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UNIDADE VII – INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Destaca-se incialmente, que os contratos são fontes formais não estatais do Direito e constituem normas jurídicas, na medida em que as cláusulas contratuais dispõem acerca de direitos e deveres das partes contratantes. É norma particular derivada da vontade. Sendo assim, quando de sua aplicação, deverão ser interpretadas a fim de solucionar eventuais divergências. Relembre-se, ainda o que se estudou sobre a função interpretativa do Princípio da boa-fé objetiva. 2. REGRAS DE INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO. REGRA DE CARÁTER SUBJETIVO: Sendo o contrato um negócio jurídico, cujo vínculo jurídico é formado basicamente através da manifestação de vontade das partes, o art. 112 do CCB consubstancia uma regra básica de interpretação. Vejamos: Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Importante relembrar o que já foi estudado a respeito do tema, quando da abordagem do tópico: função interpretativa da boa-fé objetiva: Como sabido e conforme será estudado em momento oportuno, todo e qualquer negócio jurídico tem como elemento fundamental, a manifestação de vontade dos seus participantes. No que respeita a esse elemento, o CCB/1916 adotou a denominada Teoria da Vontade. Vejamos: Art. 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção que ao sentido literal da linguagem. Já o vigente CCB, adotou a denominada Teoria da Declaração a qual reflete a diretriz ou o princípio da operabilidade (o qual pretende um CCB mais efetivo). Vejamos: Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. ATENÇÃO: Ambas as teorias são espécies da chamada Teoria Subjetiva, porém distintas, apesar da diferença ser sutil. Vejamos: De acordo com a sistemática do art. 85 do CCB/1916, o intérprete precisa perquirir a real intenção da parte, i.e a intenção subjetivada, inserta na mente do sujeito. Já o art. 112 do Código Reale não exige que o intérprete busque tal intenção em seu aspecto subjetivo, sendo bastante a intenção declarada, aquela que foi externada nas declarações dos sujeitos contratantes. Portanto, em termos de interpretação dos negócios jurídicos, o CCB/2002 traz uma maior segurança jurídica. Portanto, deve-se fixar a informação de que o CCB/2002 trabalha com a teoria da declaração e não com a teoria da vontade (cuidado, pois alguns autores, como o Carlos Roberto Gonçalves, afirmam que ainda persiste a teoria da vontade). OBS. O art. 112 será insuficiente em algumas ocasiões. O intérprete, mesmo analisando as declarações manifestadas pelas partes, poderá não chegar a uma conclusão, em razão da existência de ambiguidade, obscuridade, contradição etc. Nesse caso, o CCB forneceu ao interprete um apoio para interpretar os negócios jurídicos. Impõe o art. 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Assim, a BFO funciona como referencial hermenêutico. Veja, no CCB vigente, o art. 113 estabelece: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Destacam-se, por oportuno, os seguintes enunciados das Jornadas de Direito Civil realizadas pelo STJ. Vejamos: 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes. O princípio da BFO foi utilizado pelo legislador como critério subsidiário para a interpretação dos negócios jurídicos. Assim, quando o juiz não conseguir chegar à conclusão sobre qual era a real intenção das partes através de suas declarações (teoria da declaração), a BFO será fator coadjuvante nessa busca, assim como os usos do lugar da celebração do negócio. Importante destacar o teor do Enunciado n. 26 da I Jornada de Direito civil promovida pelo CJF/STJ: 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes. SINTETIZANDO O ASSUNTO: Os contratos devem ser interpretados de forma a preservar a confiança, a justa expectativa das partes. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DA MENSALIDADE. RESCISÃO UNILATERAL. ABUSIVIDADE. SÚMULAS 7, 83/STJ. IMPROVIMENTO. 1. A convicção a que chegou o Acórdão de que o caso dos autos trata-se de contrato de plano de saúde familiar, não é suscetível de reexame em sede de recurso especial, a teor do enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ademais, "a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo" (REsp 1.073.595/MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 29/04/2011), o que atrai a aplicação da Súmula 83/STJ. 3. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1411070/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 05/02/2014) REGRA DE CARÁTER OBJETIVO: Para escapar à polêmica acerca da real intenção dos contratantes, o legislador estabeleceu regras para situações específicas. São elas. Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. Assim, segundo VENOSA, quem doa acessórios de uma coisa não faz presumir que doou o principal. Da mesma forma, no caso de comodato (empréstimo gratuito de coisas não fungíveis), suas cláusulas devem ser interpretadas restritivamente. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA DESPEJO - CONTRATO - PRORROGAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO - FIANÇA - EXONERAÇÃO - CONTRATO BENÉFICO - INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA - VOTO VENCIDO. Prorrogado o prazo do Contrato de Locação por prazo indeterminado, fica o fiador exonerado de suas obrigações, por se tratar a fiança de contrato benéfico, devendo ser interpretado restritivamente. Vencido o prazo de locação, os fiadores se exoneram da obrigação contratada, uma vez que não anuíram com a prorrogação por prazo indeterminado. Apelação não provida. V.V.: É parte legítima para a execução o fiador de contrato de locação, sendo matéria de mérito a discussão a respeito da exoneração da garantia prestada. Em contrato de locação, o fiador só se exonera se notificar o credor dando-lhe ciência da sua intenção de interromper a garantir prestada. (Desa. Evangelina Castilho Duarte) (TJ-MG 101050514998840011 MG 1.0105.05.149988-4/001(1), Relator: ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE, Data de Julgamento: 03/07/2007, Data de Publicação: 13/07/2007) _____________________________ RECURSO DE REVISTA. PIRC. INDENIZAÇÃO COMPLEMENTAR. DEMISSÃO POSTERIOR À VIGÊNCIA. O Plano de Incentivo à Rescisão Contratual (PIRC), instituído pela reclamada, Telemar Norte Leste, destinou-se à adequação do quadro de funcionários da empresa, quando da privatização dos serviços prestados. Portanto, as disposições nele previstas tiveram vigência enquanto durou o processo de reestruturação da reclamada,sendo indevidas a empregados demitidos após esse período. Ademais, o art. 114 do Código Civil dispõe que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Recurso de revista a que se nega provimento. (TST - RR: 1016001420035030111 101600-14.2003.5.03.0111, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 13/05/2009, 5ª Turma,, Data de Publicação: 22/05/2009) 3. CONVIVÊNCIA E ADEQUAÇÃO DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO. A HERMENÊUTICA PRINCIPIOLÓGICA CONSTITUCIONAL. Qualquer intepretação que se pretenda dar a uma norma contratual deverá tomar como norte os princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana, associado aos limites impostos pela boa-fé objetiva e a função social dos contratos. Nesse sentido, vale recordar as anotações feitas ao longo da Unidade I. 4. ALGUNS PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL Além do Princípio da Boa-Fé Objetiva, que como visto, exerce seu papel intepretrativo em matéria contratual, a doutrina 1 menciona os seguintes princípios: a) Princípio da Finalidade Econômica: Tendo em vista que o contrato sempre encarna uma relação jurídica de caráter patrimonial, o intérprete deve manter como critério o fim econômico que as partes pretendiam obter ao executar o contrato 2 . b) Princípio da Conservação do contrato: Sintetizada no seguinte entendimento jurisprudencial do STJ: A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA DIREITO COMERCIAL E BANCÁRIO. CONTRATOS BANCÁRIOS SUJEITOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALIDADE DA CLÁUSULA. VERBAS INTEGRANTES. DECOTE DOS EXCESSOS. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO CIVIL ALEMÃO. ARTIGO 170 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. 1. O princípio da boa-fé objetiva se aplica a todos os partícipes da relação obrigacional, inclusive daquela originada de relação de consumo. No que diz respeito ao devedor, a expectativa é a de que cumpra, no vencimento, a sua prestação. 2. Nos contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, é válida a cláusula que institui comissão de permanência para viger após o vencimento da dívida. 3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC. 4. Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos arts. 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no art. 170 do Código Civil brasileiro. 5. A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1058114/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 16/11/2010) 1 Vera Helena de Mello Franco, ibid, p. 201 e ss. 2 Id. Ibid. p. 201 c) Princípio da interpretação do contrato como um todo: O contrato deve ser considerado como uma unidade, tal como resulta da integração de seus elementos constitutivos 3 . Envolve uma visão do contrato como uma estrutura única, que não pode ser compreendida a partir de fragmentos. Tal princípio está diretamente relacionado com a interpretação sistemática. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA Embargos de declaração. Agravo regimental. Omissão inexistente. 1. O Acórdão está devidamente fundamentado concluindo-se que "o Tribunal a quo considerou o contrato como um todo para condenar o banco nas perdas e danos" e que para "fazer prevalecer uma cláusula determinada (Cláusula 5ª) sobre o todo, indispensável seria examinar e interpretar novamente o contrato por inteiro, incluindo aí a cláusula especificada pelo recorrente, operação vedada a teor da Súmula nº 05 - STJ". 2. Foram decididas todas as questões postas sob apreciação, sendo mantida a condenação do banco ao pagamento de indenização à construtora. Revestem-se os embargos, portanto, em evidente descontentamento com a decisão desfavorável, não havendo omissão a ser suprida. 3. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no Ag 206.701/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/10/1999, DJ 06/12/1999, p. 87) 5. A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE ADESÃO Já vimos que o contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são predispostas unilateralmente, isto é, em que não há paridade entre as partes na fase de pactuação. Dessa forma, uma das partes simplesmente adere ao contrato, sem opinar ou influenciar na sua elaboração. O CCB, a respeito da interpretação dos contratos de adesão, estabelece que: Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 6. INTERPRETAÇÃO DE CONTRATOS EM MICROSSISTEMAS JURÍDICOS Uma observação preliminar se faz necessária: Tudo quanto já se tratou sobre intepretação contratual se aplica ao presente tópico. Porém deverá ser considerada, ainda, a principiologia que norteia cada um dos microssistemas jurídicos. 6.1. A interpretação do contrato de trabalho: Os contratos de trabalho devem ser interpretados conforme o princípio da proteção do trabalhador [reconhecido como a parte hipossuficiente da relação] que se desdobra noutros princípios, a saber: In dubio pro misero (pro operário): Dentre as várias interpretações possíveis, o contrato deve ser interpretado da maneira mais favorável ao trabalhador. Norma mais favorável: Existindo mais de uma norma aplicável ao caso concreto, o juiz deverá aplicar a que melhor atender aos interesses do trabalhador, não interessando os critérios clássicos 3 Id. Ibid, p. 203 de hierarquia das normas. Condição mais benéfica: A aplicação de uma norma trabalhista não pode ser levada a efeito para diminuir as condições mais favoráveis em que o trabalhador se encontra. 6.2. A interpretação do contrato de consumo. Por reconhecer o consumidor como a parte mais frágil da relação jurídica, o ordenamento jurídico determina que: CDC. Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Observe que o artigo acima se aplica a qualquer espécie de contrato de consumo, não importando se de adesão ou paritário. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA RECURSO ESPECIAL. PLANOS DE SAÚDE. CIRURGIA BARIÁTRICA. TRATAMENTO DE OBESIDADE MÓRBIDA. FINALIDADE TERAPÊUTICA. NECESSIDADE PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA DA PACIENTE. ABUSIVIDADE DA NEGATIVA DA COBERTURA SECURITÁRIA. INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE ADESÃO. 1. A gastroplastia, indicada para o tratamento da obesidade mórbida, bem como de outrasdoenças dela derivadas, constitui cirurgia essencial à preservação da vida e da saúde do paciente segurado, não se confundindo com simples tratamento para emagrecimento. 2. Abusividade da negativa do plano de saúde em cobrir as despesas da intervenção cirúrgica necessária à garantia da própria sobrevivência do segurado. 3. Interpretação das cláusulas dos contratos de adesão da forma mais favorável ao consumidor . 4. Inteligência do enunciado normativo do art. 47 do CDC. 5. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1249701/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 10/12/2012)
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