teo-
ria eletromagnética ondulatória foi de-
senvolvida em uma forma bastante
satisfatória por J.C. Maxwell. Suas fa-
mosas equações
diferenciais en-
volvendo os cam-
pos elétricos e
magnéticos des-
crevem a radia-
ção luminosa on-
dulatória e suas propriedades, em uma
forma similar na qual as equações do
movimento são aplicáveis às ondas
sonoras. Utilizando a teoria eletromag-
nética ondulatória, podemos correla-
cionar a inteira gama de comprimentos
de onda, λ, desde raios X (λ ≈ 10-10 m)
até ondas de rádio ordinárias (λ ≥ 1 m).
Todas estas superficialmente diferen-
tes formas de radiação viajam no
vácuo a mesma velocidade, c = 2,998
x 108 m.s-1. Uma onda luminosa pode
ser caracterizada por sua freqüência,
ν, ou comprimento de onda, λ (ν = c/λ)
como mostrado na Figura 1.
A espectroscopia tem como funda-
mento básico revelar o efeito da inte-
ração da radiação com a matéria, es-
tando esta no estado gasoso, líquido
ou sólido. Desde o século XIX traba-
lhos experimentais na área de espec-
troscopia, mais especificamente
espectroscopia atômica, proporciona-
ram um conjunto de informações rele-
vantes que levaram cien-
tistas a buscarem mo-
delos e teorias mais ade-
quadas para a descrição
da interação da radiação
com a matéria. No caso
do átomo de hidrogênio,
várias equações empíricas foram
propostas para descrever seu espec-
tro atômico (Figura 2 e Tabela 1).
O padrão de espaçamento entre as
linhas do espectro pode ser reprodu-
zido com o auxílio da equação empí-
rica mostrada na Tabela 1, sendo RH a
constante de Rydberg e m e n núme-
ros inteiros que assumem valores ca-
racterísticos nas diferentes regiões do
espectro eletromagnético.
Considerando as relações entre ra-
diação, energia e matéria, pode-se
observar que quando gases são ex-
postos a uma descarga elétrica ou
aquecidos a temperaturas altas, uma
emissão característica de luz é obser-
vada. Esta consiste de uma série de
linhas distintas, chamadas bandas de
radiação, distribuídas em várias fre-
qüências, com pouca ou nenhuma ra-
diação em freqüências intermediárias
(Figura 2). Um sólido aquecido, por um
outro lado, produz um espectro que
parece ser uma função contínua do
comprimento de onda. Um espectro
como este é chamado de espectro de
Figura 1: Espectro de radiação eletromag-
nética. O comprimento de onda (λ) é defini-
do como sendo a distância entre dois máxi-
mos ou dois mínimos da onda.
A espectroscopia tem
como fundamento básico
revelar o efeito da
interação da radiação
com a matéria
7
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos
corpo negro ideal ou espectro normal.
O espectro obtido para um corpo ne-
gro ideal não depende da natureza, ta-
manho ou forma do sólido, mas so-
mente da temperatura (Figura 3). A
radiação de corpo negro é a radiação
eletromagnética em equilíbrio térmico
com o corpo negro a uma temperatura
específica. Através da análise da
radiação do corpo negro, foi estabele-
cido experimentalmente que a densi-
dade de energia total, ρ, é dada pela
lei de Stefan-Boltzmann.
ρ = σ.T4 (1)
sendo σ uma constante, 7,56 x 10-16
J.m-3.K-4, e T a temperatura absoluta
(em K). Se um detector de radiação e
um espectroscópio
são usados para deter-
minar a energia para
vários comprimentos
de onda, um gráfico
suave de densidade
de energia (ρ) vs. com-
primento de onda (ou
freqüência) é obtido,
como mostrado na Figura 3. Estas
curvas se constituem em uma família,
com a forma de cada curva depen-
dendo da temperatura. Como pode ser
visto na Figura 3, a equação clássica
para a densidade de energia em
função da freqüência da radiação
proposta por Rayleigh-Jeans em 1900,
discordou dramaticamente da curva
experimental. O desenvolvimento de
uma equação para reproduzir a forma
experimental da dependência da ener-
gia da radiação com o comprimento
de onda (ou freqüência) da luz foi um
dos problemas centrais dos físicos do
século XIX. Planck apresentou no final
de 1900 uma solução, na qual foi
introduzida pela primeira vez a hipótese
da quantização da energia (E = n.h.ν,
sendo h a constante de Planck, 6,62 x
10-34 J.s, e n um número inteiro). A curva
teórica construída utilizando a equação
de Planck concorda perfeitamente com
a curva experimental para a radiação
do corpo negro. Uma discussão
detalhada não será apresentada aqui,
mas podemos dizer que este foi o
passo inicial para o nascimento da
mecânica quântica.
Apesar da teoria desenvolvida por
Planck para explicar a radiação de cor-
po negro ter sido compatível com as
observações experimentais, naquela
época Planck se questionava quanto
ao significado físico do formalismo ma-
temático introduzido.
Com esta visão,
Planck buscou du-
rante um longo perío-
do explicações físicas
para o que ele consi-
derava como um
“postulado limitado
proposto a partir de
um ato de desespero”.
No final do século XIX Heinrich Hertz
realizou experiências e descobriu que
uma descarga elétrica entre dois ele-
trodos ocorre mais facilmente quando
se faz incidir sobre um deles luz
ultravioleta. Lenard, seguindo alguns
experimentos de Hallwachs, mostrou
em seguida que a luz ultravioleta facilita
a descarga ao fazer com que elétrons
sejam emitidos da superfície do catodo
(M, Figura 4a). A emissão de elétrons
de uma superfície, devido à incidência
de luz sobre essa superfície, é cha-
mada de Efeito Fotoelétrico (Figura 4).
Os principais aspectos observados
empiricamente do Efeito Fotoelétrico
não podem ser explicados em termos
da teoria ondulatória clássica da
radiação. Em 1905 Albert Einstein ques-
Tabela 1: Diferentes séries propostas empiricamente para descrever o espectro de emissão
atômico do átomo de hidrogênio (Figura 2).
Nome da série Região do espectro eletromagnético m n
Lyman Ultravioleta 1 2, 3, 4...
Balmer Visível 2 3, 4, 5...
Paschen Infravermelho 3 4, 5, 6...
Brackett Infravermelho 4 5, 6, 7...
Pfund Infravermelho 5 6, 7, 8...
Figura 3: Espectro de radiação do corpo
negro.
Figura 4: Ilustração do efeito fotoelétrico
No final de 1900 Planck
apresentou a hipótese da
quantização da energia:
E = n.h.ν
Esse foi o passo inicial para
o nascimento da mecânica
quântica
Figura 2: Espectro atômico do átomo de
hidrogênio em diferentes regiões do
espectro eletromagnético.
8
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001
tionou o formalismo clássico utilizado na
descrição da luz. Einstein propôs que a
energia radiante fosse quantizada em
pacotes concentrados, que mais tarde
vieram a ser chamados de fótons. Eins-
tein supôs que a energia do pacote, ou
fóton, está relacio-
nada à sua freqüência
ν pela equação E =
h.ν; também foi su-
posto que no efeito
fotoelétrico um fóton é
c o m p l e t a m e n t e
absorvido por um elé-
tron no fotocatodo.
Quando um elétron é
emitido da superfíciedo metal, sua energia cinética é K = h.ν
- w, sendo o primeiro termo da direita a
energia do fóton incidente e w o trabalho
necessário para remover os elétrons do
metal. No caso de um elétron estar fra-
camente ligado e não havendo perdas
internas, o fotoelétron vai emergir com
energia cinética máxima, Kmax. No efeito
fotoelétrico os elétrons podem ser
detectados sob a forma de uma corrente
elétrica se forem atraídos para um
coletor metálico através de uma dife-
rença de potencial V. Invertendo o sinal
do potencial e tornando-o suficien-
temente grande, podemos fazer a
corrente fotoelétrica cair a zero. Este é o
chamado potencial de corte ou limite,
V0. Einstein relacionou o potencial de
corte com a energia do fóton incidente
pela equação e.V0 = h.ν - w0, onde w0 é
chamada de função trabalho, a energia
mínima necessária para um elétron
atravessar a superfície do metal e esca-
par às forças atrativas que ligam-no ao
metal. Utilizando as equações mencio-
nadas anteriormente e a Figura 4,
podemos observar que construindo um
gráfico de eV0 em função da freqüência
ν obteremos uma linha reta cuja inclina-
ção fornece a constante de Planck, h
(Figura 4b).
Enquanto no efeito fotoelétrico a ra-
diação ultravioleta é absorvida pelo elé-
tron, Compton mostrou, em 1923, que
um feixe de raios X de comprimento de
onda λ era espalhado por elétrons quan-
do incididos sobre uma amostra de grafi-
te. Para interpretar as observações
experimentais, Compton postulou que
o feixe de raios X incidente não era uma
onda de freqüência ν, mas um conjunto
de fótons, cada um com energia
E = h.ν, e que esses fótons colidiam
com os elétrons livres do alvo da mesma
forma que colidem duas bolas de bilhar.
A natureza corpuscular da radiação foi
então confirmada. Portanto foi consta-
tado que a radiação ele-
tromagnética tem um
comportamento dual. A
necessidade da hipó-
tese do fóton, ou partí-
cula localizada, para
interpretar processos
que envolvem a inte-
ração com a matéria é
clara, mas ao mesmo
tempo é necessária
uma teoria ondulatória da radiação pa-
ra explicar os fenômenos de interferência
e difração. É importante considerar que
a radiação não possui um compor-
tamento puramente ondulatório nem
meramente se comporta como um fei-
xe de partículas. A radiação se apresenta
como uma onda em certas circuns-
tâncias e como uma
partícula em outras. A
dualidade evidente na
natureza onda-partí-
cula da radiação é
uma característica ge-
ral de todos os entes
físicos. Veremos que elétrons, por exem-
plo, têm a mesma natureza dual dos fó-
tons. A conciliação da existência de
aspectos ondulatórios com a de aspec-
tos corpusculares, para qualquer ente
físico, é conseguida com o auxílio da
mecânica quântica.
Em 1924, Louis De Broglie propôs a
existência de ondas de matéria. A hipó-
tese de De Broglie era de que o compor-
tamento dual onda-partícula da radiação
também se aplicava a matéria. Assim
como um fóton tem associado a ele uma
onda luminosa que governa seu movi-
mento, também uma partícula material
(por exemplo, um elétron) tem associa-
da a ela uma onda de matéria que
governa seu movimento. Foi proposto
que os aspectos ondulatórios da maté-
ria fossem relacionados com seus as-
pectos corpusculares exatamente da
mesma forma quantitativa com que es-
ses aspectos são relacionados para a
radiação. Assim, tanto para a matéria
quanto para a radiação, as seguintes
relações são válidas: E = h.ν e p = h/λ,
onde E e p são respectivamente a
energia total e momento linear da
partícula. O comprimento de onda de
De Broglie é portanto definido como:
(2)
sendo m e v a massa e a velocidade
da partícula respectivamente.
Apesar da relação
de De Broglie ser
aplicada a todas as
substâncias físicas, o
comprimento de onda
associado a partículas
macroscópicas é mui-
to pequeno, não sen-
do possível observar o comportamento
ondulatório (difração, interferência
etc.). Alguns exemplos são apre-
sentados na Tabela 2.
Desenvolvimento da teoria atômica
Evidências experimentais foram
acumuladas no início do século pas-
sado revelando que átomos contêm
elétrons, e como normalmente átomos
são neutros, eles devem conter uma
carga positiva igual em módulo à carga
Modelos teóricos
Tabela 2: Exemplos da aplicação da relação de De Broglie.
1. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um elétron de massa
9,1 x 10-31 kg movendo-se a velocidade de 1,0 x 106 m.s-1.
2. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um carro de massa
1 x 103 kg movendo-se a 100 km.h-1 (27,8 m.s-1).
Compton postulou que um
feixe de raios X, incidindo
sobre uma amostra de
grafite, não se compotra
como uma onda de
freqüência ν mas como um
conjunto de fótons. Isso
confirmou a natureza
corpuscular da radiação
A dualidade evidente na
natureza onda-partícula da
radiação é uma
característica geral de
todos os entes físicos
9
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001
negativa de seus elétrons. Portanto um
átomo neutro contendo Z elétrons tem
uma carga negativa -Ze, onde -e é a car-
ga do elétron, e também uma carga
positiva de mesmo valor em módulo. O
fato de que a massa do elétron é muito
pequena se compara-
da com a de qualquer
átomo, implica que a
maior parte da massa
do átomo deve estar
associada à carga po-
sitiva. Estas consi-
derações levaram na-
turalmente ao proble-
ma de como seria a
distribuição de cargas
positivas e negativas
dentro do átomo.
Um dos primeiros
modelos para o átomo foi proposto por
J.J. Thomson em 1910, segundo o qual
os elétrons carregados negativamente
estariam localizados no interior de uma
distribuição esférica contínua de carga
positiva, com um raio da ordem de
grandeza do raio de um átomo, 10-10 m.
Este modelo é conhecido também como
“pudim de ameixas”. O modelo de
Thomson não fornecia uma concor-
dância quantitativa com os espectros
observados experimentalmente. A
demonstração da inadequação do mo-
delo de Thomson foi obtida em 1911 por
Ernest Rutherford, a partir da análise de
experiências sobre o espalhamento de
partículas α por átomos. Rutherford
mostrou que em vez de estar espalha-
da por todo o átomo, a carga positiva
estava concentrada em uma região
muito pequena, ou núcleo, no centro do
átomo. Este foi um dos progressos mais
importantes da física atômica e foi a
base da física nuclear.
A verificação experimental detalha-
da das previsões do modelo nuclear de
Rutherford para o átomo deixou pouco
espaço para dúvidas em relação à
validade desse modelo. Contudo, sur-
giram sérias questões a respeito da esta-
bilidade de um átomo desse tipo. Os
elétrons circulando em órbitas em torno
do núcleo, de acordo com a teoria elet-
romagnética clássica, perderiam energia
e mover-se-iam em espiral até atingir o
núcleo. Teríamos um átomo que rapi-
damente sofreria um colapso para di-
mensões nucleares. Além disso, o
espectro contínuo da radiação que seria
emitido durante este processo não esta-
va de acordo com o espectro atômico
de natureza discreta, conforme já se
conhecia na época.
Em 1913 Niels Bohr desenvolveu um
modelo atômico que
apresentava concor-
dância quantitativa com
os dados espectros-
cópicos obtidos para o
átomo de hidrogênio.
Um outro aspecto inte-
ressante do modelo de
Bohr é que a matemá-
tica envolvida era de
fácil compreensão. O
modelo de Bohr expli-
cava a estabilidade do
átomo postulando que
a energia total do elétron é constante
quando este encontra-se em uma das
órbitas permitidas, caracterizadas por
números inteiros denominados números
quânticos (n = 1, 2, 3...). A freqüência
da radiação emitida durante uma tran-
sição eletrônica entre dois níveis é
calculada pela equação:
(3)
sendo Einicial e Efinal as energias dos dife-
rentes estados eletrônicos, definidas, de
acordo com o modelo deBohr, como:
(4)
O raio das órbitas dos elétrons nos
diferentes estados eletrônicos é ex-
presso como:
(5)
Nas Equações (4) e (5), m refere-
se à massa do elétron, Z ao número
atômico do átomo, e à carga do elétron
(e = 1,602 x 10-19 C), h = h/2pi e ε0 a
permissividade do vácuo (ε0 = 8,85 x
10-12 F.m-1).
As propriedades do espectro de
absorção dos átomos de um elétron
também são facilmente compreensí-
veis em termos do modelo de Bohr. O
sucesso do modelo de Bohr, medido
por sua concordância com as experiên-
cias, foi impressionante. Mas fez
também acentuar a natureza misterio-
sa dos postulados nos quais se ba-
seava o modelo.
Em 1916 Sommerfeld propôs um
modelo no qual as órbitas permitidas
para o movimento dos elétrons no áto-
mo de hidrogênio seriam elípticas. Isso
foi feito na tentativa de explicar a estru-
tura fina do espectro do átomo de hi-
drogênio, a qual corresponde a uma
separação das linhas espectrais. A es-
trutura fina pode ser observada so-
mente se usarmos um equipamento de
alta resolução, já que a separação, em
termos de número de onda (1/λ), en-
tre as componentes adjacentes de
uma única linha espectral é da ordem
de 10-4 vezes a separação entre as li-
nhas adjacentes. De acordo com o
modelo de Bohr, isto deve significar
que o que tínhamos pensado ser um
único estado de energia do átomo de
hidrogênio consiste na realidade em
vários estados com energias muito
próximas.
A esta teoria desenvolvida até aqui
nós nos referimos como ‘teoria quân-
tica antiga’. Esta teoria só é aplicável a
átomos contendo um único elétron (H,
He+, Li++ etc.) além de sofrer uma crí-
tica subjetiva de que a teoria parece
de alguma forma não ter coerência,
sendo intelectualmente insatisfatória. A
nova teoria quântica proposta por
Schrödinger e independentemente por
Heisenberg, denominada ‘mecânica
quântica’, nos fornecerá um procedi-
mento mais geral para o tratamento de
partículas de qualquer sistema micros-
cópico.
Fundamentos da mecânica quântica
Como descrito nas seções anterio-
res, o final do séc. XIX foi marcado por
uma série de experimentos envolvendo
a interação da radiação eletromagné-
Modelos teóricos
O modelo de Thomson não
fornecia uma concordância
quantitativa com os
espectros observados. A
demonstração da
inadequação desse modelo
foi obtida por Rutherford.
Ele mostrou que uma carga
positiva estava concentrada
em uma região muito
pequena (o núcleo) no
centro do átomo
O modelo de Bohr
explicava a estabilidade do
átomo postulando que a
energia total do elétron é
constante quando este
encontra-se em uma das
órbitas permitidas
10
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001
tica com a matéria. Dentre os mais
importantes, podem ser citados os
estudos da radiação emitida por um
corpo negro, o efeito fotoelétrico e o
espalhamento Compton. Estas inves-
tigações experimentais levaram a uma
reformulação geral da teoria clássica
do eletromagnetismo, introduzindo
conceitos como a quantização da ener-
gia e as propriedades corpusculares
da radiação. Os trabalhos de De Bro-
glie, relacionados a dualidade partí-
cula-onda, estabe-
leceram um forma-
lismo quantitativo do
comportamento on-
dulatório da matéria,
sendo o comprimen-
to de onda (λ) da ra-
diação associada à
partícula de massa m
e velocidade v dado
pela Equação (2). A
derivação da Equa-
ção (2) pode ser as-
sociada aos conceitos de energia e
fóton introduzidos por Einstein. No
efeito fotoelétrico, a radiação eletro-
magnética é considerada como sen-
do constituída de partículas movendo-
se na velocidade da luz (c = 2,998 x 108
m.s-1), denominadas fótons, cuja
energia é E = h.ν (ν ≡ freqüência da
radiação). Por outro lado, a teoria da
relatividade estabelece que uma
partícula nestas condições possui
energia E = m.c2, sendo m a massa
relativística da partícula. Logo, as duas
equações mencionadas anteriormente
podem ser combinadas, produzindo:
(6)
A Equação (6), valida para um fóton
movendo-se na velocidade c, é equi-
valente a Equação (2) para uma partí-
cula de massa m movendo-se com
velocidade v. O postulado de De Bro-
glie (Equação 2) foi comprovado expe-
rimentalmente através de estudos de
difração de elétrons.
A necessidade de introduzir concei-
tos ondulatórios na descrição do com-
portamento de partículas microscópi-
cas levou a uma reformulação da me-
cânica de Newton. Surge assim o con-
ceito de onda de matéria (ou função
de onda) cuja interpretação foi dada
por Max Born em 1926. A análise de
Born tem como princípio os conceitos
clássicos da radiação eletromagnética
e suas propriedades corpusculares. A
intensidade da luz é proporcional a A2
(A ≡ amplitude da onda), que por sua
vez é proporcional ao número de fó-
tons (n) por unidade de volume. Por-
tanto, a probabilidade de encontrar um
fóton no elemento de volume dV pode
ser escrita como A2dV.
De forma análoga,
Born associou à proba-
bilidade de encontrar
uma partícula no ele-
mento de volume dV a
quantidade Ψ2dV, onde
Ψ representa a ampli-
tude da função de on-
da da matéria. A inter-
pretação probabilística
de Max Born con-
trapõe-se ao determi-
nismo da mecânica clássica e inicia o
desenvolvimento de uma nova teoria
para estudar movimentos de partículas,
onde as propriedades observáveis são
descritas como valores esperados.
Esta teoria recebeu o nome de mecâ-
nica quântica.
Postulado fundamental da mecânica
quântica
Para qualquer sistema material,
existe uma função de onda (Ψ) asso-
ciada, a qual é função das coordena-
das e tempo, que contém toda infor-
mação que pode ser obtida sobre o
sistema, e satisfaz a equação abaixo:
ÔΨ = oΨ (7)
sendo o uma propriedade observável
do sistema e Ô o operador correspon-
dente. O conceito de operador pode
parecer novo para alguns leitores, mas
com certeza todos já fizerem uso de
algum tipo de operador em exercícios
de cálculo. Exemplos de operadores
clássicos são a raiz quadrada (√) e a
derivada (d/dx), ou seja, operador é “al-
go” que executa algum tipo de opera-
ção sobre uma função matemática. Em
mecânica quântica, o uso de operado-
res constitui parte da teoria, como
descrito pelo teorema fundamental
(Equação 7). Alguns exemplos especí-
ficos serão discutidos em maiores de-
talhes, visando introduzir a forma dos
principais operadores em mecânica
quântica.
Inicialmente, considere uma partí-
cula movendo-se livre da ação de for-
ças externas. A função de onda desta
partícula pode ser representada como
Ψ(x, t) = cos(kx - ωt) +
ik sen(kx - ωt) (8)
sendo
(9)
Derivando a expressão (8) em rela-
ção a x, mantendo t constante, temos:
(10)
Reescrevendo a Equação (10),
obtém-se:
(11)
Comparando a Equação (11) com
a expressão que representa o postula-
do fundamental da mecânica quântica
(Equação 7), podemos escrever
Ψ = pΨ (12)
com p correspondendo ao momento
linear da partícula (observável) e
 ao operador momento linear.
O resultado da análise anterior
pode ser utilizado em conjunção com
os conceitos da mecânica clássica
para derivar um outro operador funda-
mental em mecânica quântica, o ope-
rador energia total ( ).
A energia total clássica pode ser
escrita como a soma da energia
cinética (K) e potencial (V).
E = K + V (13)
A Equação (13) pode ser escrita em
função do momento p como
(14)
Modelos teóricos
A necessidade de
introduzir conceitos
ondulatórios na descrição
do comportamento de
partículas microscópicas
levou a uma reformulação
da mecânica de Newton.
Surge assim o conceito de
onda de matéria (ou
função de onda)
11
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001
A soma K + V representa a energia
total da partícula de massa m se
movendo com velocidade v sob a ação
de forças definidas pelo potencial V
(F = -dV/dx).Associando o formalismo
clássico (Equação 14) com o conceito
de operadores da mecânica quântica
(Equações 7 e 12) temos:
(15)
Utilizando (15), a Equação (14)
pode ser escrita como:
(16)
Utilizamos o símbolo para repre-
sentar o operador energia total do sis-
tema (ao invés de Ê); este é chamado
o operador Hamiltoniano (ou operador
energia total) do sistema. Assim,
(17)
Na Equação (17),
 operador
energia cinética
(18)
 ≡ operador energia
potencial (19)
(20)
Utilizando o postulado fundamen-
tal da mecânica quântica (Equação 7)
e a Equação (17) podemos escrever:
Ψ = EΨ (21)
A Equação (21) corresponde à
Equação de Schrödinger independen-
te do tempo. Esta é uma equação fun-
damental em mecânica quântica.
A equação de Schrödinger, escrita
na forma (21), corresponde a um pro-
blema de ‘autovalor’ e ‘autovetor’,
sendo a energia total (E) o autovalor e
a função de onda (Ψ) o autovetor. De
acordo com o postulado fundamental
da mecânica quântica (Equação 7), a
função de onda associada à partícula
contém todas as informações neces-
sárias para a determinação de suas
propriedades observáveis. O valor de
E e a forma de Ψ dependem do ope-
rador Hamiltoniano ( ), o qual possui
contribuições da energia cinética ( ) e
potencial ( ) da partícula. O operador
 possui sempre a mesma forma des-
crita na Equação (18), sendo m a
massa da partícula. Portanto, o que di-
ferencia a aplicação da equação de
Schrödinger para diferentes sistemas
e processos em física e química é a
função potencial ( ). Em analogia com
a mecânica clássica, pode ser dito que
o comportamento de uma partícula é
determinado pelo campo de forças no
qual ela se move.
As formas do operador para
alguns processos simples são apre-
sentadas na Tabela 3 para partículas
movendo-se em uma dimensão. Em
3a, é apresentado o exemplo mais
simples da aplicação da equação de
Schrödinger para uma partícula mo-
vendo-se livre da ação de forças ex-
ternas. Nesta situação, = 0 em
qualquer posição x, sendo a energia
total (E) puramente cinética. No exem-
plo (b), a partícula move-se livremente;
entretanto, a função
potencial possui
valores distintos em
diferentes regiões
de x. Nas regiões x
< 0 e x > a, = 0 e
o potencial possui
um valor constante
igual a V0 na região 0 < x < a. Nesta
situação a equação de Schrödinger
deve ser resolvida nas duas regiões
distintas, com a solução geral determi-
nada em cada região definida por
condições de contorno, as quais a fun-
ção de onda deve satisfazer (Ψ deve
ser contínua, finita e unívoca em qual-
quer ponto x). No exemplo (3c) o ope-
rador Hamiltoniano para descrever o
movimento harmônico é apresentado.
Note que a função potencial não é
constante nesta situação, sendo fun-
ção da coordenada x. O estudo do os-
cilador harmônico é fundamental em
física e química e constitui o princípio
básico da descrição teórica de vibra-
ção de moléculas. Funções potenciais
como aquela representada em (3c) for-
mam também a base da construção
de campos de força utilizados em estu-
dos de mecânica molecular.
A Tabela 4 apresenta a forma do
operador Hamiltoniano para átomos e
moléculas. Os sistemas considerados
nesta tabela envolvem um maior nú-
mero de partículas movendo-se em um
espaço de três dimensões, e portanto
são mais complexos do que aqueles
representados na Tabela
3. Antes de entrarmos
em aspectos específicos
sobre as soluções da
equação de Schrödinger
para os sistemas apre-
sentados na Tabela 4, é
importante comentar so-
bre a construção do ope-
rador Hamiltoniano. A energia total do
sistema é o somatório de contribuições
devido às energias cinética e potencial;
logo, o operador Hamiltoniano deve ser
constituído de operadores associados
Modelos teóricos
Tabela 3: Exemplos do operador Hamiltoniano para o movimento de uma partícula de
massa m em diferentes campos de força definidos pela função (operador) potencial V.
Operador 
(a) Partícula
livre
(b) Barreira
de potencial
(c) Oscilador
harmônico
O estudo do oscilador
harmônico é fundamental
em física e química e
constitui o princípio básico
da descrição teórica de
vibração de moléculas
12
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001
a todas as formas de energias cinética
e potencial do sistema. Para átomos
de um elétron, a função potencial é
representada somente pelo potencial
de interação elétron-núcleo (Ven) . Em
átomos de muitos elétrons, a função
potencial contém termos devido à
atração elétron-núcleo (Ven) e repulsão
elétron-elétron (Vee). Em moléculas,
considerando os núcleos fixos nas
posições de equilíbrio, o operador que
representa a energia potencial é
composto de termos que descrevem
a atração elétron-núcleo (Ven), repulsão
elétron-elétron (Vee) e repulsão núcleo-
núcleo (Vnn). O operador energia ciné-
tica descrito pela Equação (18) em
uma dimensão é substituído pelo ope-
rador correspondente em três dimen-
sões (∇2) denominado operador Lapla-
ciano.
(22)
Em todos os termos do operador 
aparecem somatórios (Σ) indicando a
contribuição de cada partícula individual.
Para sistemas que não estão sob
ação de forças externas que sofram alte-
rações em função do tempo, a energia
potencial (V) dependerá apenas das
coordenadas das partículas. Neste caso
estaremos considerando a equação de
Schrödinger independente do tempo,
Equação (21). Uma grande parte dos
problemas de interesse para a química
podem ser formulados em termos de
potenciais independentes do tempo.
Portanto estamos interessados nas
autofunções (Ψ) e autovalores (E) do
operador Hamiltoniano, , independente
do tempo. Chamaremos daqui por
diante a Equação (21) simplesmente de
equação de Schrödinger.
A Equação de Schrödinger pode ser
resolvida exatamente apenas para áto-
mos contendo um elétron, como por
exemplo o átomo de hidrogênio. Neste
caso a função energia potencial possui
uma forma simples dependendo ape-
nas da distância entre o próton e o
elétron (V(r) = -e2/r). Para o caso de áto-
mos multieletrônicos e moléculas temos
de utilizar métodos matemáticos apro-
ximados para a resolução da equação
de Schrödinger, pois a complexidade da
função energia potencial para a intera-
ção de repulsão entre os elétrons impe-
de a separação das variáveis na equa-
ção de Schrödinger. Neste caso utiliza-
mos métodos numéricos com o auxílio
de computadores. Para o caso do
átomo de hidrogênio, obtemos expres-
sões analíticas (fórmulas matemáticas)
para a função de onda e energia, cujos
detalhes serão omitidos aqui. Os
números quânticos principal (n), secun-
dário (l) e magnético (ml) surgem natu-
ralmente durante o processo algébrico
de solução da equação de Schrödinger
para o átomo de hidrogênio. A energia
total pode ser escrita como E = -13.6/n2
eV (n = 1, 2, 3…), isto é, a energia é
quantizada variando com o número
quântico principal n. Temos então os
Modelos teóricos
níveis energéticos permitidos para o
elétron no interior do átomo. A quanti-
zação da energia não é um postulado
na teoria de Schrödinger. Esta surge
naturalmente de requisitos matemáticos
para que a equação tenha soluções
aceitáveis (funções de onda ‘bem com-
portadas’). Quando um elétron ocupa
um desses níveis sua energia total é
constante, e ele não emite e nem absor-
ve energia. Estes são chamados esta-
dos estacionários. A função de onda pa-
ra o átomo de hidrogênio depende de
três números quânticos (n, l e ml). Por
simplicidade inserimos estes rótulos na
função de onda, Ψn,l,ml. Podemos então
escrever a equação de Schrödinger para
o átomo de hidrogênio na forma abaixo
Ψn,l,ml (x, y, z) = EnΨn,l,ml (z, y, z) (23)
As funções de onda Ψn,l,ml são
também chamadas orbitais atômicos,
e os designamos por símbolos em
função do valor do número quântico
secundário l: l = 0, orbital s; l = 1, or-
bital p; l = 2, orbital d etc. Osorbitais
atômicos são na realidade as funções
de onda que são soluções da equação
de Schrödinger, Ψ1s, Ψ2s, Ψ2p, Ψ3s, …
etc. Podemos ver que cada nível
energético n pode ter várias funções
de onda associadas, dependendo dos
valores dos números quânticos l e ml.
A este fenômeno chamamos ‘degene-
rescência’. Quando a degenerescên-
cia é removida, temos energias distin-
tas para os vários subníveis atômicos.
Concluindo: quando resolvemos a
equação de Schrödinger para o átomo
de hidrogênio, obtemos as energias
para os níveis energéticos (En) e os
orbitais atômicos (Ψn,l,ml). Temos então
um diagrama de níveis energéticos no
interior do átomo, isto é, dizemos que
um átomo se constitui de um sistema
energético quantizado (somente al-
guns valores de energia são possíveis),
como mostrado na Figura 5. À medida
que n aumenta os níveis se aproximam,
tendendo para um contínuo de ener-
gia. Pelo diagrama energético repre-
sentado na Figura 5, obtido da resolu-
ção da equação de Schrödinger, temos
uma compreensão clara das transições
eletrônicas que originam o espectro
atômico de linhas do átomo de hi-
drogênio (Figura 2).
Para o caso de átomos multiele-
Tabela 4: Exemplos do operador Hamiltoniano para átomos e moléculas. Na Equação (a) a
massa do elétron, m, foi utilizada em substituição à massa reduzida.
Operador 
(a) Átomos
de um elétron
(b) Átomos
de muitos elétrons
(c) Moléculas
13
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Modelos teóricos
Para saber mais
ATKINS, P.W. Físico-química, 6 ed. Rio
de Janeiro: Editora LTC, v. 2, 1999.
BORN, M. Física atômica, 4 ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
EISBERG, R. e RESNICK, R. Física
quântica, átomos, moléculas, sólidos,
núcleos e partículas 6 ed. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1988.
FOCK, V.A. Princípios de mecânica
quântica. Moscou: Editora MIR, 1986.
LOPES, J.L. A Estrutura quântica da
matéria, do átomo pré-Socrático às partí-
culas elementares, 2 ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1993.
TEIXEIRA DIAS, J.J.C. Química quân-
tica, fundamentos e métodos. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
trônicos e moléculas, a resolução da
equação de Schrödinger utilizando mé-
todos aproximados nos leva à obtenção
de níveis de energia atômicos e molecu-
lares e à determinação de configurações
eletrônicas. Para moléculas, a função de
onda obtida como solução da equação
de Schrödinger repre-
senta os orbitais mole-
culares, os quais permi-
tem uma descrição de
ligações químicas em
termos de combina-
ções de orbitais atô-
micos.
É importante men-
cionar que na Equação
(23) a função de onda
depende também das
coordenadas de spin,
sendo o estado eletrônico do sistema
caracterizado pelos números quânticos
espaciais (n, l e ml) e pelo número quân-
tico de spin (ms). A função de onda deve,
portanto, ser representada com o
símbolo Ψn,l,ml,ms.
Esforços têm sido continuamente
empreendidos na busca de soluções
aproximadas da equação de Schrödin-
ger para sistemas de muitos elétrons
(átomos e moléculas) com acuracidade
satisfatória. O procedimento utilizado pa-
ra a resolução da Equação (23) para um
sistema contendo muitos elétrons
consiste em escrever a função de onda
total do sistema para um dado nível
energético, digamos o nível fundamen-
tal (de mais baixa energia), como um
produto de funções dependendo das
coordenadas de somente um elétron,
além de representar a energia potencial
de interação como uma soma de ter-
mos.
Neste procedimento supomos que
os elétrons estão sob a ação de um
campo potencial efetivo devido aos
núcleos e aos outros elétrons
(V = Vefetivo). Na resolução da equação
de Schrödinger utilizamos um procedi-
mento interativo, onde uma função de
onda inicial dita ‘tentativa’ é fornecida,
com a qual obtemos o potencial de
interação para os elé-
trons, o qual é utilizado
na resolução da equa-
ção de Schrödinger,
obtendo assim novas
funções de onda e
energias orbitais. O
procedimento é repe-
tido até que a auto-
consistência seja atin-
gida (não haja mais
variações nas funções
de onda). Este méto-
do é conhecido como método de
Hartree-Fock do campo autoconsistente
(HF-SCF). Várias sofisticações podem
ser incorporadas no método de Hartree-
Fock para melhorar a qualidade das
funções de onda e energias. Estes
métodos são denominados Pós-
Hartree-Fock. Conhecida a função de
onda total Ψ, várias propriedades podem
ser calculadas e posteriormente compa-
radas com valores obtidos experimen-
talmente.
Existe uma variedade de métodos
teóricos para a resolução da Equação
de Schrödinger tendo como base fun-
damental o procedimento de Hartree-
Fock para encontrar funções de ondas
aproximadas. O método de Hartree-
Fock é variacional, o que implica que a
energia total obtida é sempre um limite
superior para a energia do sistema, isto
é, está sempre acima (ou no máximo
igual) a energia exata ou experimental.
Os métodos podem ser classificados
em duas classes: ab initio e semiem-
píricos. Nos métodos ab initio nenhum
parâmetro experimental é utilizado, e
que todas as integrais presentes são
avaliadas. Já nos métodos semiempí-
ricos vários parâmetros experimentais
ajustáveis são utilizados, e o método tem
um custo computacional muito mais
baixo do que os métodos ab initio. O
leitor pode consultar a literatura dispo-
nível para maiores detalhes sobre mé-
todos quânticos.
Para o caso de moléculas, resolve-
mos a equação de Schrödinger para os
elétrons separada dos núcleos, e a ener-
gia molecular total é uma soma das con-
tribuições eletrônicas e nucleares. Este
procedimento baseia-se na aproxi-
mação de Born-Oppenheimer, a qual
consiste em descorrelacionar os movi-
mentos de núcleos e elétrons. Nesta si-
tuação, a equação de Schrödinger pode
ser separada em duas equações que
descrevem os movimentos de núcleos
e elétrons. A matemática utilizada na
resolução da equação de Schrödinger
é complexa, envolvendo conhecimentos
das áreas de cálculo diferencial e inte-
gral e álgebra matricial. Estes aspectos
não foram considerados no presente
artigo, podendo o leitor interessado re-
correr à literatura específica fornecida.
Finalizando, é importante reforçar
que a mecânica quântica é atualmente
a teoria aceita e válida para descrever
fenômenos relacionados à estrutura da
matéria. Entretanto, devido à complexi-
dade do formalismo matemático, torna-
se necessária a utilização de apro-
ximações teóricas. Neste contexto, a
busca de novos métodos matemáticos
para resolução da equação de Schrö-
dinger tem sido um grande desafio para
os cientistas, objetivando aplicar a teoria
quântica para sistemas de interesse em
física e química com a exatidão deseja-
da.
Wagner B. de Almeida (wagner@netuno.qui.ufmg.br),
doutor em química pela Universidade de Manchester,
é professor adjunto no Departamento de Química da
Universidade Federal de Minas Gerais. Hélio F. dos
Santos (helius@quimica.ufjf.br), doutor em química, é
professor do Departamento de Química da Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora.
Figura 5: Diagrama de energia para o áto-
mo de hidrogênio.
A mecânica quântica é
atualmente a teoria aceita
e válida para descrever
fenômenos relacionados à
estrutura da matéria.
Entretanto, devido à
complexidade do
formalismo matemático,
torna-se necessária a
utilização de aproximações
teóricas
22 Sabia-se desde a Antiguidadeque a luz solar pode serdecomposta nas cores do ar-
co-íris, mas foi Newton, no século XVII,
que pela primeira vez descreveu de
forma adequada o fenômeno da
decomposição da luz por um prisma,
assim como de sua recomposição por
um segundo prisma. O conjunto das
cores obtidas com o prisma é conhe-
cido como espectro, e varia do verme-
lho, numa extremidade, ao violeta, na
outra.
Além das chamadas sete cores do
arco-íris, o espectro solar também
apresenta radiações

Outros materiais