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judicializaçao da saude

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Introdução 
A separação dos poderes no Brasil é prevista na constituição federal, sendo, portanto pacificada entre os doutrinadores a necessidade de que exista um poder legislativo, um executivo e outro judiciário, sendo eles os responsáveis por legislar, governas e julgar respectivamente, isto, falando a grossos modo. Existem, no entanto, funções atípicas que cada um deles poderá exercer, segundo necessidade.
 É no exercício dessas funções – atípicas – que surgem alguns conflitos e impasses acerca dos limites de atuação de cada um, para que não invada competência alheia. Como é o caso da saúde pública. Percebe-se dentro deste tema, atuação muito forte do judiciário no que diz respeito à concretização da saúde no país, sendo que, ao ver de muitos, esta atribuição não lhe caiba.
Busca-se portanto, trazer esta discussão acerca da legitimidade do poder judiciário para tratar da saúde pública brasileira, se ela existe, ou se esta, cabe exclusivamente ao poder executivo, por estar mais bem informado acerca das questões orçamentárias e por ser o responsável pela administração no país.
1. A separação dos poderes
A teoria da separação dos poderes teve o seu início na Grécia antiga, quando Aristóteles se apercebeu da existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano. Seriam elas, a edição de normas gerais que deveriam ser observadas por todos, administração das referidas normas, ou seja, aplicar e gerenciar aquilo que consta na norma, e a função de julgar, que seria a atribuição de uma direção para os conflitos que foram gerados na aplicação da norma no caso concreto. Cada um desses poderes, é conhecido hoje como legislativo, executivo e judiciário, respectivamente.
1.1 Base Teórica
A doutrina do direito positivo adotou essa separação, bem como algumas modificações que foram feitas à teoria com o passar dos anos. Montesquieu foi um dos grandes colaboradores, no sentido de completar o pensamento de Aristóteles, principalmente, no que diz respeito à descentralização dos poderes, afirmava, pois, que as funções estatais estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si.
A ideia de Montesquieu foi largamente aceita pelo Estado moderno, no entanto, de forma mais branda, permitindo uma maior interação entre os poderes. Para que isto fosse possível, a doutrina atual decidiu separar as funções de cada poder em: função típica e função atípica. Pedro Lenza, trás em seu livro de direito constitucional esquematizado, uma tabela que deixa esta divisão bem clara.
	Órgão
	Função Típica
	Função atípica
	
Legislativo
	Legislar 
Fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do Executivo 
	Natureza executiva: ao dispor sobre sua organização, provendo cargos, concedendo férias, licenças a servidores etc. 
Natureza jurisdicional: o Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I) 
	
Executivo
	Prática de atos de chefia de Estado, chefia de governo e atos de administração 
	Natureza legislativa: o Presidente da República, por exemplo, adota medida provisória, com força de lei (art. 62) 
Natureza jurisdicional: o Executivo julga, apreciando defesas e recursos administrativos 
	
Judiciário
	Julgar (função jurisdicional), dizendo o direito no caso concreto e dirimindo os conflitos que lhe são levados, quando da aplicação da le 
	Natureza legislativa: regimento interno de seus tribunais (art. 96, I, “a”) Natureza executiva: administra, v.g., ao conceder licenças e férias aos magistrados e serventuários (art. 96, I, “f”) 
Fonte: LENZA (2012)[1: 	LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.]
Percebe-se pela natureza de cada poder, que a sua interação com os demais é limitada, o judiciário, por exemplo, só exerce função legislativa interna, desta forma, um não poderá invadir a competência do outro, salvo em previsões que estejam previamente estabelecidas pelo constituinte originário. A isto, se dá o nome de indelegabilidade de atribuições, princípio que veda a delegação das atribuições de um poder para outro.
1.2 Normativo Constitucional
A separação dos poderes se concretizou de tal forma que se tornou uma das bases da constituição brasileira, estando prevista em seu art. 2º, que define quais são estes poderes. Mais adiante, em artigos posteriores, ela trata de atribuir a cada um as suas limitações, bem como a interação que poderá haver entre eles, por exemplo, o art. 66, § 1º, que atribui ao presidente da república (poder executivo) a competência de vedar propostas de leis (poder legislativo. 
Ao definir e limitar esses poderes, a constituição cuida para que não exista excesso de poder em um determinado órgão, permitindo que cada competência seja dirigida especificamente pelo ente qualificado para realizá-la. Nesse sentido, é importante que hajam debates acerca da invasão destas competências e a legitimidade de cada órgão nas etapas de criação e execução de tarefas que cuidam das necessidades populacionais que cabe ao Estado suprir. 
No caso da saúde pública, disciplinada pela lei 8.080/90, essas etapas seriam, respectivamente: a do poder legislativo, que ao perceber a necessidade da promoção da saúde por parte do Estado para a população, cria uma lei para garantí-la. A partir daí, cabe ao poder executivo a promoção de políticas públicas, bem como, prover meios para que a lei seja fielmente cumprida, principalmente quanto ao disposto no art. 2º da lei supracitada, que atribui ao Estado o dever de promover as condições necessárias para o pleno exercício da saúde. O judiciário, no entanto, entra na situação somente nos casos em que, por algum motivo, o que está expresso em lei, foi de alguma forma transgredido, por omissão ou excesso. Desta forma, mesmo que cada poder trabalhe separadamente, há uma cooperação mútua para o funcionamento dos pressupostos estatais.
O conflito nesse caso, começa com o debate acerca da atuação do judiciário no que diz respeito à saúde pública. Questiona-se principalmente se ele estaria legitimado a intervir em determinadas situações, como por exemplo, ao permitir a distribuição de determinados medicamentos, já que, esta questão é de caráter administrativo e deveria ser ponderada pelo poder executivo.
2. A legitimidade do judiciário
A promoção da saúde, por via de regra, deveria se dar através de políticas públicas que seriam elaboradas pela administração do país, ou seja, normalmente é competência do poder executivo, fazer com que a saúde da população esteja em dias. No entanto, muitas vezes, a atuação dos administradores se mostra insuficiente, fazendo com que o poder judiciário seja reclamado para resolver a situação. 
O problema começa quando a ação excessiva do judiciário acaba por criar problemas, como por exemplo, custos excessivos na liberação de determinado medicamento ou procedimento específico para determinado paciente, impedindo que estes recursos sejam utilizados de maneira mais democrática para a população em geral.
2.1 Ativismo
Barroso, coloca o papel do judiciário como o de interpretar a constituição e resguardar direitos mediante o respeito ao ordenamento jurídico. Afirma também, que em algumas situações, cabe ao judiciário a construção do sentido de algumas normas jurídicas em casos de princípios mais abstratos. A isso, dá-se o nome de ativismo judicial.[2: 	BARROSO, L. DA FALTA DE EFETIVIDADE À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA: DIREITO À SAÚDE, FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL. UERJ, Rio de Janeiro, 2007.]
O ativismo judicial ocorre com diversos temas da sociedade, com a saúde não é diferente. Por se tratar de tema amplamente defendido na constituição atualmente vigente no Brasil, que visa proteger o mínimo existencial para que se aplique a dignidade humana, o judiciário toma para si a responsabilidade de bem interpretar o tema para concretizá-lo da melhor forma possível.
Em sua dissertação de Mestrado, Wellington Ludkeexplica melhor esta situação. Segundo suas palavras:[3: 	LUDKE, W. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E A TENSÃO ENTRE OS TRÊS PODERES: FORTALECIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA PARA HARMONIZAÇÃO DOS CONFLITOS. UNINSINOS – Unidade acadêmica de pesquisa pós graduação. São Leopoldo, 2012.]
… apesar de ser de difícil definição (em razão de demasiado subjetivismo) o conceito de saúde e de vida saudável, parte da dignidade da pessoa humana e do bem-estar físico, mental e social. Para se construir a ideia de que há direitos fundamentais mínimos assegurados â pessoa humana e que esses direitos constituem dever do Estado, implicando no dever desse de protegê-la contra atos degradantes e desumanos e de garantir-lhe condições existenciais mínimas para uma vida saudável.
Unidas as falas de Barroso e Ludke, percebe-se que com a subjetividade da dignidade da pessoa humana bem como o poder que cabe ao judiciário de dar sentido à normas com alto grau de subjetividade, conclui-se que o ativismo judicial no que diz respeito à saúde pública é, de fato, legítimo, há no entanto, que se falar em limitações na judicialização da saúde.
2.2 A judicialização
Dois princípios entram em colisão quando o assunto é a judicialização da saúde. Primeiramente, se fala em mínimo existencial, inerente à dignidade da pessoa humana, em contrapeso tem-se o princípio da reserva do possível, ambos necessários para o bom funcionamento da sociedade.
O mínimo existencial garante à população que ela tenha pelo menos, o básico para viver com dignidade. Ou seja, que tenha educação, alimentação e o que se discute agora, uma boa saúde. Esta garantia deve ser resguardada pelo Estado, que deverá oferecer meios para que a população consiga obter ao menos essas coisas.
A reserva do possível, por sua vez, vem dizendo que a promoção dos direitos sociais (saúde, moradia, educação), deverá ser subordinada à existência de recursos públicos disponíveis para a atuação do Estado. Quem cuida para que este princípio não seja violado, é a administração pública, responsável por monitorar e reger os gastos públicos.
Em artigo sobre o tema, Barroso busca encontrar a solução para o dilema, ponderando o momento certo em que o judiciário pode – e deve – agir, para que se conservem os princípios supracitados e para que não haja a invasão de competência de um poder para com o outro. A decisão por ele encontrada é a de que o judiciário deverá resguardar o seu direito de ação para os casos nos quais não existem lei ou ação administrativa implementando a constituição ou ainda quando elas existem, mas não estão sendo bem cumpridos.[4: BARROSOS, L. DA FALTA DE EFETIVIDADE À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA: DIREITO À SAÚDE, FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL. UERJ, Rio de Janeiro, 2007.]

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