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Texto TG Computadores descartados pela Europa envenenam crianças na África

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Texto para TG em Sala 
05/12/2009 
Computadores descartados pela Europa envenenam crianças na África 
 
Clemens Höges 
 
Os cidadãos do Ocidente jogam fora milhões de computadores velhos todos os anos. 
Centenas de milhares deles acabam na África, onde as crianças procuram ganhar a vida vendendo 
peças velhas das máquinas. Mas os elementos tóxicos presentes no lixo as estão envenenando 
lentamente. Segundo a Bíblia, Deus lançou uma chuva de fogo e enxofre para destruir as cidades de 
Sodoma e Gomorra. E as autoridades governamentais de Accra, em Gana, também passaram a 
chamar de "Sodoma e Gomorra" uma parte da cidade afetada por produtos tóxicos de um tipo que 
os moradores das cidades bíblicas jamais poderiam imaginar. Ninguém vai a esse local, a menos 
que isso seja absolutamente necessário. 
Uma fumaça ácida e negra passa sobre os barracos da favela. As águas do rio também são 
pretas e viscosas como óleo usado. Elas carregam gabinetes de computador vazios para o oceano. 
Nas margens do rio veem-se fogueiras alimentadas por isopor e pedaços de plástico. As chamas 
consomem o material plástico de cabos, conectores e placas-mãe, deixando intactos apenas o metal. 
Hoje há um vento que faz com que a fumaça dessas fogueiras infernais passem lentamente por 
sobre a terra. Respirar muito profundamente é doloroso para os pulmões, e as pessoas que 
alimentam as fogueiras às vezes dão a impressão de serem apenas silhuetas vagas e enevoadas. 
Uma figura pequena e curvada caminha entre as fogueiras. Com uma mão, o garoto arrasta 
um alto-falante velho pela terra e as cinzas, puxando-o por um fio. Com a outra mão ele segura 
firmemente uma bolsa. O alto-falante e a bolsa são as únicas posses do garoto, além da camiseta e 
as calças que ele usa. Ele tem um nome incomum: Bismarck. O garoto tem 14 anos, mas é pequeno 
para a idade. Bismarck vasculha a terra em busca de qualquer coisa que os garotos mais velhos 
possam ter deixado para trás após queimarem uma pilha de computadores. Podem ser pedaços de 
cabo de cobre, o motor de um disco rígido, ou peças velhas de alumínio. Os ímãs do seu alto-falante 
também capturam parafusos ou conectores de aço. Bismarck joga tudo o que encontra dentro da 
bolsa. Quando a bolsa estiver cheia até a metade, ele poderá vender o metal e comprar um pouco de 
arroz, e talvez também um tomate, ou até mesmo uma coxa de galinha grelhada em uma fogueira 
acesa dentro do aro de um carro velho. Mas o garoto diz que hoje ainda não encontrou o suficiente. 
Ele desaparece novamente na fumaça. 
 
O refugo da era da internet 
 
 Esta área próxima a Sodoma e Gomorra é o destino final dos computadores velhos e outros 
produtos eletrônicos descartados de todo o mundo. Há muitos lugares como este, não só em Gana, 
mas também em países como Nigéria, Vietnã, Índia, China e Filipinas. Bismarck é apenas um de 
talvez uma centena de crianças daqui, e de milhares do mundo inteiro. Essas crianças vivem em 
meio ao refugo da era da internet, e muitas delas podem morrer por causa disso. Elas desmancham 
computadores, quebrando telas com pedras, e a seguir jogam as peças eletrônicas internas em 
fogueiras. Computadores contêm grandes quantidades de metais pesados e, à medida que o plástico 
é queimado, as crianças inalam também fumaça carcerígena . Os computadores dos ricos estão 
envenenando os filhos dos pobres. 
 A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que até 50 milhões de toneladas de lixo 
eletrônico são jogadas anualmente no lixo em todo o mundo. O custo para se reciclar 
apropriadamente um velho monitor CRT na Alemanha é de 3,50 euros (US$ 5,30 ou R$ 9,20). Mas 
o envio do mesmo monitor para Gana em um contêiner de navio custa apenas 1,50 euro (R$ 3,80). 
Um tratado internacional, a Convenção de Basileia, entrou em vigor em 1989. O tratado 
baseia-se em um conceito justo, proibindo os países desenvolvidos de enviarem computadores que 
foram para o lixo aos países subdesenvolvidos. Até o momento 172 países assinaram a convenção, 
mas três deles ainda não a ratificaram: Haiti, Afeganistão e Estados Unidos. Segundo estimativas da 
Agência de Proteção Ambiental norte-americana, cerca de 40 milhões de computadores são 
descartados todos os anos somente nos Estados Unidos. Diretrizes da União Europeia com 
acrônimos como WEEE (sigla em inglês de Lixo de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos) e RoHS 
(Restrição a Substâncias Perigosas) seguiram-se à Convenção de Basileia, e países individuais 
transformaram-na em lei. As leis relativas à administração de lixo na Alemanha estão entre as mais 
estritas do mundo, e neste país o envio de computadores descartados a Gana pode dar cadeia. Em 
tese. 
 
Um negócio milionário 
 
Recentemente o governo alemão mobilizou-se para verificar como é a situação na prática. 
Especialistas da Agência Federal do Meio Ambiente alemã ainda estão redigindo um relatório que 
será divulgado nas próximas semanas, mas as conclusões já são conhecidas - há sérias brechas no 
sistema de reciclagem do país. Segundo o estudo, firmas de exportação da Alemanha enviam 100 
mil toneladas de aparelhos elétricos descartados a cada ano para os países subdesenvolvidos, o que 
é bem mais do que os especialistas temiam. "Este é um negócio milionário. Não se trata de algo que 
possa ser classificado como crime pequeno", afirma Knut Sander, do instituto ambiental Ökopol, 
com sede em Hamburgo. Ele foi o autor do estudo, que exigiu meses de pesquisas. Por causa das 
suas investigações ele recebeu avisos de que deveria tomar cuidado com a sua segurança. Ele não 
teve que ir longe do seu escritório para observar a atividade dessa indústria de exportação. "O Porto 
de Hamburgo é importante", explica Sander. "Aquilo que não sai por Hamburgo é embarcado em 
Antuérpia ou Roterdã." 
Sander descobriu negociantes pequenos que enviam contêineres esporádicos ou alguns 
carros velhos cheios de computadores. Às vezes há centenas desses carros no terminal de 
O'Swaldkai, em Hamburgo, de onde os navios saem para a África. Há também grandes empresas 
enviando cargas de lixo tóxico - as chamadas companhias de remarketing, que coletam centenas de 
milhares de eletrodomésticos velhos todos os anos. Essas companhias têm autorização para 
revender computadores que estejam funcionando, mas são obrigadas a reciclar as máquinas 
defeituosas. E algumas delas sabem muito bem quanto dinheiro podem economizar enviando esses 
computadores inúteis para Gana. 
A tarefa de deter essa exportação de lixo deveria ficar a cargo de uns poucos funcionários da 
alfândega e da guarda portuária. Mas quando os agentes ocasionalmente abrem um contêiner, eles 
estão provavelmente pedindo para ter dores de cabeça nos tribunais. As leis não definem o que seja 
um computador descartado, e é legal exportar computadores usados. Só não se pode exportar as 
máquinas descartadas. Um computador que está quebrado, mas que talvez ainda pudesse ser 
consertado, pode ser considerado lixo? E quanto a um computador de 20 anos de idade, que não 
consegue mais rodar um único programa? Quando há dúvidas, os juízes dão ganho de causa aos 
exportadores. 
 
Entrando no inferno 
 
Bismarck só sabe que todos os computadores exalam mau-cheiro, tenham eles dez ou 20 
anos de idade, e não importando se sejam fabricados pela Dell, a Apple, a IBM ou a Siemens. 
Quando eles queimam, a fumaça faz com que a sua cabeça e garganta doam. As cinzas pegajosas 
grudam em cada poro e ruga, e provocam coceiras. Manchas aparecem na pele de Bismarck, mas 
ele sabe que não pode coçá-las porque a poeira tóxica entraria nas feridas abertas. Desde o início 
Bismarck sabia que estava entrando no inferno. Mas quando tinha dez anos de idade, ele imaginava 
que o inferno pudesse,de alguma forma, constituir-se em uma aventura. De toda maneira, ele não 
tinha escolha, assim como as outras crianças daqui de Sodoma. A maioria delas vem das regiões 
mais pobres de Gana, no norte do país, para a capital, Accra. Bismarck consegue ainda se lembrar 
da sua vila, que fica perto de Techiman, mais ou menos no meio do país. Lá não há eletricidade, e 
as paredes dos casebres são feitas de terra. 
O pai dele desapareceu quando Bismarck era pequeno, de forma que ele jamais pôde 
perguntar por que o homem lhe deu um nome tão estranho, que ninguém na vila havia ouvido antes. 
A mãe de Bismarck criou-o sozinha, até ter sido atropelada por um carro. Ela perdeu as duas pernas 
no acidente, e morreu pouco depois. Uma tia adotou Bismarck, mas havia pouca comida para todos. 
Finalmente um garoto mais velho da vila lhe falou sobre Accra, e sobre um lugar entre o mercado 
Agbogbloshie e a favela Sodoma, onde até mesmo um menino de dez anos de idade seria capaz de 
ganhar dinheiro suficiente para comprar comida. O adolescente de 16 anos também lhe falou sobre 
os computadores e a fumaça, e que ele teria que ser forte. Pouco tempo depois, os dois garotos 
foram embora da vila, viajando de ônibus e depois de trem. O mais velho tinha dinheiro para as 
passagens porque já havia trabalhado em Sodoma. 
 
Um euro por dia 
 
Bismarck aprendeu as regras rapidamente. Existe uma hierarquia, e todo garoto pode tentar 
galgar essa estrutura. Os homens jovens, de cerca de 25 anos de idade, controlam as grandes 
balanças de ferro velho que ficam com frequências nos locais onde se podem ver marcas de pneus 
na cinza que cobre a terra. Quando a sacola de Bismarck fica cheia até a metade após um dia 
perambulando em torno das fogueiras, ele pode vender o material recolhido para esses homens por 
cerca de dois cedis ganenses, o equivalente a cerca de um euro ou US$ 1,50 (R$ 2,60). Aqueles que 
são um pouco mais novos, com cerca de 18 anos de idade, possuem carrinhos de mão feitos com 
tábuas e eixos de carros velhos. Eles seguem para a cidade no início da manhã para coletarem 
computadores dos importadores de refugo e trazem o material de volta para a favela. Eles quebram 
os computadores e retiram os cabos, e depois jogam o que restou nas fogueiras ou vendem esse 
resíduos para garotos um pouco mais novos. 
São principalmente esses garotos que carregam os montes de cabos plástico para serem 
queimados nas fogueiras. Um deles é Kwami Ama, que tem 16 anos e é um dos dois amigos de 
Bismarck aqui. Kwami tem um corpo forte e uma face redonda e de expressão honesta. Somente os 
olhos dele, altamente avermelhados devido à fumaça quando a noite cai, lhe dão uma aparência 
meio selvagem. As cicatrizes espalhadas pelas mãos foram provocadas pelas bordas afiadas de 
computadores quebrados e geladeiras velhas. Kwami arranca a camada de isolamento das geladeiras 
e as usa para acender as fogueiras,antes de jogar as peças de computadores no fogo. O isopor 
queima emitindo chamas violetas e verdes, com um calor suficiente para derreter até mesmo cabos 
dotados de produtos químicos retardadores de fogo no seu isolamento plástico. 
Ao contrário de Bismarck, Kwami não consegue mais falar sobre a sua vida. "Fico triste 
com frequência", diz ele, embora esteja se saindo bem pelos padrões de Sodoma. Alimentar as 
fogueiras é a tarefa mais tóxica de todas, mas ele ganha dinheiro suficiente para alugar um local 
para dormir em um barraco de madeira em Sodoma. O barraco tem cerca de dois metros de largura 
por três de comprimento. Três garotos dormem dentro dele, dividindo o assoalho de madeira. Não 
há janelas no barraco, mas a porta tem um cadeado, o que lhes permite dormir em segurança - o que 
é um luxo em Sodoma. 
 
Pobres contra pobres 
 
Ao contrário do seu amigo, Bismarck tem medo da noite. Ele enrola-se no escuro como um 
cão e dorme encostado em uma parede de madeira em Sodoma, ou sobre as cinzas, ao lado de uma 
geladeira quebrada na área aberta onde ficam os eletrodomésticos quebrados. Às vezes ele dorme 
sobre as balanças. Ele muda o local de dormir com frequência. Bismarck tem apenas dois amigos 
aqui. No inferno, os pobres lutam contra os pobres. 
Alguns dias depois, Bismarck teve um golpe de sorte ao encontrar uma grande quantidade 
de cobre, e o homem da balança pagou a ele sete cedis. Bismarck só gastou dois cedis, mas na 
manhã seguinte os outros cinco haviam desaparecido. Alguém usou uma lâmina para abrir o bolso 
de Bismarck quando ele dormia. Ele simplesmente ganha muito pouco. Bismarck consegue pagar 
pela comida ou por um local para dormir, mas não pelas duas coisas. Bismarck também não pode 
passar a noite com os seus outros amigos. Danjuma tem 11 anos de idade e acredita que já está 
trabalhando aqui há vários anos. Os seus pais ainda são vivos, mas quatro outros irmãos dividem 
um barraco com ele em Sodoma, e não há espaço lá para Bismarck. 
A mãe de Danjuma detesta ver o filho trabalhando nas fogueiras e desejaria que ele estivesse 
na escola. Mas a família precisa de dinheiro. Danjuma é o filho mais velho, e não se sabe quanto 
tempo mais ele será capaz de trabalhar efetivamente. Ele padece de dores frequentes no peito e nas 
costas. Danjuma e Bismarck pertencem ao grupo mais jovem, de crianças entre 8 e 14 anos. Nem 
eles nem as meninas têm permissão para alimentar o fogo. Os garotos novos trabalham com ímãs, e 
as meninas trazem água em sacos plásticos, e às vezes comida, para os garotos mais velhos. "A 
gente tem que beber muita água", explica Kwami. O sol é escaldante, fazendo com que a 
temperatura à sombra seja de 30ºC. Mas não existe sombra em Agbogbloshie. Perto dali o plástico 
está queimando a uma temperatura de mais de 300ºC. 
 
Encolhendo o cérebro 
 
Kwami diz que se esqueceu de muita coisa, mas que ainda se lembra muito claramente de 
um certo dia do ano passado. Um grupo de indivíduos brancos veio até à área de ferro velho, o que 
é raro. Eles eram do Greenpeace. Um homem usava luvas e carregava pequenos tubos de ensaio. 
Ele coletou amostras da lama de um dos lagos formados pelo rio, e depois cinza e solo de vários 
locais diferentes na área. O químico analisou as amostras quando voltou para casa, na Inglaterra, e 
os valores que obteve não foram bons. Ele descobriu concentrações elevadas de chumbo, cádmio e 
arsênico, bem como de dioxinas, furanos e bifenis policlorados. 
O chumbo, para tomar como exemplo apenas um dos produtos químicos perigosos, provoca 
dores de cabeça e estomacais após uma breve exposição. No longo prazo, ele danifica o sistema 
nervoso, os rins, o sangue e especialmente o cérebro. Quando uma criança ingere chumbo através 
da água ou por inalação, o seu cérebro encolhe ligeiramente e a sua inteligência diminui. Cientistas 
da Alemanha ficam preocupados quando descobrem concentrações acima de um limite de 0,5 
miligramas de pó de chumbo por metro cúbico de ar. O tubo de raios catódicos de um único 
monitor de computador contém cerca de 1,5 quilograma de chumbo. Muitas das outras substâncias 
encontradas pelos químicos no local também provocam câncer, entre outras doenças. 
 
Contra-atacando 
 
Mike Anane, um ativista ambiental e coordenador local da organização internacional de 
direitos humanos FIAN, trouxe os membros do Greenpeace para cá. Anane nasceu aqui há 46 anos, 
bem ao lado de onde hoje em dia se situa Agbogbloshie. Naquela época, as margens dos rio eram 
repletas de prados verdes e de flamingos, e os pescadores tiravam o seu sustento do rio. Agora não 
existe vida nessas águas. 
Oito anos atrás, Anane começou a perceber a chegada de uma quantidade cada vez maior de 
caminhões em Agbogbloshie, com as carrocerias repletas de computadores. Ele observou a situação 
deperto e passou a contra-atacar aquilo que viu. Anane coleta adesivos de procedência de vários 
computadores descartados para descobrir de quem são os venenos queimados aqui. Ele possui 
adesivos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, de autoridades britânicas e de 
companhias como o Banco Barclays e a British Telecom. "Algumas crianças daqui não chegarão 
aos 25 anos de idade", acredita Anane. Ele sabe, porém, que as companhias e organizações cujos 
selos chegam aqui juntamente com os equipamentos descartados não são os agentes que de fato 
trazem esse lixo para o seu país. As pessoas diretamente envolvidas são comerciantes como 
Michael Ninicyi, diretor da Kofi Enterprise. 
A Kofi Enterprise é uma pequena loja repleta de computadores. Os melhores produtos são 
velhas máquinas Pentium vendidas por US$ 90 (R$ 156), incluindo um leitor de DVD. Impressoras 
e copiadoras são exibidas sob uma cobertura amarela na frente da loja - todas as máquinas são 
provenientes da Alemanha, segundo Ninicyi. Um exemplar do jornal "Berliner Morgenpost", usado 
para proteção contra arranhões, encontra-se dobrado entre dois computadores. Algumas das 
máquinas ainda trazem os adesivos de companhias cujas sedes ficam, por exemplo, na pequena 
cidade alemã de Kleve, no Estado de Brandenburgo ou no de Rhineland. Todos esses produtos 
funcionam e são legais. 
 
"Este negócio é bom para Gana" 
 
Ninicyi usa calças com vincos, um colar de ouro e sapatos caros. Este é um homem que 
alcançou o sucesso. O seu inglês é excelente, ele fala bem e é capaz de se defender com sucesso - 
embora não sinta necessidade de fazer tal coisa. Na verdade, o que ele sente é o contrário. Ninicyi 
compra os seus produtos exclusivamente de navios de contêineres provenientes de Hamburgo. "Os 
alemães simplesmente tomam mais cuidado com os seus equipamentos do que qualquer outro 
povo", explica. Ele não quer dizer exatamente quem são os vendedores. Ninicyi compra os produtos 
sem examiná-los, algo que é comum nesta atividade. Como parte dos seus cálculos de custos, os 
vendedores alemães fazem com que em cada contêiner haja alguns equipamentos que funcionem, 
bem como alguns que ainda podem ser consertados. O restante, cerca de 30%, é lixo, que Ninicyi 
repassa imediatamente aos garotos que vêm de Agbogbloshie com os seus carrinhos da mão. 
Contêineres vindos do Reino Unido trazem uma proporção muito maior de lixo. 
"Este negócio é bom para Gana e para os outros países", assegura Ninicyi. Ele diz que sente pelas 
crianças, mas afirma que paga impostos, e os seus fregueses também e que o povo de Gana tem 
acesso a computadores de preço acessível. 
Ninicyi conhece até uma teoria maior que faria com ele fosse visto como algo semelhante a 
um funcionário de ajuda de desenvolvimento. A teoria da "lacuna digital", originalmente 
desenvolvida na Universidade de Minnesota, afirma simplesmente que, como os pobres não têm 
acesso aos meios modernos de comunicação, e como é o conhecimento que cria prosperidade, as 
pessoas mais pobres continuarão ficando para trás e a lacuna se expandirá ainda mais. O 
fornecimento de computadores ajuda a reduzir essa lacuna. 
Essa teoria tem alguns pontos fracos. Por exemplo, ela foi desenvolvida em 1970, três anos 
antes de um jovem estudante chamado Bill Gates sequer começar a estudar na Universidade 
Harvard. Há também uma segunda teoria da era da computação, a Lei de Moore, cujo nome é uma 
alusão a um dos cofundadores da Intel, que afirma que a capacidade de processamento dos 
computadores dobra a cada dois anos. Os criadores de softwares seguem a tendência, fazendo com 
que os computadores mais novos de hoje já estejam ultrapassados amanhã e prontos para serem 
mandados para Sodoma um dia depois. 
 
"Por que vocês não interrompem o fluxo de lixo?" 
 
"Esse processo está cada vez mais rápido, e nós estamos sendo esmagados", queixa-se John 
Pwamang, diretor do Centro de Gerenciamento e Controle de Produtos Químicos da Agência de 
Proteção Ambiental de Gana. A agência está localizada em um prédio de concreto em péssimas 
condições. A caminho do escritório de Pwamang, os visitantes precisam subir primeiro uma escada 
que no passado deve ter sido verde, e a seguir passar por um banheiro com defeito e uma sala de 
conferência de cortinas marrons esfarrapadas. Na sala há três depósitos de lixo - um marrom, para 
papel, um cinza, para plástico, e um outro marrom para tudo mais. Entretanto, o país não conta com 
um sistema de reciclagem de lixo em funcionamento. Ao que parece a agência de Pwamang ainda 
tem alguns problemas pela frente. 
Os olhos de Pwamang são pouco visíveis por trás das grossas lentes bifocais. Ele fala 
suavemente, o que o ajuda a parecer mais tranquilo do que realmente é. "Vocês europeus não 
mudam", reclama ele. "O que deveríamos fazer com os produtos tóxicos que vocês nos mandam? 
Não temos como reciclá-los. Vocês possuem as instalações para isso. Computadores que funcionam 
não são nenhum problema, mas muitas das máquinas velhas demais não duram nem um ano aqui. 
Por que vocês não interrompem o fluxo de lixo?". 
Pwamang não tem como provar que o chumbo e as dioxinas estão matando as crianças. 
Quase ninguém com mais de 25 anos trabalha nas fogueiras às margens do rio de águas pretas. E 
não existe estudo algum sobre o problema. O Greenpeace identificou e quantificou as toxinas, mas a 
organização não examinou os efeitos diretos delas. "As crianças estão doentes", afirma Pwamang. 
"Temos aqui metais pesados e venenos. Um estudo seria bom, mas mesmo sem nenhum estudo eu 
sei que a situação é desastrosa." 
 
Sonhando em escapar 
 
Mas, apesar de tudo, as crianças de Sodoma às vezes parecem se divertir. Os garotos mais 
velhos jogam futebol à noite em um espaço aberto entre as fogueiras, com dois vergalhões servindo 
de gol e monitores de computador vazios marcando as bordas do campo. Os jogadores correm e 
mergulham entre a fumaça das fogueiras. Eles não estão jogando apenas para se divertir, mas 
também por causa de seus futuros, já que muitos ganenses deixaram o país para jogar nas ligas 
profissionais no Ocidente. É um sonho meio louco, mas para muitos dos jovens daqui, um sonho é a 
única coisa que lhes permite escapar. 
O amigo de Bismarck, Danjuma, tem o mesmo sonho, é claro. Ele adoraria treinar futebol, 
apesar das dores no peito. Mas ele não tem dinheiro para comprar uma bola. Mas talvez seja melhor 
assim já que, se corresse, ele teria que respirar profundamente a fumaça. 
 
Tradução: UOL 
Disponível em http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/12/05/ult2682u1416.jhtm, 
acesso em 05/12/2009

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