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Traduzir Psicanálise Impasses de Um Texto

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Traduzir Psicanálise: Impasses de Um Texto [1: Publicado em: Heliodoro Tavares, P.; Costa, Walter Carlos; Bueno de Paula, Marcelo (Orgs). Tradução e psicanálise. Rio de Janeiro: 7 Letras. p.37-46. ]
Alba Escalante
Em elogio da tradução Marcus do Rio Teixeira diz que:
 
“Até o mais rigoroso -ou mais pedante- dos lacanianos, na solidão do seu consultório, tendo que optar entre a leitura de um texto do Lacan no original e uma boa tradução, certamente preferirá esta última, cotejando-a com o original para dirimir passagens controversas” (1999, p.11) 
Questionando Teresa Palazzo Nazar, autora do livro intitulado O sujeito e seu texto, sobre o fato de ter trabalhado com as traduções de Lacan e não com os originais, embora dominasse a língua francesa, ela respondeu da seguinte forma: “porque eu gosto de ler na minha língua, na dúvida -agrega- consulto o original”.
Interessante coincidência que me faz pensar que tal práxis poderia servir para apoiar a tese sobre o incômodo que produz o estrangeiro, ou, fazendo uma inversão, o conforto que sentimos diante do que nos soa familiar. Creio, no entanto, que essa procura pelo texto traduzido não é garantia de esclarecimento. A pergunta é: deve ser o esclarecimento uma função inerente à tradução?
Feita de forma rigorosa, observando a letra do texto fonte, a tradução deveria atender à transmissão dos conteúdos, evitando cair na tentação de aliviar ao leitor sua tarefa como ofertada no texto fonte. Entretanto, o tradutor, em sua posição de leitor privilegiado, que não recua perante ambiguidade presente no texto que está traduzindo, tem a possibilidade de trabalhar o material bruto do texto e esculpir, nas diversas fases que conformam sua atividade, elementos opacos, sem se deixar cegar pelo resplendor produzido pela enganosa impressão de total dissolução do conflito da ambigüidade. Embora discutível dependendo do tipo de texto que se esteja trabalhando, esse procedimento é coerente com a opacidade característica de textos subscritos ao campo da psicanálise. 
Observamos com freqüência no trabalho de grupos de psicanalistas que não tem acesso ao original, que os tradutores, ou melhor, as traduções costumam surgir como as responsáveis por certos impasses. Talvez esse seja uma espécie de traço de identificação com o mestre, que não poupou severas e constantes críticas aos tradutores. Entendo, no entanto, que essa conduta é uma via interessante para empreender elaborações, ou uma saída para enfrentar o mal-estar provocado pelas dificuldades de apreensão. 
Especialmente no caso do texto lacaniano, pelo qual todos já padecemos pela complexidade com que se nos apresenta, essa opacidade é o resultado de uma soma de aspectos. Sem pretender ser exaustiva, menciono: o estatuto de escrita adquirido pelo que, de início, era uma fala, mistura de gravações, notas de origem diversa, transcrições, estenotipias e, correções de última hora. O uso subversivo que Lacan fazia da língua francesa. A enxurrada de referências de campos variados que se colocam como obstáculo para o leitor, produto do desconhecimento de certas especificidades das áreas às quais nos remete constantemente Lacan. A frequência de jogos de palavra e construções neológicas, talvez facilitadas pelas características da língua francesa. O próprio processo de erguer uma teorização à qual assistimos sem muitas vezes termos acesso a detalhes que, de fato, facilitariam sua compreensão. Some-se a tudo isso nossa inevitável inclusão como sujeitos, traço específico da psicanálise. Isso complica ainda mais o empreendimento tradutório, na medida em que nesse encontro do sujeito e o texto estão em jogo contingências do nosso próprio enigma. 
Sabemos por Freud e Lacan que o esquecimento de palavras estrangeiras tem seus desdobramentos. Fazer uma análise numa língua outra que não a dita materna, terá também implicações. Alguma coisa do próprio sujeito que surge na leitura será diferente se essa é feita em língua estrangeira. (E)feito do inconsciente “estruturado como uma linguagem, isto é, lalíngua que ele habita” (LACAN, 1972/2003, p.492)
Mesmo assim, isso não libera a história dos seus erros. Marcelo Pasternac no seu livro, 1236 errores, erratas, omisiones y discrepancias en los Escritos de Lacan en español, fará um inventário de certos problemas localizados a partir de uma comparação entre os Escritos [Écrits] em língua francesa e as diferentes edições em língua castelhana publicada pela editora Siglo XXI. Numa exaustiva exposição sobre o processo de elaboração do livro, Pasternac (2000) menciona vários exemplos das categorias recolhidas no título, propondo traduções alternativas sob um posicionamento a favor da literalidade, questão chave para apresentar, a título de ilustração, o caso –erro- em que a palavra francesa inconsistant é vertida para inconsciente. 
Penso, no entanto, que mais do que um erro, pode se tratar de um deslize –deslizamento- propiciado pela proximidade das línguas, tendo em vista como se impõe o som sobre o significado. Para Pasternac, esses problemas prejudicam a compreensão da produção psicanalítica em espanhol, apelando assim à necessidade de cuidado e rigorosidade, traço que caracteriza qualquer atividade científica que pretenda obter reconhecimento pela sua seriedade. 
Enquanto o texto científico, como menciona Teixeira (1999), prioriza a transmissão de informações pontuais, o que possibilita o distanciamento do sujeito e certa higienização do processo de tradução, o texto psicanalítico e sua tradução, deverá operar numa transmissão considerando o efeito de irrupção desse sujeito. Isso não pode ser uma desculpa para implantar uma espécie de “vale tudo”, pois essa irrupção não obedece à vontade consciente e é muito difícil de ser verificada longe do dispositivo analítico. 
Vemos então que, se por um lado temos um sujeito que irrompe e um significante que possui equivocidade, aproximando assim o texto psicanalítico ao campo literário, por outro lado contamos com a necessidade de rigor e apego à posição investigativa gerada pela constância da suspeita, o que nos aproxima do campo científico. Nesse cenário, qual é o caminho para empreender um projeto de tradução de um texto psicanalítico? 
A primeira questão que se me apresenta é que isso só pode ser resolvido se atendermos à necessidade de traduzir. Isto é, quando empreendemos de fato uma tradução. Necessidade de traduzir, e necessidade de escrever sobre o que está acontecendo. Forma de elaboração que permite sair de uma primeira situação: fazer uma tradução perfeita. Isso não existe! Essa via permite que o impasse se transforme em elaboração. 
No início o deserto. Uma espécie de tudo com forma de nada que se desmancha em comentários sem conexão. Mas com o decorrer do trabalho aparecem Oasis em forma de repetições. Os impasses. A riqueza do impasse. É esse o fio condutor da narrativa na qual apresento um recorte do procedimento tradutório, recorte relativo a uma escolha tradutória. 
Fantasía e/ou fantasma. 
A incerteza é coisa de todos, embora coincidente, é a incerteza de um leitor, único, individual, confrontado com sua leitura, na tentativa de compreensão de alguma coisa que lhe teria causado ressonância. 
A teoria implícita que guia o trabalho aponta para literalidade, definida, grosso modo, como tendência à conservação dos elementos nodais do texto de partida. Digamos que a literalidade seja uma tendência na tradução de textos da psicanálise. Tal posição não é consensual, mas estimo pertinente propô-la, primeiro para retirar o foco da dicotomia literal/livre. E segundo, porque uma direção literal implica, necessariamente a localização de aspectos chaves do texto. Na esteira de Etcheverry ([1978] 1992, pp. 2-3), uma “literalidade problemática”, aquela que vai além do procedimento palavra por palavra, pois tenta resgatar, a partir de uma série de procedimentos, e no meio das perdas operadas, algo da Letra do autor. Mais adiante voltarei sobre esta questão na remissão de um sonho, na tentativa de ampliar um pouco maisa reflexão aqui esboçada. 
Voltemos ao impasse, reconhecido como tal por duas coisas: a repetição e a ressonância. 
Traduzir psicanálise é uma experiência que vem apresentando certas especificidades, uma delas reside na dificuldade no uso de certas palavras. O que isto quer dizer?
Não basta dizer que o falo não é o órgão, e que o pai é uma função. Esse nível seria um gesto burocrático, o que proponho é mostrar como podem ser removidas certas evidências para que surja algo para além da escolha entre uma palavra ou outra. 
O procedimento
Antes de me deparar com a situação de verter para o espanhol os vocábulos fantasia e fantasma, já tinha lido e ouvido, localizada no contexto específico do campo da psicanálise no Brasil, sobre as divergências, ou melhor, as preferências no uso de um ou outro termo. O que de início não conseguia perceber era quanto do tema perpassava pela questão da tradução para o português do que Lacan chama em seu ensino fantasme. Uma vez percebido isso, empreendi um trabalho para tentar entender melhor o que estava em jogo. Essa descoberta foi produto de uma primeira pesquisa iniciada pela leitura do livro Clínica dos fracassos da fantasia, da psicanalista argentina Silvia Amigo, cujo título em espanhol é Clínica de los fracasos del fantasma. 
Daí em diante, cotejando fundamentalmente títulos de textos em francês, português e castelhano observei certas coincidências, isto é, divergências, nas traduções tanto para o espanhol quanto para o português, relacionada aos vocábulos em questão. 
Poderia tratar-se de uma escolha de tradução consagrada pelo uso. Assim, no espanhol teríamos, para fantasme, fantasma e, em português, fantasia. No entanto, isso não era suficiente. A busca de textos paralelos, embora confirmasse até certo ponto o critério mencionado, não parecia ser consensual. Ao contrário, foi esse procedimento inicial com o qual tentava ratificar essa primeira percepção o que deu lugar a novas informações. 
Além disso, foi no trabalho de tradução que me deparei com a presença de ambos os termos que, num mesmo capítulo, apareciam às vezes um às vezes outro. Ora, se a fórmula era verter fantasia –português- por fantasma –espanhol-, o que acontecia quando num mesmo texto em português apareciam: fantasia e fantasma, além de outros derivados como: coeficiente fantasmático, posição fantasmática, letra da sua fantasia, representações na fantasia?
Em português parece não haver uniformidade na tradução do termo lacaniano fantasme. Trata-se de uma discussão instaurada e não resolvida, permeada por vários aspectos: editoriais, linguísticos, filiatórios e conceituais. A falta de consenso vai incidir não só nas traduções do francês para o português, mas desta última para outras línguas como o castelhano.
	Vários foram os procedimentos empregados para apreender o problema. Fiz buscas na rede para a fim de localizar diversos textos de cunho psicanalítico que apresentassem os vocábulos. Também consultei dicionários das línguas de trabalho, a saber, espanhol e português, além do francês. Tais operações foram prontamente abandonadas e substituídas pela seleção de um corpus menos abrangente. Optei, assumindo que se tratava de um problema específico de tradução, por revistar textos e paratextos que remetessem à problemática, além de dicionários específicos do campo. 
	No francês o vocábulo fantasme teve sua reintrodução no dicionário atrelada à tradução dos textos freudianos. Roundinesco & Plon (1998, p. 763), numa crítica às Oeuvres Complètes, mencionam a “eliminação de alguns termos que se haviam imposto no vocabulário francês há cinquenta anos, mas que agora foram substituídos”. Um dos casos de substituição teria sido “fantasie para Phantasie em vez de fantasme”, palavra seguida, na tradução do dicionário, por fantasia entre colchetes. 
O texto acima referido, editado pela Jorge Zahar, cuja tradução para o português esteve a cargo de Vera Ribeiro e Lucie Magalhaes, sob a supervisão de Marco Antonio Coutinho Jorge, traz uma nota à edição brasileira na qual fica explicada a incorporação do termo entre colchetes: 
(...) ao termo em português adotado para traduzir determinados verbetes conceituais, acrescentamos versões alternativas de uso corrente. Por exemplo, no esclarecimento introdutório, com caracteres em negrito, do histórico do termo “fantasia” (Phantasie em alemão, fantasme em francês), encontra-se o registro da versão “fantasma”, também muito difundida no Brasil. (idem, xiii)
Da mesma editora é a tradução feita por Ari Roitman do livro de Jaques-Alain Miller, intitulado Percurso de Lacan: uma introdução. Roitman, em nota de tradução, explica que os grupos lacanianos de língua castelhana estabeleceram o termo fantasma como tradução do francês fantasme. Nesse comentário nota-se o critério de filiação imperante. Ele vai argüir que traduzir fantasme por fantasía pode confundir com a fantasía Kleiniana, além de ser um termo mais utilizado na psicologia. 
Se na língua francesa a tradução freudiana foi responsável pela incorporação do termo fantasme, e se essa lógica fosse seguida em outras línguas como, o castelhano, acudimos aos textos de Freud para verificar o fenômeno. A confêrencia de 1907 Der Dichter und das Phantasieren, recebeu em castelhano as seguintes traduções: 
La creación poética y la fantasía (Rosenthal)
El poeta y la fantasía (Ballesteros)
La creación poética y la fantasía (Rosenthal)
El poeta y los sueños diurnos (Ballesteros)
El creador literario y el fantaseo (Etcheverry) 
Observa-se que, embora haja uma variação nos títulos, não parece incomodar a escolha do termo fantasía. Chama a atenção, e é da minha preferência, o título de Etcheverry, pois nele fica anunciado o valor distintivo da atividade. 
Em Hysterische Phantasien und ihre Beziehung zur Bisexualität (1908), traduzido por López Ballesteros, e mantido nas edições/traduções subsequentes, como Las fantasías histéricas y su relación con la bisexualidad, no primeiro parágrafo, aparece o vocábulo fantasía e numas linhas adiante o vocábulo se repete seguido da palavra em alemão entre chaves, deixando a seguinte construção: “las llamadas fantasías {Phantasie} histéricas” (p.141). Detalhe com o qual é sublinhado o estatuto conceitual da elaboração. 
É necessário relembrar, embora não aprofunde nisso, pois foge dos limites deste trabalho, que a tradução de Phantasien e seus derivados é só um dos desafios apresentados na tradução da obra freudiana. Sobre o tema há trabalhos de grande interesse tanto para os estudos da tradução, quanto para a psicanálise. Nessa linha se inscreve, numa revisão atualizada e abrangente, o livro de Tavares (2011) quem tece com rigor alguns dos principais capítulos dessa epopéia tradutora. 
Comparando as traduções em espanhol e português, La logique du fantasme, texto resumo do seminário de 1966/67, no volume da Jorge Zahar o título que recebeu foi: A lógica da fantasia. O mesmo escrito em castelhano, editado por Paidós, aparece sob o título: La lógica del fantasma. 
O seminário 14, ainda inédito, que aparece mencionado na orelha da coleção da Zahar utiliza o termo fantasia, enquanto o mesmo seminário editado pelo Centro de Estudos Freudianos de Recife, para uso interno, faz uso do termo fantasma. Em castelhano, encontrei num link da Universidade de Buenos Aires, a tradução da sessão do dia 16 de novembro. Nessa tradução a escolha é fantasma. 
Coutinho (2010, p. 45) explica que “O substantivo alemão Phantasie designa, sem qualquer ambigüidade, “fantasia”; e o verbo phantasieren, a atividade do fantasear”. Guiado pela leitura Freudiana, vai precisar que a estrutura da fantasia consciente, “devaneio diurno” é da mesma natureza que a fantasia inconsciente, e agregará que ambas possuem uma mesma função “a de satisfazer algum desejo insatisfeito no passado” (id.) Essa colocação é seguida de um parêntese, em tom de protesto, no qual Coutinho apresenta motivos para aprovar fantasia como escolha tradutória da palavra alemã e, em consequencia, reprovar a opção fantasma.Não sabemos por que alguns psicanalista lacanianos passaram a adotar, no Brasil, o substantivo “fantasma” para traduzir fantasme, enquanto o termo, na frança, como observa Jairo Gerbase, “tem uso consagrado e dicionarizado como termo psicanalítico e significa construção imaginária, consciente ou inconsciente, que permite ao sujeito que a encena exprimir e satisfazer um desejo mais ou menos recalcado, dominar uma angústia” (Gerbase, 1987 apud Coutinho) . Não poderia haver maior equívoco do que esse, que renega toda a tradição psicanalítica ligada, desde Freud, ao termo fantasia e introduz um campo semântico alheio e até mesmo antinômico à expressão: fantasia, designa para Freud, a vigência do princípio do prazer, ao passo que “fantasma” inclui no primeiro plano desprazer, Considerando esse erro como uma verdadeira violência linguística, concordo com Gerbase quando ele afirma que traduzir fantasme e fantôme por fantasma leva a mais absoluta confusão. (Coutinho, Idem, Ibidem, p.45) 
Numa linha de pensamento coincidente, confirmando o fato de que não se trata de um ponto pacífico entre os comentadores da psicanálise, Anthony Sampson, em seu artigo, La fantasía no es un fantasma, critica a escolha da tradução castelhana fantasma. Seus argumentos apontam, fundamentalmente, a questões idiomáticas –o valor dicionarizado do termo-; terminológicas –referindo o dicionário de psicanálise de Laplanche e Pontalis; lingüísticas –contraste entre o francês e o espanhol, explicando que fantasme e fantasma seriam falsos cognatos. 
Ana Maria Gentile em sua pesquisa sobre terminologia psicanalítica, numa abordagem socioterminológica, faz uma interessante compilação de termos recolhidos de um corpus constituído pelas seguintes fontes: traduções de Lacan, dicionários de especialidade e produções teóricas escritas por falantes hispânicos. Dos 24 termos identificados como procedentes da produção teórica lacaniana, derivados das traduções do francês de termos utilizados na obra freudiana, é registrado fantasme. A autora vai contabilizar para esse vocábulo duas traduções: fantasma e fantasía. 
Numa etapa posterior da análise, na qual tenta se observar a implantação terminológica, o resultado apresenta uma redução na variação. O termo fantasme vai registrar uma única tradução: fantasma. 
É um equívoco pensar que as informações encontradas vão ser a chave para fazer uma escolha de tradução. Na realidade, o que consegui identificar foi um aspecto que me parece fundamental, pois consiste na delimitação de uma série de critérios que permeiam a escolha na escrita e na tradução de certos vocábulos. Quais seriam os critérios? Em princípio, localizo os seguintes: terminológicos, de filiação, linguísticos, idiomáticos e conceituais. Qual desses critérios rege a escrita de Teresa Palazzo Nasar no seu livro? Qual deles deveria permear a tradução? 
Em entrevista informal, inquirida sobre o uso de fantasma e/ou fantasia, a autora retoma e amplia alguns dos aspectos desenvolvidos no livro, possibilitando conferir que a alternância de vocábulos obedece a critérios fundamentalmente epistêmicos. 
Isso significa que, a rigor, na minha tradução o que deve primar é o trabalho de seguimento dessa elaboração e não uma escolha guiada por critérios de outra espécie, embora outros critérios funcionem como vetores em outras situações da atividade tradutória. 
Neste, momento de concluir, vale repassar, a título de enumeração, que entre a possibilidade de escolher fantasma ou fantasía, há várias línguas (alemão, francês, espanhol e português), vários agentes (psicanalistas, editores e tradutores) e um circuito que vai de Freud a Lacan passando por vários comentadores. Mas, isso não é suficiente. 
Sabemos que inconsciente não é das profundezas, porém é muito difícil ter acesso porque há recalque. A palavra deve gastar-se. Esse é o princípio da tradução. Gasta-se a palavra e, o que fica? Primeiro uma grande angustia, mas depois, só depois, alguma coisa da ordem da letra, da transmissão. 
Outro dia sonhei com uma cobra. Pensava: - que cobra é essa? Idas e voltas de cobra, na cobra, para a cobra. Só no divã consegui escutar o imperativo, forma verbal, de cobra! Pele tirada graças ao desgaste da palavra. Cobra! Pagamento de uma sessão da qual tinha fugido dias antes. Essa é a literalidade da psicanálise, essa é a literalidade com a qual venho operando na minha tradução. Embora a dívida da tradução seja impagável, traduzir é um ato inscrito na transmissão. 
A psicanálise é peste, eis o porquê estamos sempre às voltas com uma palavra. Não se trata de aceitar uma convenção terminológica. A virulência do campo operando no tradutor faz com que este, inconformado, tente encontrar em que consistem os impasses. 
Referências Bibliográficas
COUTINHO JORGE, Marco Antonio. O ciclo da fantasia. In: ________ Fundamentos da Psicanálise - De Freud a Lacan. Vol. 2, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2010: 38-61. 
ETCHEVERRY, José Luis. [1978] Sigmund Freud: Obras completas – Sobre la versión castellana. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1992. 
FREUD, Sigmund. El creador literario y el fantaseo, In: Obras Completas. Vol. IX. Tradução José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 1907/1993: 125-135. 
______________ . Las fantasías histéricas y su relación con la bisexualidad, In: Obras Completas. Vol. IX. Tradução José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 1908/1993: 139-147. 
GENTILE, Ana María. La terminología del discurso del psicoanálisis francés/español: un estudio sobre la noción de «funcionamiento polinómico» In Hermēneus. Revista de Traducción e Interpretación. Nº10-Año 2008. 
LACAN, Jacques. O aturdito. In: __________ Outros Escritos. Trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003: 448-497. 
MILLER, Jacques-Allain. Percurso de Lacan: uma introdução. Tradução Ari Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987. 
PALAZZO NAZAR, Teresa. O sujeito e seu texto: psicanálise, arte e filosofia. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009.
PASTERNAC, Marcelo. 1236 errores, erratas, omisiones y discrepancias en la edición del los Escritos de Lacan en español (presentación). In: Acheronta, 11, julio, 2000. 
ROUNDINESCO, Elisabeth & PLON, Michel. Diccionário de Psicanálise. Tradução Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 
SAMPSON, Anthony. La fantasía no es un fantasma. In: Artefacto, Nº 3, junio, 1991. 
TAVARES, Pedro. Versões de Freud. Breve panorama crítico das traduções de sua obra. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011. 
TEXEIRA, Marcus do Rio. Elogio da tradução. In: Correio da APPOA, n. 67, abril 1999: 11-15. Disponível em: 
<http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/correio/correio67.pdf>. (20/02/2012)
Mini-currículo
Alba Escalante é Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília. Possui graduação em Psicologia pela Universidad Central de Venezuela. Professora Assistente na Universidade de Brasília do Curso de Tradução Espanhol e Membro da Escola Lacaniana de Brasília.

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