Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
C A P Í T U L O 2 1 Introdução Fungos são microrganismos eucarióticos, heterotrófi cos e vivem de forma sa- profítica no ambiente. Nesse meio, atuam como decompositores da matéria orgânica e constituem um dos principais grupos de organismos responsáveis pela ciclagem de nutrientes. Possuem duas formas principais de crescimento: por fi lamentos ou hifas, multiplicando-se por meio de conídios (esporos), ou unicelular, na forma de levedura, multiplicando-se por brotamento. A forma fi lamentosa possui crescimento localizado, podendo atingir até poucos me- tros de distância, enquanto a forma leveduriforme permite que as células se dispersem por espaços ainda maiores quando carregadas em meio aquoso. Os fungos utilizam o sistema de excreção de diversas enzimas líticas para o meio extracelular e nutrem-se por meio da absorção das moléculas resultan- tes dessa digestão diretamente a partir do substrato. Por estarem adaptados a um meio escasso em nutrientes, o parasitismo constitui uma característica acidental, pois é desnecessário para a sobrevivência desses organismos. Fungos causam doenças genericamente chamadas micoses, que são pou- co comuns em pacientes imunocompetentes. Muitas das micoses profundas, viscerais e sistêmicas só se tornaram conhecidas no início do século XIX, ob- servadas em pacientes comprometidos e, normalmente, após a morte. O au- mento das doenças causadas por fungos, desde a década de 1950, deve-se à introdução de corticoterapia, imunossupressão em transplantados e, a partir da década de 1980, pelo surgimento da SIDA. O tipo de infecção (superfi cial ou sistêmica), a suscetibilidade à espécie causadora e a gravidade da doença são características associadas a diferentes defeitos da resposta imunológica ou ao próprio mecanismo de resposta. Moléculas elicitoras Os fungos possuem morfologia e moléculas únicas, que os diferenciam dos outros organismos. Além disso, existe grande variabilidade quanto aos tipos de moléculas produzidas entre os organismos desse reino. As moléculas es- truturais (constituintes naturais da parede) e excretadas (proteínas, enzimas e toxinas) são as principais desencadeadoras da resposta imunológica, pois compõem a superfície do organismo e/ou estão em contato direto com o ambiente, e têm sido alvo de pesquisa para o desenvolvimento de vacinas. Já as moléculas intracelulares dependem de uma lesão na parede do orga- nismo para entrar em contato com o meio. Algumas moléculas que são pra- Mariana Carissimi • Valeriano Antonio Corbellini • Maria Lúcia Scroferneker Imunologia dos fungosImunologia dos fungosImunologia dos fungos 232 Imunologia Básica e Aplicada ticamente invariáveis e indispensáveis para a so- brevivência dos microrganismos que as possuem formam o que se chama de “padrões moleculares associados aos patógenos” (pathogen-associated molecular patterns ou PAMPs). Essas moléculas podem ser reconhecidas pelos fagócitos (sistema imune inato) por meio de receptores de superfí- cie celular (toll-like receptors ou TLRs). Os com- ponentes estruturais que mais comumente cau- sam resposta são: – glucana: intercala-se com a quitina (longa cadeia linear de acetilglicosamina e princi- pal molécula da parede fúngica), conferin- do-lhe rigidez. É uma cadeia ramificada de unidades de glicose. É alvo de reconheci- mento de anticorpos; – manana: como a glucana, mas constituída de unidades de manose. Principal molécula de parede das leveduras. Reconhecida por re- ceptores específicos (TLRs) para PAMPs e por receptores de superfície celular de macrófa- gos (monocyte mannose receptors, MMR). Polímeros derivados, como ramnomananas e galactomananas, inibem a fagocitose por macrófagos; – melanina: protege o organismo contra radi- cais reativos (superóxido, peróxido) excreta- dos pelos neutrófilos do hospedeiro; – fenoloxidase: catalisa a deposição de mela- nina na parede de alguns fungos. Está liga- da à membrana do organismo. Por estar relacionada à melanina, sua expressão é considerada fator de virulência em Cripto- coccus neoformans. Algumas das proteínas excretadas compreen- dem: – fosfolipases: enzimas que degradam fosfo- lipídios de membrana, consideradas fator de virulência para algumas espécies; – proteases: degradam proteínas. As mais es- tudadas são as elastases, que degradam a elastina constituinte do tecido conjuntivo frouxo. Constituem fonte de ativação do sistema humoral; – esterases: degradam o colesterol presente na membrana das células, além de outros esteróides. São consideradas fator de viru- lência; – catalase: enzima que degrada o peróxido produzido pelos neutrófilos do hospedeiro. Outras moléculas são expressas apenas quan- do o fungo está em contato com o hospedeiro, como é o caso de fungos dimórficos, isto é, fun- gos que mudam de forma de acordo com o am- biente. O dimorfismo pode ser ativado pela mu- dança de temperatura, pela tensão de gás car- bônico ou por condições nutricionais. Exemplos de fungos que possuem dimorfismo (com fase saprofítica filamentosa e fase parasitária levedu- riforme): Blastomyces dermatitidis, Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, Sporo- thrix schenckii, Wangiella dermatitidis, Candida albicans, Pneumocystis jiroveci e Foncecaea pe- drosoi. O dimorfismo pode ser considerado uma forma de virulência, pois, quando esses fungos perdem a capacidade de fazer a modificação morfológica, também se mostram menos invasi- vos e mais suscetíveis à resposta imunológica. IMUNIDADE AOS FUNGOS O principal mecanismo de defesa em relação às micoses está intimamente relacionado aos com- ponentes do sistema imune inato, tais como in- tegridade da pele, o pH de secreções, presença de proteases (lisozima), cílios (trato respirató- rio), bem como os próprios macrófagos teciduais (principalmente macrófagos alveolares e células de Langerhans) e polimorfonucleares. Os mecanismos imunológicos de resposta aos fungos são principalmente de origem celular, en- volvendo neutrófilos, macrófagos, linfócitos e, em menor extensão, as células NK (natural-killer cells). As células envolvidas com a fagocitose de fun- gos (principalmente leveduriformes) são os po- limorfonucleares e os macrófagos. Enquanto os neutrófilos apresentam atividade fagocítica mais efetiva, os macrófagos podem tê-la comprometi- da em virtude da composição química da parede celular do fungo (cápsula, quitina). Os neutrófilos secretam substâncias que evi- tam o crescimento das hifas e a invasão da der- me, restringindo sua localização às camadas su- perficiais da pele. A interação inicial entre os neutrófilos e os fungos ocorre por intermédio dos peptidomana- nos. Inicialmente, o neutrófilo se liga à superfície da hifa e, posteriormente, ocorre a ligação aos componentes internos das hifas, que se tornam acessíveis após estas terem sido danificadas. O próprio manano pode servir como fator de inibi- 233Imunologia dos fungos ção da interação entre neutrófilos e os microrga- nismos quando ele é secretado no meio. Os mecanismos bioquímicos envolvidos na destruição de partículas fúngicas fagocitadas por neutrófilos compreendem processos oxidativos e não-oxidativos que se desenvolvem nos fagoli- sossomas antes e após a fusão com grânulos azu- rofílicos ou específicos. O mecanismo de interação dos monócitos e macrófagos com o fungo é semelhante ao dos neutrófilos. A atividade fagocítica de monócitos sobre hifas de Candida albicans envolve reações oxigênio-dependentes mediadas por mielopero- xidase, histonas microbicidas e intermediários ni- trogenados reativos como o óxido nítrico (NO). Há diversas evidências para o envolvimento dos linfócitos T nas infecções fúngicas: a) em pacientes portadores de SIDA, nos quais já estão ocorrendo infecções oportunistas, há uma correlação entre o surgimento das infecçõesfúngicas e o comprometimento dos linfócitos TH; b) é possível transferir resistência à candidía- se sistêmica com células TH de animais imu- nizados contra Candida para animais não- imunizados; c) o desequilíbrio da relação entre linfócitos TH1 e TH2 pode contribuir para o perfil de anormalidades imunológicas em pacientes acometidos por infecções fúngicas crônicas, sendo que TH1 está relacionado à proteção, enquanto a resposta TH2 contribui com o detrimento do hospedeiro; d) células T apresentam atividade antifúngica direta contra fungos oportunistas, como Cryptococcus neoformans e Candida al- bicans. Em modelos experimentais de in- fecção por Cryptococcus neoformans, esses linfócitos foram caracterizados como TH1. No caso de linfócitos periféricos de sangue humano, foi observado que tanto células TH como células T-citotóxicas e NK pro- moveram a fungistase in vitro. Em culturas in vitro de células linfóides em presença de IL-2, também pôde ser observada a ini- bição do crescimento das hifas de Candida albicans. A atividade antifúngica foi pro- movida tanto por linfócitos T-citotóxicos como por timócitos e células NK. A resposta imune antifúngica pode ser dimi- nuída quando ocorre o comprometimento de sua expressão ou pela presença de células ou fatores supressores. Os fatores supressores da prolifera- ção de linfócitos T na candidíase crônica são ge- ralmente os mananos. Além disso, os mananos extraídos do sangue de paciente poderiam inibir o rompimento dos neutrófilos e a liberação da mieloperoxidase. Apesar da forte interação en- tre mieloperoxidase e mananos, não foi possível demonstrar que estes alteram a atividade da en- zima. Outros agentes supressores são as prosta- glandinas produzidas por macrófagos. Nesses casos em que a atividade supressiva está ligada a antígenos dos fungos, a terapia an- tifúngica tem sido acompanhada da perda des- ses fatores supressores no sangue. A resposta humoral específica depende da pro- dução de anticorpos por plasmócitos devidamen- te programados. Falhas na produção de anticor- pos não estão associadas com suscetibilidade ou diminuição da resistência a infecções fúngicas. A imunidade aos fungos envolve também fa- tores inespecíficos presentes no plasma, que am- pliam sua ação (complemento ativado pela via al- ternativa, properdina) ou que afetam a resposta das células T (substâncias bloqueadoras e imuno- complexos circulantes). Os antígenos fúngicos estimulam a produção de anticorpos que podem ser detectados com técnicas sorológicas. O comprometimento na produção de linfocinas está relacionado diretamente com a cronicidade de infecções fúngicas, tais como a coccidioidomi- cose e a candidíase mucocutânea crônica. C. albi- cans é capaz de estimular a produção de TNF por macrófagos e monócitos; e tem sido proposto que a produção desta citocina constitui um mecanismo autócrino para controle da infecção por Candida. Também está demonstrada a relação da produção de citocinas com a resposta imune de pacientes imunodeficientes com infecções fúngicas crônicas. O tratamento com transferência de fatores espe- cíficos (extrato de leucócitos normais) é capaz de restabelecer a capacidade dos linfócitos T desses pacientes de expressar hipersensibilidade tardia e secretar o fator inibitório de migração de macrófa- gos, linfocina funcionalmente similar ao IFN-γ. Enquanto nas infecções sistêmicas os neutró- filos, os monócitos, os macrófagos, os anticorpos e o complemento podem contribuir para a defe- sa do hospedeiro, nas infecções mucocutâneas os linfócitos T e as citocinas são, aparentemente, os maiores contribuintes para o sistema de defesa (Figura 21.1). 234 Imunologia Básica e Aplicada Algumas micoses de importância clínica Aspergilose Os agentes etiológicos causadores da aspergilose são os fungos do gênero Aspergillus. A maioria dos casos relatados em humanos está relacionada à espécie Aspergillus fumigatus, seguida em fre- qüência por Aspergillus flavus e Aspergillus niger. Trata-se de um gênero cosmopolita, amplamente distribuído no ambiente. A infecção ocorre pela aspiração de conídios ou fragmentos de hifas, que no trato respiratório germinam e formam o micé- lio. A progressão da doença depende da presen- ça de fatores de virulência expressos pelo fungo, como a forma de atacar os tecidos hospedeiros, ou então de evadir do seu sistema imunológico. Esse gênero possui diversas enzimas líticas, como elastases e proteases. A catalase também é impor- tante na proteção contra radicais peróxidos. Hifas de A. fumigatus ativam o sistema complemento, tanto pela via clássica quanto pela via alternativa em indivíduos normais. Isso resulta na geração de um potente fator quimiotático (provavelmente C5a). Os conídios (esporos), ao contrário, são inca- pazes de gerar uma resposta pela via clássica por não estimularem a produção de anticorpos. O desenvolvimento da doença está relacionado principalmente a disfunções em neutrófilos, uma vez que indivíduos neutropênicos têm alta incidên- cia e mortalidade quando não tratados. A quimio- cina MCP-1/CCL2, quimiotática para células NK (na- tural-killer) e monócitos, é responsável pelo recruta- mento dessas células na ausência de uma imunidade inata adequada. Quando sua expressão está reduzi- da, há maior incidência de aspergilose invasiva em indivíduos neutropênicos. Em pessoas que sofrem corticoterapia, o risco de doença está associado à disfunção de macrófagos e de células T. Candidíase Candidíase é a infecção causada pelos fungos di- mórficos do gênero Candida. O causador etioló- gico é Candida albicans, microrganismo natural da flora mucocutânea oral e mucosa genital femi- nina. Os fatores que predispõem os indivíduos a infecções graves incluem quimioterapia ou trans- plantes (especialmente de fígado), cateterismo, diabetes e uso de contraceptivos. C. albicans tem se tornado a maior causa de morbidade entre pa- cientes infectados com HIV. Figura 21.1. Mecanismos das respostas imunes humoral e celular nas infecções fúngicas. Fungos IL-10 IL-12 IL-18 Opsoninas Neutrófilos Macrófagos Células dendríticas Superfície mucosa IL-10 IL-12 IL-4 TGF-β IL-10 TNF IFN-γ IL-4 IL-5 Linfócito T Ativação de linfócitos e liberação de citocinas Fagocitose e desgranulação de neutrófilos Treg TH1 TH2 235Imunologia dos fungos A infecção oral é mais comum em pacientes com candidíase mucocutânea crônica, quimiote- rapia em tumores tipo linfoma ou hematológicos, transplantes alogênicos de medula óssea e SIDA. A candidíase sistêmica disseminada via sangue (candidemia) ocorre, na maioria das vezes, em pa- cientes neutropênicos. A colonização e o estado patológico, no entanto, respondem a diferentes fatores, dependendo do local afetado, se oral ou genital. Enquanto o tratamento com antibióticos e variações hormonais causa maior incidência de infecção vulvovaginal, a corticoterapia predispõe à infecção oral. A proteção contra C. albicans nas mucosas está associada à atividade de linfócitos TH1 CD4+. Cé- lulas T CD8+ podem ter papel sobre a inibição do crescimento, pelo contato das integrinas CD11b/ CD18, mas não via MHC. Apesar de C. albicans induzir a produção de anticorpos, poucos são os dados que evidenciam sua função no controle da infecção, já que pa- cientes com anormalidades em linfócitos B não apresentam maior incidência desse microrganis- mo. É mais provável que ajam como opsoninas ou, então, na diminuição da aderência das célu- las do microrganismo. A principal defesa contra candidíase sistêmi- ca são os neutrófilos. A citocina GM-CSF (gra- nulocyte-monocyte stimulating factor) aplicada como adjuvante em transplantados de medula ós- sea e com infecções fúngicas graves está associadaao aumento na sobrevivência, principalmente nos casos de infecções por Candida. Criptococose Criptococcus neoformans é um fungo cosmopo- lita e freqüentemente causa meningoencefalites em pacientes imunocomprometidos, acometen- do ocasionalmente pessoas imunocompetentes. Único fungo que cresce na forma de levedura tanto no ambiente quanto no hospedeiro. O maior fator de virulência é a cápsula polissaca- rídica composta de glucuronoxilomanano (GXM) e outros componentes em menor quantidade como galactoxilomanano e manoproteínas. A infecção por C. neoformans induz a produ- ção de TNF-α e IL-12 por neutrófilos, além de en- gatilhar a liberação de IL-12 e TNF-α por monóci- tos e macrófagos. Há evidências de que a resposta efetiva contra essa espécie se dá através de linfó- citos TH1, estimulados pelo aumento de IL-12Rγ2, causando reação granulomatosa. O GXM é reconhecido pelos TLR de macrófa- gos e de outros fagócitos (TLR-4, CD14 e CD18), mas as respostas inatas são dependentes da liga- ção de anticorpos específicos na cápsula. A inter- nalização das células por células apresentadoras de antígenos (antigen presenting cells, ou APCs) via FcγR provoca o aumento da expressão de B7- 1 (CD80), contribuindo para a amplificação da resposta TH1. Blastomicose Blastomyces dermatitidis é o agente etiológico da blastomicose. Conídios inalados iniciam a in- fecção e, em temperatura corpórea, convertem- se em leveduras invasivas, causando uma infec- ção primária aguda ou crônica do sistema respi- ratório. Muitas vezes a doença pode manifestar- se por lesões cutâneas, mas o fungo é capaz de infectar qualquer órgão. Macrófagos têm se mostrado importantes contra blastomicose. Eles são capazes de se li- gar à adesina WI-1 isolada de B. dermatitidis por meio das integrinas CD11b/CD18, do recep- tor CR3 (complemento) e com menor afinidade à CD14. O mesmo imunógeno WI-1 ativa a pro- dução de TNF-α e acredita-se que a progressão da infecção se deve à desregulação da secreção dessa citocina. O uso de IL-12 como adjuvante de WI-1 na imunização em modelo murino induziu a resposta TH1, produção de IgG2a e aumento de reações de hipersensibilidade tardia, bem como da imunidade celular. A superfície celular de B. dermatitidis também é capaz de ativar o sistema complemento. Anticor- pos que ocorrem naturalmente contra a ß-gluca- na desse fungo iniciam a ligação de C3, iniciando a via clássica. No entanto, apesar da via alternati- va também ser ativada, os sítios disponíveis para a fração C3b são topologicamente isolados, tornan- do essa rota menos eficiente na opsonização. O complemento promove a adesão dos fagócitos a B. dermatitidis e é requerido para a lise mediada por neutrófilos. Coccidioidomicose Infecção do trato respiratório superior que pode ser resolvida instantaneamente ou progredir para 236 Imunologia Básica e Aplicada uma doença sistêmica grave. A doença dissemina- da pode incluir a colonização de qualquer órgão visceral ou meninges, ossos, articulações e tecidos subcutâneos ou cutâneos. Coccidioides immitis é um fungo dimórfico, pa- togênico, com prevalência na região meridional da América do Norte e em regiões isoladas das Américas Central e do Sul. A infecção é iniciada pela inalação dos artroconídios, os quais in vivo convertem-se em esférula ou em um esporângio. A coccidioidomicose normalmente é benigna, res- trita às vias superiores do sistema respiratório, e a infecção pode se resolver espontaneamente ou progredir para uma doença sistêmica grave. As es- férulas são estruturas cobertas por uma matriz ex- tracelular que restringe o acesso dos neutrófilos, garantindo resistência ao microrganismo. Solu- ções solúveis obtidas da parede conidial (esporos) demonstraram ser antigênicas tanto em relação à imunidade celular quanto à imunidade humo- ral, mas têm propriedades antifagocíticas quando confrontadas com neutrófilos. A suscetibilidade relaciona-se à imunidade celular, uma vez que indivíduos com coccidioi- domicose disseminada demonstram anergia de imunidade celular, principalmente de células dendríticas, enquanto aqueles com infecção pri- mária resolvida respondem aos antígenos com a produção de citocinas pró-inflamatórias de res- posta tipo TH1, como IFN-γ e IL-2. Nessa infecção, as células dendríticas têm papel crucial na ativa- ção de linfócitos T. Histoplasmose Histoplasma capsulatum é um fungo patogênico intracelular, dimórfico, de importância mundial. A infecção ocorre pela inalação de conídios ou frag- mentos de hifas. Ao serem inalados, os microconí- dios transformam-se em leveduras, que são fago- citadas pelos macrófagos residentes no pulmão. A internalização é mediada pelo receptor CD18. Após a fusão do fagossomo com o lisossomo, o microrganismo encontra o ambiente propício para a proliferação. O macrófago alveolar é des- truído, há a liberação das leveduras para o meio, as quais serão fagocitadas por outros macrófagos recrutados. A repetição desse ciclo leva à infecção dos órgãos linfóides e outros tecidos do corpo. A maioria dos casos é assintomática e inapa- rente. Os casos clínicos comumente observados são: síndrome pulmonar aguda, síndrome cavi- tária crônica, síndrome sistêmica disseminada e síndrome ocular. A inibição do crescimento intracelular é me- diada pelas citocinas GM-CSF, IL-3 ou M-CSF. A razão da preferência pela multiplicação em fa- golisossomos é desconhecida. Recentemente foi relatado que células den- dríticas imaturas também são capazes de fagoci- tar células leveduriformes de H. capsulatum sem opsonização. Além disso, a via de interiorização é mediada pelo receptor de fibronectina VLA-5. Sugere-se que a apresentação de antígenos de H. capsulatum via células dendríticas seja mais eficiente. Paracoccidioidomicose Paracoccidioides brasiliensis é o agente etioló- gico da paracoccidioidomicose, uma micose sis- têmica de ocorrência predominante na América Central e Latina. É um fungo dimórfico, depen- dendo primariamente da temperatura para fazer sua conversão. Embora P. brasiliensis tenha sido coletado de solos e que existam evidências de que habite ambientes rurais, seu hábitat natural e ecologia permanecem desconhecidos. Nos am- bientes onde provavelmente ocorre, desenvolve hifas aéreas e produz conídios próprios para dis- persão aérea; quando inalado, pode alcançar os alvéolos pulmonares. Uma vez no trato respiratório, os conídios se desenvolvem em leveduras e atingem a circulação sangüínea via linfonodos e podem chegar a ou- tros órgãos. Dependendo do estado imunológico do indivíduo, a infecção pode regredir esponta- neamente ou evoluir para quadros mais graves. As formas mais comuns da doença vão de qua- dros subclínicos até formas pulmonares primárias, agudas e crônicas, formas agudas/subagudas dis- seminadas (comuns em crianças e adultos jovens) e formas disseminadas. O principal mecanismo de defesa está associado à atividade de células T. Neutrófilos e macrófagos podem exercer um efei- to sinergístico inibitório sobre o crescimento do fungo. Neutrófilos são inibidos na presença de IL- 4, enquanto INF-γ estimula a produção de óxido nítrico pelos macrófagos e a habilidade fungicida. A diminuição de linfócitos T CD8+ também leva a formas mais graves concomitante com reações de hipersensibilidade tardia proeminentes. As formas iniciais da doença estão associadas à produção de baixos níveis de anticorpos e rea- 237Imunologia dos fungos ções de hipersensibilidade do tipo tardia positi- vas. Essas respostas são mediadas por linfócitos TH1. As formas disseminadas graves associam-se a altas quantidades de anticorpos e anergia de hipersensibilidade e são mediadas por linfócitos TH2. Nesses casos, ocorre uma alta produção de IL-4, IL-5, IL-10, TGF-β, de anticorpos do tipo IgE, IgG4 eIgA, além de quadros de eosinofilia e bai- xa secreção de IFN-γ. Lobomicose Lobomicose é uma infecção crônica, localizada, cutânea ou subcutânea, caracterizada por lesões quelóides, verrucosas, infiltradas ou nodulares com ulcerações secundárias derivadas de danos traumáticos. Também denominada doença de Jorge Lobo, foi identificada por esse pesquisador no Brasil e tem como agente etiológico o fungo da espécie Lacazia loboi. Tem sido reportada ape- nas na região amazônica, afetando trabalhadores rurais que mantêm contato constante com o solo e com a vegetação. Pouco se sabe sobre a imunologia desse fun- go, que ainda não pôde ser isolado em meio de cultura e infecta indivíduos aparentemente sau- dáveis. Achados histopatológicos evidenciam a presença de linfócitos T e B, além de numerosas células NK no local da infecção. Testes sorológicos apresentam reação cruzada com P. brasiliensis. A presença de citocinas do tipo TH2, como IL-4 e IL-6, é prevalente em indivíduos infectados. Ambas são necessárias à indução de linfócitos B, mas não foi comprovada a relação de IL-6 com o estímulo de proteínas de fase aguda nesse caso. Indivíduos com lesões multifocais possuem maior quantidade de INF-γ no soro (imunidade celular), possivelmente devido ao estímulo antigênico, acar- retando o incremento da imunidade celular local (principalmente linfócitos T e células NK). Cromoblastomicose Cromoblastomicose é uma infecção localizada e crônica de tecidos cutâneos e subcutâneos. É cau- sada por fungos melanizados, sendo Fonsecaea pedrosoi, Cladophialophora carrionii (Clados- porium carrionii) e Phialophora verrucosa seus principais agentes, além de Foncecae compacta, Rhinocladiella aquaspersa, Exophiala spinifera, Cladophialophora arxii, Phaeosclera dematioi- des, Wangiella (Exophiala) dermatitidis, todos pertencentes à família Dematiaceae. A infecção do tecido ocorre após o trauma. Na ausência de tratamento adequado, há o desenvolvimento de lesões verrucosas tipo couve-flor, algumas vezes perdurando por mais de 30 anos. Essas lesões apresentam uma reação granulomatosa associa- da à fibrose na derme e em tecidos subcutâneos. A cromoblastomicose ocorre muitas vezes em indivíduos sem doença ou debilitação aparente. A resistência natural à infecção é alta em indi- víduos normais, e a doença ocorre apenas sob circunstâncias de exposição e trauma repetidos. Acredita-se que possa existir suscetibilidade ge- nética. Outros fatores de risco constituem trans- plante de órgãos e terapia com corticóides. A hi- persensibilidade foi demonstrada em pacientes com cromoblastomicose verrucosa, mas diminui após a cura clínica. Pouco é sabido sobre as reações imunológicas contra esses fungos. Um estudo epidemiológico recente mostrou que pacientes com cromoblas- tomicose possuem altos títulos de IgA e IgM, e que isso se deve a uma constante exposição dos indivíduos aos antígenos presentes nos tecidos infectados. Esporotricose Esporotricose é uma micose crônica causada pelo fungo Sporothrix schenckii. Esse fungo está dis- tribuído amplamente na natureza e apresenta, como todo fungo dimórfico, forma micelial sa- profítica, quando cresce sobre materiais vegetais e no solo, e forma de levedura após a infecção. Para a inoculação é necessário que ocorra um trauma na pele ou a inalação dos conídios. Os conídios ou fragmentos de hifa constituem as partículas infectantes. A infecção geralmente resulta em nódulos cutâneos supurativos e gra- nulomatosos, que se espalham a partir do ponto de inoculação ao longo das vias linfáticas. Tais nódulos contêm grupos de neutrófilos e macró- fagos com leveduras fagocitadas que podem re- sistir à lise por até seis meses, excretando a fosfa- tase ácida como defesa no ambiente intracelular. Clinicamente pode ser dividida em cinco cate- gorias: esporotricose linfocutânea, cutânea fixa, mucocutânea, extracutânea (ou disseminada) e pulmonar primária. A esporotricose extracutâ- nea pulmonar ou a disseminação hematogênica são extremamente raras, e formas clínicas mais 238 Imunologia Básica e Aplicada graves estão associadas a pacientes imunocom- prometidos ou com alterações na imunidade ce- lular. Em áreas endêmicas, pessoas desenvolvem hipersensibilidade sem apresentar sinais clínicos. A produção de anticorpos contra enzimas excretadas pelo fungo (como algumas serino- proteases) é alta desde a primeira semana de infecção até a resolução e a cura dos nódulos infectados. Uma pesquisa realizada em mode- lo murino mostrou que anticorpos específicos podem participar no controle da infecção, uma vez que a mesma titulação de IgG foi mantida durante todo o período de infecção. A observa- ção de altos níveis de IgG1 pode funcionar como um mecanismo importante de neutralização por meio da opsonização do antígeno. Pneumocistose A infecção com o fungo Pneumocystis jirovenci é a causa mais significante de morbidade e mor- talidade entre pacientes imunocomprometidos, e a pneumonia causada por esse microrganismo é emergente em indivíduos com SIDA. Não só a deficiência em linfócitos T CD4+ nesses indivíduos pode confirmar os altos índices de infecção. As anormalidades em outras funções de linfócitos T, como proliferação, produção diminuída de lin- focinas e reconhecimento alterado de antíge- nos, contribuem para a suscetibilidade. Em es- tudo com modelo murino, foi sugerido que as moléculas co-estimulatórias CD28 e CD2, ambas presentes em linfócitos T CD4+, porém alteradas pela infecção de HIV, são responsáveis, em gran- de parte, pela sinalização para a proliferação de linfócitos T. No entanto, essa deficiência é supri- da pela ação de linfócitos T CD8+, que, em condi- ções normais, contribuem nas respostas tardias. Infecções mais graves ocorrem quando há dimi- nuição de linfócitos T CD4+ e T CD8+ concomi- tantemente. Outros estudos demonstraram que camundongos deficientes de linfócitos B sofre- ram maior índice de infecção com P. jirovenci. Foi evidenciado que linfócitos B agem preferencial- mente como APCs e modulam a proliferação de linfócitos T CD4+, pois a produção de anticorpos somente é incapaz de suprimir a doença. A op- sonização mediada tanto por anticorpos quan- to pelo complemento pode facilitar, mas não é suficiente para garantir a proteção contra uma infecção primária. Corroborando esses dados, macrófagos pulmonares residentes são capazes de reconhecer P. jirovenci por meio de um TLR para a β-glucana preferencialmente quando as leveduras estão opsonizadas. Zigomicoses Absidia sp. é um agente relativamente raro em humanos, sendo registrada com mais freqüência em animas. No entanto, foi provavelmente o pri- meiro tipo de zigomicose pulmonar relatada em humanos. Tem sido também relatado como agen- te causador de meningite, seguida de dano cere- bral interno, e de casos de infecções cutâneas em pacientes imunocompetentes, ou com leucemia e SIDA. Foram reportados casos de infecção renal em pacientes sidéticos, usuários de drogas intraveno- sas e zigomicose rinocerebral em pacientes neutro- pênicos e diabéticos. Espécies de Mucor causam zigomicose gástrica e pulmonar. Existem relatos de infecções mucocu- tâneas, cutâneas, rinocerebrais e artrite séptica. Em geral, membros da ordem Mucorales cau- sam as formas mais graves de zigomicose, prin- cipalmente os do gênero Rhizopus, enquanto os da ordem Entomophtorales causam doenças crô- nicas na mucosa nasal e em tecidos subcutâneos. Infecções por Rhizopus são raras em pacientes imunocompetentes e usualmente presentes como lesões cutâneas após a implantação traumática de elementos fúngicos pela pele. Normalmente, as lesões permanecem localizadas no sítio inicial de inoculação e respondem bem a tratamentos locais e terapia antifúngica. No entanto, a zigo- micose em pacientes debilitadosé aguda e ful- minante. A doença envolve tipicamente a área rinofaciocranial, pulmões, trato gastrintestinal, pele ou, menos comumente, outros sistemas. Está muitas vezes associada a diabetes, desnutrição, queimaduras graves, abuso de drogas intraveno- sas e outras doenças, como leucemia e linfoma, terapia imunossupressiva ou uso de citotoxinas e corticosteróides, terapia com desferoxamina e outros traumas maiores. Relatos de infecções em pacientes HIV-positivos vêm aumentando. Infecção rinocerebral é a forma mais comum da doença e está associada com diabetes melito agudo e não-controlado ou acidose. Foi obser- vado que a quimiotaxia, a fagocitose e a ativi- dade oxidativa de neutrófilos são deficientes em pacientes com essa doença. O tratamento com GM-CSF, no entanto, é capaz de reverter as anor- malidades de neutrófilos e aumentar a ativida- 239Imunologia dos fungos de de superóxido de neutrófilos. Outros fatores de predisposição incluem hiperglicemia induzida por esteróides, especialmente em pacientes com leucemia ou linfoma, os transplantados renais e aqueles que recebem tratamento concomitante com corticosteróides e azatioprina, e em pacien- tes com alcoolismo crônico. Ptiríase Malassezia furfur é um fungo leveduriforme, uni- celular e lipofílico que faz parte da microflora natural da epiderme humana. Sob influência de diversos fatores, as espécies de Malassezia podem se tornar patogênicas, causando ptiríase versico- lor, foliculite e dermatite seborréica, existindo evidências de que contribuam nas reações infla- matórias da dermatite atópica. Células dendríticas derivadas de monócitos imaturos são capazes de internalizar as células de M. furfur por meio de receptores para mano- se (TLRs). Essa internalização leva à maturação e à produção de citocinas, principalmente TNF-α e IL-12 por essas células. Nos casos de infecção por M. furfur, as células dendríticas com maturação ativada pelo fungo induzem a proliferação de linfócitos T, mas não a polarização TH1/TH2. A função alergênica desse microrganismo está as- sociada à produção de IL-18, estímulo da secre- ção de IL-4 e liberação de histamina pelos mastó- citos, bem como produção de IgE. Dermatofitoses A infecção por dermatófitos afeta de 20% a 25% da população mundial. Não são considerados fun- gos oportunistas, pois freqüentemente infectam indivíduos saudáveis. Os agentes etiológicos são Epiderophyton floccosum, Trichophyton rubrum, T. mentegrophytes, T. violaceum, T. verrucosum, Microsporum canis e M. gypseum. Causam infec- ções superficiais da pele, genericamente deno- minadas tíneas. A prevalência se deve ao nível socioeconômico e às baixas condições sanitárias. Outros fatores que contribuem são o contato en- tre pessoas, contato com animais, uso de antibió- ticos, corticosteróides e drogas antineoplásicas. Reações de hipersensibilidade tipo I a derma- tófitos estão associadas a infecções crônicas e al- tos títulos de anticorpos. A infecção crônica pode estar envolvida, em alguns casos, com asma alér- gica e urticária em pacientes sem histórico fami- liar desses quadros. A hipersensibilidade tardia está associada a infecções agudas que tendem a se resolver espontaneamente. As células dendríticas podem ser relevantes para o desenvolvimento da resposta imune a der- matófitos devido à sua localização anatômica. Os queratinócitos desempenham papel crucial na maturação de células dendríticas por meio da produção de IL-1, GM-CSF e TNF-α, e provavel- mente determinam o tipo de resposta pela se- creção de moduladores da resposta inflamatória, influenciando a natureza e a concentração dos determinantes antigênicos nos diferentes sítios de infecção, seja ela aguda ou crônica. Sedosporiose Os fungos das espécies Scedosporium apiosper- mum e S. prolificans são responsáveis por causar infecções fúngicas graves e difíceis de tratar em pacientes com SIDA. O principal problema é a re- sistência a drogas antifúngicas. Normalmente, a infecção permanece crônica em tecidos subcutâ- neos. A doença invasiva causada pela espécie S. apiospermum é relatada em casos de pacientes imunocomprometidos. É provável que seja mais freqüente em pacientes com SIDA, pois a infecção pelo HIV inibe a função dos fagócitos. A morbi- dade pode ser revertida nesses casos pelo trata- mento com G-CSF, GM-CSF e/ou INF-γ. Já na infec- ção causada por S. prolificans, o principal fator de risco é a neutropenia em pacientes com tumores hematológicos. A citocina G-CSF pode acelerar a recuperação da função dos neutrófilos e a respos- ta antifúngica. Bibliografia Abzug MJ, Walsh TJ. Interferon-γ and colony-stimulating factors as adjuvant therapy for refractory fungal infections in children. Pediatr Infect Dis 2004; 23:769-73. Al-Abdely HM. Management of rare fungal infections. Curr Opin Infect Dis 2004; 17:527-32. Beck JM, Blackmon MB, Rose CM, Kimzey SL, Preston AM, Green JM. T cell costimulatory molecule funtion determines susceptibility to infection with Pneumocystis carinii in mice. J Immunol 2003; 171:1969-77. Buentke E, Heffler LC, Wallin RPA, Löfman C, Ljunggren HG, Scheynius A. The allergenic yeast Malassezia furfur induces maturation of human dendritic cells. Clin Exp Allerg 2001; 31:1583-93. 240 Imunologia Básica e Aplicada Casadevall A, Feldmesser M, Pirofski L. Induced humoral immunity and vaccination against major human fungal pathogens. Curr Op Microb 2002; 5:386-91. Deepe Jr. GS. Prospects for the development of fungal vaccines. Clin Microb Rev 1997; 10(4):585-96. Esterre P, Jahevitra M, Andriantsimahavandy A. Humoral immune response in chromoblastomycosis during and after therapy. Clin Diag Lab Immunol 2000; 7(3):497-500. Falahati M, Akhlaghi L, Lari AR, Alaghehbandan R. Epidemiology of dermatophyto- ses in an area south of Tehran, Iran. Mycopathol 2003; 156:279-287. Fidel Jr. PL. Immunity to Candida. Oral Dis 2002; 8(S2):69-75. Fromtling RA, Shadomy HJ. An overview of macrophage-fungal interactions. Mycopathol 1986; 93:77-93. Gildea LA, Morris RE, Newman SL. Histoplasma capsulatum yeasts are phagocyto- sed via very late antigen-5, killed, and processed for antigen presentation by human dendritic cells. J Immunol 2001; 166:1049-56. Hogan LH, Klein BS, Levitz SM. Virulence factors of medically important fungi. Clin Microb Rev 1996; 9(4):469-88. Lund FE, Schuer K, Hollifield M, Randall TD, Garvy BA. Clearance of Pneumocystis carinii in mice is dependent on B cells but not on P. carinii-specific antibody. J Immunol 2003; 171:1423-30. Mansour MK, Levitz SM. Interactions of fungi with phagocytes. Curr Op Microb 2002; 5:359-65. Nascimento RC, Almeida SR. Humoral immune response against soluble and frac- tionate antigens in experimental sporotrichosis. FEMS Immunol Med Microb 2004; in press. Pina A, Valenmte-Ferreira RC, Molinari-Madlum EEW, Vaz CAC, Keller AC, Calich VLG. Absence or interleukin-4 determines less severe pulmonary paracoc- cidioidomycosis associated with impaired Th2 response. Infect Immun 2004; 72(4):2369-78. Richards JO, Ampel NM, Galgiani JN, Lake DF. Dendritic cells pulsed with Cocci- dioides immitis lysate induce antigen-specific naive T cell activation. J Inf Dis 2001; 184:1220-4. Richards JO, Ampel NM, Lake DF. Reversal of coccidioidal anergy in vitro by den- dritic cells from patients with disseminated coccidioidomycosis. J Immunol 2002; 169:2020-5. Rippon JW. Medical Mycology – The Pathogenic Fungi and The Pathogenic Acti- nomycetes. 3rd ed. W.B. Sauders Co., Philadelphia, 1988. Romani L. Immunity to fungal infections. Nat Rev Immun 2004; 4:1-13. Scroferneker ML, Pohlmann PR (coord.) Imunologia Básica e Aplicada. 1ª ed.: Sagra Luzzato, Porto Alegre, 1998. Strieter RM, Belperio JA, Keane MP. Cytokines in innate host defence in the lung. J Clin Invest 2002; 109:699-705.Vecchiarelli A, Pietrella D, Bistoni F, Kozel TR. Antibody to Cryptococcus neo- formans capsular glucuronoxylomannan promotes expression of interleu- kin-12Rb2 subunit on human T cells in vitro through effects mediated by antigen-presenting cells. Immunol 2002; 106:267-72. Vilani-Moreno FR, Lauris JRP, Opromolla DVA. Citokine quantification in the su- pernatant of mononuclear cell cultures and blood serum from patients with Jorge Lobo’s disease. Mycopathol 2004; 158:17-24. Woodfolk JA, Platts-Mills TAE. The immune response to dermatophytes. Res Im- munol 1998; 149(4-5):436-45. Wüthrich M, Finkel-Jiminez, BE, Klein BS. Interleukin-12 as an adjuvant to WI-1 adhesin immunization augments delayed-type hypersensitivity, shifts the subclass distribution of immunoglobulin G antibodies, and enhances pro- tective immunity to Blastomyces dermatitidis infection. Infect Immunol 2000; 68(12):7172-4. Zhang MX, Klein B. Activation, binding, and processing of complement component 3 (C3) by Blastomyces dermatitidis. Infect Immunol 1997; 65(5):1849-55. C A P Í T U L O 2 2 Introdução Acreditava-se até há pouco tempo que, quando um parasito tivesse deter- minada sua identifi cação e elucidado seu ciclo de vida, defi nindo-o como agente causal de determinada doença, poder-se-ia facilmente conseguir seu controle ou erradicação com o desenvolvimento de drogas antiparasitárias, vacinas e medidas contras os vetores. Hoje, é sabido que os parasitos exibem combinações de adaptações bioquímicas, fi siológicas e nutricionais únicas no mundo animal e dispõem de uma série de mecanismos de evasão à resposta imune montada pelos hospedeiros. Para se entender a natureza da resposta imune aos parasitos, é necessário distinguir entre microparasitos e macroparasitos. Os protozoários, como os vírus e as bactérias, são microparasitos que possuem a habilidade de se mul- tiplicar diretamente no interior dos hospedeiros vertebrados, impondo uma ameaça imediata, a não ser que seja contida sua multiplicação. Os helmintos, ao contrário, são macroparasitos que, normalmente, não se multiplicam no interior dos hospedeiros e somente apresentam uma ameaça real com o au- mento da carga parasitária, depois de repetidas exposições do hospedeiro. Imunidade a protozoários Os protozoários se multiplicam dentro de hospedeiros vertebrados, dividin- do-se a uma taxa geneticamente determinada. Assim, não importa quão pe- quena seja a dose infecciosa inicial, a infecção fi nalmente dominará o hos- pedeiro. O modo pelo qual a taxa de multiplicação pode ser reduzida será com a eliminação das células disponíveis para infecção ou intervenção de uma resposta imune. Em infecções causadas por protozoários, algum nível de imunidade ad- quirida é a regra, e o motivo pelo qual esta não elimina a infecção é que todos os protozoários evoluíram de modo a se evadir das conseqüências das respostas imunes que eles mesmos evocaram. Infecções por protozoários são acompanhadas por várias mudanças imu- nológicas, inclusive a produção de anticorpos específi cos, normalmente IgM seguida por IgG, e pelo desenvolvimento de imunidade mediada por células; muitas dessas respostas imunológicas não garantem proteção ao hospedeiro. Todos os protozoários são antigenicamente complexos e reconhecidos como estranhos pelos hospedeiros e uma variedade de respostas imunes é inevitavelmente iniciada. Essas respostas são freqüentemente dirigidas a an- Eva Burger • Herminia Yohko Kanamura Imunidade a parasitas 242 Imunologia Básica e Aplicada tígenos irrelevantes ou a antígenos que o parasi- to usa como parte de seu repertório de evasão da resposta imune. Em resumo, infecções por pro- tozoários são acompanhadas de mudanças em parâmetros imunológicos que, em alguns casos, espelham recuperação, mas não necessariamen- te representam qualquer mecanismo protetor. Imunidade a protozoários intestinais O trato gastrintestinal serve de hábitat a nu- merosos organismos além dos protozoários. Em indivíduos saudáveis, o muco, o sistema imune associado à mucosa, as células linfóides presen- tes na lâmina própria e a imunoglobulina IgA proporcionam uma primeira linha de defesa aos organismos invasores pelo trato gastrintestinal. Geralmente, as amebas comportam-se como não-patogênicas e vivem como comensais ino- fensivos no intestino grosso, onde não parecem determinar qualquer resposta imune. As espé- cies patogênicas, a principal delas Entamoeba histolytica, podem invadir a mucosa e a submu- cosa, causando úlceras, e também podem ser car- readas para o fígado, onde podem formar gran- des abscessos. Respostas imunes, com produção de anticorpos específicos, são indicativas de que ocorreu a invasão, mas não há evidência de que a recuperação de uma infecção induza qualquer proteção contra infecções subseqüentes. Não está claro se a ausência aparente de imunidade adquirida é devida a algum defeito no sistema imune ou ao fato de que as amebas evoluíram de modo a se evadir da resposta imune humo- ral. Em alguns indivíduos com amebíase invasiva, há o desenvolvimento de resposta imune celular transitória, mas sabe-se muito pouco a respeito do papel da imunidade celular nesses casos. Giardia duodenalis (sinonímia: G. lamblia, G. intestinalis) é uma das causas mais comuns de infecção intestinal no mundo, sendo importante agente de surtos de diarréia de veiculação hídri- ca. A giardíase é assintomática na maioria dos casos e, quando sintomática, caracteriza-se por diarréia, dor epigástrica, náusea, vômito e per- da de peso. A doença é autolimitada em mais de 85% dos casos, indicando desenvolvimento de imunidade efetiva no hospedeiro. Anticor- pos IgA secretores tem papel central na defesa, e aqueles indivíduos com deficiência em IgA são mais propensos a infecções crônicas, porém não há evidências diretas do efeito antiparasitário dessa classe de anticorpos, apesar de crianças amamentadas parecerem adquirir certa prote- ção. O mecanismo envolvido parece ser o de evi- tar a adesão do protozoário às vilosidades intes- tinais. Entre outros mecanismos sugeridos como importantes na defesa antigiárdia, estão o óxido nítrico (ON) e peptídeos antimicrobianos, como as defensinas e lactoferrinas. Muito pouco é conhecido sobre a resposta imune aos principais coccídeos intestinais que afetam o homem, espécies pertencentes aos gê- neros Isospora, Cyclospora e Cryptosporidium. A criptosporidiose é a única doença causada por coccídeos importante e tem um transcurso desagradável, mas autolimitado em indivíduos normais, sendo que, em pacientes imunodepri- midos, como os infectados com o vírus HIV, pode determinar sintomas muito mais graves, levando até à morte. Isso sugere que normalmente exis- te envolvimento da imunidade, tanto humoral como celular, maior papel protetor sendo atri- buído ao último. Anticorpos IgM, IgA e IgG são detectados no soro e na mucosa de animais e hu- manos infectados, inclusive naqueles com SIDA. Estudos sugerem que células TH e IFN-γ desem- penham papel importante, limitando a duração e as manifestações clínicas da criptosporidiose. A gravidade da doença está associada com a inabi- lidade de produzir essa citocina. Imunidade a protozoários do trato urogenital O único protozoário que habita o trato geni- turinário humano é Trichomonas vaginalis, que parasita tanto homens como mulheres. A natu- reza da infecção e a doença causada em homens são pouco documentadas, mas a vaginite causa- da por esse parasita é uma doença sexualmente transmitida muito importante em mulheres, que persiste por longos períodos, a menos que seja tratada. Não há modelo animal realmente apro- priado para estudo da tricomoníase humana. Com o tempo, anticorpos produzidos em respos- ta à infecção diminuem e não parecem conferir qualquer proteção contrareinfecção. Os estudos sugerem que há pouca ou nenhuma imunida- de adquirida e a resposta imune específica tem papel insignificante no controle da infecção. O 243Imunidade a parasitas motivo da aparente ausência de imunidade ao T. vaginalis não está claro, mas sugere-se que o parasito tenha considerável diversidade antigê- nica, ficando em aberto a questão da variação antigênica como mecanismo de evasão. Imunidade a protozoários cujo hábitat é o macrófago Os macrófagos têm papel crucial na resposta do hospedeiro a infecções, possuindo atividade antimicrobiana potente e atuando no proces- samento e na apresentação de antígenos para ativação das células T. Apesar disso, os protozo- ários parasitas intracelulares Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi e Leishmania sp. habitam ma- crófagos em alguma fase de seu ciclo de vida. Cada um desses organismos evoluiu seu próprio modo para evadir-se do mecanismo destrutivo do macrófago: as leishmanias sobrevivem no fa- golisossomo fundido, T. cruzi escapa do fagosso- ma ao citoplasma do macrófago e T. gondii evi- ta a fusão do fagolisossomo. Além disso, esses parasitas possuem também enzimas que atuam sobre as várias moléculas tóxicas presentes no fagolisossomo. Por causa de sua habilidade para evitar destruição pelo macrófago, esses parasitas escapam do ataque de um dos braços principais do sistema imune e isso os habilita a dar origem a infecções crônicas. Por outro lado, nenhum desses parasitos pode sobreviver em macrófagos ativados por IFN-γ, assim eles se mantêm em um equilíbrio instável habitando células que os po- dem sustentar, mas que também têm a capaci- dade de destruí-los. Leishmania sp. é totalmente dependente de macrófagos, mas o T. cruzi e o T. gondii também são capazes de parasitar outros tipos de células. As diferentes espécies de parasitas do gênero Leishmania causam um espectro de doenças hu- manas, que variam desde formas cutâneas relati- vamente benignas até formas viscerais, bastante graves, altamente letais. As leishmanias sobrevi- vem e se multiplicam dentro de macrófagos nor- mais, mas são mortas por macrófagos ativados por IFN-γ por um mecanismo que envolve óxi- do nítrico. O TNF-α e indutores de TNF-α fazem um papel secundário nesse processo por meio de aumento da morte induzida por óxido nítri- co. Em contraste, a atividade de ON é modulada por IL-4 e IL-10. Assim, camundongos resistentes têm níveis altos de IFN-γ e baixos de IL-4 e IL-10, ocorrendo o contrário em linhagens suscetíveis. O controle global da resposta imune depende da ativação de um dos subconjuntos de linfócitos T, células TH1 que produzem IFN-γ e proteção, en- quanto células TH2 produzem IL-4 e IL-10 e efei- to contraprotetor. Apesar de a dicotomia entre populações TH1 e TH2 não ser tão clara como em camundongos, esse padrão também é verdadeiro para leishmaniose humana: pacientes com infec- ções por L. donovani fulminantes tendem a ter níveis altos de IL-4 e IL-10 e níveis baixos de IFN-γ; em infecções cutâneas (em que a recuperação é a regra) níveis de IFN-γ são altos e, finalmente, em infecções mucocutâneas crônicas os níveis de IL-4 são altos. Todos esses fatos estão concordes com observações clínicas bem estabelecidas. Por exem- plo: desenvolvimento de reações de hipersensi- bilidade do tipo tardio (RHT) fortes, indicando ativação de macrófagos, correlaciona com recu- peração de leishmaniose cutânea; a leishmaniose cutânea difusa é caracterizada pela ausência de RHT e por níveis altos de IgM não-protetor, e pre- sença de anticorpos IgG (resultado de atividade de células TH2) é vista em leishmaniose visceral. Em leishmaniose mucocutânea localizada, predo- minam citocinas TH1, enquanto nas formas mais destrutivas há uma mistura de respostas TH1 e TH2, embora a citocina característica de TH2 seja a IL-4 e tende a predominar conforme paradigma bem estabelecido. Imunidade a protozoários habitantes de tecidos Entre os vários protozoários parasitos que ocor- rem em tecidos humanos, como T. gondii, T. cruzi, Sarcocystis sp., microsporídeos e amebas oportu- nistas, os dois primeiros são os mais importantes e mais estudados. Excetuando T. cruzi, a maioria dos protozoários que habitam tecidos causa in- fecções crônicas e normalmente inofensivas, mas que podem tornar-se fulminantes em indivíduos imunologicamente comprometidos, como os co- infetados com o vírus HIV. T. gondii é um coccídeo comum de gatos, nos quais ocorre o ciclo intestinal, mas que pode ser transmitido a todos os animais de sangue quen- te, nos quais o parasito pode invadir e se replicar em quase todas as células nucleadas, incluindo macrófagos e células dendríticas. A transmissão 244 Imunologia Básica e Aplicada é por via oral e a infecção pode ocorrer por in- gestão de água ou alimentos contaminados com oocistos, eliminados pelas fezes de gatos, ou com bradizoítas (formas parasitárias dormentes presentes nos cistos teciduais de animais infec- tados). Para a maioria dos indivíduos, a infecção por T. gondii ocorre relativamente cedo em vida e a recuperação é em geral espontânea; com indu- ção de resposta imune potente é capaz de conter a disseminação do parasito e torná-lo imune à reinfecção. Infecções agudas são caracterizadas por presença de anticorpos IgM específicos e as crônicas, por anticorpos do tipo IgG. Em adultos imunologicamente competentes, a maioria das infecções é inaparente e benigna, mas, nos in- divíduos imunocomprometidos, a doença pode ser grave; e, se o parasita atravessar a placenta, pode afetar seriamente o feto. As células fun- damentais na resposta imune são macrófagos e há dois padrões de resposta imune. No primeiro, taquizoítas são recobertos com anticorpos e são impedidos de invadir macrófagos do hospedei- ro ou, se o conseguem, tornam-se incapazes de prevenir a fusão do fagolisossomo. No segundo padrão, parasitos intracelulares são mortos por macrófagos ativados por IFN-γ. Os mecanismos envolvidos estão longe de ser elucidados, mas, de acordo com modelos murinos, parecem ser respostas do tipo TH1 que envolvem linfócitos CD8+, linfócitos CD4+ e células NK que operam em sinergismo para produzir IFN-γ. Essa citocina, em combinação com TNF-α, inicia a lise mediada por macrófagos via moléculas reativas de oxigênio e óxido nítrico. Também há evidências de que IL-12 está envolvida na imunidade durante a fase agu- da na toxoplasmose experimental. O IFN-γ tem papel central na toxoplasmose, pois induz ativi- dades microbicidas, promovendo formação de cisto e prevenindo ruptura do cisto. Em comum com outras infecções controladas por respostas TH1, a IL-4 causa exacerbação das infecções. Por outro lado, IL-10 melhora a resposta inflamató- ria, sendo então benéfica ao hospedeiro. A doença de Chagas, causada pelo T. cruzi, é transmitida pela picada de insetos e é tipica- mente adquirida na infância; a vítima apresenta pouco mais que um edema localizado e uma fe- bre passageira. Em alguns indivíduos, a infecção pode ser aguda e representar ameaça à vida em 2% a 8% dos infectados. Os tripanossomas se di- videm no local da picada e circulam brevemente no sangue antes de entrarem nos macrófagos, nos quais sobrevivem, escapando do fagolisosso- mo e multiplicando-se no citoplasma da célula. Então eles escapam e invadem uma variedade de outras células nucleadas, inclusive células de mús- culo (particularmente músculo cardíaco) e células nervosas. A infecção dura a vida toda e é acom- panhada pela gradual destruição das células in- fectadas, dando origem a problemas cardíacos e à perda de controle do sistema digestivo, possi- velmente 20 a 30 anos depois. Os mecanismos de patogênese não foram elucidados completamen- te, mas há consenso de que a destruição de célu- las do hospedeiro é um fenômenoauto-imune. Se o fenômeno é desencadeado por antígenos do hospedeiro ou do parasito, ainda é um assun- to de especulação. Alguns antígenos do parasito podem ser absorvidos por células do hospedeiro, que, ao serem processados pela resposta imune, libertam mais antígenos e aceleram as reações auto-imunes. Alguns antígenos podem ser com- partilhados pelo parasito e pelas células neurais e cardíacas do hospedeiro. A laminina, por exem- plo, é encontrada tanto no coração do paciente como na superfície do tripanossoma. Vários me- canismos de defesa imunológicos têm sido iden- tificados em estudos com roedores e in vitro. Ma- crófagos ativados por IFN-γ ou IL-12 representam o mecanismo de defesa principal e o óxido nítri- co é um agente lítico, mas a atividade de macró- fagos pode ser inibida por IL-4, IL-10 e TGF-β. O parasito emprega uma variedade de mecanismos de evasão que contribuem para a longevidade da infecção e para as mudanças patológicas as- sociadas. Nesse contexto, poderia ser vantajoso ao parasito imitar as células do hospedeiro, mas o resultado inevitável da existência de antígenos compartilhados é a auto-imunidade, que é carac- terística dessa infecção. Além de escapar do fago- lisossomo, os parasitos secretam substâncias que inibem a resposta imune, incluindo inibidores de CD3, CD4, CD8, receptores de IL-2 e fatores que induzem a produção de IL-10 e TGF-β. Em resu- mo, imunidade ao T. cruzi envolve algumas das respostas imunológicas mais complexas encon- tradas em qualquer infecção, e a interação en- tre imunidade, evasão imune e auto-imunidade pode levar muitos anos para ser elucidada. A microsporidiose, causada por espécies que pertencem a cinco gêneros, é uma condição rara, mas crescentemente reconhecida em indivíduos imunocomprometidos, particularmente aqueles acometidos por SIDA. Como a condição é virtual- 245Imunidade a parasitas mente desconhecida em indivíduos imunocom- petentes, deve haver alguma resposta imune que mantém essas infecções sob controle, mas ainda faltam evidências definidas para isso, assim como os seus mecanismos. Apesar das evidências epide- miológicas, a maioria de nosso conhecimento vem de estudos em animais e in vitro, que poderiam não ser pertinentes ao que acontece em huma- nos. Parece claro que uma perturbação da função de linfócitos T é a causa principal do fracasso da resposta imunológica que conduz à microspori- diose, mas, como células T são centrais a tantas respostas imunológicas, é difícil tirar conclusões firmes sobre a natureza da imunidade natural ou adquirida na microsporidiose em humanos. Imunidade a protozoários cujo hábitat é o sangue O sangue é o local em que o parasito está em contato constante com o sistema imune, parti- cularmente anticorpos (IgM e IgG) e células fa- gocíticas. Essa habilidade para sobreviver no que deveria ser um ambiente hostil tem atraído os cientistas. Três grupos importantes de protozo- ários habitam o sangue periférico humano: o tripanossoma sul-americano (T. cruzi), que per- manece temporariamente no sangue e é consi- derado como parasita de tecidos; os tripanosso- mas africanos (Trypanosoma brucei gambiense e T. b. rhrodesiense) e os parasitos do gênero Plasmodium, causadores da malária. Os tripanossomas africanos, que causam a doença do sono em humanos, são parasitos ex- tracelulares, transmitidos por picadas de insetos que se encontram apenas na África; eles vivem e se multiplicam no sangue e as infecções são caracterizadas por picos sucessivos de parasite- mia, que representam diversidades antigênicas. Cada tripanossoma está coberto com uma capa, a glicoproteína de superfície variante (VSG). Há um repertório quase ilimitado de VSGs, cada um conhecido como um tipo de antígeno variável (VAT), e o padrão normal de eventos é que os pa- rasitas multiplicam-se no sangue, são destruídos por uma resposta imune específica mediada por anticorpos contra o VAT principal e são substituí- dos por outra população de parasitas que levam um VAT novo. O anticorpo principal envolvido em infecções humanas é IgM e o mecanismo lí- tico envolve aglutinação de anticorpos, lise me- diada por complemento e fagocitose. A morte e a lise de tripanossomas provocam a liberação de antígenos internos e de fatores tóxicos que circu- lam no corpo, o que dá origem à lesão mediada por complexos imunes, acompanhadas pela pro- dução de substâncias farmacologicamente ativas que afetam a contração do músculo liso e a per- meabilidade vascular. A infecção por tripanosso- mas é muito controversa, e a visão tradicional é de que anticorpos anti-VSG sejam responsáveis pelo controle da infecção, embora temporário. O óxido nítrico derivado de macrófagos afeta a sobrevivência dos tripanossomas e inibe a função de células T, levando à imunodepressão. Além disso, eles induzem linfócitos CD8+ a secretarem IFN-γ e macrófagos a secretarem TNF-α, e estes passam a produzir moléculas tóxicas que afetam o tripanossoma, mas também podem levar à imunodepressão. A malária é considerada hoje a doença pa- rasitária mais importante para a humanida- de, tanto em termos de mortalidade como de morbidade. Afeta, a cada ano, de 200 milhões a 300 milhões de pessoas em regiões tropicais e subtropicais, matando de 2 milhões a 3 mi- lhões de pessoas, principalmente crianças da África Subsaariana. São quatro as espécies que infectam humanos, Plasmodium falciparum, P. vivax, P. malarie e P. ovale, sendo a primeira a responsável pela forma mais grave de malária, inclusive a forma cerebral. A resposta imune aos parasitos da malária é complexa, e nosso conhe- cimento sobre a imunidade na malária humana é ainda limitado, envolvendo principalmente mo- delos em roedores e sistemas in vitro. Anticor- pos e linfócitos T desempenham papel crucial na imunidade protetora contra malária, controlan- do o desenvolvimento dos parasitos, como ob- servado em modelos experimentais. Entretanto, nas áreas endêmicas, imunidade específica a in- fecções naturais é adquirida lentamente, apesar das freqüentes exposições a picadas de mosqui- tos infectados, e raramente é de longa duração. É, geralmente, aceito que o parasito da malária está relativamente livre do ataque por parte das defesas do hospedeiro, enquanto for intrace- lular. Assim, são poucos os pontos do ciclo, nos quais o parasito estaria acessível: (1) quando o esporozoíta está circulando no sangue; (2) quan- do os merozoítas são liberados do fígado para a circulação sangüínea e antes de invadirem as hemácias; e (3) quando os merozoítas são libera- 246 Imunologia Básica e Aplicada dos das hemácias. O esporozoíta possui em sua superfície uma capa protéica imunodominante, de 40-60 kDa, chamada proteína circunsporo- zoítica (CSP), com uma região imunodominante contendo epítopos repetitivos, definidos pela re- petição de um número limitado de aminoácidos. A proteína CSP determina forte resposta de anti- corpos, constituindo-se, então, em um elemento antigênico favorito para estudos de vacinação. Quando expostos ao anticorpo, porém, as molé- culas de superfície se interligam (cross-link) e o esporozoíta abandona sua capa protéica, esca- pando à ação da resposta imune. Acredita-se ser este um mecanismo de evasão do parasito que, ao produzir uma poderosa “cortina de fumaça”, afasta a resposta imune para longe de alvos mais importantes. Os estágios eritrocíticos, principal- mente os merozoítas e seus antígenos, caracteri- zados pela presença de aminoácidos repetitivos. O problema principal na malária é o polimorfis- mo, induzindo diversidade antigênica, que en- volve a expressão de alelos antigenicamente dis- tintos de um gene em diferentes populações de parasitos. Na presença de imunidade específica, selecionam-se para expansão os parasitos que ex- pressam alelosmutantes não reconhecidos pela resposta imune. Essa característica é um ponto crítico no desenvolvimento de vacinas efetivas para malária. Imunidade a helmintos Helmintos (vermes) são organismos multicelulares que infectam mais de 2 bilhões de humanos no mundo, a maioria apresentando-se clinicamente assintomática, o que indica completa adaptação do parasito ao hospedeiro. O tamanho maior e a estrutura mais complexa dos helmintos os obri- gam a enfrentar o sistema imune do hospedeiro de maneira totalmente diferente daquela apre- sentada pelos protozoários. Há ainda outros fa- tores que caracterizam a infecção por helmintos: (1) habilidade de se moverem ativamente através de diferentes órgãos do hospedeiro; (2) ciclos bio- lógicos complexos, passando por fases de desen- volvimento com diferentes estruturas antigênicas; (3) corpos cobertos de camadas que são mais com- plexas e menos vulneráveis ao ataque imune do que membranas plasmáticas convencionais. Assim, embora helmintos possam se alojar nas mesmas áreas do organismo ocupadas por protozoários, os mecanismos imunes requeridos para destruí-los ou removê-los são, com freqüên- cia, qualitativamente diferentes. Ao contrário dos protozoários, a maioria dos helmintos não se multiplica dentro do hospedeiro. Nessas cir- cunstâncias, um aumento na carga parasitária só ocorre quando o hospedeiro é repetidamente infectado. Sob condições de infecção natural, a resposta imune é, portanto, mais importante em prevenir ou reduzir reinfecção. Entretanto, há alguns helmintos nos quais o número de estágios parasitários presentes no hospedeiro aumenta após a infecção. Estes incluem: cestódeos, como espécies de Taenia e Echinococcus, nas quais uma infecção inicial pode produzir grande número de estágios larvários; os trematódeos sangüíneos (Schistosoma), nos quais os ovos ficam aprisiona- dos nos tecidos; e os nematódeos dos gêneros Strongyloides e Trichinella, nos quais as larvas se acumulam no hospedeiro. As formas adultas dos helmintos variam em tamanho de alguns milíme- tros a vários metros. As formas larvárias podem ser < 1 mm em comprimento, mas mesmo a me- nor larva é ainda muito grande para ser fagoci- tada ou lisada por uma única célula. A atividade citotóxica requer interações múltiplas entre a camada superficial do parasito e as células in- flamatórias. Tais interações podem ser mediadas por complemento e anticorpo ou citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC), sendo esta uma resposta comum à invasão por vermes. Além de serem grandes, helmintos são orga- nismos multicelulares complexos com tecidos e órgãos bem desenvolvidos. Enquanto vivos, eles estimulam o sistema imune com uma variedade grande de antígenos, tanto produtos de super- fície como de secreção e excreção, provenientes das diferentes fases evolutivas. Quando mortos, muitos outros antígenos podem ser liberados. Embora respostas imunes sejam induzidas contra a maioria desses antígenos, estes podem ter pou- co ou nenhum efeito protetor contra o parasito, tendo em vista algumas das seguintes razões: 1. Os antígenos podem não ser essenciais à sobrevivência do verme. 2. Os antígenos podem ser inacessíveis aos mecanismos efetores. 3. A resposta aos antígenos liberados pode estar ocorrendo longe do parasito. 4. O parasito pode se mover ativamente, afas- tando-se do ponto do organismo em que a resposta imune foi gerada. 247Imunidade a parasitas Em geral, embora haja exceções importantes envolvendo estágios larvários, vermes são menos controláveis que os protozoários, por interações imediatas da resposta imune. Ligação com anti- corpos ou ativação do complemento raramente matam o verme diretamente; imunidade efetiva é mais freqüentemente resultado indireto de uma seqüência de eventos de reconhecimentos espe- cíficos. Entre os eventos mais importantes, estão ADCC, inflamação imunomediada e inibição da atividade enzimática mediada por anticorpos. Os resultados de reações de ADCC é a aderên- cia de grande número de células sobre a super- fície do verme e a liberação de uma variedade de enzimas e mediadores de alcance limitado. Estes podem prejudicar o parasito diretamente, seja destruindo a integridade da camada superfi- cial ou causando dano a tecidos mais profundos. A efetividade de tal ataque é influenciada pela natureza da superfície acessível. Por exemplo, enquanto algumas espécies de trematódeos têm uma membrana citoplasmática relativamente de- licada, nematódeos apresentam cutículas colage- nosas que conferem considerável proteção contra ataques externos. Larvas de nematódeos podem ser mortas por ADCC, mas adultos em geral não são afetados. E mesmo aqueles teoricamente mais vulneráveis, como os esquistossomos, apresentam múltiplas estratégias de evasão, dificultando a ação do sistema imune. Por outro lado, ADCC efe- tiva requer não somente que as células se liguem ao alvo, mas que permaneçam em contato, o que algumas vezes se torna difícil em se tratando de vermes que se movem ativamente. A maioria das infecções por helmintos está as- sociada com respostas que refletem liberação de citocinas pelas células TH2. Reações de hipersensi- bilidade imediata, que envolvem aumento na pro- dução de anticorpos reagínicos (IgE), mastócitos e eosinófilos, são características de infecção por helmintos, mas rara em protozoários. Como con- seqüências ao processo inflamatório, ocorrem al- terações estruturais, funcionais e bioquímicas nos tecidos ao redor dos vermes, que levam à liberação de mediadores biologicamente ativos. Se a estimu- lação antigênica e a inflamação persistem, vermes se tornam foco de acumulação celular que os apri- siona e elimina. A maioria dos helmintos se alimenta ativa- mente, utilizando suas próprias enzimas digesti- vas, as quais podem constituir alvos importantes para a resposta imune, assim como as enzimas utilizadas pelos vermes para penetrar no hospe- deiro e se mover através dos tecidos. As intera- ções de anticorpos com as enzimas do parasito podem inibir sua atividade, prevenindo a inva- são, a migração e o desenvolvimento do verme, podendo levar à sua morte. Assim, fica claro que, embora protozoários e helmintos estejam agrupados como “parasitos”, sendo ambos potencialmente imunogênicos aos hospedeiros, estratégias diferentes são necessá- rias para combatê-los, e mecanismos totalmente distintos estão envolvidos. Imunidade a helmintos intestinais O intestino é o hábitat mais comum para os hel- mintos, sendo colonizado por representantes de todos os principais grupos, quais sejam: tremató- deos (vermes chatos), cestóides (tênia) e nematói- des (vermes redondos), estando os últimos entre os mais freqüentes, com uma estimativa de infecção de um quarto da população mundial. As principais espécies de nematóides intes- tinais (geo-helmintos) que infectam o homem atingem a fase adulta no intestino, mas alcan- çam esse sítio de várias formas. Algumas espécies utilizam a via de infecção oral, os ovos ingeridos se desenvolvendo a vermes adultos diretamente no intestino grosso (Trichuris) ou dando origem a larvas que, após eclodirem dos ovos, penetram na mucosa intestinal e migram via fígado e pul- mões antes de retornarem ao intestino delgado (Ascaris). Outras espécies de nematóides (Stron- gyloides e ancilostomídeo) apresentam larvas ca- pazes de penetrarem ativamente através da pele, migrando então para o intestino delgado para completar o desenvolvimento até a fase adulta. Assim, a imunidade a vermes com estágios mi- gratórios pode operar nos diferentes pontos do organismo e os mecanismos envolvidos depen- dem do estágio evolutivo e do local em questão. Na fase de migração, em sítios parenterais como pele, fígado e pulmão, os vermes podem estar em contato com anticorpos(IgM, IgG), complemen- to, mediadores biologicamente ativos e células citotóxicas, podendo ser diretamente danifica- das. Por outro lado, vermes que vivem na luz do intestino, não estando acessíveis aos mecanismos efetores que operam nos tecidos, têm uma rela- ção com o sistema imune totalmente diferente. 248 Imunologia Básica e Aplicada Entre os mecanismos que podem afetar vermes intestinais, estão incluídos: isótipos de anticor- pos secretados no lúmen (IgA), mediadores como aminas, prostaglandinas, leucotrienos, além de oxigênio e nitrogênio reativos, produzidos pelas células inflamatórias. Vermes intestinais são to- talmente dependentes das características físicas e fisico-químicas do ambiente onde vivem, e es- tas condições podem se alterar dramaticamente com a inflamação do intestino como resultado da infecção. Tais alterações podem tornar o local impróprio para sobrevivência do parasito, contri- buindo para sua eliminação. Parasitos helmintos induzem forte resposta TH2, o que contribui para resposta de mastóci- tos, eosinófilos, células gigantes, IgE/IgA e muco, que são características dessa infecção. Para hel- mintos intestinais, em particular, é evidente que os elementos da resposta tipo 2 são críticos para a resistência do hospedeiro à infecção. A resis- tência a muitos nematóides gastrintestinais é mediada por resposta de citocinas tipo 2, na qual a IL-13 desempenha papel importante. A IL-13 foi originalmente descrita como uma citocina T- dependente que inibia produção de citocinas in- flamatórias; foi reconhecida ainda pelo seu efei- to sobre linfócitos B e monócitos, estimulando a expressão de moléculas classe II e promovendo o switching de anticorpos IgE. Outro aspecto intrigante que merece estudos prospectivos é a associação inversa entre infecções por geo-helmintos e alergia. Em populações rurais de regiões tropicais, onde é elevada a prevalência de geo-helmintíases, são raras as ocorrências de doenças alérgicas, ao contrário do que se observa em populações urbanas de regiões mais desenvol- vidas. Há evidências de que infecções crônicas por geo-helmintos podem modular a resposta imune a substâncias alergênicas ambientais. Imunidade a helmintos de transmissão vetorial Nematóides filarídeos, transmitidos por inse- tos, são agentes causais de doenças parasitárias, endêmicas em muitos países subtropicais e tro- picais. As larvas que se desenvolvem em formas infectantes no inseto vetor (o qual atua como hospedeiro intermediário) são transmitidas ao homem pela picada, e os estágios iniciais da in- fecção envolvem a pele e os tecidos da derme. Em algumas espécies, os adultos continuam nas camadas superficiais do hospedeiro, mas, em outras, os vermes adultos vivem no interior de tecidos mais profundos. Em ambas as situações, ocorrem interação direta dos parasitos com os mecanismos efetores da resposta imune, como anticorpo, complemento e células citotóxicas. Entre as espécies mais importantes que infec- tam o homem, podem ser citadas aquelas cujos vermes adultos vivem no tecido linfático (dos gêneros Wuchereria e Brugia) ou na pele (On- chocerca), com liberação pelas fêmeas de embri- ões (microfilárias) na circulação sangüínea ou na pele, respectivamente. Nos primeiros, a doença é causada principalmente pelas formas adultas e, nos últimos, são as microfilárias a causa primária da doença. As infecções por filárias são caracteristicamen- te de longa duração, os vermes sobrevivendo por muitos anos e liberando milhões de microfilárias, o que leva ao acúmulo de parasitos no organis- mo. Essa observação levaria à sugestão de desen- volvimento de pouca ou nenhuma imunidade. Entretanto, mesmo em áreas de alta prevalência, verifica-se a presença de indivíduos parasitologi- camente negativos, sem doença, mas com respos- ta imune antiparasitária detectável, indicando possível exposição às filárias. Nas áreas endêmi- cas, é comum a presença de indivíduos com gran- de número de microfilárias circulantes, mas sem doença, ou aqueles com sintomatologia grave, mas poucas ou nenhuma microfilária, ou outros ainda com microfilaremia discreta e doença exa- cerbada, indicando reações de hipersensibilida- de. Coletivamente, esses dados demonstram que infecção por filárias estimula as respostas imunes, as quais em alguns indivíduos parecem ser total- mente protetoras e em outros contribuem para o desenvolvimento de doenças diversas. Tal espec- tro de resposta deve provavelmente refletir uma variedade de padrões de atividades de isótipos particulares de anticorpos, de citocinas e de célu- las TH. Estudos experimentais demonstram que a imunidade a filárias é T-dependente e, em vários casos, que a subpopulação TH2 é funcionalmente importante. A cutícula da filária, relativamente mais delicada do que a dos nematóides intesti- nais, apresenta antígenos que servem de alvo para anticorpos, particularmente IgG e IgE, fa- cilitando aderência de células como eosinófilos, macrófagos e neutrófilos. Sob condições experi- mentais, reações de ADCC, dirigidas contra esses 249Imunidade a parasitas antígenos, podem matar todos os estágios, de microfilária a adulto, embora, em condições de infecção natural, é mais provável que o alvo pri- mário seja a larva infectante. Antígenos prove- nientes de tecidos internos, como as proteínas do músculo paramiosina e tropomiosina, demonstra- ram potencial imunogênico, induzindo proteção em animais experimentalmente imunizados. Por outro lado, têm sido relatadas evidências de que certos produtos do parasito podem apre- sentar caráter imunossupressivo, levando à de- pressão de resposta TH1 e à exacerbação de TH2, situação esta que tem como conseqüência altos níveis de anticorpos circulantes IgG4 e IgE. Os primeiros podem inibir resposta alergênica nos pacientes microfilarêmicos, enquanto altos níveis de IgE podem promover respostas patológicas. IgE pode, no entanto, ser protetora contra for- mas larvárias, por meio de reações de ADCC, mas pode também contribuir na imunopatologia, via reações de hipersensibilidade a vermes adultos. Anergia de células T observada em pacientes al- tamente infectados com filaríase linfática parece ser decorrente da imunorregulação decrescente de resposta TH1 por IL-10. Imunidade a trematódeos Entre trematódeos que parasitam humanos, temos espécies que vivem no fígado e nas vias biliares (Fasciola, Clonorchis, Opsithorchis), no intestino (Metagonimus, Gastrodiscoides), no pulmão (Para- gonimus) e na corrente sangüínea (Schistosoma), sendo os últimos os mais estudados. A infecção humana por parasitos do gênero Schistosoma se inicia pela penetração, através da pele íntegra, de cercárias, larvas que se desen- volvem em moluscos aquáticos do gênero Biom- phalaria. Para atingir o hábitat final, as larvas, na forma de esquistossômulo, migram via pulmão para o fígado, onde se desenvolvem a vermes adultos machos e fêmeas. Aos pares, migram para as veias mesentéricas, ao redor do intesti- no (S. mansoni, S. japonicum) ou para o plexo vesical, na bexiga (S. haematobium). Os vermes podem viver por longos períodos (possivelmente anos) durante os quais as fêmeas liberam grandes quantidades de ovos, que são eliminados para o meio exterior com as fezes ou urina; parte dos ovos fica retida nos tecidos, no nível de intestino, fígado, bexiga etc. A esquistossomose é uma doença multifaceta- da e a invasão e o desenvolvimento dos esquis- tossomos são associados a sintomas alérgicos e imunopatológicos distintos. Na fase de penetra- ção através da pele, ocorre a dermatite, que é mais grave em indivíduos já sensibilizados por infecções anteriores. O componente mais impor- tante é a resposta de hipersensibilidade inicia- da pelos ovos, culminando com a formação de granulomas periovulares, particularmente
Compartilhar