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O positivismo jurídico e suas principais características

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O positivismo jurídico e suas principais características
O processo de socialização, condição básica de sobrevivência da espécie humana, pode ser considerado um conjunto de ações e eventos comuns capazes de promover a integração grupal dos indivíduos. Por consequência, o desenvolvimento das sociedades reclamou a existência de certas normas e regras, estabelecidas para promover a ordem entre os homens e facilitar o convívio harmônico nas cidades. A elaboração de leis deriva, portanto, da necessidade de parâmetros comportamentais que minimamente garantam uma interação social o menos conflituosa possível. 
Em termos históricos, não é fácil delimitar no tempo a formulação de leis e regras de convivência estabelecidas pelos diversos grupos sociais. Muito antes dos gregos, já existiam determinações sociais que direcionavam as ações humanas. Porém é na Grécia Arcaica, quando se tem acesso à escrita, que Homero (século IX a.C.), na Ilíada e na Odisseia, dá forma e conteúdo histórico ao passado da Hélade, a partir da Guerra de Troia e de seus heróis, semideuses e os próprios deuses do Olimpo, interagindo ao sabor de seus interesses sem qualquer cerimônia hierárquica. Também Hesíodo (século VIII a.C.), em seu poema Os trabalhos e os dias, “contava” uma teogonia e já tratava de questões fundiárias. Entretanto, é na era clássica dos gregos que a elaboração de leis assume contornos mais nítidos. Como explicam Marcondes e Struchiner (2015, p. 9): 
“Foi na Grécia, contudo, em torno do final do século VI a.C., em Atenas principalmente, com as reformas de Sólon, e depois de Clístenes e de Péricles, que primeiro se discutiu quais leis seriam as melhores para aquela sociedade, ou seja, em que primeiro se deliberou sobre as leis. É, portanto, nesse momento que começamos a identificar o que podemos denominar de filosofia do direito. A reflexão filosófica sobre o direito se encontra, assim, na interseção entre filosofia, direito e teoria política”.
Vale destacar, ainda, que Aristóteles realizou uma intensa investigação sobre 158 constituições de cidades antigas, muitas delas enviadas por seu antigo discípulo Alexandre, após cada uma de suas conquistas; contudo, apenas a Constituição de Atenas chegou à contemporaneidade. 
Portanto, perde-se no tempo a discussão entre o jusnaturalismo e o estabelecimento de leis e normas de conduta vinculadas ao juspositivismo. Note, a propósito, que o conceito de positivismo antecede a concepção positivista da filosofia de Augusto Comte. Conforme sustenta Norberto Bobbio (2006, p. 15): 
“A expressão “positivismo jurídico” não deriva daquela de “positivismo” no sentido filosófico, embora no século passado tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas no sentido filosófico [...]. Toda a tradição do pensamento jurídico ocidental é dominada pela distinção entre “direito positivo” e “direito natural”, distinção que, quanto ao conteúdo conceitual, já se encontra no pensamento grego e latino [...]”.
Hegel
O pensamento de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), principal representante do idealismo alemão, pode ser visto como o último sistema clássico da filosofia ocidental. Considerando que “todo racional é real e todo real é racional”, Hegel afirma que a razão é a realidade profunda e essencial de todas as coisas. Desse modo, a história universal é a manifestação da razão. De acordo com a visão hegeliana, o desenvolvimento do conhecimento acontece pela contradição e conflito entre ideias antagônicas; para isso, Hegel concebe o processo dialético — em seus momentos de tese / antítese / síntese — como mola-mestra de seu sistema, em um movimento progressivo a ser percorrido em direção à verdade absoluta.
Na obra Princípios da filosofia do direito, Hegel desenvolve uma investigação sobre a constituição e o papel do Estado na manutenção das nações. Para ele, o Estado seria a síntese absoluta do movimento dialético da eticidade: no primeiro momento, a tese, considera-se a família como conjunto básico da formação do ser humano; devido à necessidade de ampliar a convivência e estabelecer interesses, organiza-se a sociedade (antítese), que abarca os vários membros da cidade; porém, para solucionar todos os conflitos que possam surgir, precisa-se de um poder mais amplo, que englobe os momentos anteriores: o Estado (síntese). Note que as três etapas desse movimento dialético não se excluem, mas se complementam, já que o Estado soberano não deve distanciar-se das necessidades da sociedade nem dos integrantes da família. Segundo Leandro Konder (1991, p. 63):
“A família constitui uma comunidade que amalgama naturalmente as pessoas que a integram. A sociedade civil-burguesa atomiza os indivíduos, separa-os, pulveriza-os, coloca-os uns contra os outros, torna-os autônomos, porém danifica a dimensão comunitária de suas vidas. O Estado aparece como a comunidade a que os indivíduos se reintegram, voluntariamente, numa opção madura e refletida, como cidadãos [...]. O Estado é o nível superior da realização desse movimento; é a “efetividade da ideia ética”, a unidade da consciência subjetiva e da ordem objetiva”.
Para Hegel, a razão é histórica e subordina os processos de desenvolvimento das sociedades. O sentido da história passa pela consciência, pela apreensão do espírito em sua necessidade de compreender o real. Daí se considerar que, para o pensamento hegeliano, a história é obra da razão. De acordo com Marcondes e Struchiner (2015, p. 78):
“A filosofia do direito de Hegel tem uma relação direta com sua concepção de história e com sua crítica da modernidade. Procura mostrar que a universalidade atribuída ao direito natural e o modelo de sociedade resultante de um contrato social entre os indivíduos não são traços da natureza humana, mas dependem do desenvolvimento histórico de determinadas sociedades”.
Friedrich Carl von Savigny
O alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) foi um dos expoentes da escola histórica do direito e desenvolveu sua teoria voltando-se para a crítica vigorosa a uma forma de direito abstrato que se sobrepunha às questões relativas aos costumes sociais. Para Miguel Reale (2002, p. 423):
“Savigny, portanto, manifestava-se contra um plano prematuro de codificação, invocando contra a lei abstrata e racional a força viva dos costumes, tradução imediata e genuína do que denominava “espírito do povo”, pois temia que a precipitação codificadora gerasse leis dotadas de vigência, de validade técnico-formal, mas destituídas de eficácia ou de efetiva existência como comportamento, como conduta. O Direito deve ser a expressão do espírito do povo, e este, dizia Savigny, manifesta-se especialmente através de regras de caráter consuetudinário, que cabe ao legislador interpretar — os costumes devem exprimir-se em leis, porque somente são leis verdadeiras as que traduzem as aspirações autênticas do povo”.

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