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Texto - Responsabilidade Civil

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1APONTAMENTOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
I CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 Conceito de responsabilidade civil; 1.2 Decomposição do vínculo jurídico: distinção entre dever jurídico originário e sucessivo; 1.3 Figura criada por Marton; 1.4 Proteção integral da pessoa humana; 1.5 Evolução da responsabilidade civil: 1.5.1 Reparação do mal pelo mal; 1.5.2 Reparação patrimonial; 1.5.3 Estado mutualista; 1.6 A responsabilidade civil na Constituição Federal; 1.7 Responsabilidade moral, penal e civil; 1.8 Espécies e pressupostos. 
1.1 Conceito de responsabilidade civil
			 
O Direito conjuga o humano e o social, porquanto ele existe em razão das pessoas que se interagem na convivência em sociedade (ubi homo, ibi societas). Sociedade e Direito são realidades conatas e se pressupõem: onde está a sociedade, está o Direito (ubi societas, ibi ius), sendo a recíproca verdadeira, onde está o Direito, está a sociedade (ubi ius, ibi societas), logo onde o homem está, está o Direito (ubi homo, ibi ius). Consequentemente, toda regra jurídica tem por referência a convivência das pessoas na sociedade.
O homem solitário, a visada de Robson Crusoé na obra de Alexandre Drufs, é uma ficção ou, pelo menos, uma exceção raríssima de se encontrar. A pessoa humana é, por natureza, destinada à vida social, até pela sua evidente incapacidade de atender as suas necessidades essenciais, isoladamente.
Magistral a ensinança de Ihering:
Vida humana e vida social significam o mesmo. Isto já os velhos filósofos gregos reconheciam perfeitamente: não há aforismo que exprima de modo mais conciso e cabal a vocação do homem do que a denominação dele como zoon põlitikòn, ser social.�
O Direito tem o propósito de viabilizar a coexistência na liberdade de cada um e de todos no interesse do bem comum, motivado pelos valores da ordem e da justiça, que devem ser estabelecidos na solidariedade, de modo que, no auxílio mútuo, sejam superadas as desigualdades discriminatórias, consoante os objetivos fundamentais estampados no art. 3º, da Constituição Federal.
É a busca virtuosa do consenso sobre o que pode e o que não pode, do justo e do injusto, do lícito e do ilícito, garantindo a segurança nas relações entre os homens e, ao mesmo tempo, permite a cada pessoa encontrar-se e definir-se dentro do seu contexto existencial. Nessa busca incessante cabe à Moral fecundar o Direito, para que ele encontre maior grau de adesão e obediência cívica.
Pertinente cotejar a lição de San Tiago Dantas, segundo a qual a ordem jurídica apresenta duplo sentido: “proteger o lícito e reprimir o ilícito. Quer dizer, proteger a atividade do homem que se explica de acordo com o direito; reprimir a atividade do homem que se explica contrariamente ao direito.”�
 Sendo assim, a noção de Direito vincula-se à noção de composição dos conflitos de interesses, tendo por escopo, repita-se, o atendimento dos valores da ordem e da justiça, com igualdade e liberdade, essenciais à dignidade humana (CF, art. 1º, III). A regra jurídica, por conseguinte, além de operar como regra de conduta, também opera como dissipadora de conflitos, valendo como paradigma para o comportamento futuro.
Bem por isso, o Direito não é apenas uma técnica, mas uma ciência e uma arte, operando em dois polos, um coletivo e outro individual. No primeiro é a ordem que rege o conjunto das relações humanas na vida em sociedade. No segundo é o reconhecimento de possibilidades determinadas a cada pessoa, isto é, define e assegura os direitos individuais dos membros dessa mesma sociedade.
Particularmente, o Direito Civil objetiva as relações jurídicas em que pode envolver-se todo cidadão, por referir-se a todos indistintamente na regulação das atividades intersubjetivas em geral, tanto das pessoas naturais como das pessoas jurídicas. Mota Pinto assegura que é o ramo do Direito dirigido à tutela da personalidade humana, visando “facilitar ou melhorar a convivência com outras pessoas humanas – é essa a zona central da vida em sociedade e é ela o campo próprio da incidência do Direito Civil.”� Miguel Reale pondera que, em um País, a Constituição e o Código Civil são as duas leis fundamentais. A Constituição “estabelece a estrutura e as atribuições do Estado em função do ser humano e da sociedade civil”, enquanto o Código Civil refere-se “à pessoa humana e à sociedade como tais, abrangendo suas atividades essenciais.”�
O Direito Civil é, pois, o direito comum, incidente nas relações humanas partilhadas na vida diária, disciplinando os direitos da personalidade, os interesses familiares e os patrimoniais pertinentes à propriedade dos bens, às obrigações e à responsabilidade civil.
	Desponta daí, que o modo de composição patrimonial dos conflitos de maneira a reparar o dano (an debeatur) a favor de quem o sofre, pela representação pecuniária equivalente (quantum debeatur), ilustra ao longo do tempo a trajetória da responsabilidade civil, pois ela se assenta no elementar princípio ético de que o dano causado pelo descumprimento de um dever jurídico contratual ou extracontratual deve ser reparado.
	A regra é primum non nocet (em primeiro lugar não fazer o dano); feito o dano, porque ofende o dever jurídico sintetizado no adágio alterum non laedere (não lesar a outrem), cumpre a obrigação de indenizar. Essa é uma das facetas mais almejadas da concreção do Direito: o perene e renovado anseio de alcançar o justo e o equânime. Ou por outra, a tendência humana, cara ao jusnaturalismo, sintetizada na arcaica e simplificada regra sustentáculo da vida honesta, desde a Jura Praecepta do Direito Romano: honeste vivere, neminem laedere, suum cuinque tribuere (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu).
	Nesse contexto, mostra-se atual o sinótico conceito de René Savatier: “Responsabilidade civil é a obrigação que incumbe uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, pelo fato próprio, ou pelo fato de pessoa e coisas que dela dependam.”�
	Detalhando Savatier:
a) Dever jurídico que obriga uma pessoa, devedor, a reparar o dano causado à outra pessoa, credor;
b) Em razão de ato próprio: confundam-se na mesma pessoa quem causa o dano e quem terá a obrigação de repará-lo;
c) Pode o dano ter sido causado por uma pessoa e a obrigação de indenizar recair sobre outra pessoa, no caso o seu responsável;
d) Pode ainda o dano ter sido causado por animais ou coisas inanimadas e a indenização ficar por conta de quem tem a sua propriedade ou guarda.
	Consiste, destarte, na obrigação de o agente causador de um ato lesivo indenizar a vítima, ajustando-se perfeitamente ao conceito genérico de obrigação, que é o direito do credor de exigir certa prestação do devedor. Por conseguinte, o instituto da responsabilidade civil é parte integrante do Direito das Obrigações, aplicando-se a ele o princípio obrigacional de quem deve atender a indenização é o devedor e o seu patrimônio responde pelo débito, como providencia o Código Civil no artigo 391 (Título IV, do Inadimplemento das Obrigações, Capítulo I, das Disposições Gerais) e o artigo 942 (Título IX, Da Responsabilidade Civil, Capitulo I, Da Obrigação de Indenizar).
	Senão nota-se:
a) É fonte de obrigação: do dano nasce a obrigação de indenizá-lo.
b) É uma obrigação de dar pecuniária: essa indenização é o equivalente do dano representado em moeda corrente.
c) É a tutela genérica das obrigações de dar, fazer ou não fazer: se impossível restabelecer o stato quo ante pela tutela específica, resolve-se pela tutela genérica das perdas e danos.
	Assim, a responsabilidade civil é o instituto jurídico de fundamental importância para a resolução dos conflitos de interesses com tríplice função: a de garantia, a de sanção civil e a de prevenção.
	A função-garantia outorga à vítima do dano o direito de se ver ressarcida. A função-sanção imputa ao agente causador do dano o dever de compor esse ressarcimento. A função-preventiva atua em duas facetas distintas. A uma, opera como coação psicológica, prevenindoa coletividade de novas violações que poderiam eventualmente ser realizadas, pelo próprio causador do ilícito, ou por qualquer outra pessoa. A duas, o desafio de aperfeiçoar o sistema para evitar situações de perigo, o quanto possível, pois afastá-las de todo é impossível. Nota-se, essa terceira função é decorrência natural das duas funções precedentes.
Há de se entender, na vida social a pessoa humana tem liberdade para o exercício de seu direito, como tem responsabilidade no exercitá-lo.
Jean Paul Satre pontifica que o ser humano ontologicamente não possui liberdade, ele é liberdade em sua essência; “assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se 	trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é precipuamente a textura de meu ser.”� 
	Essa liberdade como atributo caracterizador do ser do homem não pode, por parte da lei, sofrer restrições, mas o seu exercício impõe limites, pois sempre coexistem boas e más intenções, sendo fortes e fracos bondosos e maldosos, por isso que a nobreza do exercício da liberdade é medida pelo fim a que se destina.
Nada mais lúcido que ao lado da liberdade, como parelha inseparável, está a responsabilidade. José de Aguiar Dias inaugura sua clássica obra, com esta frase: “Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”, para depois em referência a Marton, completar: “A responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos os domínios da vida social.”�
Daí a oportuna pergunta de Viktor Emil Frankl: “Quando se resolverão a levantar na costa ocidental [de Nova Iorque] uma estátua da Responsabilidade, a fazer pendant com a estátua da Liberdade, da costa oriental?”�
1.2 Decompondo o vínculo jurídico: distinção entre dever jurídico originário e sucessivo
	A estrutura da obrigação apresenta três elementos: o subjetivo, o objetivo e o espiritual ou vínculo jurídico.
	O subjetivo é o pessoal, reúne no polo passivo o devedor, aquele que é obrigado a cumprir a prestação, e no polo ativo o credor, aquele que tem o direito de receber a prestação.
	O objetivo é o componente material, cujo objeto imediato é uma prestação de dar, fazer ou não fazer, e o objeto mediato ou objeto da prestação é desvendado na resposta à seguinte pergunta: dar, fazer ou não fazer o quê? A resposta é o bem da vida perseguido pelo credor, ao qual se obriga o devedor.
	O espiritual é o vínculo jurídico, o liame que liga os polos passivo e ativo de uma obrigação, possibilitando a este exigir daquele o adimplemento da prestação. Revela a jurisdicidade da relação obrigacional. Desdobra-se em dois momentos, o dever jurídico originário e o dever jurídico sucessivo.
	Não a gosto dos unitaristas que resumem os dois momentos em um único, o Código Civil no art. 389 distingue obrigação e responsabilidade: não cumprida a obrigação, dever jurídico originário, o devedor responde por perdas e danos, dever jurídico sucessivo. Como clarifica a seguinte passagem: “A”, advogado, contrata com “B”, seu cliente, defendê-lo em determinada ação. Reside aqui o débito: “A”, devedor, cumpre a prestação de serviços profissionais na defesa dos direitos de “B”, credor. Essa obrigação de fazer é dever jurídico originário, primário. “A”, entretanto, não cumpre a sua obrigação, transgride o dever jurídico que voluntariamente assumiu. Surge, então, outro dever jurídico, portanto sucessivo, secundário, qual seja, compor o prejuízo experimentado por “B”. Reside aqui a responsabilidade. O dever jurídico sucessivo (responsabilidade) toma o lugar do dever jurídico originário (débito não adimplido). 
O dever jurídico originário nasce pela vontade das partes, enquanto o dever jurídico sucessivo de ressarcimento do prejuízo, ao contrário, independe da vontade das partes, é a resposta do ordenamento jurídico ante o inadimplemento de um negócio jurídico bilateral ou unilateral.
	Essa distinção deve-se ao Direito alemão, por intermédio de Alois Brinz, o primeiro a separar esses dois momentos da relação obrigacional. Para ele o débito, que o chama de schuld, é o pagamento espontâneo pela realização da prestação, que depende com exclusividade de uma ação ou omissão do devedor. Já a responsabilidade, que a chama de haftung, é o direito do credor de investir contra o patrimônio do devedor, e obter a devida indenização pelos prejuízos ante o inadimplemento voluntário da obrigação. É o pagamento forçado com o socorro do Poder Judiciário.
	Demais disso, os autores alemães demonstram a existência de débito sem responsabilidade. É o caso das dívidas de jogo proibido, obrigações prescritas etc. A obrigação é imperfeita ou natural, isto é, desprovida do momento sucessivo da responsabilidade, assim inexigível. Há devedor e credor, prestação e vínculo jurídico, este, no entanto, apenas no seu primeiro momento: o débito que é o pagamento espontâneo; se pagar é pagamento com direito de retenção (soluti retentio). Falece do momento sucessivo da responsabilidade, ou seja, o credor não pode, via Poder Judiciário, forçar o pagamento, a fim de receber seu crédito com o constrangimento do patrimônio do devedor.
	Não apenas. No caso da fiança, há a responsabilidade, mas não o débito. O fiador não é devedor, é o garante do devedor. Se este não paga a prestação, só então surge a responsabilidade daquele. Logo, o fiador tem apenas a responsabilidade e não o débito.
	Destarte, a relação obrigacional apresenta dois momentos bem distintos: se o devedor não pagar a prestação espontaneamente, surge, em razão desse inadimplemento, a responsabilidade, quando o credor promove ação sobre os bens do devedor. Aqui se encontra a responsabilidade civil contratual.
O mesmo acontece na prática do ato ilícito, na responsabilidade civil extracontratual, quando não há um contrato celebrado entre devedor e credor. Se alguém pratica um ato ilícito, descumprindo uma obrigação legal, abrolha a responsabilidade, que é o dever de indenizar o dano causado.
1.3 Figura criada por Marton
	Antes de se obter o momento da responsabilidade decorre o momento da infração de um dever jurídico próprio de uma obrigação preexistente, tanto contratual como extracontratual. Para se saber quem é responsável, indaga-se quem é obrigado. É o mecanismo da responsabilidade elaborado na figura criada por Marton, na qual o órgão mantenedor da norma interroga do violador: “por que faltaste a teu dever, praticando (ou omitindo) tal ato? Se a pergunta for satisfatoriamente respondida, o interrogado estará desobrigado, se insatisfatória será ele condenado.�
1.4 Proteção integral da pessoa humana
	Pelo exposto, a responsabilidade civil açambarca a proteção integral da pessoa humana, a qual deve ser entendida na sua mais ampla concepção, como uma unitas multiplex, para usar a expressão tão comum em Santo Tomás de Aquino.
	Cai a fiveleta o conceito de Victor Emil Frankl, que apresenta um projeto no qual considera salvaguardada a unidade antropológica sem minimizar as diferenças ontológicas – corpo, psique e noéses – que se revelam inevitavelmente na análise fenomenológica do ser humano.
	As dimensões somática e psíquica correspondem à esfera da facticidade: impulsos, necessidades biológicas, instintos; enquanto que a dimensão noética corresponde à esfera da existência: liberdade e responsabilidade.
	A pessoa humana aparece centrada em um núcleo noético, fonte de todas as atividades efetivamente humanas. A esse núcleo pessoal noético pertencem os fenômenos que lhes são mais exclusivos, como a capacidade de amar, decidir, descobrir e realizar valores, portanto compreende a faculdade de reagrupar os elementos que compõem a facticidade. 
Nessa dimensão a pessoa humana não é um ser guiado, impulsionado, mas é um ser livre e responsável, com capacidade e possibilidade de resistir e superar os impulsos tendentes a determinar e condicionar o seu comportamento, a sua conduta no meio social.
	Educar a pessoa humana, abrir-lhe um horizonte de valores ede sentido, significa, sobretudo, apelar para esse núcleo noético, que aponta para a realização de si através da transcendência.
	Essa é a teleologia própria do ser humano, adormecida algumas vezes por limitações de ordem pessoal e, muitas outras, reprimida pela violência branca que a sociedade liberal manobra explicita ou implicitamente.
	Pois bem, essa pessoa humana, considerada na sua inteireza, vê-se sob a iminência de risco a todo momento, apenas por viver em uma sociedade de massa. Necessário, então, que a responsabilidade civil proteja, indiscriminadamente, os seus interesses e direitos patrimoniais e da personalidade em todas as suas dimensões, aqui compreendido o anseio transcendental, pois a sociedade atual, embora laica, reconhece, constitucionalmente, o direito à liberdade de professar credo religioso.
	Nesse desiderato, a Constituição Federal, tida por diligente porque vocacionada a bafejar todos os ramos do Direito com a eficácia de seus valores e princípios, ganha novo vigor com a sua carga axiológica na defesa da dignidade humana e dos direitos da personalidade, sem desprezar os direitos patrimoniais, pois a pessoa, por tendência natural, é vocacionada a ser proprietário. Ademais, o patrimônio mínimo é da essência na precaução de uma vida digna.
	
1.5 Evolução da responsabilidade civil
	A evolução da responsabilidade civil realça ainda mais a proteção integral da pessoa humana. Cuida-se, assim, em breves pinceladas enfocar o seu escorço histórico que, em verdade, acompanha o homem desde os mais priscos tempos. Presta-se também para a boa compreensão do fundamento, evolução, estágio atual e perspectivas futuras desse instituto.
1.5.1 Reparação do mal pelo mal
Nos primórdios da civilização predominava a vindicta, a vingança coletiva, o grupo reagia contra o agressor pela ofensa de um de seus membros.
	Essa vingança coletiva foi sucedida pela reação privada. É a vingança individual, selvagem talvez porque se fazia justiça pelas próprias mãos. Estava-se sob a égide da Lei de Talião (talio) sistematizada na fórmula: olho por olho, dente por dente, feitio de reação espontânea e natural ou a vingança pura e simples. Ao poder público somente cabia intervir para coibir os abusos, declarando quando e como a vítima poderia ser recompensada pelo seu direito retaliado, infringindo no ofensor dano idêntico ao sofrido, sem arredar a possibilidade de as partes transacionarem. Na Lei das XII Tábuas, 450 a.C., encontram-se vestígios da vingança privada, é o critério inserido na tábua VIII, lei 2ª: si membrum rupsit, ni cume eo pacit, talio esto (se alguém fere outrem, que sofra a pena de talião, salvo se existir acordo).
Era a fase da reparação do mal pelo mal, a responsabilidade era objetiva, não se cogitava a culpa como seu fundamento. Responsabilidade penal e civil não se distinguiam.�
1.5.2 Reparação patrimonial 		
	O período dessa equivalência da punição do mal pelo mal, esboçando a perspectiva de uma composição entre a vítima e o agente causador do dano inserida na solução transacional, é sucedido na contenção da responsabilidade civil à responsabilidade patrimonial. 
	Grande a contribuição, nesse entretanto, do Direito Romano. O Senado teria se sensibilizado com os ritos corporais macabros, banindo-os. Deu-se, então, a separação da responsabilidade civil e penal pela Lex Poetela Papiria, editada 326 a.C. A concepção de pena foi substituída pela ideia de reparação do dano sofrido.
	À Lex Aquilia de Damno, proposta pelo tribuno romano Aquilio em 286 a.C., coube desvendar novos horizontes. Ela esboçou a ideia de culpa como fundamento da responsabilidade civil, dessa sorte o causador do dano que tivesse laborado sem culpa seria isento de qualquer responsabilidade. Essa lei introduziu, ademais, o damnum iniuria datum: o dano causado à bem alheio, empobrecendo a vítima sem enriquecer o ofensor. Tão grande é a evolução trazida pela Lex Aquilia, que a ela se prende a denominação de aquiliana para a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual.
	Na Idade Média, plantando suas raízes no Direito Romano, seguiu-se a estruturação da ideia de dolo e culpa como a mais importante contribuição. Os canonistas elaboraram, à luz da moral cristã, o princípio clássico segundo o qual cada um deveria responder pelos seus atos culposos, que produzissem dano injusto a outrem. A culpa ganhou fortes contornos éticos e morais, ligados à ideia do livre-arbítrio e de sua indevida utilização pelos fieis. É a noção de pecado como consciente violação a dever de ordem divina.
	Foi por meio da teoria subjetiva, que a responsabilidade civil ingressou no Direito moderno, tendo como principais elaboradores dois exponenciais civilistas franceses Domat e Pothier e como tenazes defensores André Tunc e os irmãos Mazeaud. O seu fundamento é a culpa efetiva e provada.�
	Com a Revolução Industrial a sociedade transformou-se rapidamente. O sossego e a tranqüilidade transmudaram-se em excitação, a segurança no seu antônimo a insegurança, tanto que Josserand forjou a frase: “vivemos mais intensamente (Roosevelt) e mais perigosamente (Nietzsche)”. A teoria da culpa tornou-se insuficiente para atender os mais variados casos de danos produzidos pelas novas atividades perigosas, embora socialmente úteis. Passou-se a pensar, terminando por introduzir na legislação, a máxima: ubi emolumentum, ibi onus (onde está o ganho, ai está o encargo), que traz em seu âmago a teoria do risco proveito. Mais uma vez, o berço foi a França com Saleilles e Josserand. O primeiro, com sua visão profética, desenvolveu a teoria sobre o acidente do trabalho em que o empregador, independentemente de culpa, responde pelos danos sofridos pelo empregado em consequência e por ocasião da jornada de trabalho. Do segundo extrai-se a ideia de revolução a permear a história da responsabilidade civil, reforçando as ideias objetivas.
Uma verdadeira revolução, dissociando completamente a responsabilidade da culpa, erigindo o patrão, a comuna ou o explorador da aeronave em seu próprio segurador por motivo dos riscos que criou; a idéia de mérito ou de demérito nada tem a ver no caso; a lei impõe o princípio justo e salutar “a cada um segundo seus atos e segundo suas iniciativas”, princípio valioso para uma sociedade laboriosa; princípio protetor dos fracos: a força, a iniciativa, a ação devem ser por si mesmas geradoras de responsabilidades.”�
	É a responsabilidade civil objetiva que, ainda mais desenvolvida, elegeu o risco criado nas atividades perigosas como motivação determinante do ressarcimento ante o prejuízo de vítimas inocentes, dispensando qualquer consideração a respeito da culpa.
	Nos dias atuais, em sua tese de livre docente, apresentada na Faculdade de Direito da USP, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka sugere o que chama responsabilidade pressuposta, uma nova evolução da responsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva. E Lembra logo no pórtico de seu trabalho:
Há um novo sistema a ser construído, ou, pelo menos, há um sistema já existente que reclama transformação, pois as soluções teóricas e jurisprudências até aqui desenvolvidas, e ao longo de toda a história da humanidade, encontram-se em crise, exigindo a revisão em prol da mantença do justo.�
	A ensinança dessa mestra coloca no cerne das preocupações contemporâneas a pessoa humana, que clama pela reparação dos danos sofridos, para que não fique irressarcível. Clama mais, que se adote uma política preventiva ao dano dentro da teoria da responsabilidade civil.
	
1.5.3 Estado mutualista
	Não raramente, a vítima não consegue a devida reparação, porquanto o agente do dano ou não tem patrimônio, ou é ele insuficiente para responder por todo prejuízo. 
	A Nova Zelândia acena com a sua experiência, o estado mutualista. Em 1974, naquele país foi criado a Accident Compensation Commission, trata-se de uma agência estatal que responde por todos os eventos lesivos, dessa forma alforriando o agente causador do danoe garantindo à vítima o ressarcimento.
	O sistema é atraente, tem agradado a Nova Zelândia, contudo demanda a criação de uma contribuição para os seus fins, o que dificulta a sua implantação, especialmente nos países de pesada carga tributária. Por isso, talvez, não tenha sido ainda imitado por nenhum outro país.�
	Ao Brasil o sistema não é todo estranho, pois vige o seguro obrigatório de veículos, como também o seguro da seguridade social, que imputa a responsabilidade ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) por simples política de proteção ao trabalhador. Muito tendo a crescer nesse campo dos seguros gerais.
	Do exposto, presente a predição de Josserand, mesmo já afastada no tempo ainda proveitosa: “nessa matéria [responsabilidade civil] a verdade de ontem não é mais a de hoje, que deverá, por sua vez, ceder lugar à de amanhã”.�
1.6 A responsabilidade civil na Constituição Federal
	Com a promulgação Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, foram introduzidas em seu texto importantes temas de responsabilidade civil, ainda mais ressaltando a integral proteção à pessoa humana, a saber: 
a) A reparação do dano material ou moral, por publicação ofensiva a terceiro ou à imagem (art. 5º, inc. V);
b) A previsão de indenização por dano material ou moral pela violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5º, inc. X);
c) Responsabilidade do Estado pela indenização ao condenado por erro judicial e por ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º, inc. LXXV);
d) A transmissibilidade aos herdeiros de reparação do dano, até o limite da força da herança recebida (art. 5º, inc. LX);
e) Cúmulo das indenizações por acidente do trabalho e de direito comum, mediante conduta culposa ou dolosa do empregador (art. 7º, XXVIII);
f) A responsabilidade civil da empresa nos casos de atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, sem prejuízo da responsabilidade individual de seus dirigentes (art. 173, § 5º);
g) Responsabilidade civil das pessoas naturais e jurídicas, pela reparação de danos causados ao meio ambiente (art. 225, § 3º).
	A leitura da responsabilidade civil à luz da Constituição Federal não se resume apenas por essas previsões legais. Vai-se além.
	É a mudança do ponto de vista sistemático, de sorte as normas constitucionais estão na cumeada do ordenamento jurídico, logo os seus princípios e valores – repita-se – tornam-se normas diretivas, ou normas-guia, que devem informar todo o sistema, informando, logicamente, o Direito Privado. Assim é, porque esses princípios e valores são retirados, no lúcido dizer de Maria Celina Bodin de Moraes, “da consciência social, do ideal ético, da noção de justiça presentes na sociedade, são, portanto, os valores através dos quais aquela comunidade se organizou e se organiza.”� 	
1.7 Responsabilidade moral, penal e civil
	A responsabilidade moral é uma natura debere, a que se constitui em mero dever de honra e consciência. São relações fundadas na pietas, no officium, na fides, no íntimo da pessoa humana para quem nenhuma crença lhe ilumine a alma, ou no seu relacionamento com Deus para quem professa credo religioso. Seu cumprimento é questão de princípios, por se tratar de genuína liberalidade, a exemplo de cumprir ato de última vontade não expresso em testamento.
	Sob a ótica do direito, na consideração do vínculo jurídico que dá juridicidade à obrigação, essa espécie não tem nem débito nem responsabilidade. Porém, não permanece alheia de efeitos jurídicos quando do seu espontâneo cumprimento. O ordenamento jurídico confere-lhe a soluti retentio (direito de retenção), de sorte quem deposita um óbolo na mão tremula que se lhe estende, não tem direito a repetição do indébito (repetitio indebiti). Vige o apotegma: cuius per errorem dati retitio est, eius consulto dati danatio, isto é, a prestação intencional de um indevido absoluto não pode ser repetida, constituindo uma liberalidade.
	 Quanto à responsabilidade penal e a civil separam-nas nítidas dessemelhanças.
	Se uma conduta, comissiva ou omissiva, ferir norma jurídica de Direito Penal, que é de Direito Público, tipifica um delito: crime ou contravenção, ensejando a responsabilidade penal, sempre considerando o apotegma do Direito Penal Liberal: “não há crime, nem pena sem prévia previsão legal” (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege).
Ao infringir norma de Direito Público, o delinqüente com a sua conduta perturba a ordem social, provocando, ato contínuo, uma reação do ordenamento jurídico que não se compadece com esse comportamento, a reação é representada pela pena. Pouco importa se a vítima do delito experimentou ou não algum prejuízo, o dano é de natureza social, o agente da conduta típica tem que responder por ela, pois o seu ato provoca quebra da paz e da ordem social de maneira indiscriminada, não individualizada.
	Concluindo, o Direito Penal: a) focaliza a pessoa do delinqüente; b) objetiva o resguardo do interesse social; c) movimenta a máquina judiciária, no mais das vezes, independentemente da vontade da vítima.
	Enquanto no Direito Civil, a norma violada é de Direito Privado, e essa violação cria um desequilíbrio no patrimônio ou em outro interesse da vítima juridicamente protegido, tendo como causa a conduta também comissiva ou omissiva do agente. Seu objetivo é o restabelecimento do patrimônio ofendido no status quo ante (dano patrimonial), ou recompensar a vítima pelo interesse extrapatrimonial transgredido (dano moral).
	Em suma, o Direito Civil: a) focaliza o dano causado; b) visa à necessidade de ressarcimento do patrimônio depreciado ou do interesse não patrimonial ofendido; c) é matéria apenas do interesse do prejudicado, que pode ou não movimentar a máquina judiciária, no primeiro caso exigindo a respectiva reparação, na outra hipótese resignando-se com o prejuízo sofrido.
	Vale pela clareza e objetividade, repetir Clóvis Beviláqua:
O direito penal vê, no crime, um elemento perturbador do equilíbrio social, e contra ele reage no intuito de restabelecer esse equilíbrio necessário à vida do organismo social; o direito civil vê, no ato ilícito, não mais um ataque à organização da vida em sociedade, mas uma ofensa ao direito privado, que é um interesse do indivíduo assegurado pela lei, e, não podendo restaurá-lo, procura compensá-lo, satisfazendo o dano causado. O direito penal vê, por trás do crime, o criminoso, e o considera um ente anti-social, que é preciso adaptar-se às condições de vida coletiva ou pô-lo em condições de não mais desenvolver a sua energia perversa em detrimento dos fins humanos, que a sociedade se propõe realizar; o direito civil vê, por trás do ato ilícito, não simplesmente o agente, mas, principalmente, a vítima, e vem em socorro dela, a fim de, tanto quanto lhe for permitido, restaurar o seu direito violado, conseguindo, assim, o que poderíamos chamar a eurritmia social refletida no equilíbrio dos patrimônios e das relações pessoais, que se formam no círculo do direito privado.�
	Na eleição do pensamento de Peirano Facio, Serpa Lopes discorre que é de natureza política e não técnica, a causa determinante da ilicitude incidir na responsabilidade civil ou penal, pois o ilícito, tanto em um como no outro âmbito, é ontologicamente o mesmo. São razões de ordem político-legislativa que conduzem o legislador, em dado momento, a incriminar algumas condutas impondo pena ao delinqüente, em outras no regime da simples reparação de dano, e ainda a dispor para umas terceiras a acumulação dos dois efeitos jurídicos.�
	No caso de lesões corporais ou outra ofensa à saúde, o ofensor estará sujeito à pena expendida no art. 129, do Código Penal, e no campo civil poderá ser condenado nas despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença da vítima, além de pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente, como providencia o art. 949, do Código Civil.
	Importante notar, nestaoportunidade, a regra do art. 935: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” É a letra do Enunciado 45, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “No caso do art. 935, não mais se poderá questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor se estas questões se acharem categoricamente decididas no juízo criminal”. (Matéria a ser desenvolvida com mais detalhes nas causas de irresponsabilidade)
1.8 Espécies e pressupostos da responsabilidade civil
	A responsabilidade civil é o dever jurídico derivado diretamente da lei (extracontratual) ou da inexecução de uma obrigação adrede celebrada (contratual), que obriga uma pessoa (devedor), a reparar o dano patrimonial, moral ou estético causado a outra (credor), em razão de ato próprio (direta), de ato de pessoa por quem responde, pelo fato animal ou de coisa inanimada de sua propriedade ou sob a sua guarda (indireta), seja por culpa (subjetiva), seja por simples imposição legal, ou pela exploração de atividade de risco (objetiva).
	Assim considerando, apropositada a classificação de Maria Helena Diniz, conforme segue abaixo.
Quanto ao fato gerador:
Responsabilidade civil contratual deriva do inadimplemento de um negócio jurídico bilateral ou unilateral.
Responsabilidade civil extracontratual decorre da violação de um dever jurídico geral exposto na lei.
b) Quanto ao fundamento:
Responsabilidade civil subjetiva implica na conduta lesiva dolosa ou culposa.
Responsabilidade civil objetiva a conduta lesiva prescinde de culpa ou dolo, ou porque prevista em lei ou na justificativa da teoria do risco.
Quanto ao agente:
Responsabilidade civil direta oriunda de ato próprio, a pessoa que produz o dano é a responsável pela indenização.
Responsabilidade civil indireta se o causador do dano é um terceiro vinculado ao responsável pela indenização, ou o dano é causado por animal ou coisa inanimada de sua propriedade ou sob sua guarda.
	Por outro lado, a responsabilidade civil apresenta os seus pressupostos:
a) A conduta que é sempre uma ação ou omissão humana.
b) O dano a interesses ou direitos alheios, patrimonial, moral ou estético.
c) O nexo de causa e efeito que é a relação entre a conduta como causa e o dano como efeito.
II: DAS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 Responsabilidade civil contratual; 2.2 Jurisprudência; 2.3 Responsabilidade civil extracontratual; 2.4 Jurisprudência. 2. 5 Natureza do dever jurídico violado; 2.6 Uma distinção nem sempre fácil; 2.7 Tutela externa do crédito; 2.8 Responsabilidade civil subjetiva; 2.9 Jurisprudência; 2.10 Responsabilidade civil objetiva; 2.11 Teorias sobre as atividades de risco; 2.12 Fontes objetivas; 2.13 Confronto de situações de risco; 2.14 Um sentido de complementaridade; 2.15 Jurisprudência; 2.16 Responsabilidade civil direta; 2.17 Responsabilidade civil indireta; 2.18 Jurisprudência.
2.1 Responsabilidade civil contratual
	O art. 389, do Código Civil, preceitua: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos [...]” Há o inadimplemento absoluto da obrigação, a prestação não é mais possível ou útil ao credor. O dever jurídico originário convencionado pela vontade das partes, porque inadimplido pelo devedor, convola-se na indenização das perdas e danos sofridos pelo credor, dever jurídico sucessivo imposto pela lei.
	Não difere quando o inadimplemento é relativo, no caso de mora, dado que o art. 395 dispõe: “Reponde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa [...].” A prestação ainda é possível e útil ao credor, por isso perseguida pela tutela específica tal qual convencionada, acrescida das perdas e danos e dos consectários da mora e da sucumbência: juros, atualização monetária e honorários de advogado.
	 Via de consequência, a responsabilidade civil contratual, fundada na autonomia privada, promana da transgressão de uma obrigação adrede celebrada pelas partes. Há o inadimplemento absoluto ou relativo, uma vez que a obrigação deve ser cumprida no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer, conforme providencia a última parte do art. 394, do Código Civil.
	Para que ocorra essa espécie de responsabilidade civil é indispensável que preexista um contrato válido entre devedor e credor. Válido porque o contrato não produzirá efeitos jurídicos se eivado de nulidade contemporânea à sua formação. Pelo princípio da obrigatoriedade, as partes vinculam-se ao contexto do contrato de forma irresistível. A vontade é livre até que se obriga, uma vez obrigada gera efeitos jurídicos: a conduta passa a ser pautada pela obrigação contratada, por isso se diz que o contrato é lei entre as partes.
Compromisso de compra e venda – Impossibilidade de transcrição do título no registro imobiliário – Cessão do mesmo lote a outra pessoa – Direito a indenização por perdas e danos – Valor da indenização. Se o contrato tornou-se inexeqüível por culpa da promitente vendedora, tem esta de responder pela reparação dos prejuízos do promissário comprador, cujo montante será o valor atual do imóvel negociado, a ser apurado em liquidação, mais os consectários comuns da sucumbência e da mora (TJMJ, ap. 62.028, da Comarca de Belo Horizonte, j. 04.08.83, rel. Des. Humberto Theodoro, in Humberto Theodoro Junior, Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, 3 ed. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993, p. 337).
Pode ainda a responsabilidade civil contratual resultar do descumprimento de obrigação gerada por um negócio jurídico unilateral, aquele em que há manifestação de vontade de uma só parte em uma única direção, colimando um determinado objetivo. Verbia gratia, a promessa de recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido, o enriquecimento sem causa (CC, artigos 854 a 860), podendo acrescentar entre outros o testamento, a renúncia, o cheque ao portador.
Curioso painel fixado em pontos estratégicos da cidade trazia este anúncio: “volta Peteleco”, e oferecia recompensa para quem encontrasse o cão errante. A declaração de vontade obriga o declarante desde o momento em que se torna pública, visto que ela se destina à pessoa indeterminada. A determinação dá-se no momento em que se preencherem as condições de exigibilidade da prestação, no caso o encontro e a restituição do animal. Alguém que encontrasse o cão, restituindo-o, tornar-se-ia credor da recompensa. Se não paga, nasce o direito de reclamá-la perante o Poder Judiciário. 
Não diferente a promessa de recompensa mediante sorteio, como bastas vezes anuncia o comércio varejista em suas propagandas ou publicidades de vendas promocionais.
Indenização. Responsabilidade civil. Inadimplemento de premiação obtida em sorteio. Hipótese de promessa de recompensa, vinculado o promitente. Verba devida. Recurso provido. A oferta de prêmios mediante sorteio configura promessa de recompensa, a qual, efetuada publicamente, vincula o promitente (TJSP – 2ª Câm. de Férias – rel. Des. Walter Moraes, j. 20.08.93, in JTJ Lex 150/83).
Considerando que essa espécie de responsabilidade diz respeito ao contrato e ao negócio jurídico unilateral, Fernando Noronha e José Jairo Gomes preferem chamá-la responsabilidade civil negocial. A tradição, todavia, consagrou a denominação responsabilidade civil contratual, passando a espécie a nomear o gênero.�
	São seus pressupostos:
a) a conduta que descumpre um negócio jurídico bilateral ou unilateral (ato ilícito contratual); 
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre um e outro.
	
2.2 Jurisprudência 
Tratando-se de contrato de locação de cofre, o banco depositário é responsável pelos danos materiais decorrentes de assalto, devendo as coisas ser restituídas ao stato quo ante, sendo considerada nula a cláusula de não indenizar, em obediência às regras do Códigode Defesa do Consumidor – Súm. 297 do STJ – Dano moral não demonstrado – Juros moratórios da citação, por tratar-se de obrigação contratual – Art. 1.536, § 2º, do CC/1916 [atual art. 405] – Sucumbência recíproca mantida – Recursos improvidos (1º TACivSP, 12ª Câm., j. 1º.06.2004, rel. Juiz Paulo Eduardo Razuk, RT 832/239).�
O credor que, no abuso de seu direito, protesta duplicata já paga, responde civilmente pelos danos morais e materiais decorrentes de sua atitude. O dano moral é presumido, razão pela qual a ocorrência do fato, sem que tenha havido culpa concorrente da vítima, faz surgir o dever de indenizar que, todavia, deve ser arbitrado de forma moderada, segundo o princípio do sistema aberto e de acordo com o prudente arbítrio do juiz (1º TACivSP, 7ª Câm., j. 29.10.2002, rel. Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, RT 813/268).
O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão com culpa, em sentido largo (STF, Tribunal Pleno, j. 06.11.2002, RDA 234/360).�
A incorreção de tratamento odontológico, realizada por profissional imperito, enseja a indenização por dano material. Dessa forma, os valores despendidos no serviço inadequado devem ser reembolsados, bem como o novo tratamento protético que foi realizado por outro dentista especializado (TJSP, 5ª Câm. Dir. Privado, j. 05.06.2003, rel. Des. Rodrigues de Carvalho, RT 818/199).�
2.3 Responsabilidade civil extracontratual
	Determinado estabelecimento comercial passa a promover música eletrônica e o som estridente escapa do local, perturbando os moradores vicinais com decibéis acima da regulamentação permitida. Comete ato ilícito, por abuso de direito, como previsto no art. 187, do Código Civil. Tocar música em estabelecimento comercial é exercício de direito, porém o som excessivo, que perturba os vizinhos, é abuso desse mesmo direito; ato ilícito, pois.
	É a providência do art. 1.277, do mesmo diploma: “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.” Há o inadimplemento de um dever jurídico legal, derivado da vontade do Estado, porquanto estampado na lei. Da inobservância do dever legal, abrolha a obrigação indenizatória.
Direito de vizinhança – Poluição sonora – Dano moral – Indenização – Verba devida em razão do desassossego e desconforto causados pelas turbações acústicas. Emenda Oficial: o desassossego e o desconforto causados pelas turbações acústicas são capazes de gerar prejuízos ensejadores de danos morais (2º TACivSP, 11ª Câm., Ap. 836061-0/7, rel. Juiz Egidio Giacoia, j. em 23.08.2004, RT 830/259).
Conclui-se, que a responsabilidade civil extracontratual procede da ofensa à norma jurídica reguladora da vida das pessoas em sociedade. É também chamada de aquiliana, uma vez que remonta a Lex Aquilia de Damno. 
	São seus pressupostos:
a) a conduta que descumpre um dever legal (ato ilícito extracontratual);
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre uma e outra.
2.4 Jurisprudência
Ação ordinária indenizatória. Estacionamento rotativo de carro em logradouro público. Subtração de veículos. Hipótese contrária a Súm. 130 do STJ. No caso do sistema de vaga certa, o pagamento só confere ao usuário a utilização do local da via pública, de uso comum do povo, destacado com o fim de ordenar o espaço público, garantindo a necessária rotatividade nos grandes centros urbanos. Na espécie, não há contrato de depósito, de guarda do bem sob prometida vigilância e proteção. A regulamentação do poder de polícia nos logradouros públicos, em estacionamento aberto, não pode acarretar ao ente público a ampliação de sua responsabilidade para responder pela guarda e depósito do bem (TJRJ, 12ª Câm. j. 14.06.2005, rel. Des. Gamaliel Quinto de Souza, RT 841/333).�
É personalíssimo o direito à imagem e à intimidade. Se, com intuito de angariar maior audiência, conhecido programa dominical de televisão utiliza a imagem de consagrado galã de novelas, contratado de emissora concorrente, fazendo alarde de um leilão de roupa íntima que teria sido usada pelo ator em tradicional peça teatral “Paixão de Cristo”, realizada no estado da Paraíba durante a “Semana Santa”, sem obter previamente a indispensável autorização para essa exposição pública, respondem concorrentemente o apresentador do programa e a emissora pelo efeito lesivo daí decorrente. O fato de ser dito que o produto obtido seria destinado a instituição de caridade, não descaracteriza a ofensa ao direito do autor. Sendo um profissional de atividade artística, consagrado na mídia, sua imagem não pode ser utilizada, sem a sua anuência, como atração para aumentar a perfomance de empresa com a qual não mantém vínculo contratual (TJRJ, 9ª Câm., j. 04.05.2004, rel. Des. Laerson Mauro, RT 836/301).�
Dano Moral – Indenização – Morte de detento que se encontrava sob a guarda da Administração Pública – Negligência do Estado em zelar pela integridade do presidiário caracterizada – Hipótese em que a verba indenizatória deve ser fixada em termos razoáveis, sendo descabido seu pagamento via precatório em virtude da pequena monta. Ementa Oficial: Havendo morte de presidiário que se encontra sob a guarda da Administração Pública, a responsabilidade em indenizar a família da vítima é do Estado, sendo essa objetiva. A indenização a título de dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, sendo impossível que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, nem em valor ínfimo. Incabível o pagamento da obrigação por precatório quando o seu valor for de pequena monta. (TJRO, Câm. Especial, j. 18.02.2004, rel. Des. Rowilson Teixeira, RT 832/351).
Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Inundação em subsolo de hotel. Bueiros e galerias pluviais entupidos. Responsabilidade civil subjetiva. Demonstração do dano e do nexo causal. Omissão das autoridades do Município. Inexistência de excludentes de responsabilidade. Recurso necessário conhecido e desprovido (TJRN, 3ª Câm. Civ., j. 12.06.2006, rel. Des. João Rebouças, RT 852/350).�
O veículo automotor, cada vez mais sofisticado e veloz, quando entregue nas mãos de motoristas menos preparados, em face da embriaguez, passa a constituir uma arma perigosa, impondo grande risco às pessoas que se encontram nas vias públicas. Ora, se não querem o resultado lesivo, assumem pelo menos o risco de produzi-lo (TJSP, 5ª Câm. Criminal, j. 15.12.94, rel. Des. Silva Pinto, in Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, 7 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1.420).�
 
2.5 Natureza do dever jurídico violado
	Decorrente do exposto, quanto ao fato gerador a responsabilidade civil ora nasce do contrato, ora do delito (vel ex contractu nascitur vel ex delicto), tomando a roupagem contratual ou extracontratual. Em ambas sempre existe um dever jurídico preexistente, o que as distingue é a natureza do dever jurídico transgredido. 
Na contratual o dever jurídico dimana da vontade das partes – negocio jurídico bilateral ou unilateral – a declaração de vontade é fonte de direito. O dever jurídico é positivo, cumprir a palavra empenhada, o seu inadimplemento impõe a responsabilidade.
Na extracontratual o dever jurídico decorre da vontade do Estado – a lei – imperativo geral e abstrato relativo à conduta humana dirigido a todos indistintamente. O dever jurídico é negativo o de não prejudicar (neminem laedere); provada a ofensa à norma e o dano evidencia-se a responsabilidade.
Na lição de José de Aguiar Dias, em uma ou em outra, a conduta qualifica-se pelo descumprimento de um dever jurídico precedente, pois a declaração da vontade e a lei vinculam à observância. No mesmo sentido apregoa Sergio Cavalieri Filho dentre outros.� 
	Trata-se da teoria dualista eleita pelo Código Civil, embasada na dicotomia que separaas duas espécies de responsabilidade civil. Os adeptos da teoria monista ou unitária não aceitam a distinção. Para eles as duas espécies conduzem para os mesmos efeitos jurídicos e requerem os mesmos pressupostos a começar pela conduta lesiva timbrada pelo ato ilícito: contratual ou extracontratual. 
De efeito, a responsabilidade civil contratual e a extracontratual confundem-se ontologicamente e nos efeitos, todavia forçoso reconhecer que se distinguem especialmente quanto às exigências probatórias. E aqui sobeja importância.
	Na responsabilidade civil contratual, a culpa da parte contratante que não cumpre o negócio jurídico celebrado é presumida, está in re ipsa, dimana do próprio inadimplemento. Enquanto que na responsabilidade civil extracontratual, a culpa deve ser provada por aquele que assimilou o dano, a vítima; o que não deixa de ser, por vezes, um crucial procedimento. É a regra geral, que admite exceção, conforme será visto no item relativo à presunção de culpa.
	Outra distinção é quanto à mora. Nas obrigações provenientes do ato ilícito, relata o art. 398, do Código Civil, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou; é a denominada mora ex re. Nas obrigações contratuais nem sempre há termo para o adimplemento, mormente nos deveres acessórios de conduta, ou seja, aqueles deveres secundários à prestação, e a mora somente decorre após interpelação extrajudicial ou judicial; é a chamada mora ex persona, consoante disposição expressa do parágrafo único do art. 397. A principal consequência dessa distinção, portanto, dá-se no momento em que se inicia a fluência dos juros moratórios.
	Outras diferenças contingenciais podem ser articuladas, como no caso de prefixação das perdas e danos, que pode ocorrer apenas na responsabilidade civil contratual (cláusula penal compensatória), assim ainda a eleição do foro para a ação de reparação de dano. 
2.6 Uma distinção nem sempre fácil
	Não há como negar, por vez ou outra, a dessemelhança entre ambas situa-se em uma zona cinzenta de difícil equação. Toma-se como exemplo o motorista de ônibus que ocasiona acidente por transpor sinal vermelho, causando lesões nos passageiros. A sua conduta descumpre o dever de parada obrigatória, exposto na lei de trânsito. Nessa hipótese há concurso entre as duas espécies de responsabilidade, a lei foi transgredida (extracontratual), e o contrato não foi cumprido (contratual). Outro exemplo, a do médico contratado para certa cirurgia, que age negligentemente, porquanto deixa de proceder conforme as normas de assepsia; daí o paciente adquire uma infecção. Entende-se inadimplido o contrato, pois violada a cláusula tácita de proceder no sentido de tomar os cuidados profissionais devidos no desempenho de uma obrigação de fazer, própria do contrato de prestação de serviço, embora a transgressão à lei pela conduta negligente.
Em tais situações, na doutrina e na jurisprudência, prevalece o entendimento de que a responsabilidade civil é contratual.
Tutela externa do crédito
Na tutela externa do crédito, expressão forjada por Orlando Gomes, cuida-se atentar também para a distinção entre as duas espécies de responsabilidade civil.
Pelo princípio da relatividade dos efeitos jurídicos (res inter alios acta), o contrato somente produz efeitos jurídicos entre as partes, isto é, aqueles que nele manifestam a sua vontade, vinculando-se ao seu conteúdo, de modo que não aproveita e nem prejudica terceiros, aqueles que dele não participam.
	Por lógico raciocínio, se o contrato decorre do acordo de vontade das partes, não pode ter eficácia em relação a terceiros e seu patrimônio. Logo, ninguém se submete a uma relação contratual a não ser que a lei o obrigue ou se a própria pessoa o queira.
	O atual Código Civil, forçoso convir, deixou de considerar o contrato apenas como instrumento de satisfação de interesses pessoais das partes contratantes, considerando-o também como de interesse da coletividade, pela introdução de outro princípio: o da função social do contrato (CC, art. 421).
	Mais do que antes, o contrato passou a ter a prerrogativa de oponibilidade contra terceiros, dada a importância que ele desempenha para a coletividade, e os terceiros não podem comportar-se como se ele não existisse. Hão de respeitar o contrato firmado pelas partes, não interferindo de maneira a prejudicá-lo, quer incitando uma das partes a descumpri-lo, quer impedindo-a de cumpri-lo, honrando o que ela prometera.
	No primeiro caso, o inadimplemento dá-se em razão da cumplicidade de terceiro. Para aquele que é parte a responsabilidade é contratual, quanto ao terceiro a responsabilidade é extracontratual. Em um mesmo fato convivem as duas espécies, incidindo a solidariedade, quando as duas condutas contribuem para o prejuízo da outra parte inocente (CC, art. 942, 2ª parte). Eis decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “[...] A responsabilidade civil extracontratual (delitual ou quase delitual) pode coexistir com a responsabilidade civil contratual, como no caso de cumplicidade na violação do contrato [...]” (TJSC, 2ª Câm., j. 10.9.1991, rel. Des. Eduardo Luz, RT 680/167).
No segundo caso, tem-se a responsabilidade civil extracontratual, porquanto o contrato não foi executado por fato exclusivo de terceiro, portanto por alguém estranho à convenção. 
Para reflexão	
	Em cada jurisprudência transcrita, qual a espécie da obrigação inadimplida? E qual conduta do agente causador do dano que implica na sua responsabilidade?
	Quais os casos de negócio jurídico bilateral e unilateral?
	Quais são os denominados “consectários comuns da sucumbência e da mora”?
	A partir de quando os juros da mora são contados na obrigação contratual e no ato ilícito? Em que artigos estão previstos?
	O que é abuso de direito? Há previsão legal no Código Civil? Se positiva a resposta, em que artigo?
	O que significa a expressão: “faz surgir o dever de indenizar que, todavia, deve ser arbitrado de forma moderada, segundo o princípio do sistema aberto e de acordo com o prudente arbítrio do juiz”?
	Advogado e dentista que prestam serviços a seus pacientes celebram contrato? Se positiva a resposta, qual a modalidade de obrigação que anima esse contrato? Quais os artigos do CC que prevêem a responsabilidade de cada um?
É justo que se recrimine o vizinho por ouvir música em som estridente, considerando os usos e costumes atuais, especialmente após o avanço da tecnologia nos aparelhos de reprodução de sons? Qual o conceito jurídico de vizinhança? Pesquise.
	Será que essa conduta não está dentro da interferência tolerável? 
Se cada um tem o direito de ouvir música, como é direito de cada um fazer cessar as interferências prejudiciais ao sossego, não se está, portanto, diante da aplicação do princípio da coexistência dos direitos? O que é esse princípio? Como resolver a questão?
	É personalíssimo o direito à imagem e à intimidade. Qual o conceito de um e de outro? Direito personalíssimo é sinonímia de direito da personalidade de que tratam os artigos 11 a 21, do Código Civil?
	Por que o Estado responde pela morte de detento?
	Por que o Município responde por enchentes, cujo motivo é o entupimento de bueiros e galerias pluviais?
Nas duas jurisprudências acima transcritas, sobre a morte de detento e a inundação em razão da chuva, os acórdãos referem-se às mesmas espécies de responsabilidade do Estado e do Município? As decisões são consentâneas ou contraditórias?
	Distinga a responsabilidade civil contratual da extracontratual.
	Por que na responsabilidade contratual é mais fácil a prova da responsabilidade do agente causador do dano?
	Formule, valendo-se da sua capacidade inventiva, uma responsabilidade civil contratual e outra extracontratual, tomando por exemplos fatos de sua vida.
	Além do contrato escrito, podem existir contratos verbal e tácito? Pesquise.
2.8 Responsabilidade civil subjetiva 
Um motorista transita pela via tributária, não respeita o sinal de transitode parada obrigatória, invade a pista preferencial e ocasiona acidente com dano a outrem.
	Trata-se de responsabilidade civil subjetiva, que conforta a sua justificativa na conduta culposa. É também denominada teoria clássica ou teoria tradicional da culpa.�
	No exemplo, o motorista labora com culpa ao contravir o sinal regulamentar de trânsito, embora o seu entendimento ético-jurídico fosse no sentido de portar-se com cuidado objetivo, parando o veículo ante a advertência de normatização do tráfego e neste sentido devesse ser a sua determinação volitiva, pois assim a circunstância o exigia. Entretanto, age com imprudência e o efeito jurídico é contrário à sua vontade, deve ressarcir as perdas e danos decorrentes.
Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Inobservância da placa de “Pare”, avançando por cruzamento de via preferencial – Indenizatória procedente, quer também quanto à desvalorização do veículo, admitida a incidência da correção monetária (1º TACivSP, 8ª Câm., j. 21.10.1980, rel. Juiz Negreiros Penteado, JTACSP 70/75).�
	Reforçando, essa espécie de responsabilidade civil inspira-se no ato ilícito, o qual implica na ideia de conduta culposa. A culpa, por sua vez, pode ser considerada em sentido restrito, quando se manifesta pela negligência, imprudência ou imperícia, que se opõe ao dolo, ou em sentido amplo que açambarca o dolo, a vontade dirigida para o evento. Na culpa, o agente causador do dano quer a conduta, mas não quer o dano; no dolo, quer tanto a conduta quanto o dano.
	Estudo mais pormenorizado de culpa será abordado no pressuposto da conduta, isto porque a culpa considerada isoladamente tem relevância apenas conceitual, para adquirir relevância jurídica deve integrar a conduta.�
	Na Parte Geral do Código Civil, a responsabilidade civil subjetiva esteia-se no art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” 
	O ato ilícito de que trata este artigo é todo ato contrário às normas de Direito Público ou de Direito Privado, sendo os seus elementos estruturais a antijuridicidade, a culpabilidade, o dano e a imputabilidade.
	A antijuridicidade é toda ação ou omissão humana adversa ao ordenamento jurídico, que ofende direitos alheios. Ordenamento jurídico que é constituído por comandos dirigidos às pessoas para que ajam de determinados modos, ou se abstenham de certas ações. Há uma contrariedade entre a conduta humana e a norma jurídica, independentemente de qualquer juízo de censura. Compõe o aspecto objetivo da ilicitude.
	Já a culpabilidade é o estado do culpável, do que pode ser imputado ao agente causador do dano a título de dolo ou culpa. A pessoa é culpada quando poderia e deveria ter agido em consonância com a prescrição da lei, mas não o faz. Só pode ser atribuída à pessoa capaz por ter discernimento e vontade, isto é, o agente há de ter liberdade para determinar-se. Compõe o aspecto subjetivo da ilicitude.
O dano, como já assinalado, é todo prejuízo sofrido por uma pessoa, em qualquer bem ou interesse juridicamente tutelado, patrimonial, moral ou estético. É o elemento unificador da responsabilidade civil, a partir dele é que se justifica a atuação normativa. Sem dano não há responsabilidade.
	A imputabilidade é a atribuição da conduta danosa a determinada pessoa capaz, pois o incapaz é inimputável. Responde à indagação sobre a razão pela qual é atribuído a alguém o dever indenizatório. 
	A importância do ato ilícito reside, pois, no fato de ser fonte das obrigações, dando ao advento uma relação jurídica cujo objetivo é o ressarcimento do dano.
Na Parte Especial do Código Civil, a responsabilidade civil subjetiva está prevista no artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
	São seus pressupostos:
a) uma conduta culposa ou dolosa (culpa lato senso);
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre um e outro.
	No sistema anterior, quando em curso o Código Civil de Bevilaqua, o centro da responsabilidade civil era a culpa, com raras exceções à teoria objetiva, quando diretamente prevista em lei, assim entendendo, por exemplo, os direitos de vizinhança (CC 16, art. 554), o fato da coisa animada ou inanimada (CC 16, art. 1.527 a 1.529), o contrato de transporte (Lei 2.681, de 7.12.1912), entre outros poucos.
2.9 Jurisprudência
Indenização – Dano moral – Envio de mensagem eletrônica – Calúnia. A violação da honra, em virtude de envio de mensagem eletrônica, imputando falsamente a prática de fato definido como crime, enseja dano moral (TAMG, 2ª Câm. Civ., rel. Juiz Roberto Borges de Oliveira, publ. DJMG 03.03.2004, in RJ 317/139).
Indenização – Dano moral – Cheque pós-datado – Apresentação antecipada – Devolução – Inscrição de nome – Cadastro de emitentes de cheques sem fundos (...). Sendo o cheque emitido para pagamento em data posterior, sua apresentação antecipada, dando ensejo a sua devolução por insuficiência de fundos e inscrição do emitente no cadastro de emitentes de cheques sem fundos, implica o dever de reparação por danos morais [...] (TAMG, 2ª Câm. Civ. Rel. Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, publ. DAMG 04.03.2004, in RJ 317/139).
A responsabilidade civil no transporte puramente gratuito é aquiliana e não contratual, respondendo o transportador pelos danos que causar ao carona em razão de culpa grave na condução do veículo. Inteligência dos arts. 186 e 927 do CC. (TJMA, 3ª Câm. Civ., j. 20.10.2005, rel. Desa. Cleonice Silva Freire, RT 845/327).�
Responsabilidade civil – danos a prédio vizinho – Indenização pleiteada pelo locatário – Possibilidade – Titular de fundo de comércio. Tem legitimidade para cobrar o reembolso do que gastou na reforma do imóvel danificado por culpa do vizinho o locatário que, havendo ali instalado seu estabelecimento comercial, o incorporou a essa universidade de bens que é seu fundo de comércio (1º TACivSP, 2ª Câm., j. 24.03.83, rel. Juiz Rangel Dinamarco, RT 580/162).
Civil e processual civil. Acidente rodoviário. Veículo de transporte pesado que invade pista em sentido contrário vindo a causar sinistro. Dano moral e material. Cabimento. Boletim de ocorrência. Presunção juris tantum. Ausência. I – Demonstrada a culpa do motorista que, ao invadir a pista de rolamento em sentido contrário, causou grave acidente de trânsito, impõe-se o dever de indenizar. II – O boletim de ocorrência não goza de presunção juris tantum dos fatos articulados, vez que o policial registra o fato de acordo com o que lhe é narrado, não fazendo por isso prova absoluta. III – Recurso não provido (TJMA, 2ª Câm. Civ., j. 17.10.2006, rel. Des. Antônio Guerreiro Júnior, RT 858/328).
2.10 Responsabilidade civil objetiva
Outro caso de responsabilidade civil quanto ao fundamento pode ser reproduzido no contrato de transporte. Alguém adquire passagem de uma cidade para outra com determinada empresa. Celebra uma obrigação de fazer, se inadimplida, a empresa transportadora responde pelo prejuízo causado ao passageiro sem indagação do pressuposto subjetivo da culpa. Nessa espécie de contrato vige a denominada cláusula de incolumidade, por conter uma obrigação de resultado, na qual o devedor somente cumpre a prestação se alcançar o fim colimado pelo credor. Por isso, é também chamada de obrigação de fim.
Trata-se da responsabilidade civil objetiva, que não cogita da conduta culposa ou dolosa do agente causador do dano, basta a relação de causa e efeito entre o dano experimentado pela vítima e a ação ou omissão do agente. Estabelecida esta causalidade abrolha, de pronto, a obrigação de indenizar. Por isso, é também denominada responsabilidade civil sem culpa.
Responsabilidade civil – Indenização – Transporte rodoviário de passageiros – Extravio de bagagem – Passageira que não indicou o que levava em sua mala – Irrelevância – Transportador que assume responsabilidade de resultadoatinente à chegada ao destino contratado não só do passageiro, mas também de seus pertences – Verba devida. Ementa da Redação: Tratando-se de extravio de bagagem em transporte ferroviário, é devida indenização à passageira, ainda que não indicado o que levava em sua mala, uma vez que em contrato de transporte, assume o transportador a responsabilidade de resultado atinente à chegada não só do passageiro, mas também dos seus pertences ao destino contratado (1º TACivSP, 2ª Câm., j. 10.11.2004, rel. Juiz Borelli Thomaz, RT 835/250).
	A responsabilidade civil objetiva, no caso em testilha, é prevista na lei. Estampa o art. 734, do Código Civil: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior (externa), sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade.”�
	É o que dispõe a primeira parte do art. 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei [...]”. A exclusão da culpa traz maior abrangência à responsabilidade civil, protegendo de forma mais ampla a vítima inocente de dano.
	Não se investiga nem sequer a antijuridicidade – muito menos a culpabilidade – do fato danoso; considera-se, sim, se ocorreu o evento e se dele emanou o dano. Equivale afirmar, também o ato lícito pode ensejar a responsabilização do agente que ao praticá-lo ocasione dano.
Outra faceta dessa espécie de responsabilidade civil está prevista na parte final do citado parágrafo único do art. 927: “[...] ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
É a grande novidade do Código Civil de Reale, elegendo uma previsão genérica em cláusula geral�. Desde há tempos, Caio Mário da Silva Pereira pontificava que o Direito moderno já não visava o autor do ato, porém a vítima, acrescendo que juristas e tribunais, manifestando franca tendência pela doutrina objetiva, reclamavam contra a ausência de disposição genérica a permitir a sua afirmação no Direito pátrio.� E modernamente, Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho prestam merecida homenagem: “de uma coisa não se tem dúvida: aqui foi adotada a teoria do risco criado cujo maior defensor é o mestre Caio Mário”.�
Duas questões são apresentadas, definir atividade normalmente desenvolvida e risco.
A primeira é toda atividade organizada, não eventual ou casual, difere do ato avulso, não praticado com assiduidade. Não precisa ser uma atividade empresarial, mas que seja habitualmente exercida, assim por meio de uma profissão ou mesmo de uma associação que, como se sabe, não tem finalidade lucrativa. Qualquer atividade isolada, sem o caráter da habitualidade, permanece sob o manto da incidência da culpa.�
A segunda é o risco. Na parafernália do mundo moderno, cabe indagar: o que não causa risco? Em Grande Sertão Veredas, registra Guimarães Rosa, viver, por si só, já é um risco. Pode-se dizer, contudo, que risco é perigo. Traduz-se na circunstância concreta que prenuncia a ocorrência de dano. Pioneiramente, o art. 2.050, do Código Civil italiano�, que contém norma análoga, adota o termo perigo, que significa a potencialidade da atividade normalmente desenvolvida produzir dano a outrem, mesmo sendo essa atividade lícita e de utilidade social. A doutrina italiana elege dois critérios para definir atividade perigosa: a) a quantidade de danos habitualmente causados pela atividade em questão; b) a gravidade de tais danos. 
De destacado valor é o primeiro critério, pois considera o ponto de vista estatístico. É o fator quantitativo, que sempre se revela provável, in concreto, ou seja, são atividades que a experiência tem demonstrado proporcionar elevado número de acidente. Para exemplificar toma-se o digitador, apesar de a atividade, aparentemente, não apresentar risco, é grande a ocorrência de dano físico, a chamada LER/DORT, inerente aos movimentos repetitivos (LER: lesão por esforços repetitivos; DORT: Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho). Recorrente também a disacusia nos ambientes de trabalho que produzam muito barulho. É uma lesão no epitélio neurosensorial, das células ciliadas do órgão Corti, muito comum no operário que se submete à constante e pernicioso ruído, levando-o à surdez progressiva e permanente.
O que não se mostra razoável é deixar o conceito de risco ao arbítrio do senso comum, pois não se chegará a critério aceitável. No senso comum notam-se dissonâncias cognitivas que geram impropriedades. Proveitoso para assim demonstrar é o transporte. As pessoas confiam muito mais no transporte rodoviário do que no aéreo, embora as estatísticas demonstrem ser mais seguro dar a volta ao mundo voando do que fazer uma longa viagem de automóvel, mormente nas estradas brasileiras que não se coadunam com as normas de segurança, o que é agravado pela constante imprudência dos motoristas.�
Outro critério é o que considera o fator gravidade, também importante porque técnico. Vale mais uma vez como exemplo o mesmo transporte aéreo, cuja probabilidade de acidente é inferior a um em um milhão.� Embora improvável, o desastre aéreo é assaz danoso, porquanto ocorrendo, de regra, raros são os sobreviventes.
Ambos, o fator quantitativo e o fator gravidade, prestam-se à responsabilidade objetiva do parágrafo único, do art. 927, do Código Civil, ante a caracterização do risco nele previsto.
Ademais, a recomendação do direito comparado é no sentido de que ao juiz cabe identificar o risco da atividade mediante análise tópica e na realidade local. Embora não vinculado, o magistrado deve considerar também a legislação e a jurisprudência trabalhista e previdenciária, pois nesse âmbito o direito tem trabalhado afanosamente determinadas atividades como sendo perigosas para efeitos da concessão do respectivo adicional.
Atividades costumeiramente apontadas como de risco relacionam-se ao fornecimento de energia elétrica, com mais ênfase à energia nuclear, à distribuição de combustíveis, à mineração, ao emprego de raios-x, à fabricação de medicamentos, àquelas ligadas a gás, veneno, explosivos, armas de fogo, material radioativo, ou pelo emprego de método de alto potencial lesivo, como controle de recursos hídricos, certas construções edilícias de grande porte, inclusive algumas atividades desportivas como a luta de boxe, a corrida automobilística etc. 
Na I Jornada de Direito Civil, os Juízes Federais concluíram pelo Enunciado 38 que a responsabilidade fundada no risco da atividade "configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.” O enunciado não é muito esclarecedor, por repetir o preceito legal sem outro esclarecimento mais amplo, porém não deixa de servir de parâmetro no sentido de que o risco precisa ser diferenciado, saliente, não é qualquer risco.
Enfim, essas atividades serão desvendadas na análise cada vez mais constante dos casos concretos. É uma figura em construção, como soe acontecer com as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados. De grande valia a jurisprudência que está sendo construída. É que cabe aos juízes, mediante seguro conhecimento dos conceitos aplicados à realidade decorrente, a prudente tarefa de selecionar os casos de incidência da teoria do risco.
2.11 Teorias sobre as atividades de risco
A construção das atividades de risco encontra suporte nas várias teorias elaboradas ao longo de tempo.
A teoria do risco proveito imputa a responsabilidade a quem tira vantagem da atividade danosa, com fundamento no princípio de que onde está o ganho, aí está o encargo (ubi emolumentum, ibi onus). O dano só seria reparado por aquele que colhesse algum proveito do fato lesivo. Abrolham dificuldades. A uma, o que é proveito? É proveito econômico, lucro, ou qualquer outro? A duas, retorna ao angustiante problema do ônus da prova. A vítima teria que provar a obtenção de proveito por partedo agente do ato danoso. Acanha a incidência da teoria do risco.
	A teoria do risco profissional enfatiza que o dever de indenizar cabe somente quando o fato lesivo aninha-se na atividade ou profissão da vítima. Desenvolvida especialmente para os casos de acidentes do trabalho ou por ocasião dele. Pela desigualdade econômica, sobreleva a dificuldade do empregado em produzir prova, mormente nos casos de acidentes em razão das suas próprias condições físicas, quer pelo seu estado de exaustão, quer pela atividade repetitiva que se torna monótona. Essa teoria afasta grande número de acidentes do trabalho. Também restringir a incidência da teoria do risco.
	A teoria do risco administrativo foi concebida para respaldo da responsabilidade civil do Estado. O Estado responde pelo risco criado e inerente à sua atividade administrativa, sem qualquer indagação ao pressuposto subjetivo da culpa. Repartem-se os ônus e encargos sociais resultantes da atuação estatal na perseguição do interesse da coletividade. Aplica-se o princípio constitucional da solidariedade social. Se a atuação do ente ou agente do Estado é para o bem de todos, é justo e equânime, coadunando com a Ética, que o dano sofrido, por um ou alguns, seja distribuído a todos, indistintamente. O risco e a solidariedade social são os suportes dessa teoria, que por partilhar encargos, conduz a mais perfeita justiça distributiva. É a previsão do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que o Código Civil repete no art. 43, cuja redação é deficiente por não se referir às pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
Para explicar a teoria do risco criado ninguém melhor do que o seu paladino Caio Mário da Silva Pereira que a resume na seguinte fórmula: “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou”, e completa:
[...] o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.�		 
	A obrigação de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente; atividade esta que cria risco diferenciado a interesses ou direitos de outrem. Não se cogita nessa teoria, se a atividade se organize de forma empresarial, nem que tenha revertido em proveito de qualquer espécie ao agente do dano, o que seria caso do risco proveito. Do mesmo modo não interessa a profissão exercida pela vítima, o que seria o caso do risco profissional.
	Acórdão proferido pelo 6ª Câmara, do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, pela relatoria do então Juiz Marciano da Fonseca, julgado em 17 de fevereiro de 2004, bem define o risco criado. Destaca-se de seu corpo:
Com a propriedade de sempre, Caio Mário da Silva Pereira esclarece: “Resume, então, a doutrina do risco, desvestida das restrições de ordem técnica, nesta forma: ‘todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou’. O problema será, portanto, de causalidade. ‘Todo fato do homem obriga aquele que causou um prejuízo a outrem a repará-lo’ (Georges Ripert, La Règle Morale, n. 115). Fica, assim, assentado que o dever de reparação funda-se num fato. Ao invés de a responsabilidade assentar numa relação causal entre a culpa e o dano, simplifica-se nesta outra, entre o fato e o dano (entre le fait et le dommage). Os autores modernos, como Jean Carbonnier, explicam: a responsabilidade objetiva ‘não importa em nenhum julgamento de valor sobre os atos do responsável. Basta que o dano se relacione materialmente com esses atos, porque todo aquele que exerce uma atividade deve-lhe assumir os riscos’ (Jean Carbonnier. Droit civil. Obligations, vol. IV, n. 86, p. 292). Fica, pois, assentada no ‘risco criado’. Marty et Raynaud (Droit civil, t. II, vol. I) colocam a questão em termos de causalidade material: ‘responsável é aquele que materialmente causou o dano’ (in RT 826/234-235).
Há de se considerar também, que a doutrina do risco apresenta uma feição extremada, é a teoria do risco integral. Justifica-se o dever de indenizar mesmo em certos eventos em que não é possível estabelecer o nexo de causalidade. A obrigação de indenizar faz-se presente apenas em face do dano, afastadas todas as causas de irresponsabilidade, mesmo o fato exclusivo da vítima ou de terceiro, o caso fortuito ou força maior. Não sem razão, alguns autores usam a expressão responsabilidade automática. Os seus adeptos reservam-na tão-só para casos excepcionais, como os danos nas atividades nucleares. Não poucos são os defensores do risco integral nas atividades relativas ao dano no meio ambiente.� Ver RT 625/251 e 623/31 Ver responsabilidade civil objetiva pura.
	Teoria que deve ser meticulosamente meditada, por conduzir a extremos injustificáveis. 
	Se um raio, força maior advinda da natureza por isso irresistível e invencível, cair em uma mata de reserva natural, o proprietário terá que recompô-la. Se, no entanto, o mesmo raio matar também seu empregado, o empregador estará diante de uma causa de irresponsabilidade, nada terá que indenizar. Valoriza-se mais a mata natural do que a vida humana. 
	Se, atualmente, a família, a sociedade, a propriedade e assim as relações contratuais são funcionalizadas à realização da dignidade da pessoa humana, fundamento da República, para a reconstrução da sociedade, que deixa de ser patrimonialista, para se tornar livre, justa e solidária, objetivo base da Carta Magna, não se pode conceber mera construção técnica – ou até atécnica por desprezar os pressupostos da responsabilidade civil e arredar qualquer causa de irresponsabilidade – em nome da defesa do meio ambiente. Qualificar este direito acima da pessoa humana é desatino. Irrefutável retrocesso, por mais que se queira enfatizar o interesse na preservação da Natureza, o que é sempre necessário, e encontra respaldo na teoria do risco criado, que se presta muito bem para tanto. A dignidade da pessoa humana, prevista em cláusula geral remodeladora das estruturas da dogmática do direito civil, é, fora de dúvida, o ápice do ordenamento jurídico. Destituí-la daí não coaduna com as ciências Ética e Moral, desvirtua o próprio Direito.
	Vale salientar, para cabo e fecho, que é frequente encontrar na jurisprudência referência a uma e a outra dessas teorias, conforme as peculiaridades do caso em julgamento.
2.12 Fontes objetivas
	Pois bem, em síntese a responsabilidade civil objetiva contempla duas situações bem distintas:
a) quando tem sua fonte diretamente na lei, a exemplo dos artigos 936 a 940, as relações de consumo (CDC, arts. 12 e 14), a responsabilidade do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (CF, art. 37, § 6º; CC, art. 43) etc.;
b) quando a sua fonte é a natureza da atividade habitualmente desenvolvida, que coloca em risco os membros da sociedade.
Extrai-se daí que os seus pressupostos são:
a) a conduta prevista em lei ou que desenvolva habitualmente uma atividade de risco;
b) o dano daí decorrente;
c) o nexo de causa e efeito entre uma e outro.
2.13 Confronto de situações de risco
	São desastrosas as estatísticas de acidentes de trânsito. Dirigir automotor é situação de risco, incontestavelmente. A par da premente necessidade de melhor capacitação dos motoristas, maior rigor na fiscalização do trânsito e efetiva melhora nas condições das vias públicas, essa triste e violenta realidade enseja responsabilidade civil.
	Nos acidentes envolvendo dois veículos, isto é, situações em que as duas posições causam risco para os direitos de outrem, a solução que resta é a da responsabilidade civil subjetiva, apurando qual dos motoristas laborou eficazmente para a eclosão do fato lesivo com a sua conduta culposa. Até porque sob a ótica

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