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Adaptação psicossocial da família à maternidade

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Escola Superior de Enfermagem de Artur Ravara
Departamento de Enfermagem na Maternidade, Infância e Adolescência 
“Adaptação Psicossocial da Família à Maternidade”
Realizado Por:
Célia Silva 	nº15
Hugo Machado	nº19
Patrícia Pinto nº32
 Tiago Mota	 nº39
3ºAno, 2ºCLE
Lisboa, Novembro de 2002
Sumário
											 Pág.
Introdução		3
A Família	4
1.1. Definição de família nuclear	4
1.2. A família e a sociedade	5
A Função Maternal 	6
2.1. 	Os modelos, as expectativas e a sua influência na maternidade	6
2.2. 	A Mãe	8
2.3. 	O Pai	11
2.4.	O casal	12	
Outros elementos da família	14	
3.1. 	Os irmãos	14
3.2.	Os avós	15
Conclusão	17
Bibliografia	18
Anexos	19
Introdução
A concepção não deve ser vista apenas como o início de uma vida, mas também de novos laços familiares, de novos papéis individuais para cada membro da família e de novas alterações no modo de vida de cada família. Com um novo elemento adicional e com relações em mudança, cada membro da família tem de se adaptar à gravidez e às transformações que ela implica.
Esta adaptação não é necessariamente feita com harmonia e, mesmo quando harmoniosa, implica sempre fragilidade, necessidade de apoio (tanto físico como psíquico) e necessidade de informação.
É por isso que a actuação do enfermeiro junto da família nesse período se torna de extrema importância. Este deve estar consciente que cada família reage de modo diferente a uma gravidez, a um parto, à chegada de um novo elemento com base num conjunto de condicionantes (fatores sócio- económicos e culturais, modos de organização e interacção familiar, factores intrínsecos de cada indivíduo que constitui a família em questão) que definirão a globalidade do contexto familiar. Só assim poderá haver uma actuação holística junto de um “casal grávido”.
Assim, perante a temática da “Adaptação Psicossocial da família à maternidade”, definimos como objectivo geral do nosso trabalho: conhecer as principais consequências da chegada de um novo elemento ao seio da família e a influência deste acontecimento sobre os indivíduos de uma família e seus relacionamentos.
Como objectivos específicos pensamos ser importante conseguir distinguir/ conhecer:
.
O que é uma família nuclear actual;
Como nasce, se desenvolve e se manifesta o Amor Maternal;
Os principais factores que podem influenciar positiva ou negativamente o momento do parto;
O papel que o Pai sempre desempenhou face à maternidade e o papel pelo qual lutam cada vez mais Pais actualmente;
As principais dificuldades sentidas pelo Pai perante a gravidez da mulher;
Diferentes formas de reacção e adaptação do casal à gravidez e à chegada de um filho;
Como se pode preparar uma criança para a chegada de um novo irmão; 
Como reagem os Avós ao nascimento do primeiro neto. 
1. A FAMÍLIA
Existem diversas definições de família, envolvendo a explicação da estrutura familiar, suas funções, composição e laços afectivos. Friedman (1992) apresentou uma definição ampla de família, enfatizando a importância do envolvimento emocional como uma característica necessária. Segundo ele, a família consiste em “2 ou mais pessoas que estão ligadas entre si por laços de partilha e proximidade emocional e que se identificam como parte da família”.
Esta definição inclui uma diversidade de tipos de famílias, tais como: a família alargada, monoparental, combinada, homossexual ou nuclear.
1.1. Definição de família nuclear
Uma breve perspectiva histórica em relação aos tipos de família mais comuns na nossa sociedade revela que, antes da revolução industrial, o mais comum era a família extensa. A esta pertenciam diversas gerações que coabitavam e se interrelacionavam diariamente. Era adoptada devido ao seu papel na função de sobrevivência económica. É caracterizada por:
Relações extra familiares mais densas, calorosas e complexas do que as relações intrafamiliares;
Os familiares são bastante indiferentes para a criança, os tempos e espaços da criança não são respeitados, não existe sentimento de infância – após a primeira infância (5-7 anos) a criança passa a ser vista como uma miniatura de adulto;
A criança trabalha, brinca e dorme com os adultos, pelo que a sua aprendizagem se faz de forma directa e prática.
A passagem da família tradicional à família moderna (que se inicia por volta do século XVIII com a Revolução Industrial) é também o surgimento de uma família de companheirismo e afecto, acompanhada de uma sentimentalização entre gerações e uma preocupação crescente no que respeita ao futuro dos filhos. Assim, a família moderna ou nuclear, na qual predomina a função afectiva caracteriza-se por:
Preocupação constante em formar a criança a fim de a promover socialmente;
A criança é separada do mundo dos adultos, pois é vista não como um adulto mas como um ser aparte;
A aprendizagem é feita em duplo pelos pais e pela escola e não envolvida por vivências directas;
Progressiva limitação de nascimentos e aumento do investimento afectivo.
A família nuclear distingue-se ainda pela sua constituição e pela distribuição de papéis. Assim, é constituída pelos pais e pelas crianças (seus filhos), não coabitando com outros familiares e sendo deles economicamente independentes. Neste tipo de família é esperado que os pais, de sexo diferente, desempenhem papéis complementares de marido-mulher e pai-mãe, dando apoio emocional e físico um ao outro e aos seus filhos. 
Orientações recentes da sociedade contemporânea introduziram ainda o conceito de igualdade de papéis entre progenitores, pelo que a família nuclear “idealizada” de pai, mãe e dois (ou mais) filhos, onde o pai é a única fonte de rendimentos e a mãe é a dona de casa, ainda faz parte do presente, mas é cada vez mais algo do passado.
No entanto, qualquer que seja a estrutura da família, nela vai estar sempre inserida a criança. A família será sempre para a criança a sua fonte primária de contactos com o ser pessoa (corpos, personalidade, mais estímulos sociais). Já estes contactos entre pais e filhos evoluem consoante as estruturas e funções da família numa dada sociedade. Assim, e segundo Levi-Strauss, as relações da família só se compreendem em função do meio envolvente.
1.2. A Família e a Sociedade
Hoje em dia o conceito de família deve ser visto cada vez mais como conceito da própria sociedade e do contexto cultural e histórico em que se insere. 
Assim, para além dos factores intrínsecos aos indivíduos que constituem cada família, há ainda todo um conjunto de factores que podem intervir na construção e evolução de uma família:
Vertente política
Apoios económicos e jurídicos à vida em casal;
Apoios económicos e jurídicos à reprodução e criação da infância;
Criação de lares de idosos;
Pouca aposta em cuidados continuados (de todo o tipo);
Legislação de adopção;
Legislação de guarda das crianças;
Vertente social
Apoios desiguais à maternidade e paternidade, quer em termos de emprego, quer em tempos de licença por parte dos empregadores;
Estereótipos contra mães/pais solteiros;
Estereótipos contra a homossexualidade;
Falta de apoio dos empregadores para o apoio aos familiares dependentes;
Necessidade de haver uma ligação amorosa/familiar;
É necessário ser-se pai/mãe para se ser considerado um membro de pleno direito numa sociedade cuja principal função é da procriação;
Casamento por amor vs. Divórcio.
2. Função Maternal
Steele e Polak (1968) denominaram de “Função Maternal” o conjunto de tarefas, responsabilidades e atitudes que fazem parte dos cuidados paternais. Bobak (1999) define o conceito como “um processo no qual um adulto (uma pessoa matura, protectora, capaz e auto-suficiente) assume o cuidado de uma criança (um ser imaturo, desamparado e dependente).Qualquer dos progenitores pode ter capacidades maternais. As capacidades maternais são agora reconhecidas como competências não dependentes do sexo. A capacidade de demonstrar carinho, amor e compreensão e de colocar o bem-estar de outro acima do próprio, não está limitada à mulher – é uma característica humana.”
A Humanidade sempre se dividiu em dois grandes grupos: a Mulher e o Homem. A diferença física entre ambos foi desde sempre, em diferentes níveis, a base de distinção entre ambos, tentando sempre estabelecer diferenças a um nível cognitivo, religioso e sentimental.
Actualmente, a procura de diferenças entre sexos e da origem dessas diferenças deparou-se com resultados opostos. Verifica-se assim que as diferenças observáveis são de origem cultural e educacional e não tanto de uma característica específica do sexo.
Várias teorias tentam justificar a origem do sentimento maternal. Consideramos, no entanto, que a origem deste sentimento “maternal” é aplicável a ambos os sexos indiferentemente, o que se pode observar com a evolução social actual, onde cada vez mais os pais tomam um lugar privilegiado junto dos filhos, lugar antes reservado às mulheres. Assim, quisemos adoptar a terminologia de Steele e Polak (1968) ao criarem o conceito de Função Maternal como algo que se expressa de diferente forma em todos os indivíduos.
Existem também alguns autores que defendem que a gravidez deve ser encarada como uma crise, desenvolvendo-se intervenções de enfermagem de acordo com essa ideia. Apesar desta abordagem sair fora do âmbito do nosso trabalho, achamos que é importante apresentá-la sucintamente em anexo, bem como algumas intervenções de enfermagem preconizadas.
2.1. Os modelos, as expectativas e a sua influência na maternidade
Todo o ser humano cria desde jovem um quadro de referências face à maternidade/paternidade, a partir de tudo aquilo que ela teve de bom e de mau. Nestas referências vai criar imagens íntimas de modelos de paternidade baseados na possibilidade de se tornar um progenitor, tal como os seus pais o foram. 
O modelo que o indivíduo possui vai levar à criação de expectativas sobre a sua possível descendência, que poderão ser físicas, psicológicas, relacionais e até de objectivos futuros para esta mesma descendência. Não falamos aqui de egocentrismo, mas da absoluta necessidade humana de ter modelos de referência para criar um “eu” e como esses modelos nos influenciam tão fortemente. 
É da incapacidade de abstracção do quadro de referências que surgem diversas maneiras de expressar a função maternal, de a pôr em prática: 
Um indivíduo que tenha tido uma infância difícil a determinado nível (afectivo, material, etc.) tenderá a trabalhar intensamente para proporcionar à sua descendência uma infância rica no que lhe faltou e que julga ser tão importante. Pode ainda optar por não ter filhos ou ainda sujeitar a criança às privações que passou, por julgar terem sido positivas para o seu próprio desenvolvimento enquanto pessoa;
Da mesma maneira, quando se teve uma infância feliz, tender-se-á a reviver esse passado tentando dar o mesmo tipo de infância ou tentar-se-á impor uma infância dura à criança pois o indivíduo julga ter-lhe feito falta esse tipo de privações para se conseguir formar como pessoa;
Surgem ainda casos de indivíduos que recusam a si mesmos o direito paternidade, através do reflexo do seu quadro de referências nas expectativas face a uma criança. Assim, surgem por vezes afirmações como “não quero trazer ao mundo uma criança para vir a ser mais uma pessoa infeliz” ou "não quero que ela sofra o mesmo que eu sofri” que reflectem crises anteriores que não foram ultrapassadas de forma positiva e sobre as quais o indivíduo ainda se culpabiliza. Muitas vezes, esta situação resulta do indivíduo não se ter sentido amado em criança ou sentir que foi apenas um acidente.
Portanto, o desejo de ter filhos, o desejar ser mãe/pai, o gostar de cuidar crianças, etc., são componentes da Função Maternal, que reflectem a própria vivência do indivíduo. O conjunto destas componentes irá definir a capacidade sentimental do indivíduo de ser e se sentir como progenitor.
As diferentes maneiras individuais de exprimir a Função Maternal podem originar conflitos dentro do casal, conflitos a que o enfermeiro deverá estar atento, intervindo através de uma comunicação eficaz que permita a ambas as partes a compreensão dos conflitos que motivam a Função Maternal de cada um, por parte do parceiro e do próprio.
2.1.1. Expectativas do casal face à criança
Actualmente, a evolução do conhecimento científico acerca da fisiologia humana permite-nos controlá-la, possibilitando a distinção entre o acto sexual e o acto reprodutivo. Além disso, uma igualdade social entre sexos cada vez maior tornou a formação do casal menos um acto social e económico, e mais um acto de “amor”, de desejo e escolha mútua. Ao juntar a isto a aceitação social do divórcio, torna-se cada vez mais importante o desejo de ter uma criança para que o papel reprodutivo seja assumido. Assim, desejar uma criança é, hoje em dia, um acto de comprometimento que não pode ser separado do contexto do casamento ou, pelo menos, do contexto do casal gerador. 
A criança deixou de ser um acontecimento natural, passando a ser uma aposta que tem de ter resultados. Se antes deveria ser um auxílio, agora é vista como a expressão máxima do amor (criança-espelho) ou um parceiro (criança-parceiro).
Desta maneira, todos os projectos do casal tomam a forma de fortaleza em volta da criança e para ela são dirigidos, fortificando também os objectivos e união do casal.
Mas quando a gravidez não está dentro dos objectivos a curto prazo do casal e, inclusive, os dificulta, diversos sentimentos podem surgir: 
Se os objectivos do casal forem tidos como essenciais poderá surgir uma fase de recusa e até negação da gravidez, que se irão revelar em alterações somáticas. Se esta fase for resolvida com uma revisão de objectivos por parte do casal e dos indivíduos que o compõem, a gravidez e paternidade poderão no entanto ser vividas sob grande satisfação. Caso essa revisão não pertença a estas três partes, o casal poderá ainda afirmar para os outros e para si que o filho, embora não planeado, é na realidade muito desejado e nasceu precisamente no melhor momento para eles. No entanto, face à criança irão apresentar-se culpabilizadores, responsabilizando-a pelo não alcançar dos seus objectivos, especialmente quando esta não corresponder às suas expectativas. É um tipo de atitude que surge também frequentemente nas mães solteiras.
O casal que tem a gravidez nos seus objectivos, mas a adiava sucessivamente por medo, inventando as mais diversas razões, geralmente vivenciam uma gravidez imprevista através de uma fase de aceitação e de calma em que as justificações criadas e medos se dissipam, vivendo o casal plenamente a gestação e a paternidade. No entanto, esta face de aceitação poderá ser difícil, sendo a gravidez vivida sobre a forma de obsessão, desespero ou recusa, que podem até manifestar-se somaticamente (náuseas e vómitos agravados na gestante, por exemplo). Esta situação pode tornar-se particularmente traumatizante porque a própria mulher não compreende as razões desses seus sentimentos. 
Concluindo, geralmente, a adaptação mental à gravidez ocorre fácil e rapidamente, relegando-se a inconclusão dos objectivos para segundo plano, caso se trate de uma gravidez não planeada. Poderão surgir ambiguidades de pensamento e sentimentos (revolta, resignação, satisfação e entusiasmo) que tornarão a gravidez ora positiva ora negativa, mas que geralmente se resumem a uma fase. O parto é geralmente o culminar desta fase, visto todos as expectativas se tornarem agora reais. A relação estabelecida com a criança será tanto melhor quanto maior a maleabilidade das expectativas do casal e indivíduos que o constituem, pois assim serão melhor concretizadas.
O enfermeiro deverá detectar esta crise e agir,não impondo o bebé como um objectivo, mas apelando às expectativas do casal de modo a que o casal exteriorize as suas expectativas face a uma criança e as adapte à realidade presente. Deverá ainda ser sugerido que, se alguns objectivos serão efectivamente não realizados, muitos poderão ser simplesmente adiados e inclusive melhor planeados e vivenciados.
2.2. A MÃE
2.2.1. O Amor Maternal
Estar grávida é para a mulher viver concreta e realmente uma situação que até então fora apenas imaginada. A gravidez traz consigo uma mistura ambígua de alegria e angústia, logo, o estado de espírito da mãe face aos primeiros sintomas da gravidez determinará, em parte, o modo como esta será vivida.
Estes sentimentos são influenciados pelos diversos factores que podem envolver a gravidez (o desejo voluntário ou não da gravidez; se a gravidez é fruto do desejo, do acaso ou da ignorância e se é encarada como uma realização, um acidente ou uma catástrofe) e vão influenciar por sua vez os comportamentos e manifestações somáticas que ocorrerão durante a gravidez.
Face a estes primeiros sintomas de gravidez podem ocorrer duas atitudes por parte da mãe:
alegria: a maravilha de uma gravidez desejada. O corpo ganha um significado novo assim como o homem/companheiro também ganha uma nova dimensão;
- recusa: para o casal que teme ou recusa os filhos, os primeiros sinais de gravidez constituem uma luta implacável contra a incerteza: se não houver razões para justificá-los, inventar-se-ão. A menstruação é então vista como abençoada, mas quando ela não surge e se enfrenta a realidade da gravidez, muitas vezes a mulher acaba por enfrentar a angústia e a desesperante solidão. Isto, muitas vezes devido à cobardia do marido que se refugia no estereótipo “coisas de gravidez são coisas de mulheres”.
Quando, no fim do parto, a mãe estende os braços para agarrar o filho, o seu gesto traduz um instinto maternal imediata e automaticamente despoletado. Com ele retomam-se todos os pensamentos e desejos secretos da gravidez, toda uma vivência boa ou má e que vai influenciar inevitavelmente todo o amor maternal. O amor maternal é algo que já existia antes do nascimento, mas abstracto e, de repente, hei-lo real, concreto e carnal. 
Porém, os primeiros sentimentos de amor para com o bebé não ocorrem necessariamente com o primeiro contacto. A criança subitamente não é como se esperava – imediatamente familiar. É um ser recém-chegado, um desconhecido, exigente e frágil – a mãe fica então estupefacta com a indiferença com que muitas vezes o acolhe pela primeira vez em seus braços. Algumas mães partilham a sua angústia e desapontamento por não terem sentido amor pelos seus bebés nos primeiros minutos após o nascimento. Contudo, apesar desta ambiguidade de sentimentos, a mãe sente-se de imediato totalmente mãe dessa criança (e não de outra qualquer). Esta criança em particular é aquela que carregou, esperou, protegeu e amou durante tanto tempo – e carne da sua carne.
Mas não é só o amor maternal que se torna subitamente mais real: com o nascimento do filho, nasce também o sentimento agudo de novas responsabilidades e sentimentos, que, embora já antes pensados, eram também eles ainda abstractos. Assim, a mãe é atacada quase brutalmente pela consciência do seu papel de mãe e por todas as preocupações materiais e morais que daí advém. Em catadupa surge também a angústia da insegurança - “Saberá criá-lo? Saberá amá-lo? Saberá cuidar bem dele? Fazê-lo feliz?”. Surge desde logo o dilema da dependência-independência do filho à mãe: enquanto pequeno e comovedor dependerá dela, mas no futuro será independente e imprevisível – e então, como será? A mãe sente ainda uma tristeza espantada ao ver o seu filho fora de si, separado de si – aquele que, noites atrás, não existia sem ela. Esta situação causa quase sempre uma decepção. 
2.2.2. O corpo da mãe
Toda a mulher evoca a mãe sobre a forma de um corpo definível – ventre arqueado, traços esgotados, cansados, os seios aumentados, sulcados de veias, a amamentação, os cuidados aos filhos (alimentação, higiene, vigilância). As preocupações e angústias são outro tipo de imagens evocadas mas em relação a atitudes.
Todas estas imagens adoptam uma força interna, independente de qualquer raciocínio e conduzem à ideia estereotipada de “boa mãe” – aquela que se realiza pelas suas gravidezes e pelos filhos, que são a “sua razão de ser”. Isto, pode conduzir tanto a uma aceitação, como a uma recusa.
 Algumas mulheres sentem-se horrorizadas pelo lado animal que encontram na maternidade. Para estas mulheres as náuseas, o parto sangrento, a amamentação assumem dimensões degradantes e próprias de uma fêmea animal, não de uma mulher. Assim, os cuidados a dar ao bebé acabam por se resumir a fraldas sujas, biberões recusados, bacios para despejar, a domesticação de um pequeno e selvagem “animal” que é o seu filho. Certas recusas da maternidade não são senão recusas destas imagens.
2.2.3. Influências maternas
 - A medicamentação do parto e os seus efeitos na vinculação
Na primeira metade deste século acelerou-se a tendência para as mulheres se dirigirem ao hospital para dar à luz, em consequência da grande taxa de mortalidade maternal e na infância. Associados a esta tendência, dois factores vieram alterar drasticamente as práticas correntes relativas ao nascimento. O primeiro tinha que ver com a infecção. À medida que mais e mais partos ocorriam no hospital, a mortalidade maternal e na infância começou a diminuir. No entanto, também se registavam surtos alarmantes de infecções dos quais resultavam as mortes de muitas mães e crianças. Numa tentativa de proteger as mães e os bebés e de controlar as infecções, a visita dos familiares era rigorosamente limitada. Os bebés ficavam instalados em enfermarias centrais, onde apenas recebiam o tratamento de enfermeiras e de médicos desinfectados em uniformes brancos. Como consequência, a mãe ficava sem o suporte da sua família e mãe e bebé ficavam separados um do outro durante largos períodos. O bebé era cada vez mais tratado pelas enfermeiras.
O segundo factor foi a utilização de analgésicos e de sedativos fortes, que provocam o denominado “estado de semiconsciência”, levando a uma amnésia das dores durante o trabalho de parto e no próprio parto. O comportamento confuso e desorganizado das mães que recebiam este tipo de tratamento fez com que fosse proibida a presença de familiares na sala de trabalho de parto e na sala de partos. Depois do parto, a mãe estava sempre sonolenta e confusa, não estando em condições de pegar no seu bebé e conhecê-lo. Como consequência, a analgesia resultava numa separação da mãe e do bebé por algumas horas.
Todavia, sabemos que cada mãe tem uma tarefa específica a desempenhar no período após o parto. Ela deve olhar o seu bebé e “afeiçoar-se” ao bebé real, conciliando assim a imagem que dele fantasiara antes do parto com a sua verdadeira imagem.
 - A prematuridade
A relação mãe-filho parece poder ficar afectada por problemas que ocorram à nascença com o recém-nascido e os possam separar (por ex., necessidade de utilizar a incubadora), mesmo por um período de poucas horas. Tirar um filho à sua mãe equivale a amputá-la e pode então ocorrer o conhecido “horror do vazio” – uma depressão pós-parto que se expressa numa tristeza sem causa aparente, choro fácil e inexplicável e uma angústia pela não compreensão das causas do choro. Estes acontecimentos precoces reflectem-se negativamente no processo de vinculação.
O comportamento desta mãe pode ficar afectado até ao primeiro ano após o parto, ou durante mais tempo, por muito pequena que seja a separação. Esta mãe fica mais preocupada e ansiosa, com medo de abandonar a criança, recorrendo sistematicamente aos serviços de saúde ao mínimo sinal de alteração. Por seu turno, uma preocupação constante com a criança pode levar a um síndrome de criança vulnerável.
Estudos revelaram que quanto mais precoce e prolongado for o contacto mãe-bebé,mais afectuosa e segura vai ser a sua relação. Foi verificado que “elas [as mães] ficavam mais perto dos seus filhos e olhavam mais tempo para eles durante os exames médicos, acalmavam-nos mais quando eles choravam, acariciavam-nos mais frequentemente quando lhes davam de comer e mostravam-se mais relutantes em deixá-los com outra pessoa.” Também se verifica um maior período de amamentação. Sempre que o contacto mãe-bebé é prolongado, o comportamento da mãe melhora. Este tempo deve ser em regime de privacidade.
- A presença de uma pessoa significativa (doula) durante o parto
. No que respeita ao parto, o apoio afectivo parece ser bastante importante. Mães que se mantêm mais calmas e relaxadas durante o parto devido à presença de pares têm uma recuperação mais rápida e o seu nível de satisfação é muito maior. Este facto parece inclusive reduzir cesarianas, o tempo de parto, as epidurais, e a administração de ocitocina
2.3. O Pai
Deparando-se com a gravidez da mulher, o parceiro masculino luta para restabelecer a sua própria contribuição, o seu próprio papel. 
Ao contrário da companheira que carrega consigo uma maternidade visível, o pai sente-se um espectador, muitas vezes excluído por amigos e profissionais de saúde. Para além disso sente também ciúme pela intimidade que a mãe usufrui com o bebé. Podem mesmo surgir uma profunda inveja e frustração face às capacidades da mulher enquanto mãe e do facto de a criança se encontrar dentro dela. O marido acaba por se sentir excluído das novas preocupações e novos projectos da mulher que se circunscrevem, então, quase exclusivamente à gestação e ao bebé. 
Geralmente, no período imediato após o parto e durante os primeiros meses do bebé, as necessidades e importância paternas não são compreendidas nem encorajadas. Na nossa sociedade, o recém–nascido não constitui um “assunto de homens”: gravidez, parto e maternidade dizem apenas respeito à mulher, tanto para a alegria como para o sofrimento.
Enquanto o corpo de sua companheira grávida garante o crescimento da criança dentro dela, ele, o marido, continua a trabalhar. Para mais, quando volta do trabalho tem de entrar num mundo caseiro de biberões, fraldas, horários e silêncios, noites entrecortadas pelo choro, horas de refeições alteradas e dependentes das mamadas e, acima de tudo, a autoridade inegável e irrecusável das avós! Se o homem protesta é desnaturado e desinteressado; se tenta dar a sua opinião é inconsciente, sendo remetido para a sua “ignorância de homem em assuntos de mulher”. 
Tanto durante a gravidez como depois do nascimento, o envolvimento do pai constitui-se baseado na confiança, segurança e aprovação sociais. É preciso assim reconhecer o esforço feito pelo homem para enfrentar a paternidade nos seus primeiros tempos com ternura e calma. As alterações familiares da sociedade moderna dão um papel cada vez maior à figura paterna. Cada vez tem menos significado a expressão “grávida” e “amor materno” pois há cada vez mais “casais grávidos” e pais que demonstram “amor materno”.
Com o crescimento da aceitação de pais solteiros e da coabitação de casais unidos apenas legalmente pelo matrimónio, aumenta o comprometimento dos pais nas actividades maternais para conquistar a sua posição paternal. O homem começa, hoje em dia, a ser mais possessivo em relação aos seus direitos paternais, a desenvolver mais actividades com os filhos e está mais empenhado em cuidar deles.
Tal como com a mãe, também o contacto precoce pai-bebé promove a interacção entre os dois. 
É preciso termos atenção ao papel do pai durante a gravidez e que muitas vezes se limita ao papel de espectador. A participação do marido toma maior importância durante a gravidez pois é através dele que a mulher vai encarar e viver a gravidez:
se desde logo o pai se mostra feliz com a gravidez, há todas as hipóteses de a mãe usufruir de uma gestação calma e satisfeita;
se, por outro lado, a criança é vista pelo pai como um “acidente” imprevisto e aborrecido, a mãe corre o risco de ser privada dos sentimentos de plenitude, calma, e satisfação e, até, apresentar perturbações somáticas aparentemente inexplicáveis;
pode ainda ocorrer a situação em que o marido fique encantado com ideia da gravidez e a mulher a vê apenas como o aumento de fadiga, preocupações e privações. Compete então, ao futuro pai apoiar e encorajar a futura mãe ao longo de todo o período de toda a gestação e só ele a pode impedir também de entrar em situações de desespero e passividade;
em relação aos tipos de marido superprotector, as atenções e mimos por vezes excessivos podem resultar em fadiga e fragilidade aumentadas, caprichos, desejos e imperativos e atitudes absurdas, mudanças fáceis e constantes de humor, teimosias incompreensíveis e zangas (geralmente contra a família do marido) vividas pela mulher grávida;
para muitos homens, a gravidez é encarada apenas como um mal inevitável e simultaneamente um mau bocado que terão de enfrentar, isto porque a mulher está mais cansada, mais vulnerável mais instável, mais triste e mais inquieta; a sua imagem torna-se mais pesada e menos desejável e graciosa. Muitos homens enfrentam então a gravidez da mulher com nervosismo, frases desagradáveis, discussões sem razão ou por outro lado o silêncio, mutismo inexplicáveis em que o homem se incarna. Face a isto a mulher começa a sofrer, a odiar-se, a irritar-se, a culpar a gravidez e o filho. A sua auto-imagem destrói-se e, para agravá-lo, a mulher perde o interesse em si própria e deixa de se pentear, de se arranjar, etc. Subjacente a tudo isto está, é claro, o temor inconfessado de perder o desejo do marido, momentaneamente ou até para sempre.
2.4. O CASAL
2.4.1. A formação do casal
É natural no ser humano, e poder-se-á dizer imprescindível, a procura de alguém que o complemente, que ocupe as suas fantasias e corresponda às suas expectativas de “outro”, também elas criadas em todo o processo de formação da pessoa.
Mesmo socialmente, o celibato continua a ser visto como uma verdadeira tragédia pessoal e uma vida sem filhos continua a ser vista como desprovida de sentido e resultante da imaturidade e incapacidade.
Assim, devido à contracepção, igualdade de direitos entre sexos, etc., cada vez mais surge o sentimento do amor, a dependência de um outro, a entrega e abertura total como pessoa para outrém.
Este novo tipo de relação, longe de negativo, vem afectar a relação progenitor-descendência e por ela será afectado.
Levará ainda a um choque cultural entre gerações, que poderão não compreender a forma como estas relações se interligam.
2.4.2. Alterações no relacionamento e na vida do casal perante o bebé
“O bebé deve ser tratado como um amante”
Esta pequena introdução serve de base para a nossa visão àcerca do processo de passagem de díade para tríade por parte do casal, àcerca da evolução da relação entre os progenitores da criança.
O primeiro filho é sempre um momento de inexperiência para um casal, que se verá confrontado com uma série de novas situações. Todas estes sentimentos, conflitos e mudanças são inevitáveis e normais na gestação e no primeiro ano após o nascimento do seu primeiro filho. Algumas das mudanças geralmente observadas no casal são:
Partilha de sentimentos com um terceiro elemento novo para o casal;
Situações pontuais de ciúme e rivalidade face ao relacionamento com o filho e o relacionamento deste com o outro progenitor (e vice-versa);
Partilha do tempo que antes se encontrava destinado apenas para os dois ou ao lazer; 
Maior cansaço físico e psicológico;
Perda ou diminuição do apetite e actividade sexual;
Alterações do ambiente em que o casal se insere (modificações na casa, visitas constantes de familiares);
A pessoa determinada e independente pode desejar ser apaparicada pelo seu companheiro durante a gravidez, devido a um sentimento de vazio e exclusão;
A pessoa em geral dependente e sem auto-afirmação pode, repentinamente, sentir uma novaliberdade e uma nova afirmação pessoal face à perspectiva da paternidade. A pessoa que se sente vazia começa então a sentir-se repleta e acompanhada.
Estas alterações na vida do casal são geralmente vistas como imaturidade, falta de adaptabilidade do indivíduo face às novas ligações sentimentais, padrões de mudança no comportamento que a gravidez exige e à sua passagem de filho a pai.
No entanto, todas estas modificações surgem no contexto duma efectiva ruptura amorosa.
Os cuidados que os elementos do casal irão prestar ao bebé, os carinhos dados, a preocupação revelada, a preocupação com o conforto, prazer do pequeno, o “tratá-lo como a um amante”, como referido no início, criarão uma reacção natural por parte do casal de negação. Surge um conflito efectivo entre o amor do casal e o amor filial.
Se reflectirmos nos cuidados prestados ao bebé, poderemos aferir que muitos eram prestados anteriormente ao parceiro e agora lhe são negados sobre o pretexto de não ser um bebé.
Estes cuidados dantes prestados a um indivíduo independente eram de carácter lúdico. Ao serem agora transportados para alguém dependente tornam-se funções, obrigações a cumprir, e que não têm razão de ser face ao outro elemento do casal a quem se relacionam momentos de lazer e prazer e não de obrigação.
Por isso, o ciúme por parte de quem se sente excluído e a revolta pela não compreensão por parte do outro chocam diversas vezes, coexistindo simultaneamente no mesmo indivíduo. Ligados a toda a série de alterações anteriormente enumeradas, facilmente se compreende o clima de tensão que pode existir no casal no período de puerpério e até no primeiro ano de vida do bebé. 
Como qualquer crise, podem ainda advir outros problemas não resolvidos e recalcados, que poderão redimensionar estes problemas, resultando na exclusão de um dos membros do triângulo familiar recentemente formado (geralmente o pai), o que se repercutirá negativamente quer no bebé quer no casal. 
Estes problemas poderão ser resolvidos com abertura e adaptação por parte de ambos os membros do casal. Ao enfermeiro que os detectar caberá o papel de informar o casal que se trata de uma crise natural, cujas consequências se limitarão a um melhor conhecimento de ambos os indivíduos e a uma relação mais estável, caso haja empenho e aposta na ultrapassagem desta crise.
3. Outros Elementos da Família
3.1. OS IRMÃOS
O cuidar de um recém-nascido requer dedicação de quem o faz, quer em tempo quer em disponibilidade.
Quando o primeiro filho nasce, surgem diversos conflitos entre os dois elementos de um casal, devido à divisão sentimental que o recém-chegado causa. O mesmo sucederá com a criança que se vê confrontada com a chegada de um irmão, e a obrigação de o aceitar.
As principais queixas que a criança exprime são:
Partilhar brinquedos, roupas, lugar (muitas vezes o quarto);
Comparação por parte dos pais;
Sentir que não gostam dela porque dão-lhe menos apoio e atenção, ao transferirem o tempo e dedicação que lhe era dedicado ao bebé;
Somatização das queixas através de perturbações do sono e apetite, enurese nocturna;
Tendência a regredir na realização das suas tarefas diárias;
A criança mostra-se carente, oposicionista, agressivo, caprichoso.
Os graus de reacção variam com a idade e a existência de irmãos mais novos.
A mãe pode então reagir a estas alterações do filho:
Centrando-se no seu filho mais novo, sacrificando a sua relação, atenção, carinho e dedicação dados ao filho mais velho;
Devotando-se ainda mais ao seu filho mais velho do que fazia antes do nascimento do filho mais novo.
É de referir que as diferenças de idades entre irmãos superiores a 5/6 anos de diferença traduzem-se em personalidades semelhantes a filhos únicos, isto é, terão estas reacções reduzidas.
3.1.1. Preparar a criança para a chegada de um irmãO
	Existem várias estratégias para preparar a criança para a chegada de um irmão ou irmã e essa preparação deve iniciar-se no período pré-natal e deve seguir as seguintes linhas:
Fazer as mudanças de camas e de quartos antes do bebé nascer;
Estimular o envolvimento e o crescimento da relação do pai com a criança;
Explicar à criança de modo simples e conciso aquilo que está a acontecer e satisfazer todas as dúvidas da criança acerca do bebé;
Levar a criança a assistir às consultas pré-natal e incentivá-la a sentir os movimentos do feto;
Adquirir novas mobílias e brinquedos para a criança;
Dar um presente à criança no momento de chegada do bebé;
Ensinar e incluir a criança nos cuidados do bebé sempre que possível;
Elogiar e incentivar a progressiva independência da criança nas suas tarefas diárias. 
3.2. OS AVÓS
As relações entre gerações são, geralmente, intensificadas pela gravidez, realçando-se simultaneamente as correspondências e as diferenças entre os elementos das gerações familiares. Ao mesmo tempo, mesmo no caso de uma gravidez planeada, antigas proibições sobre sexualidade e rivalidades antigas (conscientes ou inconscientes) podem ser avivadas.
Geralmente, a revelação aos pais da presente gravidez traz ao casal o eco da reacção de seus pais à notícia da sua própria chegada enquanto bebés.
A gravidez pode ainda vir na sequência da perda de um dos pais, da doença de um dos pais, ou ainda representando uma dádiva reparadora para um pai ou uma mãe infeliz.
Mas a gravidez pode também consolidar e amadurecer os relacionamentos da futura mãe ou do futuro pai com os seus próprios pais – como se os seus pais nunca os tivessem considerado realmente adultos até então (ou mesmo ser o próprio casal a não se considerar realmente adulto até então). Em paralelo com esta afirmação de maturidade, torna-se possível, ou até provável, que haja um significativo recuo ao sentimento de se ser “a criança dos pais”.
Para mulheres ou homens cujos pais sejam aparentemente indiferentes e distantes para consigo, a gravidez aparece como uma segunda oportunidade que se ganha para a aproximação.
3.2.1. EFEITO DA GRAVIDEZ SOBRE OS AVÓS
Tornar-se avô dá ao indivíduo uma percepção repentina e, por vezes, até chocante da passagem do tempo. Em simultâneo, acarreta consigo um sentimento de realização e continuidade.
As mulheres tendem a reviver as suas próprias gestações, sozinhas ou com os seus maridos, revivendo as alegrias, as dificuldades e as dúvidas.
Geralmente, os avós sentem a vontade de oferecer aconselhamento aos seus filhos, sendo na maior parte das vezes as pessoas mais indicadas para fazê-lo. Porém, a sua ajuda pode nem sempre ser bem recebida quando se trata de casais jovens e independentes. Pode também acontecer que devido a uma diferença muito grande de idades, o período que vai da paternidade ao posto de avós traz consigo uma grande desactualização em relação a novas tecnologias e novas tendências relativas à maternidade.
As crianças beneficiam tanto com a geração mais idosa como esta com as crianças, assim como um casal jovem beneficia também da geração mais idosa no âmbito dos apoios emocional e financeiro. Assim, são evidentes os benefícios do cultivo dos laços entre as gerações.
3.2.2. Mãe da Mãe
Tornando-se mãe pela sua vez, a mulher toma o lugar daquela que a pariu, ou, pelo menos, fica em pé de igualdade com ela, e isto de forma irreversível. Só então a grávida se sente realmente uma mulher emancipada e adulta.
Se a relação anterior com a sua mãe não era satisfatória, isto provocará durante a gravidez, inevitavelmente, atritos entre mãe e filha (a grávida) que tanto poderão passar despercebidas como, pelo contrário, provocar perturbações e discussões;
Se, por outro lado, a relação mãe-filha se baseou num amor materno demasiado possessivo, a gravidez surgirá como um ataque ao poder materno e a grávida viverá a sua gravidez angustiada pelo seu modo de ser, incapaz de vir a ser para o seu filho aquilo que a sua mãe foi para si;
Se as relações mãe-filha foram más e baseadas na autoridade e severidade,na indiferença e no desentendimento, a grávida terá falta de imagens/modelos de referência e de identificação, podendo esta situação desencadear o desinteresse pela criança e/ou a demissão do seu papel de mãe;
Se, por fim, a relação mãe-filha foi fundada em princípios de afecto, liberdade, autonomia e ensino, a gravidez da filha será bem acolhida e bem sucedida.
3.2.3. O Pai do Pai
Assim que o homem experiencia ser pai pela primeira vez, surgem intensas emoções que o transportam para o lugar de pai e o seu pai para o lugar de avô. Tal como com a mulher grávida, a espera de um filho leva o homem a efectuar uma reavaliação do passado em relação a si e seus pais. O conflito vivido com o seu próprio pai vai levar o homem a reagir de maneira diferente à sua própria paternidade: se o homem foi auxiliado em jovem pelo seu pai e foi capaz de identificar-se com ele; se teve conflitos com o pai, mas conseguiu contornar o problema permanecendo identificado coma sua mãe; se teve conflitos com ambos, os quais nunca chegou a contornar.
A paternidade pode assim por meio da sua reavaliação do passado trazer alterações actuais à própria personalidade do homem.
4. Conclusão
O conhecimento de uma nova pessoa envolve sempre um alterar da nossa rede social, um abalar das relações existentes, especialmente se o tipo de relação que surge já era mantido com outros indivíduos.
A chegada de um bebé é ainda mais problemática, pois a exigência não é apenas relacional, mas também de tempo, dinheiro e até de esforço físico e psicológico por parte do indivíduo/casal cuidador.
A capacidade para este cuidar está presente em todos os indivíduos, independentemente do sexo, sob a forma daquilo a que designámos “Função Maternal”. Esta poderá ser potencializada ao longo da vida, através da assimilação de vivências pelo indivíduo e da acomodação que o indivíduo delas faz.
É importante que o enfermeiro intervenha cada vez mais precocemente de modo a identificar situações em que esta situação esteja alterada, pois o tipo de família actual, com reduzido número de indivíduos, sujeita, por um lado, os pais à criança e, por outro, a criança a adoptar apenas aquelas figuras de relevo.
Apesar disso, outros familiares próximos poderão ter um lugar de relevo durante a gravidez, sendo importante estimular o casal à sua inclusão no processo gestacional devido aos estímulos que poderão trazer à criança, e ainda informar o casal sobre como lidar com os diversos choques de interesses que inevitavelmente surgirão.
Concluindo, a única atitude positiva por parte de um casal que espera um filho e vive uma gravidez passa por uma divisão dos cuidados, das preocupações, das responsabilidades e das igualdades referentes ao futuro. Se fizerem juntos este filho, esperá-lo e cuidá-lo-ão juntos.
5. BIBLIOGRAFIA
Michela, Marianne Roland, Esperar um filho, Editorial Início, Colecção Via, 1970
Burroughs, Arlene, Uma introdução à enfermagem materna, Editora Artes médicas, 6ª edição, Porto Alegre, 1995, cap.14
Lef, Joan Raphael, Gravidez – a história interior, Editora Artes Médicas, 1997, Porto Alegre, cap.4 
BOBAK, LOWDERMILK, JENSE, Enfermagem na Maternidade, Lusociência, 4ª edição, 1999, Cap.6 e 17
6. Anexos
A GRAVIDEZ COMO CRISE
Uma gravidez, dependendo da família em que ocorre, pode ser enfrentada com equilíbrio, alegria e “normalidade” ou, por outro lado, como crise. Existem certas características numa família que fazem dela mais vulnerável a uma crise. Estas são: 
Vulnerabilidade ao stress – esta vulnerabilidade aumenta consoante o número de factores stressantes existentes. Por vezes, para uma família já cheia de problemas, uma gravidez pode significar a gota de água que faz transbordar o copo. Uma estratégia para diminuir esta vulnerabilidade consiste em trabalhar a flexibilidade nas atribuições de papéis e funções entre os membros da família.
A definição que a família faz do acontecimento – se uma família dá muito valor aos filhos, irá reagir a uma gravidez não planeada de modo diferente de uma família que não dá tanta importância aos filhos. Aqui interfere também a condição sócio-económica da mãe: uma mulher de 28 anos economicamente estável encarará a gravidez de modo diferente de uma mulher de 40 anos que sofreu uma falha anticoncepcional ou de uma rapariga de 14 anos que não se preveniu.
Recursos familiares para o tratamento/apoio social/recursos financeiros – todo o acontecimento imprevisto e provocador de grandes modificações é sempre encarado mais facilmente quando existem recursos adequados para o enfrentar.
Condutas compensadoras e características interpessoais – as condutas compensadoras consistem na manutenção da comunicação e da organização familiar, promovendo assim a independência e o respeito por cada um o que leva a maior coesão familiar. Isto faz com que a família seja capaz de reduzir a sua vulnerabilidade ao stress e também de reforçar os seus recursos.
INTERVENÇÃO DA ENFERMAGEM NA CRISE FAMILIAR
Em muitas famílias, uma intervenção apropriada a curto prazo pode ter um impacto extremamente benéfico sobre a sua vulnerabilidade e possível crise.
Abaixo encontram-se algumas sugestões de intervenção de enfermagem face a uma crise familiar provocada pela gravidez:
Vulnerabilidade ao stress – obter informações a respeito de outros factores stressantes existentes na família (tais como o desemprego, morte recente, problemas conjugais, etc.).
Definição que a família faz dos acontecimentos – averiguar se a gravidez foi desejada; qual a reacção dos outros membros da família face a ela; dar oportunidade à mulher de expressar os seus sentimentos.
Recursos para o tratamento/recursos financeiros – averiguar a capacidade para resolver problemas por parte da família; encaminhar a família para os recursos da comunidade que podem ajudar face a dificuldades económicas.
Apoio social – avaliar o ambiente familiar e os conhecimentos da família relativamente aos cuidados necessários na gravidez e ao recém-nascido; dar a conhecer grupos de apoio e outros recursos da comunidade.
Discussão - Nos dias de hoje é importante fazer uma revisão à maternidade – a mulher já não é definida apenas para mãe e para dona de casa; é-lhe reconhecida a possibilidade de uma igualdade profissional como o homem e o número de raparigas inscritas nos estudos universitários aumenta vertiginosamente. Estes factores influenciam directamente os estereótipos representativos da mulher. Nos dias de hoje as mulheres que trabalham com os homens e retiram do trabalho enriquecimento pessoal são muitas vezes mães de família e têm ainda tempo para se pintarem, pentearem, serem elegantes e femininas.
Porém, esta transformação não se faz sem algum desconforto por parte do homem e sem uma transformação da visão da criança, que não só deixa de ser vista como o fim último da mulher como também a sua existência pode vir passar a ser encarada como um entrave a outros projectos.
Discussão 2 – “Bebé e marido devem ser tratados como amantes” 
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