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Por que matamos tantos jovens negros no Brasil? (trechos) Ana Paula Pelegrino* 15/01/15 O ano de 2013 marcou os 20 anos de dois tristes episódios da história recente: as chacinas de Vigário Geral e da Candelária. O que elas tiveram em comum? Em rompantes de violência extrajudicial, policiais militares mataram inocentes, muitos deles jovens. Ambas são expoentes trágicos de um problema cotidiano. São jovens brasileiros – em sua maioria homens e negros, moradores das periferias de áreas metropolitanas – os mais atingidos pela violência no País. De acordo com o Mapa da Violência 2014, durante o período de 1980 a 2011, foram mortos 20.852 jovens negros, um número três vezes maior que o número de homicídios de jovens brancos. Mais preocupante ainda é a tendência que se anuncia: uma progressiva queda no número de homicídios de jovens brancos, acompanhada do aumento das mortes de jovens negros. Por que matamos tantos jovens homens negros no Brasil? Porque estamos em guerra. Claro, é uma guerra não declarada oficialmente. Mas, se considerarmos a classificação de conflitos como guerras a partir do critério de intensidade de mil mortos por ano, como não desconfiarmos da nossa paz? Só de janeiro a outubro de 2014, no município do Rio de Janeiro, ultrapassamos esse número de mortos. Essa guerra tem um inimigo definido: as drogas. Sob o pretexto de salvar a sociedade – e principalmente nossos jovens – desse mal representado pelas substâncias proibidas, promoveu-se por anos políticas de drogas proibitivas, racistas e violentas. A juventude tem arcado com as maiores consequências dessa violência institucional. São jovens negros e pobres os que mais morrem, que mais vão presos e que menos têm acesso à atenção médica adequada. Tornaram-se alvos secundários dessa guerra.É hora de acabar com a guerra às drogas, que se volta contra nossa juventude. É preciso saudar essa iniciativa, para que ela ganhe peso nas discussões de movimentos sociais e, principalmente, dentro das esferas do Governo Federal. Não há juventude viva sem uma reforma na política de drogas no País. O ano de 2013 ficará na memória pelas chacinas que foram lembradas. Que nos lembremos de 2014 como o ano em que se deu um passo definitivo para deixá-las apenas na memória. *Ana Paula Pellegrino é coordenadora da Rede Pense Livre e pesquisadora do Instituto Igarapé. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX O Complexo do Alemão e a seletividade perversa da guerra às drogas. (Trechos do texto de Raull Santiago) Março de 2017 Em nome de uma absurda guerra declarada às drogas - essas substâncias que poderiam ser abordadas e discutidas a partir de qualquer outra forma não violenta - escolheram prender e matar pobre como solução. O Complexo do Alemão é uma grande favela, localizada na zona norte do Rio de Janeiro. Um lugar de pessoas incríveis, criativas, de histórias inspiradoras e de uma garra incomparável. Ruas movimentadas, comércio vivo, transporte alternativo a todo vapor (Kombis e motos-táxi). Porém, muitas vezes tudo isso é silenciado diante de uma outra situação. Aqui também é um local muito estigmatizado por conta da chamada “guerra às drogas” e toda a violência gerada a partir disso. Em meio a esse cenário, faço parte de um coletivo de comunicação independente chamado Papo Reto, que usa de ferramentas diversas, somadas ao audiovisual e à internet, para buscar, afirmar e tentar garantir direitos para a favela, publicizando informações, realizando ações e disputando narrativas. Como nos anos anteriores, 2017 também tem sido de intensos conflitos, oriundos de uma política pública que só dialoga com a nossa realidade a partir da violência, justificada pela clássica hipocrisia da “guerra às drogas”. Quanto a isso, me pego lembrando quando em 2010 chegou na favela um projeto chamado UPP, em que um contingente policial ficaria de forma permanente dentro do Alemão. A ideia “inovadora” não deixou de ser mais do mesmo, o Estado novamente agiu acreditando que construir diálogo e avanço com a favela é chegar a nós observando-nos a partir da mira do fuzil da polícia. Logo ficou exposto o que isso era, uma verdadeira contenção da camada popular, com muito discurso de que haveria investimentos em diferentes áreas, mas na prática, presença massiva da polícia e apenas. Desde então, muita mídia havia sido feita em cima desse novo padrão de ação, que chegou também acompanhado do PAC do Governo Federal. Este que no seu ápice construiu o teleférico do Alemão. Mais à frente, tudo isso se desdobrando em cenário de novela e filme. Essas foram só algumas das coisas que se juntaram ao espetáculo, alimentando o discurso falso e arrancando sorrisos e aplausos de muitas pessoas que normalmente olham para as favelas com desdém. Hoje em dia se você olhar para o alto, verá o teleférico parado. Faz quase um ano que está assim. Tamanha obra construída com o dinheiro de todos nós sem funcionar virou o símbolo da farsa. Em 2017, mês de março, momento em que escrevo o texto, já foram vários os dias de confrontos em que discursaram mudanças, enquanto se iniciava a maior era de brutalidade que essa favela viveria. Dentre as coisas mais absurdas deste ano está o recente fato que acontece na área da UPP Nova Brasília, uma das localidades aqui da favela, onde policiais invadiram casas de moradores, expulsaram essas pessoas e fizeram a moradia dessa gente humilde, de base militar! Atualmente apenas a polícia permanece, jogada aqui dentro, violenta e violadora, diante da não sustentação do governo dessa política de (in)segurança, que baseada apenas em discurso, hoje segue aos trancos e barrancos, com policiais morrendo, matando e esculachando muito as pessoas, baseando tudo na falsa - e perversa - “guerra às drogas”, que em momento algum discute sobre essas substâncias. Há 28 anos eu convivo com a violência da chamada “guerra às drogas” e fico indignado de como existe a audácia de chamarem de guerra “às drogas” ações que matam muito mais pessoas do que o uso dessas substâncias. Se realmente fosse pelo motivo das drogas, estas que estão em todos os lugares, então por que somente na favela acontece essa violenta guerra? Essa guerra historicamente vem causando prejuízos diversos para quem mora na favela, por meio de operações problemáticas que não constroem nada, pelo contrário, só têm causado destruição. Problemas que têm evoluído com a chegada de novos armamentos bélicos, como o carro blindado usado pela polícia, conhecido como Caveirão, que com sua imponência e blindagem, deixa prejuízos diversos para moradores onde passa: sempre acaba amassando carros e motos, derrubando muros de casas, postes, pela força do quase tanque militar. De 2010 até hoje, é incalculável o número de pessoas que morreram de forma violenta ou por consequência dessa situação. Isso contando apenas esses anos, pois são muitos mais. Tudo isso por causa das drogas? Em nome de uma absurda guerra declarada às drogas, essas substâncias que poderiam ser abordadas e discutidas a partir de qualquer outra forma não violenta, escolheram prender e matar pobre como solução. Não é assim que se criarão mudanças, não com essa polícia, não com essa política de violência, mas com investimentos reais em médio e longo prazo na educação, na saúde, na melhoria estrutural da favela, no fortalecimento da criação de oportunidades para nossa juventude. É preciso discutir amplamente o racismo e as drogas criando diálogos, e não nos matando, usando as drogas como justificativa. Raull Santiago é ativista de direitos humanos e comunicador independente do Coletivo Papo Reto. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXGuerra às drogas: mulher é condenada a mais de 6 anos por causa de 1g de maconha Brenno Tardelli, Natalie Garcia e Alexandre Putti - Justificando A guerra às drogas travada pelo Judiciário conheceu um novo limite no final do ano passado. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu por justo, pelas mãos da desembargadora Ivana David, condenar alguém a 6 anos e 9 meses de prisão pelo suposto tráfico de 1g de maconha. O caso aconteceu em Bariri, no interior do Estado. Como acontece na imensa maioria dos processos criminais, a história é narrada pelos policiais militares. Dois deles, em patrulha na pacata cidade, viram duas pessoas conversando na calçada, em uma cena que julgaram “suspeita”. A conversa se encerrou, a mulher entrou em sua casa, enquanto o jovem passara a andar a esmo. Os policiais se aproximaram, mão na cabeça, afaste suas pernas até que o material do crime apareceu em um dos bolsos: 1 grama de maconha. De quem é? Da Maurene, respondera o jovem. Foi o suficiente para os policiais se sentirem no direito de ingressarem na residência da mulher, encontrada “escondida no quintal”, segundo relatariam tempos depois. A prisão em flagrante foi efetuada e Bariri se viu livre do tráfico de 1 grama. Para se ter uma ideia da quantidade, 1g é o equivalente a metade de uma bala Mentos, ou então a dois Tic Tac's. Possivelmente, é o menor caso de tráfico de drogas da história do TJSP. Maurene pediu à Justiça, ao menos, a diminuição de sua pena, mas foi justamente no Judiciário onde conheceu a face mais repressora às drogas. Seu passado lhe condenava, afinal, já havia respondido processo pela Lei de Drogas. Logo, não haveria clemência pelo 1g. A mão pesou e martelo bateu na mesa anunciando os quase 7 anos de prisão que passaria a cumprir. Maurene não foi a primeira pessoa a responder por 1g de maconha no Judiciário brasileiro. Em uma tarde, Jaciara se dirigia à Delegacia de Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, para entregar ao namorado um pacote de cigarros de tabaco, supostamente “comuns”. Entre eles, também havia uma pequena quantidade de maconha: 1g. Foi durante a revista do envelope que trazia Jaciara que os agentes encontraram o entorpecente. Segundo o Ministério Público, a mulher infringiu os artigos 33 e 40 (inciso III) da Lei 11.343/2011, sendo aquela relacionada ao tráfico de drogas e esta ao agravamento da pena, dada a especificidade do estabelecimento onde foi cometida a infração - estabelecimento prisional. Quem saiu em defesa de Jaciara foi a Defensoria Pública, que pediu o habeas corpus. Sorte da acusada de encontrar mais coerência em segunda instância. Nesse caso, o Des. Ruy Celso Barbosa Florence usou como um de seus argumentos - atendendo a defesa de Jaciara - as palavras do relator Paulo Neves, em caso julgado no TJSP, ainda nos tempos de Tribunais de Alçada. Em sua decisão, Celso Barbosa argumentou: “Em 1g de maconha, o THC, que é seu componente responsável pela euforia, corresponde a 10 mg. Destes, apenas metade é absorvida, o que é insuficiente para gerar distorções psíquicas no agente, em face do metabolismo”. O THC (tetraidrocanabinol) é uma das substâncias ativas da Cannabis Sativa, responsável pelo efeito alucinógeno da erva. É uma das substâncias proscritas na portaria 344 da Anvisa como “psicotrópicas”, enquanto o canabidiol foi recentemente liberado para o uso medicinal. Em entrevista ao Justificando, o Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho, integrante da LEAP (Law Enforcement Against Prohibition), comentou que a "legalização" do derivado da maconha, pode indicar uma mudança no debate jurídico: “Aqueles que já condenavam por pequenas quantidades de droga continuarão a condenar; mas certamente a permissão do canabidiol aumentará a discussão sobre o caso”. Sobre a condenação de 1g, arrematou a questão: “O propósito da suposta guerra às drogas é justamente tentar diminuir o tráfico e esse propósito não tem demonstrado sucesso na prática. Isso é só mais um exemplo da irracionalidade dessa questão.”
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