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CAP˝TULO 9 59 99 CAP˝TULOCAP˝TULO Síndrome de Cushing Carlos Alberto Longui INTRODU˙ˆO A secreçªo endógena excessiva ou ingestªo de doses farmacológicas de glicocorticóides determina diversos sintomas e sinais clínicos característi- cos da síndrome de Cushing. Entre eles se encontram parâmetros intrínse- cos do desenvolvimento da criança e do adolescente como o ganho de peso e de estatura. A açªo excessiva dos glicocorticóides Ø capaz de reduzir o crescimento linear e aumentar o ganho de peso, tornando a síndrome de Cushing um dos diagnósticos diferenciais obrigatórios em pacientes com crescimento deficiente ou obesidade. A presença de sintomas adicionais pode aumentar a probabilidade de síndrome de Cushing, mas freqüentemente estªo ausentes na fase inicial. Dentre eles destacam-se: hipertensªo arterial, sinais de virilizaçªo, fraque- za muscular, fragilidade vascular e alteraçıes comportamentais bipolares. Podem ser observados distœrbios metabólicos e eletrolíticos decorrentes do excesso de glicocorticóides, como a hiperglicemia (glicogenólise, glico- neogŒnese e reduçªo da utilizaçªo perifØrica de glicose), hipertensªo arte- rial (vasoconstricçªo e retençªo de Ægua e sódio), dislipidemia (lipólise em extremidades e lipogŒnese abdominal e visceral), reduçªo da massa magra (menor síntese e maior catabolismo protØico), alØm de reduçªo da resposta inflamatória e cicatrizaçªo das feridas. O hipotireoidismo, por determinar reduçªo da velocidade de crescimento e aumento de peso, alteraçıes digestiva e do sono, fraqueza muscular e al- teraçıes na pele, deve ser incluído no diagnóstico diferencial da síndrome 60 CAP˝TULO 9 de Cushing. Na adolescŒncia, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a síndrome plurimetabólica, pela presença concomitante de obesidade centrípeta, hipertensªo arterial e reduçªo da sensibilidade à insulina. DETERMINANTES DO HIPERCORTISOLISMO Situaçıes clínicas pouco freqüentes na infância podem determinar a produçªo excessiva de cortisol, sem contudo gerar sintomas característicos da síndrome de Cushing. Esta situaçªo Ø denominada pseudocushing e estÆ associada a quadros adaptativos fisiológicos como exercício excessivo e gestaçªo ou a alteraçıes comportamentais crônicas de indivíduos submeti- dos ao estresse prolongado ou nos quadros de desnutriçªo crônica. O hipercortisolismo da síndrome de Cushing pode ter origem autônoma no córtex adrenal (tumores adrenais, hiperplasias macro e micronodulares, complexo de Carney e síndrome de McCune Albright), ou ser secundÆrio ao estímulo adrenal pelo ACTH. Quando a origem do ACTH Ø hipofisÆria, geralmente associada à pre- sença de um adenoma hipofisÆrio, o quadro Ø denominado doença de Cushing. O ACTH pode ter origem extra-hipofisÆria (ectópico), como observado em tumores das ilhotas pancreÆticas, carcinóides (pulmªo, timo, intestinos e pâncreas), carci- noma medular de tireóide ou carcinoma de cØlulas pequenas dos pulmıes. Es- ses tumores podem produzir tambØm CRH de maneira ectópica (Tabela 9.1). Tabela 9.1 Causas da Síndrome de Cushing ACTH dependente Doença de Cushing (adenoma hipofisÆrio) Ectópicos (tumores produtores de ACTH e/ou CRH) ACTH independente Exógeno Neoplasia adrenal (adenoma, carcinoma) Displasias nodulares Pigmentar (complexo Carney) Hiperplasia macronodular (inicialmente ACTH-dependente) GIP-dependente (desencadeada por alimentos) AVP-dependente TRH-dependente, GnRH-dependente Síndrome McCune Albright DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA S˝NDROME DE CUSHING Pacientes com reduçªo da velocidade de crescimento e ganho excessivo de peso sªo habitualmente investigados para o diagnóstico de síndrome de Cushing. É preciso inicialmente afastar o uso exógeno de glicocorticóides, considerando-se todas as possíveis vias de administraçªo (oral, transcutânea, otológica, nasal, inalatória etc.). A funçªo tireoideana deve ser avaliada pois o hipotireoidismo pode determinar parte dos sintomas clínicos e ao mesmo tempo influenciar negativamente a secreçªo e a concentraçªo sØrica do cortisol. CONFIRMA˙ˆO DO HIPERCORTISOLISMO O cortisol (composto F) secretado pelas adrenais circula no plasma li- gado a proteínas transportadoras (CBG e albumina). Apenas 5-10% do cortisol CAP˝TULO 9 61 se encontram na forma livre bioativa podendo difundir aos tecidos para entªo exercer seu efeito celular intranuclear. O cortisol Ø liberado em pulsos, com ritmo circadiano caracterizado por maior secreçªo pela manhª, seguida de reduçªo da secreçªo à tarde e à noite. Nos estados de hipercortisolismo existe a perda do ritmo circadiano, e o cortisol passa a ser secretado em quantidades maiores mesmo à tarde e à noite. Este fenômeno pode ser reconhecido pela quantificaçªo do cortisol sØrico ou salivar nos trŒs períodos, e o F salivar tem a vantagem de identificar a fraçªo livre do hormônio e nªo ser um mØtodo invasivo, podendo ser coletado no próprio domicílio. O mØtodo classicamente utilizado e disponível na maior parte dos laboratórios Ø a quantificaçªo do cortisol urinÆrio de 24h. Este mØtodo tambØm identifica a fraçªo livre do cortisol, pode ser coletado no do- micílio, mas deve atentar para a inclusªo de toda a urina do dia, preservaçªo da amostra e ingestªo adequada de líquidos para manter uma adequada taxa de filtraçªo glomerular. Estes testes sªo œteis na triagem inicial dos indivíduos com quadro clínico apenas suspeitos de síndrome de Cushing e podem ser complementados com outro mØtodo de triagem que Ø a supressªo noturna com dexametasona (20mcg/kg, mÆx 1mg; VO às 24h; quantificando-se o cortisol sØrico ou salivar e ACTH às 8h do dia seguinte). Indivíduos obesos apresentam valores normais ou pouco elevados de cortisol urinÆrio (normais quando o FU Ø corrigi- do para a superfície corporal: 25-50 mg/m2/dia), ritmo circadiano presente e su- primem o cortisol após dexametasona (F sØrico<2mg/dl; F salivar<280mg/dl). Pacientes com hipercortisolismo apresentam elevaçªo do FU e supressªo in- completa ou ausente após dexametasona overnight. HIPERCORTISOLISMO DA S˝NDROME DE CUSHING Uma vez identificado o hipercortisolismo, a confirmaçªo de que se trata de uma síndrome de Cushing e nªo de um pseudocushing Ø dada pela ausŒncia de supressªo do cortisol (sØrico ou urinÆrio) após dose baixa de dexametasona (20-30mcg/kg/dia, mÆx 2mg/d, durante dois dias, em doses divididas a cada 6h; œltima dose deve ser oferecida 2h antes da œltima coleta). O diagnóstico de síndrome de Cushing Ø confirmado caso a supressªo do cortisol seja ausente ou incompleta, considerando-se supressªo normal quando o F sØrico < 2mg/dl ou F urinÆrio se reduz em mais de 80% em relaçªo ao basal. DOEN˙A DE CUSHING X S˝NDROME DE CUSHING Uma vez confirmada a síndrome de Cushing, Ø preciso reconhecer uma das for- mas mais freqüentes causadoras do quadro: o adenoma hipofisÆrio secretor de ACTH (doença de Cushing). Os exames de imagem podem auxiliar neste diagnós- tico, sendo a ressonância nuclear magnØtica da regiªo hipofisÆria o exame de es- colha. PorØm, deve-se conhecer as limitaçıes intrínsecas deste mØtodo. Apenas 60-70% dos pacientes com doença de Cushing apresentam adenomas hipo- fisÆrios perceptíveis à RM. Adicionalmente, os microadenomas identificados pela RM podem ser nªo-secretores ou mesmo produzir outras trofinas que nªo o ACTH. Portanto, a demonstraçªo da produçªo de ACTH por adenoma hipofisÆrio (visível ou nªo à RM) Ø essencial para o diagnóstico de certeza da doença de Cushing. Com este objetivo, tem sido classicamente preconizado o teste de su- pressªo com dexametasona em dose alta (80-120mcg/kg/dia, mÆx 8mg/d, duran- te dois dias, em doses divididas a cada 6h, œltima dose oferecida 2h antes da œl- tima coleta). Pacientes com doença de Cushing apresentam supressªo adequada do cortisol (cortisol sØrico <2mcg/dl; F urinÆrio com mais de 80% supressªo em relaçªo ao basal), enquanto indivíduos com síndrome de Cushing nªo apresen- 62 CAP˝TULO 9 tam supressªo mesmo com dose alta. Mais recentemente, o teste de estímulo com CRH (1mcg/kg EV em bolo) e/ou DDAVP (20mcg EV em bolo) tem sido emprega- do para reconhecer a capacidade de liberaçªo hipofisÆria do ACTH e conseqüen- te elevaçªo do cortisol. Elevaçªo de 30% a 50% do ACTH e do F sØrico em pa- cientes com síndrome de Cushing sªo compatíveis com a origem hipofisÆria do ACTH e sugestivos de doença de Cushing por adenoma hipofisÆrio. Em casos específicos, nos quais os exames de imagem e os testes endócrinos nªo permitem um diagnóstico de certeza, um teste complementar Ø o catete- rismo de seio petroso inferior. Este exame deve ser realizado em centros que possuem profissionais com experiŒncia em cateterismo na infância. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA RESUMIDA (VER FIG. 9.1) Pacientes com suspeita clínica de síndrome de Cushing, ou pertencen- tes a grupos específicos de pacientes nos quais a síndrome de Cushing deva ser considerada (p. ex., obesos), podem ser inicialmente triados pela quanti- ficaçªo do cortisol urinÆrio de 24h, ou pela mensuraçªo do cortisol sØrico ou salivar após dexametasona overnight. Nos casos com F urinÆrio elevado ou supressªo inadequada do cortisol (hipercortisolismo), os exames iniciais de imagem (US adrenal) e o teste de supressªo com dose baixa de dexame- tasona devem ser realizados para a confirmaçªo do hipercortisolismo as- sociado à síndrome de Cushing. Nestes pacientes, caso o US adrenal identifique a presença de nódulo œnico ou mœltiplo, a nªo-supressªo do cortisol com dose alta de dexametasona permite o reconhecimento da au- tonomia adrenal na secreçªo do cortisol e a confirmaçªo do diagnóstico da síndrome de Cushing. O teste de supressªo com dose alta tambØm deve ser realizado quando o US adrenal for normal, pois permitirÆ diferenciar a síndrome de Cushing da doença de Cushing, visto que nesta œltima situa- çªo o uso de dose alta de dexametasona Ø capaz de suprimir a secreçªo de ACTH. O teste de estímulo com CRH e/ou DDAVP tem sido cada vez mais utilizado no reconhecimento da doença de Cushing por determinar a ele- vaçªo do ACTH e do cortisol, sugerindo a origem hipofisÆria do quadro. Fig. 9.1 Roteiro diagnóstico simplificado da Síndrome de Cushing. Suspeita clínica Síndrome Cushing (afastar ingestªo exógena de glicorticóides) FU; F sØrico ou salivar; ACTH basal (elevados) Dex overnight (nªo-supressªo) US adrenal (normal) Teste Dex dose baixa (20-30mcg/kg/dia) mÆx.2mg Supressªo (pseudo-Cushing) Nªo-Supressªo Teste Dex dose alta (20-30mcg/kg/dia) mÆx. 2mg Teste CRH e/ou DDAVP RM hipófise Supressªo Nªo-Supressªo Elevaçªo ACTH e F s/resposta ACTH e F adenoma normal Doença de Cushing Síndrome de Cushing CAP˝TULO 9 63 TRATAMENTO Depende da etiologia da síndrome de Cushing. Os tumores adrenais e as hiperplasias nodulares autônomas requerem abordagem cirœrgica adrenal, após preparo clínico inicial que inclui controle da PA e reduçªo da síntese do cortisol, permitindo a normalizaçªo volŒmica antes da cirurgia. Os tu- mores que secretam ACTH ou CRH de maneira ectópica sªo de tratamento mais difícil, pois dependem da adequada localizaçªo de pequenos tumores que possuem comportamento biológico geralmente agressivo. A doença de Cushing deve ser tratada preferencialmente pela remoçªo do adenoma hipofisÆrio, mas às vezes torna-se necessÆrio uma remoçªo ampla do parŒnquima hipofisÆrio, uma radioterapia hipofisÆria ou mesmo uma adrenalectomia complementar. A reposiçªo de glicocorticóides no intra- e no pós-operatório deve ser cuidadosa para evitar os sinais de insuficiŒncia adrenal e permitir a regressªo progressiva (trŒs a seis meses) dos sinais da síndrome de Cushing. As complicaçıes em longo prazo que devem ser observadas sªo a insu- ficiŒncia hipofisÆria mœltipla ou o desenvolvimento de adenomas hipofisÆrios pós-adrenalectomia (síndrome de Nelson). BIBLIOGRAFIA 1. Castro M, Moreira A. Diagnóstico Laboratorial da Síndrome de Cushing. Ar- quivos Brasileiros Endocrinologia e Metabolismo. 46(1):97-105, 2002. 2. Invitti C, Giraldi FP, de Martin M, Cavagnini F. Diagnosis and management of Cushings syndrome: results of an Italian multicentre study. Study Group of the Italian Society of Endocrinology on the Pathophysiology of the Hypothalamic- Pituitary-Adrenal Axis. J Clin Endocrinol Metab Feb. 84(2):440-8, 1999. 3. Magiakou MA, Mastorakos G, Oldfield EH, Gomez MT, Doppman JL, Cutler GB Jr, Nieman LK, Chrousos GP. Cushings syndrome in children and adolescents. Presentation, diagnosis, and therapy N Engl J Med Sep. 8;331(10):629-36, 1994. 4. Miller W. 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