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Reconfiguração da litigância do poder publico

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Reconfiguração da litigância do poder publico
 
 Fredie Didier Jr.
Os sujeitos do processo devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta (boa-fé objetiva). Esse é o princípio da boa-fé processual, que se extrai do texto do inciso II do art. 14 do CPC: Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (…) II – proceder com lealdade e boa-fé. Note que os destinatários da norma são todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, o que inclui, obviamente, não apenas as partes, mas também o órgão jurisdicional. A observação é importante, pois grande parte dos trabalhos doutrinários sobre a boa-fé processual restringe a abrangência do princípio às partes. A vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé nada mais é senão o reflexo do princípio de que o Estado, tout court, deve agir de acordo com a boa-fé e, pois, de maneira leal e com proteção à confiança. Trata-se de uma cláusula geral processual. A opção por uma cláusula geral de boa-fé é a mais correta. É que a infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal [4]. Daí ser correta a opção da legislação brasileira por uma norma geral que impõe o comportamento de acordo com a boa-fé. Em verdade, não seria necessária qualquer enumeração das condutas desleais: o inciso II do art. 14 do CPC é bastante, exatamente por tratar-se de uma cláusula geral. Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos efeitos da tutela prevista no inciso II do art. 273 do CPC. A “boa-fé subjetiva” é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva [6] , à intenção do sujeito do processo: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções. Uma das situações jurídicas criadas a partir do princípio da boa-fé objetiva é o dever de cooperação entre os sujeitos do processo. A importância deste dever é, atualmente, tão grande, que convém separar o seu estudo, dando-lhe um item próprio, que é o seguinte: o princípio da cooperação. Perceba que a correta compreensão das repercussões da boa-fé objetiva no direito processual exige do estudioso o conhecimento da evolução do tema no direito civil, principalmente da teoria do abuso do direito, do exercício inadmissível das posições jurídicas: venire contra factum proprium, supressio, surrectio, tu quoque etc. Sobre o tema, indica-se a leitura da obra de Menezes Cordeiro, amplamente citada ao longo do texto, a tese de Judith Martins-Costa sobre a Boa-fé e os cursos de Direito Civil de Cristiano Chaves-Nelson Rosenvald e Pablo Stolze-Rodolfo Pamplona Filho. Mesmo se não houvesse texto normativo expresso na legislação infraconstitucional, o princípio da boa-fé processual poderia ser extraído de outros princípios constitucionais. A exigência de comportamento em conformidade com a boa-fé pode ser encarada como conteúdo de outros direitos fundamentais. O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgão, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça. Todas essas opções são dogmaticamente corretas. Adota-se a do STF, principalmente em razão de um aspecto prático: a caracterização do devido processo legal como uma cláusula geral é pacífica, muito bem construída doutrinariamente e aceita pela jurisprudência. É com base nesta garantia que, no direito estadunidense, se construiu o dever de boa-fé processual como conteúdo da garantia do fair trial. É mais fácil, portanto, a argumentação da existência de uma dever geral de boa-fé processual como conteúdo do devido processo legal. Afinal, convenhamos, o processo para ser devido (giusto, como dizem os italianos, eqüitativo, como dizem os portugueses) precisa ser ético e leal. Não se poderia aceitar como justo um processo pautado em comportamentos desleais ou antiéticos.

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