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Processo e procedimento em matéria penal

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7.1. Processo e procedimento em matéria penal
 
            7.1.1. Pressupostos Processuais
 
                            Pressupostos processuais são requisitos necessários para existência e validade de um processo. Note-se que sem a presença deles no caso concreto, o processo ou é inexistente ou é inválido, sendo que em qualquer uma das duas hipóteses, o processo não alcançará o seu desiderato.
                                   Apesar da grande falta de sintonia da doutrina sobre o tema, é possível se classificar os pressupostos processuais penais da seguinte forma[1]:
PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA
1) órgão dotado de jurisdição: juiz ou tribunal
2) pedido realizado pela acusação
3) partes: autor e réu
PRESSUPOSTOS DE VALIDADE:
1) competência e imparcialidade do juiz
2) capacidade das partes:
            a) capacidade para ser parte;
            b) capacidade para estar em juízo (capacidade processual);
            c) capacidade postulatória: para agir em juízo.
3) citação válida do réu
4) intervenção do Ministério Público (como parte ou como fiscal da lei)
5) existência de defesa (através de defensor dativo ou constituído)
6) procedimento adequado
7) ausência de pressupostos negativos de litispendência e coisa julgada
 
         7.1.2. Formas procedimentais
 
                                   O processo pode ser considerado como o conjunto de atos tendentes à solução definitiva do conflito de interesses.
                                   Através do processo, o juiz exerce a função jurisdicional (aplicação da lei ao caso concreto). Assim, fácil perceber que o processo é a instrumentalização da ação penal.
                                   O procedimento por sua vez não se confunde com o processo, pois aquele é a ordem concatenada e prevista em Lei com a qual os atos processuais se realizam no curso deste.
                                   A previsão do procedimento na lei se faz necessária para que os sujeitos do processo (juiz, acusador e defensor) saibam como os atos se sucederão, podendo realizar seu mister de forma à implementar a justiça. Outrossim, como a realização da justiça é de interesse da sociedade, as normas que regem o procedimento são de ordem pública, devendo as partes e o juiz zelar pelo seu cumprimento, assim como previsto.
                                   No sentido acima esposado, é a lição do prof. Fernando da Costa Tourinho Filho:
“Visto dessa maneira, o processo não passa de uma série de atos visando à aplicação da lei ao caso concreto. A palavra “ato”, do latim actum, do verbo egere, significa feito. Logo, “ato” é aquilo que é feito pelo homem: um bilhete, um livro, uma pergunta, tudo são atos. Quando o ato tem importância para o processo ele se diz ato processual: a denúncia, seu recebimento, a citação, o interrogatório etc. Entre o ato inicial (denúncia), exercício do direito de ação, e a decisão final sobre o mérito, numerosos atos são realizados, de acordo com as regras e formalidades previamente traçadas e esses atos vão avançando até atingir o ponto culminante do processo, que é a decisão sobre o meritum causae, quando, então, o Juiz dirá se procede ou improcede a pretensão punitiva.”[2]
 
                                   O procedimento, previamente previsto em lei, pode estar dentro ou fora do Código de Processo Penal.
                                   Conforme o CPP, os procedimentos se dividem em comum ou especial:
1 - Procedimento comum:
 
a)Ordinário: quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (v.g. crimes de extorsão, estupro, roubo, latrocínio, furto, receptação, incêndio, concussão, peculato);
 
b)Sumário: quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade e superior a 2 anos (v.g. crimes de apropriação indébita, corrupção, homicídio culposo, tentativa de furto);
 
c)Sumaríssimo: para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da Lei 9.099/95.
 
2 – Procedimento especial:
 
Procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri: para crimes dolosos contra a vida;
Procedimento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos: para os crimes em que o réu seja funcionário público;
 Procedimento dos crimes de calúnia e injúria: relativo aos crimes contra a honra, incluindo-se também o crime de difamação;
Procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial: relativo aos crimes que tenham como objeto a propriedade imaterial.
 
                                   Por outro lado, o procedimento pode estar previsto fora do CPP, ad exemplum:
 
Tráfico de drogas, previsto na Lei n. 11.343/2006;
Crimes falimentares, previsto na Lei n. 11.101/2005;
Procedimento contra organizações criminosas Lei n. 9.034/95;
Abuso de autoridade Lei n. 4898/65;
                                   Importante consignar que o próprio CPP determina que as disposições do procedimento ordinário aplicam-se de forma subsidiária aos processos especial, sumário e sumaríssimo. Assim, na ausência de regra determinada para situação específica processual, deve-se aplicar a regra prevista para o rito ordinário que é mais completo que os demais.
 
         7.1.3. Procedimento comum
 
ORDINÁRIO
                               O procedimento ordinário tem previsão no CPP, artigos 395/405 e tem as seguintes fases:
 
FASE POSTULATÓRIA
 
1) Oferecimento da denúncia ou queixa
*Requisitos do artigo 41 e 44 do CPP;
*Rol de testemunhas (até 8 testemunhas).
 
2) Recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa
* Rejeição (CPP, art. 395)
a) inépcia da petição inicial;
b) falta de condições da ação ou pressupostos processuais;
c) falta de justa causa (ausência de materialidade ou indícios de autoria).
 
3) Citação do acusado
* Citação real ou citação ficta
 
4) Resposta escrita
* Prazo de 10 dias do ato de citação ou comparecimento da parte/advogado, se por edital;
* Natureza obrigatória;
* Rol de testemunhas (até 8 testemunhas).
 
5) Réplica da acusação
* Quando na defesa escrita for juntado documento ou arguida preliminar (CPP, art. 409, por analogia).
                                   Cumpre notar que é discutível a existência de réplica no processo comum ordinário. Nesse sentido, é a lição de Fernando Capez[3]:
“A ausência de previsão legal faltante gerará discussões, podendo surgir posicionamento no sentido de que o art. 409 do CPP deve ser aplicado analogicamente ao procedimento ordinário, tendo em vista que a ausência de oitiva do Ministério Público violaria o princípio da paridade de armas”
                                   Também sobre o tema se manifestaram os profs. Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Rios Gonçalves[4]:
 “A acusação não se manifesta após o oferecimento da resposta escrita, salvo se for apresentado documento novo (princípio do contraditório)”
 
6) Decisão do Juiz
* Após a fase anterior, o juiz tem as seguintes opções:
a) Julgamento antecipado da lide (art. 397) pela absolvição sumária:
I - por atipicidade;
II - por excludente de ilicitude;
III - por excludente de culpabilidade;
IV - por extinção da punibilidade;
 
b) Designação de audiência.
 
FASE DE INSTRUÇÃO DEBATES E JULGAMENTO
 
Audiência em até 60 dias (nesta ordem):
1) Declaração da vítima;
2) Testemunhas de acusação;
3) Testemunhas de defesa;
4) Esclarecimento do perito, acareações e reconhecimentos;
5) Interrogatório do réu;
6) Debates orais;
* 20 minutos prorrogáveis por mais 10 para as partes (prazo individual se existirem dois ou mais réus). Assistente de acusação tem 10 minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de defesa.
* Se houver complexidade, o juiz autoriza as alegações finais por escrito (memoriais) no prazo de 5 dias sucessivamente. Após, o juiz terá 10 dias para proferir sentença.
7) Sentença do juiz (art. 381 e ss, CPP).
 
OBS: aplica-se o princípio da identidade física do juiz: o juiz que presidiua instrução deverá proferir a sentença.
                       
SUMÁRIO
 
                                   O procedimento sumário tem previsão no CPP, artigos 531/538. Por infeliz técnica do legislador o rito sumário está dentro do capítulo dos procedimentos especiais, apesar de não o ser.
                                   Este rito é usado para os casos em que tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade e superior a 2 anos (v.g. crimes de apropriação indébita, corrupção, homicídio culposo, tentativa de furto).
 Fases deste procedimento:
Oferecimento da denúncia ou queixa;
Recebimento da denúncia ou queixa (ou sua rejeição, contra a qual cabe recurso em sentido estrito);
Citação do acusado;
Resposta escrita[5];
Decisão da absolvição sumária ou prosseguimento do feito com designação de audiência;
            Audiência para oitiva de testemunhas, interrogatório, debates e julgamento.                    
                        Como se pode perceber, o procedimento sumário é bastante semelhante ao ordinário tendo como diferencial:
a) Rol de testemunhas: número máximo de 5;
b) Audiência marcada no prazo de até 30 dias;
c) Impossibilidade de pedido de novas diligências ao término da instrução;
d) Impossibilidade de conversão dos debates orais em memoriais com a posterior prolação da sentença.
 
SUMARÍSSIMO
 
                                   O Rito sumaríssimo é aplicado às infrações penais de menor potencial ofensivo, com o julgamento no Juizado Especial Criminal como regra.
                                   Por sua vez, tais infrações são definidas pela Lei 9.099/95:
"Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa."
                                   O procedimento no Juizado Especial Criminal é dividido nas seguintes fases:
I - FASE PRELIMINAR
1)         A autoridade policial (que será via de regra um oficial da polícia militar) que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
2)         Designada audiência preliminar, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
3)         Se houver composição dos danos civis (transação civil) será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível e terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
4)         Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.
5)         Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta, o que recebe o nome de transação penal.
OBS: Não se admitirá a proposta de transação penal se ficar comprovado:
            a) ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
            b) ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa (transação penal anterior);
            c) não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente à adoção da medida.
6)         Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz e homologada (se presentes os requisitos legais).
OBS: STF súmula vinculante 35: "A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.".
7)         Contra a decisão que homologou a transação penal cabe recurso de apelação.
 
II - PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO
1)      No caso de ação penal de iniciativa pública, o Ministério Público oferecerá ao Juiz denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. No caso de ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral.
 OBS: Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, para o juízo comum onde o processo correrá pelo rito sumário. Este procedimento também é adotado se a ação penal for privada e houver complexidade.
 2)       Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado.
3)        No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, haverá a tentativa de transação civil e penal (se já não tiver ocorrido anteriormente).
4)        Não sendo a hipótese de transação, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.
5)        Contra a sentença (que não terá relatório) caberá o recurso de apelação no prazo de 10 dias. O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no mesmo prazo.
OBS: A apelação é julgada pelo chamado colégio recursal, composto por turma de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
                                   A lei 9.099/95 trouxe ao ordenamento jurídico importante instituto que visa a despenalização, qual seja a "suspensão condicional do processo". O regramento é previsto no artigo 89, da citada lei:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)."
                                   Uma vez aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
        I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
        II - proibição de frequentar determinados lugares;
        III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
        IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
 
*OBSERVAÇÕES:
- O Juiz poderá especificar outras condições que ficam subordinadas à suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
 - A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
 - A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
- Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
- Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
- As principal súmula que se aplica ao instituto é a STF 696: "REUNIDOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PERMISSIVOS DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, MAS SE RECUSANDO O PROMOTOR DE JUSTIÇA APROPÔ-LA, O JUIZ, DISSENTINDO, REMETERÁ A QUESTÃO AO PROCURADOR-GERAL, APLICANDO-SE POR ANALOGIA O ART. 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.".
 
[1] http://www.femparpr.org.br/userfiles/aula-01.pdf
[2] In Manual de Processo Penal, São Paulo, Ed. Saraiva, 7ª. Ed., p. 9.
[3] In Curso de processo Penal, Ed. Saraiva, 19ª. Ed., p 555.
[4] In Direito Processual Penal Esquematizado, Ed. Saraiva, 2014, p. 440.
[5] Que poderá gerar réplica pela acusação, conforme alguns doutrinadores.

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