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Estado de direito e Democracia

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Estado de direito e Democracia (em Canotilho - TC) 
Estado de direito e Democracia — dizem alguns autores — são conceitos verdadeiramente antinómicos e em face 
desta antinomia há que decidir qual deles tem prevalência. Eis um exemplo da colocação do problema: «o princípio 
do Estado de direito como princípio formal impolítico, e a democracia, como método formal da formação da vontade 
do Estado, situam-se numa relação de potencial colisão ou conflito, havendo que decidir, neste caso, a favor do 
Estado de direito» 
115
. Ou então, apontando já para a possível solução do conflito: «o princípio do Estado de direito 
tem uma hierarquia superior ao princípio da democracia; um Estado de direito é também possível sem democracia» 
116
. No mesmo sentido: «em face de uma antinomia entre Estado de direito e Democracia, o primeiro tem 
prevalência» 
117
. Pressupondo já um juízo de valor, diz-se que a «despótica» democracia tem de subordinar-se à 
soberania do normativo; o decisionismo democrático tem de subordinar-se ao valor supra-estadual do Estado de 
direito. Este tipo de argumentação pode cair, desde logo, no erro, apontado por BÀUMLIN
118
, de se hipostasiarem o 
Estado de direito e a democracia como grandezas abstractas, em vez de se comprovar o que é que, historicamente e 
na realidade, se quer significar em concreto com as palavras «democracia» e «soberania popular», por um lado, e 
«auto-soberania do normativo» e do «Estado de direito», por outro. De forma mais desenvolvida do que a que 
fizemos no capítulo referente ao Estado de direito, analisemos quais os argumentos ou ideias mais agitadas neste 
problema. 
a) O conceito restritivo de democracia e os rancores contra o tirânico «rei maioria» provêm, muitas vezes, do clássico 
liberalismo conservador. A antinomia será inevitável: o Estado de direito, considerado como a defesa, através da lei e 
do direito, da liberdade e propriedade privadas, contrapõe-se a «democracia», rebaixada a processo asfixiante da 
«esfera patrimonial livre». Não insistiremos neste ponto: a visão antinómica é uma sequela da dimensão anti- 
115 
Cfr. MAUNZ-DÚRIG, Grundgesetz, Kommentar, art. 20, n.° 57. 
116 
Cfr., F. SCHNEIDER, Die politische Komponente der Rechtsstaatsidee in Deutschland, cit., p. 18. 
117 
Cfr. N. ACHTERBERG, «Antinomien verfassungsgestaltende Grundentschei-dungen», in Der Staat, n.° 8 (1969), p. 
179. 
118 
Cfr. BÀUMLIN, Lebendige oder gebándigte Demokratie, cit., p. 25. 
Padrão I: Princípios Estruturantes 12 —O Princípio Democrático 
459 
democrática do pensamento liberal e da acentuação exclusiva do elemento burguês do Estado de direito — defesa da 
ordem e da propriedade. 
b) Noutros casos, o problema é já posto de forma mais pertinente. Trata--se do problema do Estado de direito e das 
suas relações com aquilo a que KÃGI chamou concepção decisionista-totalitária de democracia 
119
. Esta concepção 
reconduzir-se-ia aos seguintes momentos: (1) a maioria democrática é a instância de soberania superior do Estado; (2) 
a maioria democrática decide de forma absoluta; (3) a maioria democrática tem uma competência absoluta; (4) a 
maioria democrática não está vinculada por ou a qualquer forma; (5) a maioria democrática não é susceptível de 
representação; (6) a maioria democrática decide sempre de forma justa; (7) a maioria democrática é indivisível; (8) a 
voz da maioria democrática é a «voz de Deus». «Radical inimizade à normati-vidade», «total desvinculação formal», 
«tendência identitária», «monismo do poder», «religião política», seriam, entre outras, as características mais salien-
tes desta concepção. Daqui deriva KÃGI OS casos mais frisantes de antagonismo entre Democracia e Estado de direito. 
O primeiro caso surge quando o «povo» exerce simplesmente um poder constitucional e, não exercendo o poder 
constituinte, contraria a ordem constitucional através de plebiscitos ou outras decisões supraconstitucionais. Aqui 
estaríamos perante um poder sobre a constituição e o direito — princeps legi-bus solutus. A solução será, neste caso, 
segundo KÃGI, contrapor a lógica do Estado de direito à lógica da democracia compreendida decisionisticamente. Por 
outras palavras: a única atitude é a de sobrepor a um acto apócrifo de soberania a hierarquia normativa do Estado de 
direito. Além dos casos em que o «povo decidente» se sobrepõe ao princípio constitucional do Estado de direito 
através de decisões plebiscitarias, a ruptura normativa verificar-se-ia também quando o povo, agindo como legislador 
simples, se converte em poder de revisão. Finalmente, a lógica democrática implicaria a violação do princípio do 
Estado de direito quando uma decisão que, segundo a constituição pertence ao parlamento ou ao governo, é 
transferida para o «povo». Para um pensamento consequente com o princípio do Estado de direito, esta inversão de 
competências é inconstitucional
120
. O pensamento decisionista revela-se pois, perigoso, porque dissolve os contornos 
das iniciativas populares, compatíveis com o Estado de direito, em posições decisionistas 
121
. Acresce que o pensa-
mento decisionista conduz ao esvaziamento do conceito de constituição: o povo decidente sobrepõe-se às normas da 
constituição, decide sobre as normas, não havendo sequer um cerne essencial de lei fundamental. 
119 
Cfr. KÃGI, Rechtsstaat und Demokratie, cit., pp. 127 ss. 
120 
Cfr. KÃGI, Rechtsstaat und Demokratie, cit., p. 138. O autor admite como excepção (mas apenas como excepção), 
a «delegação» no povo quando se trata de urna decisão concreta (por ex.: tratado internacional de carácter político) 
sobre uma matéria que a constituição não previu. 
121 
Exemplo típico de pensamento decisionista seria, por ex., a rejeição dos limites de revisão mesmo quando se trata 
de revisão parcial. Cfr. KÃGI, Rechtsstaat, cit-, p. 141. 
460 
Direito Constitucional 
Na concepção democrático-decisionista há uma relativização ou tenden-cial dissolução da normatividade jurídico-
constitucional. Só que isso deriva, não do princípio democrático em si, mas da transformação do princípio demo-
crático em «decisão», em «mecanismo aclamatório» do unanimismo pré-deter-minado. E a degradação do princípio 
democrático em decisão de integrismo autoritário só vem confirmar a validade da síntese dialéctica entre Estado de 
direito e Democracia. 
Há uma democracia do Estado de Direito e um Estado de direito democrático 
122
. Daqui se 
infere já a posição sobre a «barganha» política que se desenvolve em torno do princípio 
democrático e da sua superioridade sobre a constituição. Esta visão não é, em geral, um índice 
de crença no princípio democrático mas uma expressão do pensamento decisionista. Neste 
sentido se deve interpretar, segundo cremos, a afirmação de HESSE 
123 
sobre a prevalência da 
constituição. Ao proibir rupturas constitucionais e a dissolução dos direitos fundamentais e ao 
restringir as alterações constitucionais, a constituição reafirma a sua supremacia mesmo em face 
do princípio da soberania popular. O sentido prático deste princípio da prevalência da 
constituição traduzir-se-ia, sobretudo, na exclusão de modificações da constituição que 
eliminassem os seus próprios fundamentos (cfr. art. 288.°). Fora estes casos, o princípio 
democrático e o princípio de Estado de direito contribuem ambos para a conformação e 
racionalização da vida da comunidade e são ambos instrumentos contra abusos do poder. O 
princípio democrático acentuará talvez o momento dinâmico e confor-mador; o princípio do 
Estado de direito colocará a tónica no momento de permanência e defesa 
124
. Neste sentido se 
deverá interpretar a fórmula do art. 2.°, aditada pela lei da l.
a 
revisão (LC n.° 1/82): a República 
Portuguesa não é só um Estadode direito mas um «Estado de direito democrático» (cfr. ainda 
art. 9.°/b). 
122 
Cfr. KÀGI, cit., p. 150. No sentido do texto, cfr. HESSE, Grundzúge, cit., 110. Entre nós, cfr., por último, JORGE 
MIRANDA, Manual, IV, p. 185. 
123 
Cfr. K. HESSE, Der Rechtsstaat, cit., p. 294. 
124 
Cfr. K. HESSE, Grundzúge, cit., p. 110; BÀUMLIN, Die rechtsstaatliche Demokratie, 1954, p. 87. Nesta última se 
pode ver a argumentação no sentido de que a «logique de le démocratie» não está em insanável oposição com a 
«logique de Ia constitution»; C. OFFE, «Democracy Against the Welfare State? Structural Foun-dations of 
Neoconservative Political Opportunities» in Political Theory, 15/4, 1987, p. 588 ss.

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