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6 Ma´quinas c´ıclicas
Sadi Nicolas Le´onard Carnot (1796-1832)
F´ısico franceˆs nascido em Paris, a quem se deve a proposta da ma´quina
te´rmica de maior rendimento. Fez os seus estudos na E´cole Polytechnique
(onde entrou com apenas 16 anos), tendo mais tarde frequentado a Sorbonne
e o Colle`ge de France. Sentiu va´rias dificuldades na sua carreira de enge-
nheiro militar (que acabou por abandonar), devido a`s ideias revoluciona´rias
que partilhava com o seu pai Lazare Carnot, pol´ıtico famoso que pertenceu
ao Directo´rio e que foi Ministro do Interior durante o governo dos 100 dias de
Napolea˜o. A sua actividade cient´ıfica centrou-se na optimizac¸a˜o de ma´quinas
a vapor, nomeadamente para aplicac¸o˜es industriais, e levou-o em 1824 a` pu-
blicac¸a˜o do trabalho Reflexo˜es sobre a poteˆncia motriz do fogo e as ma´quinas
adequadas a desenvolver essa poteˆncia. Nesse trabalho descreve o famoso
Ciclo de Carnot e introduz conceitos inovadores como os de reversibilidade
e rendimento ma´ximo de uma ma´quina, que demonstrou depender apenas
das diferenc¸as de temperatura na pro´pria ma´quina. A sua teoria do calor
seria revista cerca de dez anos mais tarde por Clapeyron, e posteriormente
incorporada na formulac¸a˜o da Termodinaˆmica proposta por Clausius e por
Thomson. Morreu com 36 anos em Paris, v´ıtima de uma epidemia de co´lera.
83
6.1 Introduc¸a˜o
Em Termodinaˆmica, designam-se por ma´quinas c´ıclicas todos os dispositivos
que executam, sobre um fluido, uma se´rie de transformac¸o˜es cujo estado
final coincide com o estado inicial, durante as quais se realizam va´rias
trocas de energia (sob a forma de trabalho e/ou calor) entre o fluido e o
exterior.
Nas ma´quinas c´ıclicas reais, o fluido utilizado sofre em geral va´rias mu-
danc¸as de estado durante as diversas transformac¸o˜es termodinaˆmicas, ve-
rificando-se que existe sob a forma de uma mistura de estados l´ıquido e
gasoso. Ale´m disso, as ma´quinas c´ıclicas reais sa˜o muitas vezes sistemas
abertos, permitindo a renovac¸a˜o da massa de fluido utilizada.
Nesta secc¸a˜o, estudaremos o funcionamento geral de ma´quinas c´ıclicas
fechadas, cujo fluido (gasoso) mante´m o seu estado durante todas as trans-
formac¸o˜es.
Como se viu no cap´ıtulo 5, as ma´quinas c´ıclicas
• trocam calor Qq com uma Fonte Quente (FQ), a` temperatura Tq;
• trocam calor Qf com uma Fonte Fria (FF), a` temperatura Tf ;
• trocam trabalho W com o exterior.
Para compreender o funcionamento gene´rico destas ma´quinas, comec¸are-
mos por aplicar o Primeiro e Segundo Princ´ıpios da Termodinaˆmica ao ciclo
de transformac¸o˜es que executam.
Primeiro Princ´ıpio da Termodinaˆmica
Como U e´ uma func¸a˜o de estado e o fluido realiza um ciclo, tem-se
∆U = 0. Enta˜o
∆U = W +Qq +Qf = 0 . (6.1)
Segundo Princ´ıpio da Termodinaˆmica
Como S e´ uma func¸a˜o de estado e o fluido realiza um ciclo, tem-se
∆S = 0. Enta˜o
∆SUniverso = ∆S +∆SFQ +∆SFF =
QFQ
Tq
+
QFF
Tf
≥ 0 , (6.2)
com
84
QFQ = −Qq o calor trocado entre a Fonte Quente e o fluido;
QFF = −Qf o calor trocado entre a Fonte Fria e o fluido.
Pode enta˜o escrever-se
−Qq
Tq
− Qf
Tf
≥ 0 , (6.3)
e no caso da ma´quina c´ıclica ser revers´ıvel
−Qf
Qq
=
Tf
Tq
. (6.4)
Distinguiremos agora entre dois tipos de ma´quinas c´ıclicas: asma´quinas
te´rmicas e as ma´quinas frigor´ıficas.
6.2 Ma´quinas te´rmicas
A figura 6.1 representa esquematicamente uma ma´quina te´rmica (cujo
exemplo paradigma´tico e´ a ma´quina a vapor).
Como se veˆ, uma ma´quina te´rmica (cujo objectivo e´ produzir tra-
balho):
• retira calor de uma Fonte Quente (Qq > 0);
• fornece calor a uma Fonte Fria (Qf < 0);
• realiza trabalho sobre o exterior, neste processo (W < 0).
Tem-se enta˜o, a partir da expressa˜o (6.1) do Primeiro Princ´ıpio,
−W −Qf = Qq ,
ou tomando o valor absoluto das quantidades anteriores
|W |+ |Qf | = |Qq| , (6.5)
o que permite reler a equac¸a˜o de conservac¸a˜o da energia como
A energia total que entra na ma´quina e´ igual a` energia total que dela sai.
85
Figure 6.1: Esquema de uma ma´quina te´rmica
Neste cap´ıtulo, tomaremos trabalhos W e calores Q como sendo quan-
tidades intrinsecamente positivas, afectando-os de um sinal − (menos)
sempre que sejam negativos e haja necessidade de considerar o seu valor
alge´brico em algum balanc¸o energe´tico. Deste modo, a forma das expresso˜es
que se seguem resultara´ mais simples, uma vez que delas se eliminara˜o os
s´ımbolos |.| (representando o valor absoluto de).
Usando esta convenc¸a˜o, a equac¸a˜o (6.5) vira´
W +Qf = Qq . (6.6)
Usando a equac¸a˜o de conservac¸a˜o da energia (6.6) na expressa˜o (6.3) do
Segundo Princ´ıpio, vem
−Qq
Tq
+
Qq −W
Tf
≥ 0 , (6.7)
o que permite concluir que
W
Qq
=
Qq −Qf
Qq
≤ 1− Tf
Tq
. (6.8)
86
Define-se rendimento η de uma ma´quina te´rmica como a raza˜o entre
suas as energias u´til e motora, isto e´
η ≡ energia u´til
energia motora
=
W
Qq
, (6.9)
o que permite escrever [ver equac¸a˜o (6.8)]
η =
W
Qq
= 1− Qf
Qq
≤ 1− Tf
Tq
. (6.10)
Os resultados anteriores, relativos a ma´quinas te´rmicas, permitem extrair
va´rias concluso˜es.
• O rendimento de uma ma´quina te´rmica (real e irrevers´ıvel) e´ sempre
inferior a` unidade
η = 1− Qf
Qq
< 1 (Note-se que Qf 6= 0 !).
• O rendimento ma´ximo de uma ma´quina te´rmica, a funcionar entre duas
fontes de calor a`s temperaturas Tq e Tf < Tq,
– e´ dado por ηmax = 1− TfTq
18.
Note-se que ηmax aumenta quando se incrementa a diferenc¸a de
temperaturas ∆T = (Tq − Tf);
– e´ atingido quando a ma´quina te´rmica realiza um ciclo revers´ıvel.
Note-se que nesse caso Qf/Qq = Tf/Tq, conforme se veˆ da equa-
c¸a˜o (6.4).
Esta limitac¸a˜o superior para o rendimento de uma ma´quina te´rmica tem
exclusivamente a ver com a necessidade dela operar entre duas
fontes de calor19. A existeˆncia de eventuais perdas por atrito re-
duziriam ainda mais o rendimento da ma´quina, para ale´m de a tornarem
irrevers´ıvel.
18Para Tq = 400 K e Tf = 300 K obte´m-se ηmax = 0, 25.
19No caso limite em que Tf � Tq ter-se-ia ηmax → 1. Este resultado (teo´rico) obrigaria a`
realizac¸a˜o do ciclo (revers´ıvel) mediante o equil´ıbrio te´rmico do sistema com uma infinidade
de fontes de calor, a temperaturas infinitesimalmente pro´ximas, entre duas temperaturas
limites Tq e Tf � Tq.
87
6.3 Teorema de Carnot
Os resultados da secc¸a˜o anterior permitem estabelecer as treˆs afirmac¸o˜es
que constituem o Teorema de Carnot, o qual fornece mais um enunciado
alternativo para o Segundo Princ´ıpio da Termodinaˆmica.
1. Uma ma´quina te´rmica so´ funciona se dispuser de duas fontes de calor
a temperaturas diferentes.
2. O rendimento de uma ma´quina te´rmica revers´ıvel so´ depende das tem-
peraturas das duas fontes de calor.
3. O rendimento de uma ma´quina te´rmica irrevers´ıvel e´ sempre inferior
ao rendimento da ma´quina te´rmica revers´ıvel, que funciona entre as
mesmas temperaturas das fontes de calor.
88
6.4 Ma´quinas frigor´ıficas
A figura 6.2 representa esquematicamente uma ma´quina frigor´ıfica (cujo
exemplo paradigma´tico e´ o frigor´ıfico).
Figure 6.2: Esquema de uma ma´quina frigor´ıfica
Como se veˆ, uma ma´quina frigor´ıfica (cujo objectivo e´ produzir ar-
refecimento):
• retira calor de uma Fonte Fria (Qf > 0);
• fornece calor a uma Fonte Quente (Qq < 0);
• recebe trabalho do exterior, para realizar este processo (W > 0).
Tem-se enta˜o, a partir da expressa˜o (6.1) do Primeiro Princ´ıpio,
W +Qf = −Qq
ou, adoptando a convenc¸a˜o que considera os trabalhosW e os calores Q como
sendo quantidades intrinsecamente positivas,
W +Qf = Qq . (6.11)
89
Usando a equac¸a˜o de conservac¸a˜o da energia (6.11) na expressa˜o (6.3) do
Segundo Princ´ıpio, vem
W +Qf
Tq
− Qf
Tf
≥ 0 , (6.12)
o que permite concluir queQf
W
=
Qf
Qq −Qf ≤
1
Tq
Tf
− 1
=
Tf
Tq − Tf . (6.13)
Define-se eficieˆncia ε de uma ma´quina frigor´ıfica como a raza˜o entre as
suas energia u´til e motora, isto e´
ε ≡ energia u´til
energia motora
, (6.14)
distinguindo-se entre dois tipos de ma´quinas frigor´ıficas (os frigor´ıficos e as
bombas de calor) na definic¸a˜o de energia u´til (consoante o seu objectivo).
a) Frigor´ıficos
No caso dos frigor´ıficos, a energia u´til corresponde ao calor Qf retirado
da Fonte Fria.
Exemplos:
- frigor´ıfico
(Fonte Fria - congelador; Fonte Quente - ambiente);
- aparelho de ar Condicionado
(Fonte Fria - sala; Fonte Quente - ambiente).
Assim, define-se eficieˆncia ε de um frigor´ıfico (ou COP, Coefficient Of
Performance) como
ε ≡ energia u´til
energia motora
=
Qf
W
, (6.15)
o que permite escrever [ver equac¸a˜o (6.13)]
ε =
Qf
W
=
Qf
Qq −Qf ≤
Tf
Tq − Tf . (6.16)
90
b) Bombas de Calor
No caso das bombas de calor, a energia u´til corresponde ao calor Qq
fornecido a` Fonte Quente.
Exemplo:
- climatizador
(Fonte Fria - ambiente; Fonte Quente - sala).
Define-se eficieˆncia εbc de uma bomba de calor como
εbc ≡ energia u´til
energia motora
=
Qq
W
, (6.17)
o que permite escrever [ver equac¸a˜o (6.3)]
εbc =
Qq
W
=
Qq
Qq −Qf ≤
Tq
Tq − Tf . (6.18)
Os resultados anteriores, relativos a ma´quinas frigor´ıficas, permitem ex-
trair va´rias concluso˜es.
• A eficieˆncia de uma ma´quina frigor´ıfica (real e irrevers´ıvel) e´ sempre
inferior a` eficieˆncia de uma ma´quina frigor´ıfica para a qual W = 0
ε =
Qf
Qq −Qf <
Qf
0
= εW=0 →∞ .
Note-se que a ma´quina frigor´ıfica de rendimento εW=0 e´ aquela que
permitiria transferir uma certa quantidade de calor Qf de uma fonte fria
para uma fonte quente, sem dispender qualquer trabalho no processo.
Como se sabe, esta ma´quina ideal na˜o existe(!) (ver figura 6.3), na
medida em que o seu ciclo termodinaˆmico corresponderia ao inverso
do ciclo irrevers´ıvel associado ao fluxo de calor que se origina entre
uma fonte quente e uma fonte fria, quando postas em contacto.
• A eficieˆncia ma´xima de uma ma´quina frigor´ıfica, a funcionar entre duas
fontes de calor a`s temperaturas Tf e Tq > Tf ,
91
Figure 6.3: Esquema de uma ma´quina frigor´ıfica (imposs´ıvel), que fun-
cionaria sem dispender qualquer trabalho
– e´ dada por  εmax =
Tf
Tq − Tf
εbcmax =
Tq
Tq − Tf .
Note-se que estas eficieˆncias aumentam quando se diminui a dife-
renc¸a de temperaturas ∆T = Tq−Tf , o que explica, por exemplo,
porque devemos instalar os frigor´ıficos longe de quaisquer fontes
de calor.
Note-se ainda que
- εmax pode ser maior, menor ou igual a` unidade
20.
20Para Tq = 300 K (ou 270C) e Tf = 250 K (ou −230C) obte´m-se εmax = 5.
92
- εbcmax e´ sempre superior a` unidade
21. De facto
Tq > Tq − Tf ⇒ Tq
Tq − Tf > 1 ;
– e´ atingida quando a ma´quina frigor´ıfica realiza um ciclo revers´ıvel.
Note-se que nesse caso Qf/Qq = Tf/Tq, conforme se veˆ da equa-
c¸a˜o (6.4).
• Uma bomba de calor tem maior eficieˆncia que um radiador. Este
u´ltimo (que na˜o e´ uma ma´quina c´ıclica!) converte totalmente a energia
ele´ctrica que consome em energia te´rmica, tendo-se
ηradiador =
Q
W
∼ 1 < W +Qf
W
=
Qq
W
= εbc .
21Para Tq = 293 K (ou 200C) e Tf = 283 K (ou 100C) obte´m-se εbcmax = 29, 3.
93
6.5 Ciclo de Carnot
De acordo com o Segundo Princ´ıpio da Termodinaˆmica, na˜o existem ma´qui-
nas te´rmicas com um rendimento de 100%. Mas qual sera´ a ma´quina de
concepc¸a˜o mais simples capaz de executar o ciclo termodinaˆmico (revers´ıvel)
de maior rendimento poss´ıvel
ηmax = 1− Tf
Tq
?
Esta questa˜o foi respondida em 1824 pelo engenheiro franceˆs Sadi Carnot,
que concebeu uma ma´quina hipote´tica (a ma´quina de Carnot), que realiza um
ciclo termodinaˆmico revers´ıvel (o ciclo de Carnot), e que tem o rendimento
ηmax.
Para compreender o racioc´ınio que levou a estabelecer ciclo de Carnot, e´
necessa´rio na˜o esquecer que a maximizac¸a˜o do rendimento de uma ma´quina
te´rmica (que converte calor em trabalho) deve ser feita evitando todo o tipo
de processos irrevers´ıveis.
Assim, quando a ma´quina transfere calor, na˜o deve haver diferenc¸as finitas
de temperatura entre o seu fluido e o exterior; caso contra´rio ocorrera´ um
fluxo irrevers´ıvel de calor. Deste modo, quando a ma´quina retira calor a`
Fonte Quente deve estar a` temperatura Tq, e quando a ma´quina cede calor a`
Fonte Fria deve estar a` temperatura Tf . Em conclusa˜o, estas transformac¸o˜es
devem ser isote´rmicas.
Por outro lado, na˜o deve haver transfereˆncia de calor em qualquer trans-
formac¸a˜o em que a temperatura da ma´quina varie, pois ela na˜o seria re-
vers´ıvel. Estas transformac¸o˜es devem portanto ser adiaba´ticas.
Um Ciclo de Carnot consiste, com efeito, numa sequeˆncia de duas
transformac¸o˜es isote´rmicas e duas transformac¸o˜es adiaba´ticas.
6.5.1 A ma´quina te´rmica de Carnot
Chama-se Ma´quina Te´rmica de Carnot a uma ma´quina revers´ıvel que
executa ciclos termodinaˆmicos (Ciclos de Carnot), formados por quatro
transformac¸o˜es: duas isote´rmicas e duas adiaba´ticas. No que segue realizare-
mos o estudo energe´tico e entro´pico de cada uma destas transformac¸o˜es, para
o caso particular de um ga´s perfeito que executa o ciclo de Carnot.
a) Expansa˜o isote´rmica revers´ıvel (AB)
(TAB ≡ Tq ; Qq - calor recebido da Fonte Quente)
94
Figure 6.4: Ciclo de Carnot - expansa˜o isote´rmica
• Variac¸a˜o de entropia
∆SAB = nR ln
(
VB
VA
)
> 0 (TAB = cons
te) . (6.19)
Por outro lado
∆SAB =
∫ B
A
δQ
T
=
1
Tq
∫ B
A
δQ =
Qq
Tq
. (6.20)
• Calor recebido
Qq = Tq∆SAB = nRTq ln
(
VB
VA
)
. (6.21)
• Variac¸a˜o de energia interna
∆UAB = 0 = −WAB +Qq [U = U(T ) e TAB = conste] . (6.22)
• Trabalho realizado
WAB = Qq . (6.23)
b) Expansa˜o adiaba´tica revers´ıvel (BC)
(Tq → Tf com TqV γ−1B = TfV γ−1C ; QBC = 0)
• Variac¸a˜o de entropia
∆SBC = 0 (dS =
δQ
T
e QBC = 0) . (6.24)
95
Figure 6.5: Ciclo de Carnot - expansa˜o adiaba´tica
• Variac¸a˜o de energia interna
∆UBC = nCV∆TBC = nCV (Tf − Tq) < 0 . (6.25)
• Trabalho realizado
∆UBC = −WBC +QBC ⇒ WBC = −∆UBC . (6.26)
c) Compressa˜o isote´rmica revers´ıvel (CD)
(TCD ≡ Tf ; Qf - calor cedido a` Fonte Fria)
Figure 6.6: Ciclo de Carnot - compressa˜o isote´rmica
• Variac¸a˜o de entropia
∆SCD = nR ln
(
VD
VC
)
< 0 (TCD = cons
te) . (6.27)
Por outro lado
∆SCD =
∫ D
C
δQ
T
=
1
Tf
∫ D
C
δQ = −Qf
Tf
. (6.28)
96
• Calor cedido
Qf = −Tf∆SCD = nRTf ln
(
VC
VD
)
. (6.29)
• Variac¸a˜o de energia interna
∆UCD = 0 =WCD −Qf [U = U(T ) e TCD = conste] . (6.30)
• Trabalho recebido
WCD = Qf . (6.31)
d) Compressa˜o adiaba´tica revers´ıvel (DA)
(Tf → Tq com TfV γ−1D = TqV γ−1A ; QDA = 0)
Figure 6.7: Ciclo de Carnot - compressa˜o adiaba´tica
• Variac¸a˜o de entropia
∆SDA = 0 (dS =
δQ
T
e QDA = 0) . (6.32)
• Variac¸a˜o de energia interna
∆UDA = nCV∆TDA = nCV (Tq − Tf) > 0 . (6.33)
• Trabalho recebido
∆UDA = WDA +QDA ⇒ WDA = ∆UDA . (6.34)
97
6.5.2 Variac¸a˜o de entropia num ciclo de Carnot
Nesta secc¸a˜o, calcularemos a variac¸a˜o de entropia do Universo devido a um
ciclo de Carnot.
a) Variac¸a˜o de entropia do sistema
Como S e´ uma func¸a˜o de estado e o ga´s realiza um ciclo termodinaˆmico,
tem-se
∆S =
∮
[ABCD]
dS = ∆SAB +∆SCD = 0 . (6.35)
A partir deste resultado conclui-se ainda que
∆SAB = −∆SCD . (6.36)
b) Variac¸a˜o de entropia das fontes
As fontes (quente e fria) constituem o exterior do sistema ga´s perfeito
que realiza o ciclo de Carnot. A variac¸a˜o de entropia das fontes calcula-
se como [ver tambe´m equac¸o˜es (6.21), (6.29) e (6.36)]
∆Sex= ∆SFQ +∆SFF
=
QFQ
Tq
+
QFF
Tf
=
−Qq
Tq
+
Qf
Tf
= −∆SAB −∆SCD = −∆S = 0 . (6.37)
c) Variac¸a˜o de entropia do Universo
A partir dos resultados anteriores conclui-se que
∆SUniverso = ∆S +∆Sex = ∆S −∆S = 0 (6.38)
e portanto confirma-se que
A ma´quina te´rmica de Carnot e´ revers´ıvel.
6.5.3 Trabalho total e rendimento da ma´quina te´rmica de Carnot
O trabalho total realizado por um ga´s perfeito que realiza o ciclo de
Carnot calcula-se atrave´s da expressa˜o do Primeiro Pr´ınc´ıpio da Termodinaˆ-
mica, recordando que a energia interna e´ uma func¸a˜o de estado [ver tambe´m
a equac¸a˜o (6.6)]
∆U =
∮
[ABCD]
dU = 0⇒ W = Q = Qq −Qf . (6.39)
98
Utilizando os resultados da secc¸a˜o anterior conclui-se que [ver equac¸o˜es (6.21)
e (6.29)]
W = nRTq ln
(
VB
VA
)
− nRTf ln
(
VC
VD
)
. (6.40)
O rendimento da ma´quina de Carnot calcula-se a partir das equac¸o˜es
(6.10), (6.21), (6.29) e (6.36)
ηCarnot =
W
Qq
= 1− Qf
Qq
= 1− −Tf∆SCD
Tq∆SAB
= 1− Tf
Tq
. (6.41)
Esta e´, de facto, a expressa˜o do rendimento de uma ma´quina
te´rmica cl´ıclica, a operar reversivelmente entre duas fontes de calor
a`s temperaturas Tq e Tf < Tq.
A expressa˜o deste rendimento sugere os seguintes casos limites.
• Tf → 0 (Qf → 0: na˜o se cede calor a` fonte fria)
⇒ η = 1
Esta ma´quina, que violaria o Segundo Princ´ıpio, designa-se comoMotor
Perpe´tuo de Segunda Espe´cie (ver cap´ıtulo 5).
• Tf = Tq (Qf = Qq: igualdade entre os calores trocados com as fontes)
⇒ η = 0
Neste caso a ma´quina te´rmica na˜o cumpriria o seu objectivo, poisW =
0.
6.5.4 Diagramas de estado do ciclo de Carnot
Na figura 6.8 representa-se o diagrama (p,V ) de Clapeyron do ciclo de Carnot.
Note-se que a a´rea deste diagrama representa o trabalho total fornecido
pelo ga´s
W =
∮
[ABCD]
pdV .
Na figura 6.9 representa-se o diagrama (T ,S) do ciclo de Carnot. Neste
99
Figure 6.8: Diagrama (p,V ) de Carnot
Figure 6.9: Diagrama (T ,S) de Carnot
diagrama tem-se, relativamente a` parte com trac¸os diagonais,∮
[ABCD]
TdS =
∮
[ABCD]
δQ = Q = Qq −Qf ,
e relativamente a`s outras partes sombreadas∫
ABC
TdS = Qq∫
CDA
TdS = −Qf .
Em conclusa˜o:
• a a´rea do diagrama (T ,S) representa o calor global trocado no ciclo;
• a raza˜o das a´reas ”[ABCD]/ABC” representa o rendimento do ciclo.
100
6.5.5 A ma´quina frigor´ıfica de Carnot
Chama-se Ma´quina Frigor´ıfica de Carnot a uma ma´quina revers´ıvel
que executa um ciclo de Carnot inverso, isto e´ que retira calor a uma Fonte
Fria (a` temperatura Tf) transferindo-o para uma Fonte Quente (a` tempera-
tura Tq), mediante o fornecimento de uma certa quantidade de trabalho.
A eficieˆncia da ma´quina frigor´ıfica de Carnot calcula-se a partir da equac¸a˜o
(6.16)
εCarnot =
Qf
W
=
Qf
Qq −Qf =
Tf
Tq − Tf . (6.42)
A expressa˜o desta eficieˆncia sugere os seguintes casos limites.
• Tq = Tf (Qf = Qq: igualdade entre os calores trocados com as fontes)
⇒ ε→∞
Esta ma´quina imposs´ıvel violaria o Segundo Princ´ıpio, ao transmitir
calor de uma Fonte Fria para uma Fonte Quente sem consumo de tra-
balho (W = Qq −Qf = 0).
• Tf → 0 (Qf → 0: na˜o se retira calor da Fonte Fria)
⇒ ε = 0
Neste caso a ma´quina frigor´ıfica na˜o cumpriria o seu objectivo, pois
Qf = 0.
101
6.6 Motores de combusta˜o interna
Os motores de combusta˜o interna constituem um bom exemplo de ma´-
quinas te´rmicas c´ıclicas, de utilizac¸a˜o generalizada. O termo combusta˜o
interna esta´ associado ao facto da energia necessa´ria ao funcionamento do
motor (calor retirado a` Fonte Quente) resultar de um processo de combusta˜o,
que ocorre no interior da pro´pria ma´quina.
O motores de combusta˜o interna sa˜o naturalmente sistemas abertos. No
entanto, o estudo termodinaˆmico que aqui apresentaremos referir-se-a´ ao
sistema fechado constitu´ıdo por uma dada massa de fluido (por exemplo
um ga´s perfeito), que executa os ciclos caracter´ısticos desses motores. Ale´m
disso, admitiremos por simplicidade que esses motores teˆm um funcionamento
revers´ıvel.
Apresentaremos aqui as principais caracter´ısticas de funcionamento dos
dois motores de combusta˜o interna mais conhecidos: o motor de explosa˜o
de Otto e o motor de Diesel.
6.6.1 Motor de explosa˜o de Otto
O primeiro motor de explosa˜o foi constru´ıdo em 1876, na Alemanha, por
Nikolaus A. Otto, utilizando o ciclo termodinaˆmico proposto pelo franceˆs
Beau de Rochas em 1862. A figura 6.10 apresenta o diagrama (p,V ) do ciclo
Figure 6.10: Diagrama (p,V ) do ciclo de Otto
102
de Otto, cujos principais tempos de funcionamento se enumeram abaixo.
- 1o Tempo (O-A): admissa˜o isoba´rica da mistura ar + combust´ıvel.
- 2o Tempo (A-B): compressa˜o adiaba´tica da mistura.
- Ignic¸a˜o (B): combusta˜o ra´pida da mistura.
- Explosa˜o (B-C): aumento isoco´rico da pressa˜o.
- 3o Tempo (C-D): expansa˜o adiaba´tica da mistura queimada.
- Exausta˜o (D-A): diminuic¸a˜o isoco´rica da pressa˜o ate´ patmosfe´rica.
- 4o Tempo (A-O): exausta˜o isoba´rica dos gases.
Estes va´rios tempos de funcionamento teˆm obviamente correspondeˆncia com
o movimento dos eˆmbolos dos cilindros do motor (ver figura 6.11)
Figure 6.11: Esquema de movimento dos eˆmbolos no motor de explosa˜o
- 1o Tempo (O-A): abertura da va´lvula de admissa˜o. Descida do eˆmbolo.
- 2o Tempo (A-B): subida do eˆmbolo.
- 3o Tempo (C-D): descida do eˆmbolo.
- Exausta˜o (D-A): abertura da va´lvula de exusta˜o.
- 4o Tempo (A-O): subida do eˆmbolo.
103
a) Ca´lculo do rendimento do motor de explosa˜o (revers´ıvel)
Por definic¸a˜o [ver equac¸a˜o (6.10)]
ηOtto =
W
Qq
=
Qq −Qf
Qq
= 1− Qf
Qq
, (6.43)
e como (ver figura 6.10)
Qf = −∆UDA = nCV (TD − TA) (6.44)
Qq = ∆UBC = nCV (TC − TB) , (6.45)
pode escrever-se
ηOtto = 1− TD − TA
TC − TB . (6.46)
Numa transformac¸a˜o adiaba´tica revers´ıvel (ver cap´ıtulo 5)
TV γ−1 = conste ,
pelo que para as transformac¸o˜es AB e CD se tem (ver figura 6.10){
TCV
γ−1
0 = TDV
γ−1
A
TBV
γ−1
0 = TAV
γ−1
A
⇒
{
TC = TDR
γ−1
TB = TAR
γ−1 ,
(6.47)
onde
R ≡ VA
V0
(6.48)
e´ a chamada raza˜o de compressa˜o do ciclo.
Finalmente, combinando as equac¸o˜es (6.46) e (6.47),
ηOtto = 1− TC − TB
TC − TB
1
Rγ−1
= 1− 1
Rγ−1
. (6.49)
Para γ = 1.4 (ga´s diato´mico) e R = 8, tem-se ηOtto = 56%.
104
b) Observac¸o˜es
• O aumento do rendimento do motor de Otto pode ser conseguido
a` custa do aumento da raza˜o da compressa˜o. No entanto, valores
mais pequenos do volume mı´nimo V0 podem conduzir a presso˜es
pB ta˜o elevadas que provoquem a auto-ignic¸a˜o (prematura e na˜o
controlada) da mistura de ar e combust´ıvel. Por outro lado, va-
lores maiores do volume ma´ximo VA implicam um aumento do
tamanho do motor, com as desvantagens o´bvias em termos de
compacticidade e economia.
O melhoramento do rendimento te´rmico dos motores a gasolina,
atrave´s da utilizac¸a˜o de razo˜es de compressa˜o elevadas (ate´ cerca
de 12) sem o problema da auto-ignic¸a˜o, foi durante muitos anos
resolvido atrave´s da adic¸a˜o a` gasolina de compostos de chumbo,
com boas caracter´ısticas antidetonantes. O uso de gasolina com
chumbo foi sendo proibido por va´rios pa´ıses entre os anos 70 e 90,
no aˆmbito de medidas de combate a` poluic¸a˜o ambiente.
• Ao carregar-se no acelerador de um automo´vel estamos a aumentar
a poteˆncia do seu motor, atrave´s de um enriquecimento em com-
bust´ıvel da mistura explosiva. Este facto conduz a um aumento da
pressa˜o ma´xima pC do sistema, apo´s a explosa˜o da mistura, tradu-
zindo-se num aumento da a´rea (p,V ) do ciclo termodinaˆmico.
• Nos motores de explosa˜o a dois tempos eliminam-se as trans-
formac¸o˜es isoba´ricas OA e AO. Nesse caso a admissa˜o de ar ocorre
de forma pressurizada, em simultaˆneocom a exausta˜o da mistura
queimada, no ponto A (pA > patmosfe´rica). Os motores a dois tem-
pos sa˜o em geral menos eficientes do que os de quatro tempos,
devido a` expulsa˜o incompleta dos gases de escape, acompanhados
por uma fracc¸a˜o de mistura fresca. Contudo, sa˜o relativamente
simples e pouco onerosos, sendo adequados a aplicac¸o˜es que exi-
gem dimensa˜o e peso reduzidos, tais como ciclomotores, motoser-
ras ou cortadores de relva.
6.6.2 Motor de Diesel
O motor de Diesel foi proposto nos anos de 1890 por Rudolph Diesel. A
figura 6.12 apresenta o diagrama (p,V ) do ciclo de Diesel, cujos principais
tempos de funcionamento se enumeram abaixo.
105
Figure 6.12: Diagrama (p,V ) do ciclo de Diesel
- 1o Tempo (O-A): admissa˜o isoba´rica de ar.
- 2o Tempo (A-B): compressa˜o adiaba´tica do ar.
- (B): injecc¸a˜o de combust´ıvel.
- Inflamac¸a˜o (B-C): combusta˜o lenta, isoba´rica, da mistura ar + com-
bust´ıvel.
- 3o Tempo (C-D): expansa˜o adiaba´tica da mistura queimada.
- Exausta˜o (D-A): diminuic¸a˜o isoco´rica da pressa˜o ate´ patmosfe´rica.
- 4o Tempo (A-O): exausta˜o isoba´rica dos gases.
a) Ca´lculo do rendimento do motor de Diesel (revers´ıvel)
Por definic¸a˜o [ver equac¸a˜o (6.10)]
ηDiesel =
W
Qq
=
Qq −Qf
Qq
= 1− Qf
Qq
, (6.50)
106
e como (ver figura 6.12)
Qq = ∆UBC +WBC = nCV (TC − TB) + pB(VC − VB)
= nCp(TC − TB) (6.51)
Qf = −∆UDA = nCV (TD − TA) , (6.52)
pode escrever-se
ηDiesel = 1− CV (TD − TA)
Cp(TC − TB) . (6.53)
Para as transformac¸o˜es adiaba´ticas revers´ıveis AB e CD tem-se (ver
cap´ıtulo 5 e figura 6.12){
pAV
γ
A = pBV
γ
B
pDV
γ
D = pCV
γ
C
⇒ pA
pD
=
(
VB
VC
)γ
⇒ TD
TA
= ργ , (6.54)
onde
ρ ≡ VC
V0
. (6.55)
Ale´m disso, a ana´lise anterior do ciclo de Otto permite escrever direc-
tamente, para a transformac¸a˜o AB [ver equac¸a˜o (6.47)]
TA
TB
=
1
Rγ−1
, (6.56)
onde
R ≡ VA
V0
. (6.57)
Para a transformac¸a˜o isoba´rica BC tem-se (ver figura 6.12)
VB
TB
=
VC
TC
⇒ TC
TB
= ρ . (6.58)
Finalmente, combinando as equac¸o˜es (6.53), (6.54), (6.56) e (6.58),
ηDiesel = 1−
TD
TA
− 1
γ
(
TC
TB
− 1
) TA
TB
= 1− ρ
γ − 1
γ(ρ− 1)Rγ−1 . (6.59)
Para γ = 1.4 (ga´s diato´mico), ρ = 2, 5 e R = 15, tem-se ηDiesel = 58%.
107
b) Observac¸o˜es
• O aumento do rendimento do motor de Diesel pode ser conseguido
a` custa do aumento da sua raza˜o de compressa˜o, sem perigo de
auto-ignic¸a˜o. Ate´ B, apenas existe ar nos cilindros do motor.
Esta estrate´gia de optimizac¸a˜o permite entender porque motivo
os motores de Diesel sa˜o, em geral, mais pesados.
• A inexisteˆncia de auto-ignic¸a˜o, nos motores Diesel, possibilita o
seu funcionamento com razo˜es de compressa˜o muito elevadas (en-
tre 12 e 24), em combinac¸a˜o com o uso de combust´ıveis menos
refinados (mais baratos).
• O maior rendimento e o menor custo do combust´ıvel tornam os
motores Diesel a melhor escolha em aplicac¸o˜es que necessitam de
quantidades relativamente elevadas de poteˆncia, tais como mo-
tores de locomotivas, de geradores, de navios e de camio˜es pesa-
dos.
• A equiparac¸a˜o dos processos de combusta˜o a processos de adic¸a˜o
de calor, a volume constante e a pressa˜o constante, e´ demasi-
ado simplista e pouco realista. A abordagem mais correcta seria
considerar o processo de combusta˜o (tanto em motores de explo-
sa˜o como de Diesel) como a combinac¸a˜o de dois mecanismos de
transfereˆncia de calor, um a pressa˜o constante e outro a volume
constante.
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