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Ética e Ideologia

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Centro Universitário de Patos de Minas
Disciplina: Cultura e Sociedade					
Professor Altamir Fernandes
Tema: Ética e Ideologia
O analfabeto Político
		
				Bertold Brecht (1898-1956) - escritor, poeta e teatrólogo alemão
	“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. 
	O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil, que da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
	Introdução à Política
Para o senso comum, Política, é normalmente identificada a um repertório de golpes baixos; sugere práticas desonestas; sentido negativo de aproveitar-se de todas as situações em benefício próprio.
Identificada com a “Lei de Gerson”, isto é, a pessoa que “gosta de levar vantagem em tudo”, no sentido negativo de aproveitar-se de todas as situações em benefício próprio, sem importar-se com a ética. (A expressão originou-se em uma propaganda, em meados da década de 1970, dos cigarros Vila Rica, na qual, o meia armador da Seleção Brasileira era o protagonista). 
Política é identificada à política institucional
A nossa não-participação e nosso alheamento diante da política constitui também um ato político
A política para a ciência:
MAQUIAVEL: não acredita a que a Política é a arte de governar para o bem comum.
WEBER: política é vinculada às instituições, ou seja, política significa participação no poder. A política tem como referência o Estado.
ALTHUSSER (filosofo marxista): análise descendente do poder - Aparelhos Ideológicos de Estado.
FOUCAULT – sentido mais amplo – análise ascendente – Política implica relações de poder – elas atravessam o nosso cotidiano – existe a “positividade do poder” – são multiformes, apresentam mil e uma faces.
GRAMSCI: dá ênfase a participação da sociedade civil.
 Origens da Política 
Usamos a palavra política de diversas formas no cotidiano que não se referem a seu sentido fundamental. “política” da empresa, da escola, da igreja ... como formas de exercício e disputa de poder político.
A política é a arte de governar, de gerir o destino da cidade. Etimologicamente, política vem de PÓLIS (cidade, em grego). Político é aquele que atua na vida pública e é investido de poder de imprimir determinado rumo à cidade.
Política designa a esfera das ações que tem relação direta ou indireta com a conquista e o exercício do poder sobre a comunidade de indivíduos em um território
É possível entender a Política como luta pelo poder: a conquista, a manutenção e a expansão do poder. Ou refletir sobre as instituições políticas por meio das quais se exerce o poder.
Poder: é a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de outro indivíduo.
O poder é uma relação ou um conjunto de relações pelas quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos.
Qual é a finalidade da política? Seria o bem comum (interesse coletivo ou geral)?
Dificuldade em determinar em que consiste o bonnus comune, devido à divisão da sociedade em classes opostas.
A pólis e a res publica
	Para Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos, "o homem é por natureza um animal político", isto é, um ser vivo (zoon) que, por sua natureza (physei), é feito para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a comunidade política). O sentido último da vida do homem: o viver na pólis, onde o homem se realiza como cidadão (politai).
	Em síntese, o homem é um animal político, isto é, que só se realiza na pólis. E fazer parte da pólis significava pertencer à sociedade política, ou seja, influir nos destinos da cidade, direito esse reservado apenas aos cidadãos. Por isso, para Aristóteles, o homem só começa a se diferenciar dos animais na pólis, o único lugar em que poderia relacionar o ideal humano de viver e conviver de maneira inteligente e de acordo com a razão.
	Para os gregos, somente na política, na qual predominavam a ação e o discurso, esse ideal seria alcançável.
	Porém, mesmo na pólis esse ideal não estava propriamente ao alcance de todos, pois, na Grécia, (exemplo Esparta) inclusive durante a democracia, os cidadãos eram minoria e formavam a aristocracia privilegiada. Dessa condição estavam excluídos os escravos (hilotas, eram a classe mais baixa e pertenciam com o escravos ao Estado), os estrangeiros (metecos residentes em Atenas), as mulheres, os periecos (homens da periferia de Esparta, formavam uma camada intermediária, constituída de homens livres, porém sem direitos políticos. Dedicavam-se à agricultura, ao comércio e ao artesanato, atividades proibidas à aristocracia espartana. Formando uma comunidade de iguais, unicamente os homens livres e maiores de idade, nascidos de famílias locais, eram considerados cidadãos. 
	O que os gregos denominavam pólis, os romanos chamavam de res publica (coisa pública). Nesta, a participação dos indivíduos era mais restrita ainda, pois somente os patrícios pertenciam à res publica. 
	Durante a Idade Média, não existiu algo equivalente à pólis ou res publica. Como reflexo do poder e da avassaladora influência da Igreja na sociedade em geral, as pessoas eram consideradas, antes de tudo, cristãs, e não cidadãs. Assim, pertencer à Igreja como fiel era mais importante do que ser súdito de um rei, a salvação da alma contava mais do que a participação na política. No período medieval, a vida política, ou a arte de governar, tornou-se mero apêndice da religião.
O que é política?
	 Segundo Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o próprio governo. Ainda existem algumas divergências sobre o tema, para alguns, política é a ciência do poder e para outros é a Ciência do Estado.
	Se há alguma certeza nos tempos em que vivemos, é a de que vivemos um momento de incerteza e desordem em todas as atividades humanas: saber, poder, ética e valores.
	Há uma tendência atual de menosprezar o papel da política em nosso dia a dia e de elogiar o seu esquecimento, dando mais importância à economia, à privatização da vida pública, à religião, ao moralismo e à eficiência técnica. Este pensamento é defendido pelos grandes empresários da comunicação, reforçando a estratégia dos poderosos de manter os cidadãos longe do exercício da política, principalmente os jovens. 
	Acontece que a política não deixou de ser exercida em momento algum. Ela apenas ganhou novos contornos e novos espaços nas lutas pelas políticas afirmativas (inclusão, direito à livre orientação sexual, etc), por exemplo.
MAQUIAVEL (1469-1527) e a Política como categoria autônoma
Introdução
O poder atrai e emociona: pode corromper ou engrandecer
Governar é impor e conciliar
Estado medieval: descentralização política; espaço para realização do bem comum, de acordo com Deus. A Igreja é um superestado
Maquiavel: infância e juventude – nova era: Idade Moderna soterra instituições medievais 
XVI: Itália: ausência de um poder centralizador
Sua obra mais famosa O Príncipe, escrita em 1513 e foi publicada, postumamente em 1532. A obra reflete os seus conhecimentos da arte política dos antigos, bem como dos estadistas de seu tempo e expressa claramente a mentalidade da época. Formulando uma série de conselhos ao príncipe, o autor expôs uma norma de ação autoritária, no interesse do Estado. 
O Príncipe: é um guia que orienta o acesso e a permanência no poder
Maquiavel – vive na época do Renascimento - antropocentrismo 
Controvérsias sobre “O Príncipe” (1513). Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de Médici, provocou inúmeras interpretações e controvérsias. À primeira vista, essa obra parecedefender o Absolutismo e o imoralismo. A leitura apressada de sua obra, levou à criação do Mito do Maquiavelismo. Pejorativamente, maquiavélica é pessoa sem escrúpulos, traiçoeira que para atingir seus fins, usa de mentira e de má-fé. Como expressão dessa amoralidade, costuma-se atribuir a ele a famosa máxima (que ele nunca escreveu): “os fins justificam os meios”;
Essa é uma interpretação simplista e deformadora de seu pensamento. Para o filósofo Rousseau (XVIII), Maquiavel ao afirmar que O Príncipe era na verdade uma sátira e a intenção verdadeira de Maquiavel seria o desmascaramento das práticas despóticas, ao ensinar o povo a se defender dos tiranos.
IDEIA CENTRAL – força é inerente ao exercício do poder = política é uma esfera da vida social que tem leis próprias
Política: pela primeira vez é mostrada como esfera autônoma da vida social relativamente à ordem moral e religiosa. Ele nega a anterioridade de questões morais na avaliação da ação política. Para a moral cristã (idade Média), há valores espirituais superiores aos políticos, além de que o bem comum da cidade se subordina ao bem supremo da salvação da alma.
A sociedade é necessariamente dividida
 A ordem política está sempre baseada em algum tipo de coerção. A política identifica-se com o espaço do poder, enquanto atividade que na qual se assenta a existência coletiva.
Conquistar e manter o poder, eis a síntese da finalidade essencial da política.
Em “O Príncipe”, o bom político deve conhecer os ardis do leão e da raposa, símbolos da força e da astúcia (habilidade em enganar, manha). Estas duas características nada tem a ver com a finalidade do bem comum: referem-se exclusivamente ao objeto imediato de conservar o poder
O príncipe deve atuar como a raposa, que sabe reconhecer as armadilhas e o leão, que se defende dos lobos.
Afinal, o que é política?
Vivemos hoje em um momento em que a política é questionada, pois, ela é sistematicamente confundida com as ações dos políticos profissionais, principalmente, pelos maus políticos.
Arendt nos diz que "A política baseia-se no fato da pluralidade dos homens", portanto, ela deve organizar e regular o convívio dos diferentes e não dos iguais. 
Vejamos o que diz Hannah Arendt: "Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo". Para ela, a tarefa da política esta diretamente relacionada com a grande aspiração do homem moderno: a busca da felicidade.
Não é fácil discutir a questão da política nos dias de hoje. Estamos carregados de desconfianças em relação aos homens do poder. Porém, o homem é um ser essencialmente político. Todas as nossas ações são políticas e motivadas por decisões ideológicas. Tudo que fazemos na vida tem consequências e somos responsáveis por nossas ações. 
Nossa ação política está presente em todos os momentos da vida, seja nos aspecto privado ou público. Vivemos com a família, relacionamos com as pessoas no bairro, na escola, somos parte integrantes da cidade, pertencemos a um Estado e País.
Não podemos confundir que política é simplesmente o ato de votar. Estamos fazendo política como tomamos atitudes em nosso trabalho. Estamos fazendo política quando exigimos nossos direitos de consumidor, quando nos indignamos ao vermos nossas crianças fora das escolas sendo massacradas nas ruas.
A política está presente cotidianamente em nossas vidas: na luta das mulheres contra uma sociedade machista que discrimina e age com violência; na luta dos portadores de necessidade especiais para pertencerem de fato à sociedade. 
DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.
				Democracia
Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto e, a vida propriamente humana digna de seres livres, então é inseparável da ética. De fato, para os gregos, era inconcebível a ética fora da comunidade política – a pólis como koinonía ou comunidade dos iguais, pois nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização mais alta.
	A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo que seja trabalhado politicamente pela própria sociedade. Da mesma maneira, as ideias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos vão muito além de sua regulamentação jurídica formal. Significam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. É esse o cerne da democracia.
	Quando a democracia foi inventada pelos atenienses, criou-se a tradição democrática como instituição de três direitos fundamentais que definiam o cidadão: a igualdade, liberdade e participação no poder. Examinemos o significado desses três direitos na Grécia antiga:
A – Igualdade: significava, perante as leis e os costumes da pólis, que todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira. Marx afirmava que a igualdade só se tornaria um direito concreto quando não houvesse escravos, servos e assalariados explorados, mas fosse dado a cada um segundo suas necessidades e segundo seu trabalho.
B – Liberdade: significava que todo cidadão tem o direito de expor em público seus interesses e opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou rejeitados pela maioria, devendo acatar a decisão tomada publicamente. Após a Revolução Francesa de 1789, o direito à liberdade ampliou-se. Além da liberdade de pensamento e de expressão, passou a significar o direito à independência para escolher o ofício, o local de moradia, o tipo de educação, o cônjuge, em suma, a recusa das hierarquias fixas, supostamente divinas ou naturais. Com os movimentos socialistas, a luta social por liberdade ampliou ainda mais esse direito, acrescentando-lhe o direito de lugar contra todas as formas de tirania, censura e tortura e contra todas as formas de exploração e dominação social, econômica, cultural e política.
C – Participação no poder: significava que todos os cidadãos têm o direito de participar das discussões e deliberações públicas da polis, votando ou revogando decisões.
	A democracia ateniense, como se vê, era direta. A moderna, porém, é representativa. O direito à participação tornou-se, portanto, indireto, por meio da escolha de representantes. Ao contrário dos outros dois direitos, este último parece ter sofrido diminuição em lugar da ampliação. Essa aparência é falsa e verdadeira.
	Falsa porque a democracia moderna foi instituída na luta contra o Antigo Regime e, portanto, em relação a esse último, ampliou a participação dos cidadãos no poder, ainda que sob a forma da representação.
	Verdadeira porque, como vimos, a república liberal tendeu a limitar os direitos políticos aos proprietários privados dos meios de produção e aos profissionais liberais da classe média. Todavia, as lutas socialistas e populares forçaram a ampliação dos direitos políticos com a criação do sufrágio universal (todos são cidadãos eleitores: homens, mulheres, jovens, analfabetos, etc).
	As lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos (civis) e a partir destes, criaram os direitos sociais – trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, lazer, cultura, os direitos das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, índios e o direito à segurança planetária – as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.
	As lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à censura, à tortura, direito de fiscalizar o Estado por meio de organizações da sociedade (associações, sindicatos, partidos políticos).
	A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos. Com isso, dois traços distinguem a democracia de todas as outras formas sociais e políticas:
A – a democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflitolegítimo. Não só trabalha politicamente os conflitos de necessidades e de interesses (disputas entre os partidos políticos e eleições de governantes pertencentes a partidos opostos), mas procura instituí-los como direitos. Na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais e populares, classes se organizam em sindicatos e partidos, criando um contrapoder social, que direta ou indiretamente, limita o poder do Estado.
B – a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis.
Os obstáculos à democracia
	Liberdade, igualdade e participação conduziram à célebre formulação da política democrática como “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Entretanto, o povo da sociedade democrática está dividido em classes sociais – sejam os ricos e os pobres (Aristóteles), os grandes e o povo (Maquiavel), sejam as classes sociais antagônicas (Marx).
	No capitalismo, são imensos os obstáculos à democracia, pois o conflito dos interesses é posto pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que a ideologia afirme que todos são livres e iguais.
Dificuldades para a democracia no Brasil
	Periodicamente, os brasileiros afirmam que vivemos numa democracia, depois de concluída uma fase de autoritarismo. Por democracia entendem a existência de eleições, de partidos políticos e da divisão republicana dos três poderes, além da liberdade de pensamento e de expressão. Por autoritarismo entendem um regime de governo em que o Estado é ocupado por meio de um golpe, não há eleições nem partidos políticos, o Poder Executivo domina o Legislativo e o Judiciário, há censura do pensamento e da expressão. Em suma, democracia e autoritarismo são vistos como algo que se realiza na esfera do Estado e este é identificado como o modo de governo.
	Essa visão é cega para algo profundo na sociedade brasileira: o autoritarismo social. Nossa sociedade é autoritária porque é hierárquica, pois divide as pessoas, em qualquer circunstância, em inferiores, que devem obedecer e superiores, que devem mandar. Não há percepção nem prática da igualdade como um direito. Nossa sociedade também é autoritária porque é violenta: nela vigoram racismo, machismo, discriminação religiosa e de classe social, desigualdades econômicas que estão entre as maiores do mundo, exclusões culturais e políticas. Não há percepção nem prática do direito à liberdade.
	O autoritarismo social e as desigualdades econômicas fazem com que a sociedade brasileira esteja polarizada entre as carências das camadas populares e os interesses das classes abastadas e dominantes, sem conseguir ultrapassar carências e interesses e alcançar a esfera dos direitos. Os interesses, porque não se transformam em direitos, tornam-se privilégios de alguns.
	Nossa sociedade, polarizada entre a carência e o privilégio, não consegue ser democrática, pois não encontra meios para isso. Esse conjunto de determinações sociais manifesta-se na esfera política. Em lugar de democracia, temos instituições vindas dela, mas que operam de modo autoritário.
	As leis, porque exprimem ou os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal dos governantes, não são vistas como expressão de direitos nem de vontades e decisões públicas coletivas. Como se observa, a democracia, no Brasil, ainda está por ser inventada.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. 
Cidadania
	Ideias de cidadania floresceram em diversos períodos históricos - na Grécia e na Roma antigas, nos burgos da Europa medieval, nas cidades do Renascimento. Mas a cidadania moderna, embora influenciada por essas concepções antigas, possui um caráter próprio. Um dos sentidos mais atuais da cidadania nasce com o Estado moderno, quando a burguesia contrapõe ao antigo sistema de privilégios feudais. O liberalismo institui a igualdade jurídica (todos os cidadãos possuem direitos e deveres iguais); por outro lado, as classes sociais constituem um sistema marcado pela desigualdade. Assim, todos os cidadãos são considerados iguais do ponto de vista jurídico e formal. Mas, na realidade, a nação apresenta-se dividida em classes.
 Primeiro, a cidadania formal é hoje quase universalmente definida como a condição de membro de um estado-nação. Em segundo lugar, porém, a cidadania substantiva, definida como a posse de um corpo de civis, políticos e especialmente sociais, tem-se tornado cada vez mais importante. 
	Em ambos esses aspectos, houve um processo de desenvolvimento durante o século XX e principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial (1945), que coloca algumas questões novas. A cidadania formal tornou-se uma questão mais importante, em consequência da maciça imigração, no pós-guerra, para a Europa Ocidental e a América do Norte, o que resultou numa nova política de cidadania. Ao mesmo tempo houve um crescimento da “dupla cidadania”, apesar dos esforços internacionais para reduzi-la.
O desenvolvimento da cidadania substantiva foi analisado em um estudo clássico de T.H. Marshall (sociólogo inglês), em 1949 e republicado em 1992, que descrevia um desenrolar da extensão de direitos civis, políticos e sociais para toda a população de uma nação. Na Europa Ocidental depois de 1945, foi o aumento dos direitos sociais – a criação de um Estado do Bem Estar Social (Welfare State) que produziu as maiores mudanças, estabelecendo princípios mais coletivistas e igualitárias da economia capitalista.
Para T.H. Marshall deve se distinguir três dimensões na construção histórica da cidadania: a civil, a política e a social. (ele tem uma visão otimista), baseando-se na história da Grã-Bretanha (texto clássico Cidadania e classe social, de 1949). É indiscutível que essa ordem cronológica, do modo “clássico” não se reproduziu do mesmo modo em um grande número de países, entre os quais o Brasil. (tal definição de Marshall é considerada vaga e obscura). Cidadania, para Marshall é a participação integral do indivíduo na comunidade política.
Século XVIII – criaram condições para o desenvolvimento da CIDADANIA CIVIL: direito à liberdade de expressão, de pensamento e de religião. Ou seja, direitos necessários à liberdade individual: liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, pensamento e fé, o direito à propriedade. 
XVIII – A educação volta a ser pensada pelas classes dirigentes como mecanismo de controle social. Adam Smith justifica a necessidade da educação, devido à divisão do trabalho. Seria competência do Estado facilitar à população a importância do aprendizado mínimo às necessidades do capital: saber ler, contar, apreender rudimentos de geometria, pois povo instruído seria ordeiro, obediente a seus superiores – propõe o cidadão passivo.
 Século XIX – permitiu o desenvolvimento da CIDADANIA POLÍTICA: direitos políticos, o direito à participação do exercício do poder, como membros de um organismo investido de autoridade político ou como eleitores de tais membros.. A cidadania se dirige a todos, inclui as massas, mas para discipliná-las e domesticá-las. Os direitos sociais não são conquistados, são outorgados pelo Estado.
Século XX – condições para a construção da CIDADANIA SOCIAL: extensão da cidadania para a esfera social mediante o desenvolvimento dos direitos sociais e econômicos (o direito à educação, ao bem-estar, à saúde, ao trabalho, etc).
Novas acepções ao conceito de cidadania. O projeto burguês enfatizará a questão dos direitos dos indivíduos, menos como direitos e mais como deveres. Deveres para com o Estado e este passa a regulamentar os direitos dos cidadãos e a restringi-los ou cassa-los, em determinadasconjunturas históricas. A questão da cidadania deixa de ser conquista da sociedade civil e passa a ser competência do Estado.
Os direitos civis e políticos são chamados direitos de primeira geração; os sociais, de segunda geração.
Na segunda metade do século XX surgiram os direitos de terceira geração, que tem como titular não o indivíduo, mas os grupos humanos, como o povo, a nação, coletividades étnicas, minorias discriminadas. Os direitos humanos, o direito das mulheres, o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente. Entre esses direitos da terceira geração estariam também os “novos movimentos sociais”, como direitos relativos a interesses difusos, direito do consumidor, direito à ecologia, direito à qualidade de vida, direito da terceira idade, direito das crianças, etc.
A cidadania, do ponto de vista liberal, estabelece uma relação entre cidadania e posse de direitos: ser cidadão significa ser portador de uma série de direitos. Essa concepção limita a cidadania a um conjunto de atributos formais (o reconhecimento de direitos comuns) e restringe e condiciona as possibilidades e os alcances da ação cidadã. Redução do campo da cidadania a uma questão meramente jurídica e acaba condenando a condição cidadã à esfera da lei e ao compromisso por respeita-la. A condição legal: cidadania é reconhecida como o pertencimento a uma comunidade política na qual os indivíduos são portadores de direitos. Para o liberalismo, a questão da cidadania aparece associada à noção de direitos (liberdade, igualdade perante a lei e direito à propriedade e dos direitos de nação (soberania nacional e separação dos poderes). Quem era o cidadão? O homem esclarecido para escolher seus representantes, com conhecimento de causa e era ainda, um proprietário de terras ou imóveis.
John Locke (1632-1704) no século XVII – defende os “direitos naturais inalienáveis” (direito à vida, à liberdade de pensamento e de movimento (de ir e vir) e à propriedade (sabemos hoje que eles não são direitos naturais, mas sim direitos históricos; surgiram como demandas da burguesia em ascensão contra o clero e os aristocratas); de tendências liberais justifica a diferenciação de direitos entre trabalhadores e burguesia, pois para ele o trabalhador é incapaz de ter ideias sublimes e seria incapaz de pensar; sua ação é desordeira e ameaçaria a ordem. 
A cidadania, do ponto de vista democrático, exige uma dimensão mais substancial e radical. A posse de direitos deve combinar-se como uma série de atributos e virtudes que fazem dos indivíduos cidadãos ativos em consonância e mais além do que a lei lhes concede. O exercício da cidadania se vincula ao campo da “ética cidadã” – aqui a cidadania é considerada uma dimensão que excede o meramente formal (a esfera dos direitos legalmente reconhecidos) para vincular-se de forma indissolúvel, a um tipo de ação social e de possibilidades concretas para a realização dos atributos que a definem. Aqui a cidadania é construída socialmente como um espaço de valores, de ações e de instituições nas quais se garantem condições efetivas de igualdades que permitem o mútuo reconhecimento dos sujeitos como membros de uma comunidade de iguais.
A cidadania é o exercício de uma prática política e fundamentada em valores como a liberdade, a igualdade, a autonomia, o respeito à diferença e às identidades, a solidariedade, a tolerância.
Um novo sentido de “educar para a cidadania”
	Nas últimas décadas, no Brasil, assistiu-se a uma nova articulação da relação entre cidadania e classes sociais a partir da prática dos movimentos sociais que procuraram tornar efetivas as promessas de igualdade formalmente contidas no conceito de cidadania. Fruto de um processo de lutas, assistiu-se à ampliação dos direitos dos cidadãos. Sobre essa base, é possível pensar numa outra direção a questão da educação como preparação para o exercício da cidadania.
	Do interior da luta dos movimentos sociais brotou uma nova noção de cidadania, pela qual se rompe com a ideia de que ela seja uma outorga do Estado para concebê-la como processo histórico de luta, o que quer dizer que as classes populares e não mais o Estado, constituem o sujeito na construção da cidadania.
	Embora a nova noção de cidadania, que eclode no Brasil nos anos 1990, tenha em comum a velha visão liberal a manutenção da noção de direitos, esta noção é redefinida, passando a assentar-se sobre o princípio do “direito a ter direitos”. Isso implica alargar o âmbito tradicional do acesso e implementação efetiva dos direitos previamente definidos em lei, lançando-se na criação e invenção de novos direitos, como fruto de lutas específicas.
	A nova noção de cidadania só se tornou possível a partir da constituição do cidadão – sujeito de direitos – como um sujeito social ativo, abrindo um canal de lutas para os excluídos da cidadania.
	Construir a cidadania de baixo para cima implica romper com a ideia tradicional de que seu conteúdo seria determinado pela relação do individuo com o Estado, para promover sua articulação no âmbito da própria sociedade civil. O ponto de partida é a realidade e a desigualdade de classes.
	Sob esta ótica, a cidadania deixa de ser pensada como um estado ou condição para converter-se em estratégia política. Isso parece e permite transcender a simples ideia do cidadão como sujeito de direitos e deveres previamente definidos pelo sistema político, para concebê-lo como agente capaz de aplicar os meios de que dispõe na construção de novos conteúdos para a cidadania.
	Tal processo de construção ativa e social da cidadania coloca em novas bases o princípio da educação como preparação para o exercício da cidadania. Já não basta formar o educando para tomar consciência dos seus direitos e deveres, formulação que no passado parecia suficiente para que a escola desse conta da questão da cidadania.; Às novas concepções políticas deve corresponder uma reinterpretação da educação como preparação para o exercício da cidadania , na qual a própria noção de escolarização precisa ser revista.
	O FUTURO DA DEMOCRACIA
Rousseau foi quem melhor definiu o ideal da democracia, que hoje está em conflito com as democracias reais: uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém. 
Analisada globalmente, a democracia oferece-nos duas imagens muito contrastantes. Por um lado, na forma de democracia representativa, ela é hoje considerada internacionalmente o único regime político legítimo. Investem-se milhões de euros e dólares em programas de promoção da democracia, em missões de fiscalização de processos eleitorais, e, quando algum país do chamado Terceiro Mundo manifesta renitência em adotar o regime democrático, as agências financeiras internacionais têm meios de o pressionar através das condições de concessão de empréstimos. Por outro lado, começam a proliferar os sinais de que os regimes democráticos instaurados nos últimos trinta ou vinte anos traíram as expectativas dos grupos sociais excluídos, dos trabalhadores cada vez mais ameaçados nos seus direitos e das classes médias empobrecidas.
Sondagens recentes feitos na América Latina revelam que em alguns países a maioria da população preferiria uma ditadura desde que lhe garantisse algum bem-estar social. Acrescente-se que as revelações, cada vez mais freqüentes, de corrupção levam à conclusão que os governantes legitimamente eleitos usam o seu mandato para enriquecer à custa do povo e dos contribuintes. Por sua vez, o desrespeito dos partidos, uma vez eleitos, pelos seus programas eleitorais parece nunca ter sido tão grande. De modo que os cidadãos se sentem cada vez menos representados pelos seus representantes e acham que as decisões mais importantes dos seus governos escapam à sua participação democrática.
O contraste entre estas duas imagens oculta um outro, entre as democracias reais e o ideal democrático. Rousseau foi quem melhor definiu este ideal: umasociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém. Segundo este critério, estamos ainda longe da democracia. Os desafios que são postos à democracia no nosso tempo são os seguintes. Primeiro, se continuarem a aumentar as desigualdades sociais entre ricos e pobres ao ritmo das três últimas décadas, em breve, a igualdade jurídico-política entre os cidadãos deixará de ser um ideal republicano para se tornar uma hipocrisia social constitucionalizada.
Segundo, a democracia atual não está preparada para reconhecer a diversidade cultural, para lutar eficazmente contra o racismo, o colonialismo e o sexismo e as discriminações em que eles se traduzem. Isto é tanto mais grave quanto é certo que as sociedades nacionais são cada vez mais multiculturais e multiétnicas. Terceiro, as imposições econômicas e militares dos países dominantes são cada vez mais drásticas e menos democráticas. Assim sucede, em particular, quando vitórias eleitorais legítimas são transformadas pelo chefe da diplomacia norte-americana em ameaças à democracia, sejam elas as vitórias do Hamas, de Hugo Chávez ou de Evo Morales. 
Finalmente, o quarto desafio diz respeito às condições da participação democrática dos cidadãos. São três as principais condições: ser garantida a sobrevivência: quem não tem com que se alimentar e alimentar a sua família tem prioridades mais altas que votar; não estar ameaçado: quem vive ameaçado pela violência no espaço público, na empresa ou em casa, não é livre, qualquer que seja o regime político em que vive; estar informado: quem não dispõe da informação necessária a uma participação esclarecida, equivoca-se quer quando participa, quer quando não participa. Pode dizer-se com segurança que a promoção da democracia não ocorreu de par com a promoção das condições de participação democrática. Se esta tendência continuar, o futuro da democracia, tal como a conhecemos, é problemático.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando – Introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. 
			ÉTICA
01 – Os valores
Todo mundo já ouviu falar no “jeitinho brasileiro”: poder, não pode, mas sempre se dá um jeito... Certos “jeitinhos” parecem inocentes ou engraçados, e às vezes até são vistos como sinal de vivacidade e esperteza, por exemplo, quando se fura a fila do ônibus ou do cinema. Ou, então, para pegar o filho na escola, que mal há em parar em fila dupla?
	Os valores podem ser estéticos, afetivos, econômicos, religiosos, éticos, etc. Mas o que são valores? Diante dos seres somos mobilizados pela nossa afetividade, somos afetados de alguma forma por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa.
	Enfim, os valores resultam das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com o mundo em que vivem. Por isso os valores são em parte herdados da cultura e nossa primeira compreensão da realidade se funda no solo dos valores da comunidade a que pertencemos. Esse fato talvez nos faça concluir que tais experiências variam conforme o povo e a época.
	Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. Ao nascermos, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando, e quanto falar em determinadas circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados como bons ou maus.
Para Durkheim, a Consciência coletiva “é o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade”. A consciência coletiva não se baseia na consciência dos indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está espalhada por toda a sociedade. Assim, a consciência coletiva não é o que um indivíduo pensa, mas é o que a “sociedade pensa”.
É a consciência coletiva que irá impor as regras sociais de uma sociedade; isto porque ao nascer, o indivíduo já encontra a sociedade pronta e constituída em suas leis. Assim, o direito, os costumes, as crenças religiosas não são criados pelos indivíduos, mas pelas gerações passadas, sendo transmitidas às novas através da Educação. Ex: proibição de andar nus. Em síntese: não matar, não roubar, não andar nu são normas comuns a todos os indivíduos que, por serem comuns a todos, se convertem em leis morais que passam a determinar a conduta das pessoas na sociedade. O indivíduo não faz o que deseja e sim o que permite a moral social de época e lugar dados.
02 – A moral
	Os conceitos de moral e ética, ainda que diferentes, são com frequência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa “costume”, “maneira de se comportar regulada pelo uso”, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “costume”.
	No entanto, podemos estabelecer algumas diferenças entre esses dois conceitos. A moral é o conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas.
	A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. Por exemplo, são questões éticas indagar a respeito do que é o bem e o mal, o que são valores, qual a natureza do dever.
 
03 – Caráter histórico e social da moral
	Neste texto, foi seguida de maneira livre a exposição de Adolfo Sánchez Vasquez, no seu livro Ética. De início, podemos definir a moral como o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social.
	A fim de garantir a sobrevivência, o ser humano age sobre a natureza transformando-a em cultura. Para que a ação coletiva seja possível, são estabelecidas regras que organizam as relações entre os indivíduos. É de tal importância a existência do mundo moral que se torna impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das características humanas fundamentais é a de sermos capazes de produzir interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a passagem da natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da proibição do incesto. Assim, se estabelecem as relações de parentesco e de aliança sobre as quais é construído o mundo humano, que é simbólico.
	Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a moral constituída, que orienta seu comportamento por meio de normas. Em função da adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou imoral.
	O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, conforme as exigências das condições nas quais as pessoas se organizam ao estabelecerem as formas de relacionamento e as práticas de trabalho. À medida que essas relações se alteram, exigem lentas modificações nas normas de comportamento coletivo. Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado na hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida dedicada ao ócio e à guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva baseia-se no pressuposto da superioridade da nobreza, exaltando a virtude da lealdade e da fidelidade – suporte do sistema de suserania – bem como a coragem do guerreiro. Em contraposição, o trabalho é desvalorizado e restrito aos servos. Essa situação tende a ser alterada com o aparecimento da burguesia, a qual formada pelos antigos servos libertos, valoriza o trabalho e critica a ociosidade.
04 – Caráter pessoal da moral
	Vamos agora ampliar a definição provisória dada inicialmente. Mesmo considerando o caráter histórico e social da moral, é preciso reconhecer que ela não se reduz à herança dos valoresrecebidos pela tradição. À medida que a criança se aproxima da adolescência, aprimorando o pensamento abstrato e a reflexão crítica, ela tende a colocar em questão os valores herdados.
	A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e portanto de responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar a pessoal: a moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma. 
	Portanto, o ser humano, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador da cultura, e a vida moral irá se configurar quando, diante da moral constituída, ele for capaz de propor a moral constituinte, aquela que se realiza a cada experiência vivida.
	Nessa perspectiva, a vida moral se funda em uma ambiguidade fundamental, justamente a que determina o seu caráter histórico. Toda moral está situada no tempo e reflete o mundo em que nossa liberdade se achada situada. Diante do passado que o condiciona nossos atos, podemos nos colocar a distância para reassumi-lo ou recusá-lo.
	Por experiência própria, cada um sabe como isso é penoso, a partir da descoberta de que normas adequadas em determinado momento tornam-se obsoletas em outro e devem ser alteradas. As contradições e o velho e o novo são vividas quando as relações humanas exigem novo código de conduta.
	Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento.
05 – Caráter social e pessoal da moral
	A análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos contraditórios: de um lado, o caráter social da moral; de outro, a intimidade do sujeito. Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao caracterizar o ato moral como aquele que se adapta à norma estabelecida, privilegiamos os regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a educação moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo das conseqüências da não-observância da lei.
	Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o risco de destruir a moral: quando ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai no individualismo, na “tirania da intimidade” e consequentemente, no amoralismo, na ausência de princípios. Ora, o ser humano “con-vive” com pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam.
	Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e do social como uma relação dialética, ou seja, uma relação em que se estabeleça o tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da interdição, a partir de princípios.
	O aspecto social é considerado é considerado sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, significa apenas a herança dos valores do grupo, mas depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade essencial da moral. Isto é, quando criamos valores, não o fazemos para nós mesmos, mas como seres sociais que se relacionam com os outros.
	Dessa forma, essa flexibilidade não deve ser interpretada como defesa do relativismo em que todas as formas de conduta são aceitas indistintamente. O professor José Arthur Gianotti assim se expressa: “Os direitos do homem, tais como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outros, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente”.
06 – Estrutura do ato moral
	A instauração do mundo moral exige consciência crítica, que chamamos de consciência moral. Trata-se do conjunto de exigências e das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar a escolha; é a consciência que discerne o valor moral dos nossos atos. O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o fatual.
	O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o “dever ser”.
	O fatual são os atos humanos enquanto se realizam efetivamente. 
	Pertencem ao âmbito do normativo, regras como: “Cumpra a sua obrigação de estudar”; “não minta”; “não mate”. O campo do fatual é a efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a prática e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma.
	O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma “não minta”, o ato de mentir será considerado imoral. Convém lembrar aqui a discussão anterior a respeito do social e do pessoal na moral. Nesse caso, estamos considerando que o ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente. 
07 – Conclusão
	O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo do seu “foro íntimo”, ao mesmo tempo que o vincula às pessoas com as quais convive.
	Embora a ética não se confunda com a política, elas se relacionam necessariamente, cada uma no seu campo específico. Por um lado, a política, ao estender a justiça social a todos, permite que os indivíduos tenham condições de melhor formação moral. Por outro lado, a formação ética é importante para o exercício da cidadania, quando os interesses pessoais não se sobrepõe aos coletivos.
	 
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2005 p. 305-310
Os valores ou fins éticos
Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como uma cultura e uma sociedade definem para si mesmas o que julgam ser o mal e o vício, a violência e o crime e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude. Todas as culturas consideram virtude algo que é o melhor como sentimento, como conduta e como ação; a virtude é a excelência, a realização perfeita de um modo de ser, sentir e agir. 
Os meios morais
além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda constituído por um outro elemento: os meios para que o sujeito realize os fins.
Costuma-se dizer que os “fins justificam os meios”, de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso da ética, porém, essa afirmação não é aceitável.
No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos.
A relação entre meios e fins pressupõe a idéia de discernimento, isto é, que saibamos distinguir entre meios morais e imorais, tais como nossa cultura ou nossa sociedade os definem. Isso significa também que esse discernimento não nasce conosco, mas precisa ser adquirido por nós e portanto, a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é criada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes de sua sociedade.
Ética ou filosofia moral
Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e à conduta correta e à incorreta, válidos para todos os seus membros. 
No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. 
A filosofia moral ou a disciplina denominada a ética nasce quando se passaa indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes.
Éthos significa na língua grega costume ou caráter. A filosofia moral ou a ética nasce quando, além das questões sobre os costumes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é, o senso moral e a consciência moral individuais.
Em síntese: 
ÉTICA
ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade. Sua função é explicar, esclarecer e investigar uma determinada realidade.
É a ciência que tem como objeto os juízos de valor
A ética tem conteúdo universal e parte do princípio da igualdade dos seres humanos e de seus direitos inalienáveis à paz e ao bem-estar
O cerne da ética universal transcende a todos os sistemas de crenças e valores.
MORAL: “conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual dos homens.” (Vasquez)
manifesta-se nas diferentes sociedades. Sua função é regulamentar as relações entre os indivíduos e entre estes e a comunidade, contribuindo para a ordem social.
A moral não é natural e resulta da ação do homem enquanto ser histórico e social 
			ÉTICA PROFISSIONAL
	Muitos autores definem a ética profissional como sendo um conjunto de normas de conduta que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Seria a ação "reguladora" da ética agindo no desempenho das profissões, fazendo com que o profissional respeite seu semelhante quando no exercício da sua profissão.
	A ética profissional estudaria e regularia o relacionamento do profissional com sua clientela, visando a dignidade humana e a construção do bem-estar no contexto sócio-cultural onde exerce sua profissão.
	Ela atinge todas as profissões e quando falamos de ética profissional estamos nos referindo ao caráter normativo e até jurídico que regulamenta determinada profissão a partir de estatutos e códigos específicos.
	Assim temos a ética médica, do advogado, do biólogo, do engenheiro de produção engenheiro químico, engenheiro civil, contador etc.
	Sendo a ética inerente à vida humana, sua importância é bastante evidenciada na vida profissional, porque cada profissional tem responsabilidades individuais e responsabilidades sociais, pois envolvem pessoas que dela se beneficiam. 
	
Virtudes profissionais
	Não obstante os deveres de um profissional, os quais são obrigatórios, devem ser levadas em conta as qualidades pessoais que também concorrem para o enriquecimento de sua atuação profissional, algumas delas facilitando o exercício da profissão.
	Muitas destas qualidades poderão ser adquiridas com esforço e boa vontade, aumentando neste caso o mérito do profissional que, no decorrer de sua atividade profissional, consegue incorporá-las à sua personalidade, procurando vivenciá-las ao lado dos deveres profissionais.
	Existe uma associação entre as virtudes: lealdade, responsabilidade e iniciativa como fundamentais para a formação de recursos humanos. Segundo Clauss Moller o futuro de uma carreira depende dessas virtudes. 
O senso de responsabilidade é o elemento fundamental da empregabilidade. Sem responsabilidade a pessoa não pode demonstrar lealdade, nem espírito de iniciativa [...]. Uma pessoa que se sinta responsável pelos resultados da equipe terá maior probabilidade de agir de maneira mais favorável aos interesses da equipe e de seus clientes, dentro e fora da organização.. Só pessoas que tenham auto-estima e um sentimento de poder próprio são capazes de assumir responsabilidade. Elas sentem um sentido na vida, alcançando metas sobre as quais concordam previamente e pelas quais assumiram responsabilidade real, de maneira consciente.
	Prossegue, citando a virtude da lealdade:
Um funcionário leal se alegra quando a organização ou seu departamento é bem sucedido, defende a organização, tomando medidas concretas quando ela é ameaçada, tem orgulho de fazer parte da organização, fala positivamente sobre ela e a defende contra críticas.
Lealdade não é sinônimo de obediência cega. Lealdade significa fazer críticas construtivas, mas as manter dentro do âmbito da organização. Significa agir com a convicção de que seu comportamento vai promover os legítimos interesses da organização. Assim, ser leal às vezes pode significar a recusa em fazer algo que você acha que poderá prejudicar a organização, a equipe de funcionários.
	As virtudes da responsabilidade e da lealdade são completadas por uma terceira, a iniciativa, capaz de colocá-las em movimento.
	Tomar a iniciativa de fazer algo no interesse da organização significa ao mesmo tempo, demonstrar lealdade pela organização. Em um contexto de empregabilidade, tomar iniciativas não quer dizer apenas iniciar um projeto no interesse da organização ou da equipe, mas também assumir responsabilidade por sua complementação e implementação.
	Gostaríamos ainda, de acrescentar outras qualidades que consideramos importantes no exercício de uma profissão. São elas:
Honestidade: A honestidade está relacionada com a confiança que nos é depositada, com a responsabilidade perante o bem de terceiros e a manutenção de seus direitos. A honestidade é a primeira virtude no campo profissional. É um princípio que não admite relatividade, tolerância ou interpretações circunstanciais.
Sigilo: O respeito aos segredos das pessoas, dos negócios, das empresas, deve ser desenvolvido na formação de futuros profissionais, pois trata-se de algo muito importante. Uma informação sigilosa é algo que nos é confiado e cuja preservação de silêncio é obrigatória. 
Competência: Competência, sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de forma adequada e persistente a um trabalho ou profissão. Devemos buscá-la sempre. O conhecimento da ciência, da tecnologia, das técnicas e práticas profissionais é pré-requisito para a prestação de serviços de boa qualidade. 
Prudência: Todo trabalho, para ser executado, exige muita segurança. A prudência, fazendo com que o profissional analise situações complexas e difíceis com mais facilidade e de forma mais profunda e minuciosa, contribui para a maior segurança, principalmente das decisões a serem tomadas. 
Coragem: Todo profissional precisa ter coragem, pois "o homem que evita e teme a tudo, não enfrenta coisa alguma, torna-se um covarde" (ARISTÓTELES, p.37). A coragem nos ajuda a reagir às críticas, quando injustas, e a nos defender dignamente quando estamos cônscios de nosso dever. Nos ajuda a não ter medo de defender a verdade e a justiça, principalmente quando estas forem de real interesse para outrem ou para o bem comum. 
Perseverança: Qualidade difícil de ser encontrada, mas necessária, pois todo trabalho está sujeito a incompreensões, insucessos e fracassos que precisam ser superados, prosseguindo o profissional em seu trabalho, sem entregar-se a decepções ou mágoas. 
Compreensão: Qualidade que ajuda muito um profissional, porque é bem aceito pelos que dele dependem, em termos de trabalho, facilitando a aproximação e o diálogo, tão importante no relacionamento profissional. Vê-se que a compreensão precisa ser condicionada, muitas vezes, pela prudência. 
Humildade: O profissional precisa ter humildade suficiente para admitir que não é o dono da verdade e que o bom senso e a inteligência são propriedade de um grande número de pessoas. 
Otimismo: Em face das perspectivas das sociedades modernas, o profissional precisa e deve ser otimista, para acreditar na capacidade de realização da pessoa humana, no poder do desenvolvimento, enfrentando o futuro com energia e bom humor.
TOMAZI, Nelson Dacio. Iniciação à Sociologia. 2. ed. São Paulo: Atual, 2000. pag. 180-186
		IDEOLOGIA: UM CONCEITO POLÊMICO
	O conceito de ideologia foi criado por Destutt de Tracy, filósofo francês, no final do século XVIII: a ideologia deveria ser compreendida como “ciência das ideias”, assemelhando-se às ciências naturais. Partia-se da crença na razão (própria do espírito iluminista do século XVIII.Raymond Williams (marxista) afirma que o conceito de ideologia pode ser definido, basicamente, de acordo com três concepções básicas:
Como sistema de crenças de uma classe ou grupo social. Nessa concepção estariam incluídos os valores, idéias e projetos de um grupo ou classe social específicos.
Como sistema de crenças ilusórias – o que se costuma chamar de “falsa consciência”. Essas crenças ilusórias, baseadas em critérios impossíveis de ser comprovados, contrastariam com o conhecimento verdadeiro ou científico.
Como o processo geral de produção de significados e idéias.
	Conforme Williams, as duas primeiras conotações serão as mais encontradas no pensamento marxista, vertente que se destacou no estudo da ideologia.
	No livro A ideologia alemã, Marx e Engels apresentarão os três elementos básicos que caracterizarão sua compreensão da sociedade capitalista e sua definição de ideologia (definição, como veremos, fortemente apoiada nas duas concepções destacadas por Williams). Esquematicamente, esses três elementos são:
Separação – resultante da afirmação da divisão da vida humana em duas instâncias específicas: a infraestrutura, que é a esfera da produção material, e a superestrutura, esfera da produção das idéias. De maneira muito simplificada, podemos dizer que a infraestrutura se compõe da economia (a produção dos bens necessários à sobrevivência dos homens) e a superestrutura se constitui da moral, do direito, da política e das artes.
Determinação – domínio estabelecido pela infraestrutura sobre a superestrutura. Serão as relações de produção que irão determinar (definir) a organização social – as formas de comportamento e de convívio entre os homens. São as relações de produção que os homens estabelecem entre si, as quais dependem, por sua vez, das relações desses homens com os meios de produção – terra, máquinas, matérias-primas, fábricas, força de trabalho.
Inversão – elemento constitutivo fundamental do conceito de ideologia, considerada distorção da realidade. Isto é, ela aparece para os homens de maneira inversa àquilo que é na realidade. Nesse contexto, o conhecimento científico, ou saber real, será o elemento capaz de desmascarar a ideologia, recolocando o mundo de cabeça para cima, mostrando a realidade tal como ela é. 
	Para compreender a sociedade capitalista a partir dessas três relações (separação, determinação e inversão) estabelecidas por Marx e Engels, não podemos tomá-las como formas imutáveis e inquestionáveis. No que diz respeito à definição de ideologia, por exemplo, é fundamental que se note que, ao longo do tempo, os próprios autores acabaram relativizando a conotação mistificadora que inicialmente deram ao conceito (essa relativização aparece no prefácio de Para a crítica da economia política, escrito por Marx, em 1859). Além disso, eles também relativizaram a questão da determinação estrita da esfera econômica (infraestrutura) sobre a superestrutura (em cartas que escreveu a outros pensadores, Engels reconheceu certo grau de independência – ou autonomia relativa – da superestrutura diante da infraestrutura). É preciso que se diga finalmente que, ao longo do tempo, os elementos destacados por Marx e Engels serão questionados, reinterpretados ou aprimorados por outros pensadores (inclusive e principalmente os de linha marxista), o que comprova não serem esses elementos formas congeladas e irretocáveis de compreensão da realidade.
	Ideologia e classe social: classe dominante, ideias dominantes
	Marx e Engels afirmam, em A ideologia alemã, que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe então dominante. Poderíamos deduzir a partir desse pressuposto que, para manter sua dominação, interessa a essa classe fazer com que os seus próprios valores sejam aceitos como certos por todas as demais classes sociais. Expliquemos: conforme Marilena Chauí, o discurso ideológico se caracteriza exatamente por pretender anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser, criando uma lógica que consiga unificar pensamento, linguagem e realidade, obtendo a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada: a imagem da classe dominante.
	Surge daí “um corpo de representações e normas através do qual os sujeitos sociais e políticos” (as classes sociais) “se representarão a si mesmos e à vida coletiva”. Para Chauí, é exatamente esse “o campo da ideologia no qual esses sujeitos explicam as formas de suas relações sociais, econômicas e políticas; a origem da sociedade e do poder político; explicam as formas ‘corretas’ ou ‘verdadeiras’ de conhecimento e ação; justificam, através de idéias gerais (o Homem, a Pátria, o Progresso, a Família, a Ciência, o Estado), as formas reais da desigualdade, dos conflitos, da exploração e da dominação como sendo, ao mesmo tempo, ‘naturais’ (isto é, universais e inevitáveis) e ’justas’ (ponto de vista dos dominantes) ou ‘injustas’ (ponto de vista dos dominados”).
	O Estado tem como função ocultar os conflitos e antagonismos que exprimem a existência das contradições próprias de uma sociedade dividida em classes – classes que se encontram em luta permanente. A ideologia veiculada pelo Estado oferece a essa sociedade uma imagem que anula a luta, a divisão e a contradição; uma imagem da sociedade como idêntica, homogênea e harmoniosa. E é por isso que ela se mantém. Além disso, elabora a imagem de um Estado que representa a sociedade como um todo. Segundo Chauí, a idéia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominantes (isto é, para fazer com que essa dominação seja aceita como norma, legal, justa).
	Não se pode negar que, com o passar do tempo, o conceito de ideologia acabou adquirindo um caráter pejorativo. Por um lado, a prática de associá-lo exclusivamente à classe dominante parece fazer com que se interprete que essa classe possui domínio total sobre o conjunto da sociedade.
	Mas não podemos negar a importância do conceito de ideologia para compreender a sociedade. Podemos não concordar com a idéia da existência de uma única ideologia – uma ideologia dominante – capaz de exercer sobre o conjunto da sociedade uma dominação total e completa, homogeneizando-a, padronizando-a. Entretanto, não podemos negar a existência de uma ideologia – certamente composta de elementos de várias ideologias – que caracteriza a sociedade capitalista, é veiculada a todo momento pelos meios de comunicação de massa, aparece nos acontecimentos comuns do nosso cotidiano e visa influenciar o nosso comportamento.
	Nesse sentido, poderíamos procurar refletir sobre como a transmissão ou a reprodução dessa ideologia se dá. Um debate polêmico, que surgiu nos anos 1970 entre os estudiosos da questão, ocorreu com a publicação do livro Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, do pensador marxista francês Louis Althusser. Para esse autor, instituições como o aparato estatal (órgãos governamentais), os meios de comunicação de massa, a religião e principalmente a escola seriam responsáveis pela reprodução da ideologia dominante entre os membros da sociedade capitalista. Segundo Althusser, a escola funcionaria como um aparelho ideológico de Estado, assegurando a reprodução e a qualificação da força de trabalho, e simultaneamente adaptando os indivíduos à ordem social, ao inculcar-lhes as formas de justificação, legitimação e ocultação das diferenças e do conflito de classes.
	Posteriormente, sua interpretação foi questionada: as instituições, em geral, e o aparelho escolar, em particular, seriam simultaneamente duas coisas: lugar da reprodução da ideologia, sim, mas igualmente de reflexão crítica. Desse modo, o caráter contraditório de nossa sociedade apareceria no interior de todas as instituições, que seriam, simultaneamente, arenas de reprodução (por isso, aparelhos ideológicos de Estado), mas também de luta; da tentativa de camuflagem das injustiças sociais,mas também da consciência de sua real existência.
	
ARANHA, Maria Lúcia Arruda de. Filosofando – introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. pag. 60-68
				A ideologia
 01 – Ideologia: sentido amplo
	Há vários significados para a palavra ideologia. Em sentido amplo, é o conjunto de idéias, concepções ou opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão. Quando perguntamos qual é a ideologia de determinado pensador, estamos nos referindo à doutrina, ao corpo sistemático de idéias e ao seu posicionamento interpretativo diante de certos fatos.
	Ainda podemos considerar a ideologia como teoria, no sentido de organização sistemática dos conhecimentos que antecedem a ação efetiva, tal como nos referimos à ideologia de uma escola, que orienta a prática pedagógica; à ideologia religiosa, que dá regras de conduta aos fiéis; à ideologia de um partido político, que fornece diretrizes de ação a seus filiados. 
02 – Ideologia: sentido restrito
	O conceito de ideologia tem outros sentidos mais específicos, elaborados por autores como Destutt de Tracy, Comte. Mas é sobretudo com Marx que a explicitação do conceito veio enriquecer o debate em torno do assunto e de sua aplicação. Segundo a concepção marxista, a ideologia adquire um sentido negativo, como instrumento de dominação. Isso significa que a ideologia tem influência marcante nos jogos de poder e na manutenção dos privilégios que plasmam a maneira de pensar e de agir dos indivíduos na sociedade. 
A – a concepção de Gramsci
	Segundo o filósofo italiano Gramsci (1891-1937) pode-se dar ao conceito de ideologia “o significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” e que tem por função conservar a unidade de todo o bloco social.
	Portanto, Gramsci considera que, em um primeiro momento, como concepção de mundo, a ideologia tem a função positiva de atuar como cimento da estrutura social. Quando incorporada ao senso comum, ela ajudará a estabelecer o consenso, conferindo hegemonia a determinada classe, que passará a ser dominante. Evitando a concepção mecanicista, Gramsci considera que os dominados não permanecem submissos indefinidamente, já que podem desenvolver elementos de bom senso e de valores de pertencimento à classe, que, por sua vez, formarão aos poucos a sua ideologia. Daí a necessidade de intelectuais (orgânicos) da própria classe subalterna capazes de organizar coerentemente a concepção de mundo dos dominados.
B – conceituação de ideologia
	Vejamos agora a definição dada pela professora e filósofa Marilena Chauí: “a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer.
	Observamos então que a ideologia é apresentada com as seguintes características fundamentais:
constitui um corpo sistemático de representações que nos “ensinam” a pensar e de normas que nos “ensinam” a agir;
assegura determinada relação dos indivíduos entre si e com suas condições de existência, adaptando-as às tarefas prefixadas pela sociedade;
as diferenças de classe e os conflitos sociais são camuflados, ora com a descrição da “sociedade una e harmônica”, ora com a justificação das diferenças existentes;
assegura a coesão social e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pouco recompensadoras, em nome da “vontade de Deus” ou do “dever moral” ou simplesmente como decorrência da “ordem natural das coisas”;
mantém a dominação de uma classe sobre outra.
	A ideologia se caracteriza pela naturalização, na medida em que são consideradas naturais situações que na verdade resultam da ação humana e, como tal, são históricas e não naturais: por exemplo, quando se considera natural que a sociedade esteja dividida em ricos e pobres ou que uns mandem e outros obedeçam.
	Outra característica da ideologia é a universalização, pela qual os valores de quem detém o poder são estendidos aos que a ele se submetem. A afirmação de que “o trabalho dignifica” é difícil de ser contestada. Essa afirmação torna-se ideológica quando se baseia em uma abstração, ou seja, quando consideramos apenas a idéia de trabalho, independentemente da análise concreta e histórico-social em que é de fato realizado. 
03 – O discurso não-ideológico
	A ação e o pensamento humanos nunca se acham totalmente determinados pela ideologia. Sempre haverá espaços de crítica e fendas que possibilitem a elaboração do discurso contra-ideológico. Não é simples, no entanto, o trabalho de desvelamento do real, porque a ideologia penetra em setores insuspeitados: na educação familiar e escolar, nos meios de comunicação de massa, nas igrejas, nas indústrias, impedindo de todas as formas a flexibilidade entre o pensar e o agir, determinando a repetição de fórmulas prontas e acabadas.
	Por outro lado, exatamente nesses mesmos espaços que veiculam a ideologia é que poderá ser iniciado o processo de conscientização. 
04 – A ideologia em ação
a) a ideologia na escola
	Por volta dos anos 1970, teóricos franceses passaram a admitir que a escola não é equalizadora, mas reprodutora das diferenças sociais. Segundo alguns desses pensadores, o próprio funcionamento da escola repetiria a estrutura hierarquizada do sistema, reproduzindo as relações autoritárias existentes fora dela. Em decorrência dessas concepções pessimistas a respeito da atuação da escola, outros estudiosos passaram a investigar o caráter ideológico da produção da literatura infanto-juvenil e dos livros didáticos.
	A partir dessa análise, porém, não devemos generalizar apressadamente, reduzindo a escola e o material didático em instrumentos de ideologia, por ser uma posição por demais redutora. Além disso, as boas escolas são críticas do sistema e cada vez mais buscam aproximar ensino e vida. Sempre haverá na escola e nos livros, a possibilidade de professores, autores e alunos inventarem práticas que se tornem críticas da inculcação ideológica.
	A escola é um espaço possível de luta, de denúncia da domesticação e de procura de soluções criativas.
b) A ideologia nas histórias em quadrinhos
	Os quadrinhos são um fenômeno característico da indústria cultural e têm sua principal divulgação no século 20, quando começam a aparecer nas publicações diárias dos jornais. Além da função de entretenimento e lazer, representantes que são de uma nova linguagem artística.
	Nossa abordagem do tema parte da reflexão acerca da ambiguidade de toda produção cultural: ao mesmo tempo que serve à consciência, pode servir à alienação; tanto ao conhecimento como à escamoteação da realidade; tanto pode ser criativa como paralisadora.
	Os chilenos Ariel Dorman e Armand Mattelart defenderam a tese de que a leitura das histórias em quadrinhos não era tão inocente assim como se pensava. Fizeram impiedosa crítica aos quadrinhos ao denunciarem a ideologia subjacente aos quadrinhos, nos quais as histórias escamoteiam os conflitos, transmitem uma visão deformada do trabalho e levam à passividade política. Para eles, na maioria das histórias em quadrinhos, a sociedade aparece como una, estática e harmônica e a “ordem natural” do mundo é quebrada apenas pelos vilões, que, encarnando o mal, atentam geralmente contra o patrimônio (roubo de bancos, jóias e caixas-fortes). A defesa da legalidade dada e não-questionada é feita pelos “bons”, com a morte dos “maus” ou com a integração desses à norma estabelecida. 
c) Outros espaços de ação ideológica
	A ideologia se faz presente nos mais diversos campos de atuação. Um deles é a propaganda. Tudo bem que possamos entender a propaganda como uma maneira de divulgar ao provável consumidor a variedade e a qualidade do que é produzido, o que por sinalé muito bem-feito pelas competentes agências de propaganda. 
	A propaganda não vende apenas produtos, mas também idéias. Compramos o “sonho americano”, o desejo de “subir na vida”, os estilos de vida, as convicções políticas e éticas que de certa forma são veiculadas nos comerciais. Isso sem falar nas campanhas de governos ou no marketing dos candidatos a qualquer cargo público.
	Outro espaço possível de ação da ideologia é o da mídia. A imprensa falada e escrita é formadora de opinião, o que representa algo positivo, desde que, numa sociedade plural, tenhamos acesso a diversos veículos de informação a fim de poder comparar a diversidade de posicionamentos e então assumir uma posição crítica pessoal.
	As distorções ocorrem quando a empresa jornalística determina o que deve ser considerado notícia; quando é manipulada por meio de recursos lingüísticos. Da mesma forma, quando são utilizados adjetivos carregados de juízos de valor, como “baderneiros”, “perturbadores da ordem” ao noticiar uma greve.
	A diferença entre a informação ideológica e a não-ideológica é que a primeira impede a pluralismo, veicula interesses e se transforma em instrumento de poder. Já a informação não-ideológica está aberta à discussão e dispõe de espaços para opiniões diversificadas.
	Como vimos, a ideologia está presente no cotidiano, na propaganda, na mídia, nas atividades que julgamos inócuas, como ler quadrinhos, assistir à televisão, ler jornais e revistas, bem como em instituições às quais confiamos a nossa formação e a de nossas crianças: a escola. Contudo, precisamos lembrar que a tarefa de cada um questionar esse discurso, onde ele existe, a partir da vivência concreta, da procura por teorias que nos levam a aprender a analisar o mundo ao nosso redor, do trabalho crítico que empreendemos ao construir nossa existência. 
Textos sintetizados e organizados pelo prof. Altamir Fernandes
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