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4 - População e Povo - Ciência Polìtica - Paulo Bonavides

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4 
POPULAÇÃO E POVO 
 
 
 
1. Conceito de população — 2. Desafio do fantasma malthusiano ao 
Estado moderno — 3. A explosão demográfica ameaça o futuro da 
humanidade — 4. O pesadelo dos subdesenvolvidos — 5. O 
pessimismo das estatísticas — 6. A posição privilegiada dos países 
desenvolvidos — 7. Conceito político de povo — 8. Conceito jurídico 
— 9. Conceito sociológico. 
 
 
1. Conceito de população 
 
Todas as pessoas presentes no território do Estado, num 
determinado momento, inclusive estrangeiros e apátridas, fazem parte 
da população. É por conseguinte a população sob esse aspecto um dado 
essencialmente quantitativo, que independe de qualquer laço jurídico de 
sujeição ao poder estatal. Não se confunde com a noção de povo, 
porquanto nesta, fundamental é o vínculo do indivíduo ao Estado 
através da nacionalidade ou cidadania. A população é conceito 
puramente demográfico e estatístico. Seu estudo científico tem sido feito 
pela demografia, uma das disciplinas auxiliares da Ciência Política e 
que se ocupa tanto dos aspectos quantitativos como qualitativos do 
elemento populacional. 
Do ponto de vista econômico, a população tanto pode significar 
fator de pujança, poderio e engrandecimento como também causa de 
debilidade para o ordenamento estatal. O aspecto econômico é solidário 
com o aspecto político, de modo que o maior ou menor coeficiente 
populacional, a maior ou menor extensão dos índices de crescimento 
demográfico hão igualmente de valer como dado variável de grandeza ou 
miséria do Estado. 
Caberia aqui reflexões acerca da importância política e econômica 
que assume, por exemplo, a população de um Estado como a China, de 
um bilhão de habitantes. Se ponderarmos que a quantidade de 
habitantes referida a um só Estado representa potencialmente 
considerável força de reserva, tal não exclui todavia o lado de fragilidade 
implícito em quadros demográficos transbordantes. Naturalmente, o 
significado político da população vai depender do correlato significado 
econômico da mesma população no Estado. Problema idêntico oferece a 
Índia. 
Os Estados do mundo antigo não ostentavam as dificuldades do 
Estado moderno. Eram Estados que se constituíam nas raias da 
comunidade, dentro de uma cidade, a polis, Estado-cidade. 
Entre os pensadores políticos da Grécia, houve quem pretendesse 
determinar o quantum mínimo desde o qual existiria o Estado, fixando-o 
arbitrariamente em vinte, trinta ou quarenta mil habitantes. Mas a 
fixação do mínimo populacional para o reconhecimento da ordem 
estatal é hoje na Ciência Política inteiramente destituído de 
importância. 
 
 
2. Desafio do fantasma malthusiano ao Estado moderno 
 
O problema político-econômico mais curioso que o incremento 
populacional levanta contemporaneamente continua sendo, a despeito 
de tudo, aquele que a teoria malthusiana pôs de manifesto há cerca de 
duzentos anos. 
Dizia Malthus que a população crescia em proporção geométrica, 
ao passo que os gêneros alimentícios aumentavam segundo regra 
aritmética, de modo que na linha do tempo, a constante, a tendência 
permanente vinha a ser a de alargar a brecha entre a capacidade de 
manter as populações e a taxa de crescimento dessas mesmas 
populações. 
Quando esse fosso se alarga demasiado, surgem então, segundo 
Malthus, as guerras, as revoluções, as epidemias, as fomes 
devastadoras, para restaurarem, com a violência do sacrifício imposto, o 
equilíbrio rompido. Desaparecem os excedentes populacionais. As 
guerras, consoante a tese malthusiana, acarretando como se vê a 
destruição periódica dos efetivos populacionais excedentes, para os 
quais não chega o pão da subsistência, constituem fatalidade social. 
Apresentou Malthus sua tese, de fins do século XVIII para o 
começo do século XIX. Se aceitamos o princípio malthusiano do 
crescimento das populações, estamos aceitando as enfermidades sociais 
como oriundas de um determinismo social, das leis da natureza, contra 
as quais nada pode o homem em sociedade. 
Malthus lançou sua teoria com todo o aparato e ostentação de 
tese científica, verídica, comprovada, intocável. Mas vieram os críticos 
das concepções malthusianas, e entre os que investiram com mais 
ímpeto contra esta doutrina implacável das populações sobressaem 
precisamente os corifeus das correntes socialistas. Professaram 
hostilidade aberta e absoluta a Malthus, intentando demonstrar-lhe a 
falsidade da tese. 
Em que se apóia fundamentalmente a crítica antimalthusiana? 
Num otimismo que não vacila acerca das possibilidades da técnica e da 
ciência, no seu desenvolvimento, no seu contínuo progresso, de criarem 
para o homem as mais ricas e promissoras perspectivas de libertação 
econômica. Em conseqüência, dizem os socialistas, a resposta da 
ciência é clara e otimista: a ciência, por meio da técnica adiantada e 
racional, técnica altamente aprimorada, pode produzir, com capacidade 
ilimitada, quase infinita, os bens necessários à existência humana. 
Basta que se atente na libertação de forças poderosíssimas decorrentes, 
por exemplo, da desintegração do átomo. A era nuclear, que já se está 
oferecendo por realidade, na antemanhã de suas melhores promessas, 
daria resposta irretorquível aos que vêem cobertas de cinza as idades 
vindouras da humanidade. 
Temos condições de vencer a fome. Temos meios de tornar 
verdadeiramente ridículo e destituído de toda a base científica o 
sombrio prognóstico malthusiano. Mas surge o problema capital, que a 
reflexão já anteviu: é que não basta haver ciência desenvolvida ou 
técnica de produção excepcionalmente avançada. O problema 
malthusiano reaparecerá, porquanto não cabe apenas à ciência dispor 
de recursos e meios potenciais com que debelar ou obviar venha a 
consumar-se através dos tempos a profecia malthusiana. 
O grande enigma consiste em criar na sociedade as formas 
políticas e sociais de aplicação da ciência e da técnica. Em princípio, as 
sociedades não têm o que temer das conseqüências da progressão 
geométrica, com que o terror demográfico de Malthus as ameaça. Se 
não houver porém dentro da sociedade humana uma utilização da 
técnica e da ciência, em ordem a modificar, pelo máximo incremento 
produtivo, os dados contidos na proposição do pastor protestante, 
naturalmente Malthus despontará sempre sombrio. Com efeito, o que 
vemos ainda em nossos dias, a cada passo, é a presença do fantasma 
da fome nos países subdesenvolvidos, como a índia, e os seus 536 
milhões de habitantes, dos quais 30 a 40 milhões são párias que 
morrem à míngua em plena idade dos progressos nucleares. 
 
 
3. A explosão demográfica ameaça o futuro da humanidade 
 
A dimensão malthusiana do problema das populações constituíra 
simplesmente uma reflexão pessimista sobre a escassez de gêneros 
alimentícios, e sobre a fome, com suas implicações políticas e sociais. 
O tema populacional volveu porém a preocupar os cientistas 
sociais de nossa época numa perspectiva que é agora imensamente 
mais ampla: não se trata unicamente de saber se haverá gêneros 
bastantes para alimentar a humanidade, mas de conhecer ou prever a 
natureza ou média do padrão de vida que aguardará a sociedade 
humana, mormente os povos subdesenvolvidos, em face da explosão 
populacional na idade da industrialização. 
Estamos diante do “maior fenômeno demográfico da história 
universal”.1 Determinar a qualidade da vida humana para conter sua 
eventual deterioração, eis o interesse que a investigação científica do 
crescimento vertiginoso das populações deve produzir em primeiro lugar 
no ânimo de quantos se empenham em solucionar a questão 
demográfica. 
A Ciência Políticanão pode por conseguinte ficar indiferente, de 
braços cruzados, a esse problema que abala o século XX e é merecedor 
de largo desenvolvimento. 
Estamos em presença de um crescimento sem paradeiro, 
mormente nos países subdesenvolvidos. O professor Eynern, da 
Universidade de Berlim, distinguiu quatro fases no quadro dessa 
impressionante crise.2 
A primeira fase é aquela em que as taxas de natalidade e 
mortalidade se equiparam, a saber, nascem e morrem em média 35 ou 
40 pessoas por 1.000 habitantes anualmente. 
A segunda fase ocorre quando se dá a queda da taxa de 
mortalidade que desce para cerca de 20, em virtude dos progressos 
espetaculares da medicina, mediante o emprego de antibióticos, 
vacinas, sulfanilamidas, a adoção generalizada de regras elementares de 
higiene preventiva, uso de inseticidas em larga escala com saneamento 
completo de áreas dantes sujeitas a grandes moléstias endêmicas e 
outras medidas gerais de saúde pública que praticamente eliminaram o 
perigo das epidemias devastadoras. Nessa segunda fase a taxa de 
nascimento permanece alta e uma vez rompido o equilíbrio anterior 
verifica-se em conseqüência rápido incremento populacional. 
Na terceira fase, a taxa de nascimento entra em declínio, 
conforme Eynern, não por efeito de “impotência biológica”, mas 
exclusivamente em decorrência, segundo ele, de uma limitação racional 
do número de filhos no casamento. Faz-se então a política da 
“paternidade responsável” ou consciente, com a planificação da família, 
de acordo com os recursos de que dispõem os pais para a subsistência, 
sem quebra do respectivo padrão de vida, que a família numerosa 
acarretaria. Como a taxa de mortalidade continua todavia a diminuir, 
permanece ainda alto o excedente de natalidade posto que já se esteja 
de volta ao equilíbrio. 
A quarta fase testemunha a reaproximação das duas taxas: a da 
natalidade se situa, segundo Eynern, ao número de 10/1000, um pouco 
acima da de mortalidade e a tendência de crescimento se manifesta 
ligeiramente atenuada, a baixo nível, restaurando-se por conseguinte 
uma situação que se assemelha à da primeira fase e que significará 
decerto a travessia vitoriosa da crise. 
Nessa quarta fase se acham os países desenvolvidos, onde a 
explosão demográfica já foi posta debaixo de controle; na terceira fase 
não ingressou ainda nenhum país subdesenvolvido. Dos países 
orientais, onde o crescimento demográfico se manifesta com mais 
violência, a única exceção é o Japão, ora já na terceira fase. Na segunda 
fase — aquela que registra o desequilíbrio mais agudo — se acham os 
povos da Ásia, África e da maior parte da América Latina. 
 
 
4. O pesadelo dos subdesenvolvidos 
 
O drama dos países subdesenvolvidos em presença do problema 
populacional decorre do fato de que o aumento da produção econômica 
não acompanha o aumento muito mais veloz da população, produzindo 
assim um fosso onde se despenham todas as esperanças de uma 
partida efetiva para o desenvolvimento. 
A taxa de incremento demográfico absorve toda a taxa de 
acréscimo da produtividade. As conseqüências dolorosas são o 
rebaixamento contínuo das condições de vida dos povos 
subdesenvolvidos, impotentes para satisfazer sequer as necessidades 
primárias de pão, roupa e teto, do mesmo passo que as demais 
necessidades secundárias do conforto proporcionado pela sociedade 
tecnológica ficam para eles como uma quimera ou esperança cada vez 
mais remota. 
Os economistas brasileiros Roberto Campos e Glycon de Paiva 
têm demonstrado viva preocupação com esse problema, colocando-o na 
pauta dos mais urgentes. Referem-se insistentemente à chamada “infra-
estrutura onerosa” que faria fútil todo esforço de elevar “os níveis de 
conforto e bem-estar da população viva”, caso permaneça o desnível 
entre o aumento maior da população e o aumento menor da produção. 
Essa infra-estrutura que pesa sobre o erário reclama recursos para 
construção de mais escolas primárias, secundárias e superiores, 
serviços públicos de abastecimento d’água, eletricidade, esgotos e 
transportes, bem como produção suficiente de gêneros alimentícios 
básicos. 
Todo o esforço que o poder público fizesse naqueles domínios 
nunca seria bastante a produzir uma solução, porquanto os recursos 
limitados acabariam rapidamente absorvidos, restando sempre vastos 
excedentes humanos a impetrar o atendimento daquelas necessidades 
mínimas de habitação, educação e saúde, excedentes criados pela taxa 
maior de natalidade abundante. Conclusão política: as chamas do ódio 
social crepita-riam com mais força e mais acesa ficaria a luta de classes 
conduzida ao paroxismo e a eventual tragédia ideológica. 
Quantos contestam a ordem capitalista nos países 
subdesenvolvidos esperam contar com um aliado potencial: as futuras 
massas famintas e impacientes, cujo descontentamento seria o 
combustível da fogueira revolucionária. Daqui o silêncio com que 
muitos cobrem o aspecto “despolitizado” da questão demográfica, ou 
seja, evitam sua mensuração pelo crescimento quantitativo, em termos 
econômicos puros, subtraídos a toda inferência ou implicação político-
ideológica, tendo em vista não quem se apoderará do poder, mas quem 
amanhã, debaixo de não importa que regime político, se achará em 
condições de corrigir ou tolher os catastróficos efeitos da “bomba 
populacional”. 
 
 
5. O pessimismo das estatísticas 
 
A linguagem estatística entra na matéria falando com a frieza dos 
números palavras de pessimismo. Dados divulgados pela Organização 
das Nações Unidas mostram que o incremento maior ocorre nos países 
subdesenvolvidos . Em 1970 para 3,5 bilhões de habitantes, havia na 
faixa subdesenvolvida 2,5 bilhões, mais da metade do gênero humano. 
No ano 2.000, o quadro não se apresentará modificado, mas ao 
contrário muito mais sombrio: a 6,6 bilhões de seres humanos sobre a 
Terra corresponderão 5,4 bilhões de subdesenvolvidos, mais de 80 por 
cento de toda a humanidade! 
Numa conferência proferida em 1969 na Universidade Católica de 
Notre Dame, em South Bend, no Estado de Indiana, Roberto Mac 
Namara, Presidente do Banco Mundial e político norte-americano de 
renome em questões estratégicas fez prognósticos aterradores acerca do 
incremento demográfico, revelando os seguintes fatos que o futuro 
confirmará — diz ele — se a humanidade não adotar conscientemente 
urna nova política populacional: a) a população do mundo dobrará no 
curto espaço de 35 anos; b) uma criança nascida em nossos dias viverá 
aos 70 anos, curto prazo de uma geração, num planeta habitado por 15 
bilhões de seres humanos; c) seus netos viverão entre 60 bilhões de 
seres humanos; d) um quadro dantesco, pior talvez que o inferno do 
poeta, aguardará a humanidade nos próximos 6 séculos e meio: um ser 
humano para cada polegada quadrada de terra! 
O Estado de S. Paulo, que comentou em sua edição de 4 de maio 
de 1969 a oração de Mac Namara e de onde extraímos os dados acima 
reproduzidos também se referiu a um documento da ONU no qual se 
lia: “Se foram necessários 200.000 anos para atingir 2,5 bilhões de 
seres humanos sobre a Terra, eis que vão ser suficientes trinta anos 
para acrescentar mais dois bilhões”. 
 
 
6. A posição privilegiada dos países desenvolvidos 
 
A situação dos países desenvolvidos é privilegiada, com todas as 
previsões indicando um vertiginoso aumento do padrão de vida nas 
próximas décadas. O resultado será porém o aprofundamento do 
abismo que os separa já das nações subdesenvolvidas. Ocorre com eles 
precisamente o contrário: o aumento da população é inferior ao 
aumento da produção econômica. 
Cria-se assim uma sociedade deabundância, cada vez mais 
opulenta, servida de impressionante progresso tecnológico que eleva 
rapidamente os níveis de bem-estar geral das populações afortunadas. 
Nessas sociedades, segundo Hauriou, ao invés da penúria de 
pessoal qualificado, observada nos países subdesenvolvidos, são 
numerosos e de excelente nível os quadros políticos, técnicos, 
administrativos e científicos. Os povos desenvolvidos dispõem não só de 
larga experiência como de um know-how superior no domínio 
tecnológico. Investindo maciçamente na pesquisa científica, rasgam 
horizontes novos de prosperidade material e preparam uma civilização 
de conforto que a elevadíssima renda per capita lhes proporcionará. 
Do ponto de vista político, prevê-se nesse quadro de otimismo um 
declínio maior da luta de classes, uma acomodação cooperativa mais 
estreita da classe obreira com a classe patronal, uma perspectiva de paz 
social favorável à definitiva consolidação dos princípios democráticos e 
enfim uma despolitização crescente da questão ideológica, que arderá 
com menos intensidade do que nas áreas do subdesenvolvimento, 
expostas ao atraso que a explosão populacional poderá tornar 
irremediável. 
Mas a coexistência com o subdesenvolvimento não desenha 
todavia uma paisagem tão risonha para os desenvolvidos. O clima de 
apreensão já domina hoje o sentimento das elites ocidentais, 
conscientes da tempestade que o futuro vai aparelhando. Sitiados pela 
miséria da periferia, sabem os povos desenvolvidos que ali se forjam 
armas revolucionárias a serviço de sistemas autocráticos que revogam o 
regime democrático das liberdades humanas, obstruindo-lhe o exercício 
e confiando o poder ao partido único da ideologia totalitária, cuja 
missão messiânica consistirá numa inflexível política de holocaustos 
sociais, em nome de uma eventual e incerta eliminação do 
subdesenvolvimento. 
 
 
7. Conceito político de povo 
 
O conceito de povo pode ser estabelecido do ponto de vista 
político, jurídico e sociológico. 
A antigüidade já o conhecera, dando-nos disso testemunho a obra 
de Cícero. Com efeito, segundo o escritor romano, povo é “a reunião da 
multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da 
utilidade” e não simplesmente todo conjunto de homens congregados de 
qualquer maneira.3 
A modernidade do conceito é porém afirmada por alguns autores, 
que vão buscar-lhe a nascente nas idéias da Revolução francesa. Fora 
desconhecido à Idade Média, cuja teoria do Estado partia do território, 
da organização feudal, onde o poder se assentava em relações de 
propriedade. A nova teoria do Estado que começa com a implantação da 
sociedade liberal-burguesa, na segunda metade do século XVIII, parte 
do povo. No absolutismo o povo fora objeto, com a democracia ele se 
transforma em sujeito.4 
Teve início esse princípio com o Estado liberal, constitucional e 
representativo. A história que vai do sufrágio restrito ao sufrágio 
universal é a própria história da implantação do princípio democrático e 
da formação política do conceito de povo. Embora restrito, o sufrágio 
inaugura a participação dos governados, sua presença oficial no poder 
mediante o sistema representativo, elegendo representantes que 
intervirão na elaboração das leis e que exprimirão pela primeira vez na 
sociedade moderna uma vontade política nova e distinta da vontade dos 
reis absolutos. 
Povo é então o quadro humano sufragante, que se politizou (quer 
dizer, que assumiu capacidade decisória), ou seja, o corpo eleitoral. O 
conceito de povo traduz por conseguinte uma formação histórica 
recente, sendo estranho ao direito público das realezas absolutas, que 
conheciam súditos e dinastias, mas não conheciam povos e nações. 
Esse conceito político de povo prende-se evidentemente a uma 
concepção ideológica: a das burguesias ocidentais que implantaram o 
sistema representativo e impuseram a participação dos governados, 
desencadeando o processo que converteria estes de objeto em sujeito da 
ordem política. 
Sem a compreensão desse confinamento do conceito às suas 
raízes históricas, poderia parecer absurdo o conceito de povo do 
professor Afonso Arinos, povo político, porquanto, tomado fora da 
qualificação política, não seriam povo os menores, os analfabetos, os 
que por este ou aquele motivo, de ordem particular ou de ordem geral, 
estivessem excluídos do direito de sufrágio, nem tampouco haveria povo 
nos países totalitários, onde a livre participação dos governados na 
criação da vontade estatal se achasse sufocada ou interditada. Com 
efeito, escreveu com brilho e elegância o nosso Afonso Arinos: “nossa 
Constituição diz que todo poder emana do povo e em seu nome será 
exercido. Vejamos o que isto quer dizer. Em primeiro lugar, o que é 
povo? Os constitucionalistas não hesitam. Povo, no sentido jurídico, não 
é o mesmo que população, no sentido demográfico. Povo é aquela parte 
da população capaz de participar, através de eleições, do processo 
democrático, dentro de um sistema variável de limitações, que depende 
de cada país e de cada época. 
“Visivelmente, no nosso País e na época atual, certas limitações 
impostas pela Constituição de 1946 estão obsoletas. Por exemplo, no 
caso dos sargentos. Daqui a algum tempo é possível que outras 
limitações precisem desaparecer, como, por exemplo, a dos analfabetos, 
que votam em países como a Itália e já votaram no Brasil imperial”.5 
De acordo com Aurelino Leal povo “indica a massa geral dos 
habitantes de um país e a parte dela a que se atribui capacidade de 
concorrer para a investidura do poder público”.6 
Afonso Arinos foi muito mais preciso do que Aurelino Leal. Este, 
buscando exprimir o mesmo conceito político de povo, somou duas 
quantidades heterogêneas: a população e o quadro eleitoral. Na 
população podem figurar estrangeiros que não fazem parte do povo e 
todavia entram naquela “massa geral dos habitantes de um país” a que 
se reportou Aurelino Leal. Com efeito, a incorreta formulação de 
Aurelino Leal só tem válida a segunda parte que, destacada da primeira, 
encerra o conceito político de povo na acepção em que ele se formou 
para a sociedade moderna, até que tomasse ulteriormente, como já 
ocorre em nossos dias, sua perfeita e inobjetável caracterização jurídica, 
a única, a nosso ver, colocada fora de todo âmbito de controvérsia e de 
aplicação universal a qualquer substrato humano, não importa os laços 
políticos e ideológicos a que esteja vinculado. 
 
 
8. Conceito Jurídico 
 
Só o direito pode explicar plenamente o conceito de povo. Se há 
um traço que o caracteriza, esse traço é sobretudo jurídico e onde ele 
estiver presente, as objeções não prevalecerão. 
Com efeito, o povo exprime o conjunto de pessoas vinculadas de 
forma institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico, 
ou, segundo Raneletti, “o conjunto de indivíduos que pertencem ao 
Estado, isto é, o conjunto de cidadãos”.7 
Diz Ospitali que povo é “o conjunto de pessoas que pertencem ao 
Estado pela relação de cidadania”,8 ou no dizer de Virga “o conjunto de 
indivíduos vinculados pela cidadania a um determinado ordenamento 
jurídico”.9 
É semelhante vínculo de cidadania que prende os indivíduos ao 
Estado e os constitui como povo. Aí está, no entender de Orlando e 
Gropalli o quid novi desse conceito. Fazem parte do povo tanto os que se 
acham no território como fora deste, no estrangeiro, mas presos a um 
determinado sistema de poder ou ordenamento normativo, pelo vínculo 
de cidadania. 
Não basta dizer conforme fazem aqueles dois autores que povo é o 
elemento humano como sujeito de direitos e obrigações. A afirmativa 
não é incorreta, masdemasiado lata. Um grupo social também pode 
abranger o elemento humano elevado a categoria de sujeito de direitos e 
obrigações e não constituir um povo. Urge por conseguinte dar ênfase 
ao laço de cidadania, ao vínculo particular ou específico que une o 
indivíduo a um certo sistema de leis, a um determinado ordenamento 
estatal. 
A cidadania é a prova de identidade que mostra a relação ou 
vínculo do indivíduo com o Estado. É mediante essa relação que uma 
pessoa constitui fração ou parte de um povo. 
O status de cidadania, segundo Chiarelli, implica numa situação 
jurídica subjetiva, consistente num complexo de direitos e deveres de 
caráter público. 
O status civitatis ou estado de cidadania define basicamente a 
capacidade pública do indivíduo, a soma dos direitos políticos e deveres 
que ele tem perante o Estado. Orlando foi demasiado longe na latitude 
do conceito quando abrangeu nesse status também os direitos e deveres 
de natureza privada.10 
Da cidadania, que é uma esfera de capacidade, derivam direitos, 
quais o direito de votar e ser votado (status activae civitatis) ou deveres, 
como os de fidelidade à Pátria, prestação de serviço militar e 
observância das leis do Estado. Sendo a cidadania um círculo de 
capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos, este poderá traçar-lhe 
limites, caso em que o status civitatis apresentará no seu exercício certa 
variação ou mudança de grau. De qualquer maneira é um status que 
define o vínculo nacional da pessoa, os seus direitos e deveres em 
presença do Estado e que normalmente acompanha cada indivíduo por 
toda a vida. 
Três sistemas determinam a cidadania: o jus sanguinis 
(determinação da cidadania pelo vínculo pessoal), o jus soli (a cidadania 
se determina pelo vínculo territorial) e o sistema misto (admite ambos 
os vínculos). Na terminologia do direito constitucional brasileiro ao 
invés da palavra cidadania, que tem uma acepção mais restrita, 
emprega-se com o mesmo sentido o vocábulo nacionalidade. 
A matéria se acha regulada no artigo 12 da Constituição federal, 
que define quem é brasileiro e por conseguinte, em face das nossas leis, 
quem constitui o nosso povo. 
 
 
9. Conceito sociológico 
 
Tido também como conceito naturalista ou étnico, decorre porém 
com muito mais freqüência de dados culturais, que uma consideração 
unilateralmente jurídica não poderia exprimir. 
Desse ponto de vista — o sociológico — há equivalência do 
conceito de povo com o de nação. O povo é compreendido como toda a 
continuidade do elemento humano, projetado historicamente no 
decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns. 
Compreende vivos e mortos, as gerações presentes e as gerações 
passadas, os que vivem e os que hão de viver. É enfim aquele mesmo 
povo político concebido, conforme vimos, de acordo com as 
características jurídicas que num determinado território lhe conferem a 
organização de Estado, mas ao mesmo tempo colocado numa dimensão 
histórica que liga o passado ao futuro e assim transcende o momento 
da contemporaneidade de sua existência concreta. 
O povo nesse sentido é a nação, e ainda debaixo desse aspecto 
pode tomar uma acepção tão lata que para sobreviver basta conservar 
acesa a chama da consciência nacional. Os judeus sem território e sem 
Estado próprio, disseminados no corpo político de sociedades que ora os 
acolhiam, ora os expeliam, nem por isso deixaram nunca de ser povo e 
nação, tendo as duas expressões aqui igual significado.11 
 
 
 
1. Gert von Eynern, “Bevoelkerungspolitik”, in: Staat und Politik, p. 43. 
2. Idem, ibidem, p. 43. 
3. M. Tullius Cicero, De Re Publica, livro I, 25, p. 31. (“Res publica res populi, populus 
autem non omnis hominum coetus quoquo modo congregatus, sed coetus 
multitudinis juris consensu et utilitatis communione sociatus”.) 
4. Salomon-Delatour, Politische Soziologie, p. 41. 
5. Afonso Arinos de Melo Franco, Jornal do Brasil, edição de 22.8.1963. 
6. Aurelino Leal, Teoria e Prática da Constituição Federal Brasileira, p. 18. 
7. Oreste Raneletti, Istituzioni di Diritto Pubblico, 13ª ed., p. 18. 
8. Giancarlo Ospitali, Istituzioni di Diritto Pubblico, 5ª ed., p. 31. 
9. Veja-se Pietro Virga, Diritto Costituzionale, 6ª ed., pp. 43-44. 
10. V. E. Orlando, Principii di Diritto Costituzionale, 5ª. ed., p. 26. 
11. Inclinando-se a separar os dois conceitos, povo e nação, Aurelino Leal afirmou que 
“a nação comporta no seu conceito uma subjetividade que escapa à concepção do 
termo povo” (A. Leal. Ob. cit., p. 18). No entanto, nunca faltaram autores antigos e 
modernos para reputar idênticos aqueles conceitos. Orban, constitucionalista belga, 
citado por Aurelino, professava “o propósito deliberado” de adotar a sinonímia dos dois 
termos, da mesma maneira que Battaglia e Maggiore, autores mais modernos. Em 
verdade, a expressão povo só fica devidamente esclarecida face ao seu uso vulgar e 
científico, se atentarmos sempre para as distintas acepções que abrange, conforme já 
expusemos.

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