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Direito Civil SEÇÃO 2 ESPELHO DE CORREÇÃO Seção 2 Direito Civil Contando com todos os esclarecimentos e informações expostos até o momento, vamos à resolução comentada para a solicitação de sua cliente Helena? Inicialmente, precisamos identifi car qual é o documento/peça a ser produzido, para o que devemos observar: qual o objetivo da cliente ao lhe pedir uma resposta a seus questionamentos? Ela será apresentada em algum processo? Quais serão os efeitos pretendidos com tal resposta? Do que foi narrado, verifi ca-se que ela deseja obter as respostas tão somente para apresentar ao seu fi lho, na intenção de demonstrar- lhe qual é o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre seus direitos perante o acervo deixado pelo seu marido, de modo que, neste momento, não será utilizado dentro de um processo judicial, estando a cliente ciente de que a resposta não terá efeitos vinculativos. Sendo assim, conclui-se que deve ser elaborado um parecer, para expor a resposta ao questionamento da sua cliente. Na oportunidade, deverá ser lembrado que, embora não haja forma estabelecida na lei para um parecer, ele deve ter a estrutura mínima sugerida em nosso estudo. Na fundamentação, será necessário expor as noções preliminares sobre a sucessão legítima, com as defi nições sobre capacidade e Na prática! 2 NPJ - NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DIREITO CIVIL - ESPELHO DE CORREÇÃO - SEÇÃO 2 legitimidade para suceder, bem como a ordem da vocação hereditária e a condição, em especial, do cônjuge como herdeiro, estabelecida no Código Civil. Lembre-se de que, ao chamar o cônjuge para herdar junto aos descendentes, o legislador optou por condicionar seu direito ao regime de bens vigente no casamento dele com o autor da herança; o que, impreterivelmente, exige-nos tratar dos regimes de bens e a diferença entre meação e herança. Com tais distinções, deve-se aplicá-las no caso concreto para identificar se a cliente tem direitos hereditários sobre os bens deixados pelo marido e, sobre quais bens ela teria direito. Diante da discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto, apresentada em nosso estudo, necessário elucidá-la para, então, concluir a resposta desejada pela cliente. Sendo assim, passemos à elaboração do parecer para explicar a Helena sobre seus direitos hereditários. 33 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ Parecer 01/2016 Ementa: Cônjuge supérstite – direitos hereditários – vocação hereditária – regime da separação convencional de bens I. Relatório A Consulente Helena Soares Rocha Lima informou que foi casada com Henrique Andrade Lima, falecido em 20/04/2016, com quem era casado no regime da separação convencional de bens, há 25 anos. Eles tinham dois fi lhos, Rogério e Camila, ambos maiores e capazes. Henrique não deixou testamento, mas deixou alguns bens e uma dívida, quais sejam: (i) Um apartamento em São Paulo/SP, adquirido recentemente, onde domiciliava com a Helena; (ii) Um apartamento em Ubatuba/SP, adquirido com o dinheiro da venda de um imóvel herdado por seus pais; (iii) Uma sala comercial em São Paulo/SP, adquirida há 10 anos, por compra e venda; (iv) Uma casa em Belo Horizonte, recebida por herança de seus pais; (v) Uma quantia depositada em um fundo de investimento; Questão de ordem! 44 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ (vi) Uma dívida, representada por uma nota promissória, no valor de R$ 150.000,00, devida a Joaquim Araújo Santos. Embora não tivesse certeza, a Consulente estimava que o patrimônio a ser partilhado, já abatida a dívida, alcançaria o montante de R$ 2.700.000,00, aproximadamente. Diante de tal situação, ela deseja saber se tem direitos hereditários sobre os bens deixados por seu marido e, se tiver, sobre quais bens ela teria. II. Fundamentação jurídica Inicialmente, é importante designar que se considera sucessão hereditária a transmissão de direitos e deveres a sucessores, herdeiros ou legatários, em razão da morte do proprietário/titular deles, sendo o direito à herança garantido constitucionalmente pelo art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal. O art. 1.784 do Código Civil, ao preceituar o princípio do droit de saisine, estabelece que, uma vez aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros, o que lhes garante a posse indireta do patrimônio deixado causa mortis pelo falecido, de forma imediata, independentemente de qualquer formalidade ou requerimento. Apenas o herdeiro legatário – que é aquele beneficiário de coisa certa, individualizada em testamento - consoante art. 1923, §1º, do Código Civil, que deverá requerer previamente para que assuma a posse da coisa legada. Contudo, a propriedade dos bens somente é transferida mediante a realização do inventário, para o qual é necessário observar todos os requisitos legais previstos em lei, sabendo que os bens serão transmitidos aos sujeitos passivos da transmissão hereditária, quais sejam, os herdeiros legítimos (definidos no art. 1.829, do Código Civil), dentre os quais estão os herdeiros 55 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ necessários, cuja participação é obrigatória (conforme dispõe o art. 1.845, do Código Civil), e os herdeiros instituídos por testamento (como admitido pelo art. 1.857, do Código Civil), que podem ser os testamentários, agraciados com uma quota-parte ideal da herança, e os herdeiros legatários, aos quais caberá um direito ou um bem específico. Considerando as informações trazidas pela cliente, verifica-se que, o caso em análise, se trata de uma sucessão legítima, tendo em vista que o falecido Henrique não deixou testamento, de modo que a sucessão causa mortis se dará por força da lei. Em assim sendo, faz-se necessário observar as disposições legais que definem quem pode e deve ser chamado a suceder, pelo que, considerando o questionamento da consulente, passamos a analisar cada um dos elementos necessários para alcançarmos a conclusão final. II.1. Da capacidade para suceder O Código Civil delibera a capacidade para a suceder, como a identificação de quem tem a aptidão específica para receber a herança, identificando, em seu art. 1.798, que todas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão têm a especial capacidade para suceder, devendo serem capazes e dignas – estas entendidas como aquelas que não tenham sido excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários, por decisão judicial, nos casos previstos no art. 1.814 do Código Civil – no momento da abertura da sucessão para que, de fato, sejam investidas nos direitos e obrigações que lhe forem transmitidos. Verifica-se, portanto, que a Consulente possui capacidade e legitimidade para receber, já que é capaz, não foi declarada como indigna, e já era nascida à época da abertura da sucessão. 66 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ II.2. Da vocação hereditária do cônjuge O Código Civil, além de estabelecer a capacidade para suceder, define quem serão chamados a receber a herança e, especialmente, quando serão chamados, ao prever no art. 1.829, a ordem da vocação hereditária, dispondo a preferência de quem deverá ser chamado, nos seguintes termos: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais”. Observa-se que a forma de chamamento é estabelecida por meio de classes, quais sejam, descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais e Estado (art. 1.844 do Código Civil). Tais classes são excludentes entre si, de modo que a mais próxima exclui a mais remota, com exceção apenas das possibilidades de concorrência do cônjuge, no inciso I. Os primeiros a se beneficiarem na sucessão legítima são os descendentes. Porém, se há também o cônjuge supérstite, ele será chamado em concorrência, tendo optado o legislador por usar o regime de bens como critério para confirmar ou não tal concorrência. O cônjuge também será chamado quando, não havendo 77 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ descendentes, houver ascendentes, hipótese em que também haverá concorrência e, independentemente do regime de bens adotado pelo casal, conforme inciso II, dos referidos 1.829 e 1.836. E, quando o falecido não deixar descendentes nem ascendentes, o cônjuge herdará sozinho – mais uma vez, independentemente do regime de bens –, conforme estabelece o inciso III, do supracitado art.1.829, confirmado pelo art.1.838. Considerando que, no caso em comento, o falecido deixou sua esposa Helena, ora Consulente, e seus filhos, Rogério e Camila, tem-se que estamos diante da hipótese prevista no inciso I, ou seja, temos descendentes e cônjuge supérstite. Sendo assim, passamos à análise do seu texto. Em uma interpretação literal, tem-se que o referido dispositivo dispõe que: a) Se há apenas descendentes, eles serão chamados a suceder, sem qualquer concorrência, em primeira ordem. b) Se há descendentes e cônjuge supérstite, em regra, ambos serão chamados a suceder, em concorrência e em primeira ordem; mas, como exceção, o cônjuge não será chamado, nem em concorrência, quando o regime de bens vigente no casamento com o autor da herança for entre os seguintes: (b.1) o regime da comunhão universal; (b.2) o regime da separação obrigatória de bens; (b.3) o regime da comunhão parcial, quando o autor da herança não houver deixado bens particulares. Verifica-se que a intenção do legislador foi exatamente contrapor a comunicação dos bens no casamento à da herança após o óbito de um dos cônjuges, buscando, talvez, a ideia de que o cônjuge supérstite não poderia receber duas vezes (isto é, participar na meação e na herança). Assim é possível concluir, 88 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ pois na primeira hipótese (b.1) o cônjuge já recebe meação, assim como na terceira (b.3) quando existir apenas bens comuns. Observa-se que o legislador dispõe que não haverá concorrência quando o regime for da separação obrigatória de bens – ou seja, aquele imposto nos casos previstos em lei, no art. 1.640 do Código Civil (não obstante tenha havido um erro de remissão, ao ser mencionado o art. 1.641). Mas, em nada diz quando o regime for da separação convencional de bens. Logo, não estando este ressalvado, concluir-se-ia que o cônjuge sobrevivente que foi casado pelo regime da separação de bens, convencionalmente escolhido pelos nubentes, herdará. Todavia, há uma constante discussão sobre esta conclusão, sobre o que se expõe a seguir. Para compreensão do tema, necessário esclarecer os efeitos da escolha do regime convencional da separação de bens, destacando a diferença entre meação e herança, para conseguirmos compreender a vinculação que o legislador faz ao estabelecer regime de bens como critério da vocação do cônjuge. II.1. Regime da separação convencional de bens Como cediço, sendo existente e válido, o casamento terá eficácia jurídica, estando apto a produzir seus efeitos (arts. 1.565 e seguintes do Código Civil), os quais abrangem aspectos sociais, pessoais e patrimoniais. Os efeitos patrimoniais encontram respaldo no regime de bens do casamento, na medida em que é ele que dita as regras quanto à comunicação, total ou parcial, ou à separação dos bens dos cônjuges. O regime de bens, também chamado de “estatuto patrimonial dos cônjuges”, é tratado no Código Civil nos artigos 99 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ 1.639 a 1.688, que compõem o subtítulo I do Direito Patrimonial relativo ao Direito de Família. Verifica-se que os regimes de bens podem ser classificados quanto ao objeto, pelo qual eles se distinguem pela comunicação, ou não, dos patrimônios dos cônjuges, quais sejam: comunhão e separação. Com base neste critério, o legislador disponibilizou quatro regimes, cujas regras estão previstas no Código Civil: regime de comunhão parcial, regime de comunhão universal, regime de participação final nos aquestos e regime de separação de bens, sobre os quais falaremos a seguir. E, permitiu, ainda, a combinação de diferentes regras para melhor conveniência dos cônjuges. Pode também ser classificado quanto à origem, verifica-se a identificação do meio por qual o regime de bens é definido, podendo ser por disposição da lei, chamando de regime legal; ou por escolha dos nubentes, chamado de regime convencional. Quando foi convencional, é admitida a livre escolha dos nubentes, quando eles deverão consigná-lo mediante lavratura da escritura pública de pacto antenupcial, durante o processo de habilitação para o casamento, conforme artigos 1.653 a 1.657 do Código Civil, dispondo regras de conteúdo patrimonial, sendo vedadas, contudo, estipulações que versem sobre as relações pessoais dos nubentes. Ressalta-se que, quando for possível escolher o regime de bens, a legislação permite, inclusive, que os nubentes combinem diferentes regras para melhor conveniência dos cônjuges, não sendo obrigados a submeterem-se a todas aquelas previstas expressamente para cada um dos regimes. Em algumas situações, contudo, a lei impõe qual será o regime de bens a vigorar entre os nubentes, tratando-se assim de um regime legal, prevalecendo o caráter de obrigatoriedade à submissão de um regime em determinadas situações. Assim 1010 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ ocorre quando os noivos não escolhem livremente algum dos regimes de bens previstos em lei, inexistindo o pacto antenupcial, ou se nula for a convenção firmada (art. 1.640, Código Civil), hipótese em que vigorará o regime da comunhão parcial. Da mesma forma, o Código Civil estabelece a obrigatoriedade do regime de separação de bens, nos casos de casamento de pessoas que o contraírem com a inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (arts.1.641, inciso I, 1.523 e 1.524 do Código Civil); quando algum dos nubentes possuir mais de setenta anos de idade (art. 1.641, inciso II do Código Civil); e quando os nubentes dependam de suprimento judicial, sendo devido em caso de denegação do consenso de representante legal, enquanto não o obtiver, ou não lhes for suprido o consentimento por representante legal (arts. 1.641, inciso III, 1.517, 1.519, 1.634, inciso III, 1.747, inciso I, e 1.774, todos do Código Civil). Visto isto, analisemos o regime de bens adotado pela Consulente e seu falecido marido, qual seja, o regime da separação de bens. O regime da separação de bens está disciplinado nos arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil e define a inexistência da comunhão dos bens dos cônjuges, quer sejam anteriores ou posteriores à celebração do casamento, pelo que cada qual possui seu patrimônio particular e o administra de forma exclusiva. Ele pode ser estabelecido de forma convencional ou por disposição legal, sendo, assim, obrigatório,nos termos do art. 1.641 do Código Civil, nos casos impostos pela legislação. Ressalta-se que, na hipótese de o regime da separação ser imposto por disposição legal, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, embora contrária ao texto da lei, firmou o entendimento de que há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Vale observar que o cônjuge, no regime da separação 1111 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ convencional de bens, não tem direito à metade dos bens comuns, isto é, à meação, já que inexiste comunicação entre quaisquer bens e, portanto, já não o tem mesmo enquanto vivo estava o autor da herança, desde quando celebrado o casamento. Ou seja, não tinha meação na vigência da sociedade conjugal, também não lhe advindo, portanto, successionis causa. A herança, por sua vez, é entendida como uma universalidade de direito e assim definida por lei, compreendendo um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico, conforme se depreende dos artigos 91 e 1.791 do Código Civil. Trata-se, assim, de um conjunto patrimonial transmitido em razão da morte do seu então proprietário, o qual também é chamado de “acervo hereditário”, “massa” ou “monte”, correspondendo, portanto, a todo o acervo patrimonial, de ativos e passivos, deixado pelo falecido a ser sucedido pelos e partilhado entre os herdeiros. A herança identifica exatamente o saldo patrimonial (positivo ou negativo) deixado por alguém que, enquanto vivo, pôde livremente dispor, construir, alienar e adquirir bens e obrigações. Desse modo, é possível constatar que a herança surge tão somente com o falecimento do seu autor, que é quando ocorre a abertura da sucessão, nos termos do art. 1.784 do Código Civil. Percebe-se, portanto, que, enquanto a meação já existe desde o casamento, o mesmo não ocorre com a herança, que, somente surge com o falecimento do outro cônjuge. A distinção é tão nítida que, no caso de deserdação, disciplinado pelos artigos 1.961 a 1.965 do Código Civil, a meação do cônjuge sobrevivente é inatingível, pois ela lhe pertence por direito próprio, em razão do seu casamento. Já enquanto a deserdação retira-lhe o direito à herança, que decorre do óbito. Ou seja, ao pensarmos na sucessão de um dos cônjuges, temos que entender que o direito à meação estará garantido, mesmo enquanto vivos forem os cônjuges, desde a vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, successionis causa. 1212 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ O fim da sociedade conjugal, quer seja com o divórcio ou com a morte do cônjuge, apenas põe fim ao estado de indivisão quando o regime previa a comunicação dos bens, permitindo sejam discriminados e individuados cada um dos bens. Ao analisar o patrimônio deixado por uma pessoa falecida que era casada, deve-se identificar o patrimônio comum e o que pertence a cada um dos cônjuges, não porque um faleceu, mas porque aquela porção ideal do patrimônio já lhe pertencia em decorrência do regime adotado que definia a comunicabilidade. Exclui-se ou não a meação devida ao cônjuge sobrevivente para que se identifique o patrimônio partilhável no restante. Neste sentido, quando o regime de bens escolhido estabelece a comunhão de bens, a meação de um dos cônjuges é devida independentemente do falecimento do outro. É do monte partilhável que se extrairá a herança dos legítimos sucessores. Assim, a sucessão hereditária versará sobre o patrimônio deixado pelo de cujus, destacada, se for o caso, a meação, a qual será entregue ao cônjuge sobrevivente também pelo procedimento do inventário de todo o acervo. A distinção é importante, pois o art. 1.829, inciso I, do diploma civilista usou o regime de bens como critério para chamar o cônjuge como herdeiro e disciplinar sua concorrência com os descendentes na sucessão. Porém, ao contrário do que pode ser deduzido por um leigo, não foi mantida uma equivalência entre a existência da comunicação (meação) e a transmissão pela morte (herança) dos bens. Diante desses esclarecimentos, tem-se que, aquele casado no regime da separação convencional de bens não possui direito à meação, já que inexiste comunhão entre os bens. E, não havendo, todo acervo patrimonial que um dos cônjuges deixar ao falecer, será considerado herança e, portanto, partilhável integralmente por seus herdeiros. Logo, o cônjuge supérstite terá 1313 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ direitos hereditários sobre todo o acervo, em concorrência com os descendentes, partilhando-se em partes iguais entre eles. II.2.1. Entendimento jurisprudencial O assunto é controverso e já foi entendido de forma contrária, no sentido de que o cônjuge então casado no regime da separação convencional de bens não deve herdar, conforme se verifica na decisão: “(...) O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. - Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário” (REsp 992749 / MS, Recurso Especial nº 2007/0229597-9. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DP 05/02/2010). Contudo, verifica-se que tal interpretação é contra legem a partir do momento em que, além de abranger o âmbito de uma restrição (já que a regra é a concorrência), ignora o artigo 1.845 do Código Civil, que estabelece que o cônjuge é herdeiro necessário, de modo que nenhum ato de mera vontade, como um pacto antenupcial, pode lhe retirar tal direito. Ademais, na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente herdará sozinho independente do regime de bens, como dispõe o inciso III do mesmo artigo 1.829, reiterado pelo art. 1.838, 1414 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ ambos do Código Civil. Ou seja, a vontade disposta no pacto antenupcial não pode influenciar na vocação hereditária. Neste sentido, foi publicado o Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil - que entendeu: “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”. Assim, a Corte mudou seu posicionamento e, com outra importante decisão publicada em 19/11/2014, foi esclarecido que: “(...) 6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente. 7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). 8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casadopela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular”. (REsp 1472945 / RJ, Recurso Especial 2013/0335003-3. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. DP 19/11/2014). 1515 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ Ainda que a jurisprudência não tenha sido pacificada, a nova orientação já foi, inclusive, confirmada por outros julgados também do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1430763 / SP, e REsp 1294404 / RS. III. Conclusão Diante de todas as informações expostas alhures, conclui-se, assim que, aquele casado no regime da separação convencional de bens não terá direito à meação, já que inexistem bens comuns e o patrimônio detido por cada um dos cônjuges, a eles pertencem de modo exclusivo. Mas, por não estar abrangido na exceção do inciso I, do art. 1.829, do Código Civil, o cônjuge nesta mesma situação herdará. Logo, a Consulente tem direito a herdar, em concorrência com os descendentes do falecido marido (isto é, seus filhos), de modo que todo o acervo patrimonial deixado por ele deverá ser dividido em partes iguais entre eles, embora tal entendimento não seja pacífico na jurisprudência, mas revela o posicionamento atual. É o parecer, s.m.j., do que pode sofrer censura e receber posicionamentos contrários. São Paulo/SP, 15 de maio de 2016. [Assinatura do Advogado] [Número de Inscrição na OAB] 1616 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ Perguntas: Questão 01: Quem tem capacidade e legitimidade para suceder? Resposta: Conforme art. 1.798, todas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão têm a especial capacidade para suceder, devendo elas serem capazes e dignas – estas entendidas como aquelas que não tenham sido excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários, por decisão judicial, nos casos previstos no art. 1.814 do Código Civil – no momento da abertura da sucessão para que, de fato, sejam investidas nos direitos e obrigações que lhes forem transmitidos. Questão 02: Todos que têm capacidade e legitimidade para suceder serão chamados para participar da herança? Resposta: Não. O Código Civil estabelece a ordem da vocação hereditária, que é entendida como a defi nição do chamamento ou a convocação da(s) pessoa(s) com direito na sucessão, para que venha receber a herança ou o quinhão que lhe cabe. A lei determina a ordem pela qual serão chamados os herdeiros na forma estabelecida no art. 1.829 do Código Civil. Observa-se que a forma de chamamento é estabelecida por meio de classes, quais sejam, descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais e Estado (art. 1.844 do Código Civil). Tais classes são excludentes entre si, de modo que a mais próxima exclui a mais remota, com exceção apenas das possibilidades de concorrência do cônjuge, no inciso I. Questão 03: O cônjuge casado no regime da comunhão universal pode ser chamado a herdar? Resolução comentada 1717 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ Resposta: Sim. Embora o inciso I, do art. 1.829, do Código Civil, estabelece que o cônjuge casado no regime da comunhão universal de bens não herdará, ele assim o faz, como uma exceção vinculada à situação em que há concorrência com os descendentes. Mas, não havendo descendentes, nem ascendentes, em terceiro lugar, o cônjuge, independentemente do regime de bens, será chamado a suceder, recebendo a integralidade do acervo inventariado.] Questão 04: Os descendentes podem ser excluídos da sucessão por mera vontade do autor da herança? Resposta: Não. Sendo o art. 1.845 do Código Civil, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, de modo que, consoante o art. 1.846, subsequente, aos herdeiros necessários é garantida, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. Questão 05: No regime da separação de bens, é garantido aos cônjuges direito à meação? Resposta: Não. O regime de bens respeitará a disciplina prevista nos arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil, que estabelecem a inexistência da comunhão dos bens dos cônjuges, quer sejam anteriores ou posteriores à celebração do casamento, pelo que cada qual possui seu patrimônio particular e o administra de forma exclusiva. Contudo, vale ressaltar que, tratando-se de regime obrigatório da separação de bens, isto é, quando este regime é imposto por lei, conforme teor da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, entende-se que há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. 181818 Direito Civil - Espelho de Correção - Seção 2NPJ
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