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GOMES, Marcella. Fenomenologia da Ação

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4) A FENOMENOLOGIA DA AÇÃO 
A exposição de um conteúdo, qualquer que seja ele, implica que o sujeito 
forme uma interação entre o seu interior e o objeto de estudo, de forma a ordená-lo 
dentro de si, a compreendê-lo e, então, explicitá-lo em suas estruturas constitutivas e 
relações lógicas. 
Em nossa análise da Ética aristotélica e, em especial, da Ética a Nicômacos, 
deparamo-nos com o problema da formação da consciência da virtude da ação no 
sujeito. Sobre ele traçamos a hipótese de que a lei, veículo do justo universal, na 
medida em que é modeladora do hábito virtuoso e expressão da excelência da razão 
prática, é o elemento que possibilita, enquanto fundamento da praxis individual, a 
consciência do agir ético. 
Desta forma, a nossa compreensão da Ética aristotélica pela leitura 
analítica da Ética a Nicômacos, conduziu-nos a organização e metodologia de exposição 
à qual denominamos fenomenologia da ação. 
Etimologicamente, fenômeno deriva do grego φαινοµενον, que significa ‘o 
que aparece’, ‘aquilo que se manifesta, que se revela’1. Neste sentido, a fenomenologia 
seria o logos, a explicação e, portanto, análise e ordenação racional daquilo que se 
manifesta a partir deste algo mesmo. No presente contexto, estabeleceremos que o 
fenômeno é aquilo que se dá à percepção e, portanto, sempre será um caminho para 
o conhecimento de algo, enquanto visto pela razão. O conhecer pressupõe a 
consciência de si e do objeto, a percepção racional de algo que é analisado, organizado, 
‘remontado’ racionalmente. Portanto, utilizamos ‘fenomenologia’ no sentido da 
percepção racional de dado fenômeno – no caso em tela, da ação – que, não só o 
vislumbra enquanto algo que se manifesta, mas também enquanto captação racional 
 
1 FERRATER MORA (2000, p. 1012-1017). 
de algo. Ou seja, que é, ao mesmo tempo, pensamento de algo, juízo e sistematização 
do fenômeno percebido2. 
Entendemos que Aristóteles apresenta-nos uma fenomenologia da ação. 
Ou seja, apoiado na observação do fenômeno, o agir do homem, tal como ele se 
manifesta, tal como ele aparece à percepção racional, buscou explicitar por meio do 
logos, a processualidade deste agir, o caminho lógico de seu manifestar-se. Enfim, a 
fenomenologia da ação é o estudo que, apoiado na observação da ação, fornece sua 
explicação racional. 
Desta forma, a fenomenologia presta-se a dupla finalidade: é método de 
conhecimento dos mecanismos da ação, bem como forma de discurso racional. Aqui, 
apoiar-nos-emos nesta forma de explicação. Nosso texto, ao remontar os passos da 
investigação fenomenológica do agir será, portanto, organizado segundo a 
explicitação dos elementos essenciais do agir. 
Portanto, nossa exposição divide-se em três partes: primeiro, abordamos 
o objeto da ação, aquilo a que visa o homem; segundo, seu sujeito, a alma; finalmente, a 
relação entre sujeito e objeto que se dá na processualidade do agir. 
Neste capítulo, trataremos de por em relevo os traços constitutivos da 
ação humana segundo Aristóteles, de tal sorte, que o eidos, a forma do agir do homem 
 
2 O sentido da palavra fenômeno conhece diferenciações, conforme distintas concepções filosóficas. Há aqueles 
que afirmam que o único caminho do conhecer é o da explicitação do fenômeno, portanto, o que aparece é a 
verdade do ente (empiristas ingleses). Outros, ainda, ao identificarem o mundo fenomenônico àquele que 
provém dos sentidos, afirmaram ser o fenômeno mera aparência, aquilo que encobre a verdade, o falso ser dos 
entes (Parmênides). Finalmente, há aqueles que definem o fenômeno como o meio de manifestação das coisas 
e, portanto, o conteúdo apreendido pelos sentidos que será ordenado racionalmente dando origem ao 
conhecimento verdadeiro e possível sobre o real (Kant). Da mesma forma, a fenomenologia conhece definições 
diversas. O termo surge em 1974 na obra Novo Organon de Lambert, que o conceitua como a ciência destinada 
a distinguir a verdade da aparência, de forma a constituir o fundamento de todo saber empírico. O termo 
também é famoso pelo pensamento de Hegel, que entende pela fenomenologia o estudo das formas segundo 
as quais a consciência aparece na história e se apresenta ao homem. O sentido é ainda distinto em Husserl que, 
em linhas gerais, entende que o manifestar-se do fenômeno só aparece ao ser de consciência, ao homem. Ao 
mesmo tempo, a consciência é consciência de algo. Desta forma, o fenômeno é, existe, para a consciência e a 
consciência se expõe no fenômeno. À fenomenologia cabe a análise da correlação entre consciência e objeto; 
correlação esta constitutiva do real. 
salte aos olhos de modo inconfundível na Ética a Nicômacos, possibilitando-nos a 
obtenção da demonstração de nossa hipótese3. 
4.1) O objeto da ação: o fim último do homem 
 De acordo com Aristóteles, todas as nossas ações tendem a realização de 
fins, que como tais configuram-se como bens, o bem da ação. 
O estagirita inicia a EN: 
“Toda arte e toda investigação, e similarmente toda ação e escolha, visa a 
um bem; e por esta razão o bem foi acertadamente definido como aquilo 
que todas as coisas buscam. Mas certa diferença pode ser estabelecida 
entre os fins; alguns são atividades [praxis], outros são produtos que não 
se confundem com a atividade que os produziu [theoria e poiesis]. [...] Da 
mesma forma que existem inúmeras ações, artes e ciências, há também 
inúmeros fins; [...] Mas, da mesma maneira que artes diversas podem ser 
agrupadas debaixo de uma única capacidade [...] todos os fins são 
subordinados a um fim maior; pois é em função deste último que todos 
os outros são perseguidos.” (EN, I, 1, 1094 a 1-16 – tradução nossa)4 
Prossegue Aristóteles: 
“Se, então, as coisas que fazemos visam a um fim, fim este que desejamos 
por ele mesmo (todo o resto sendo desejado em função dele), e se nós não 
escolhemos as coisas pelo bem de um fim a ele ulterior (pois, se assim 
fosse prosseguiríamos infinitamente e, desta forma, nosso desejo seria 
vazio e repleto de vaidade), claramente este deve ser o bem e o bem 
supremo.” (EN, I, 2, 1094 a 18-22 – tradução nossa)5 
Todos os fins humanos estão em função de um fim último, um bem 
supremo, a eudaimonia (ευδαιµονια), que consistirá na realização pelo homem da obra 
 
3 Este parágrafo faz analogia com a definição de Vaz da ciência Ética, enquanto fenomenologia do ethos: “[...] 
busca-se pôr em relevo os traços constitutivos do fenômeno ético de tal sorte que seu eidos (forma) apareça de 
modo inconfundível no vasto campo da experiência humana” (1999, v. IV, p. 39) 
4 Texto original: “Every art and every inquiry, and similarly every action and choice, is thought to aim at some 
good; and for this reason the good has rightly been declared to be that at which all things aim. But a certain 
difference is found among ends; some are activities [praxis], others are products apart from the activities that 
produce them [theoria e poiesis]. […] Now, as there are many actions, arts, and sciences, their ends also are 
many; […] But where such arts fall under a single capacity […] in all of these the ends of the master arts are to 
be preferred to all the subordinate ends; for it is for the sake of the former that the latter are pursued.” 
5 Texto original: “If, then, there is some end of the things we do, which we desire for its own sake (everything 
else being desired for the sake of this), and if we do not choose everything for the sake of something else (for 
at that rate the process would go on to infinity, so that our desire would be empty and vain), clearly this must 
be the good and the chief good.” 
(εργον) que lhe é própria, ou seja, o perfeito desenvolvimento e atuação da razãosegundo a sua excelência (αρετη). 
O pensamento aristotélico, bem como o grego em geral, é dominado pela 
visão teleológica. Todos os objetos definem-se pelo seu fim e possuem uma faculdade 
(virtude – αρετε) que lhes permite alcançá-lo. 
Pensar, para os gregos, era a capacidade de entender algo em sua inteireza 
e unidade, determinando-o, destacando-o da multiplicidade informe. Para tanto, a 
razão busca identificar a função específica de cada coisa, aquilo que ela unicamente 
deve realizar, aquilo que a constitui como o que ela realmente é. 
O fim da coisa, o seu bem, é ser ou atualizar aquilo a que a coisa está 
destinada pela sua própria natureza a ser ou a realizar. E, quanto melhor 
identifiquemos o fim ou o bem da coisa, por meio da obra peculiar a ela pela sua 
natureza, melhor nós a entendemos6. 
Novaes ilustra nossa argumentação: 
“Este modo de pensar pode ser facilmente ilustrado por qualquer objeto 
feito pelo homem. Uma faca tem como fim o corte e sua arete é estar afiada. 
Sempre que nos deparamos com objetos feitos pelo homem que nos são 
desconhecidos, portamo-nos como o homem grego e, de imediato, 
perguntamo-nos ‘para que’ ele serve, ou seja, qual o seu fim. Enquanto o 
fim não nos é conhecido, o objeto permanece como algo estranho, por 
mais que suas características físicas sejam simples e facilmente descritíveis. 
Ou seja, os objetos produzidos definem-se pela sua finalidade. Uma mesa 
não é algo composto por uma tampa apoiada sobre quatro pernas, pois 
pode possuir inúmeras outras características. Uma mesa é qualquer coisa 
que sirva para, partícula que nos indica o fim, apoiar ou dispor outros 
objetos, e a sua arete é o que a possibilita fazê-lo, podendo ser o tamanho, 
a resistência ao peso ou a durabilidade. A mesa da sala de jantar deixa de 
ser mesa e torna-se banco quando dela usamo-nos para sentarmo-nos, ou 
cama, quando para deitarmo-nos, ou abrigo, quando usada para 
protegermo-nos num desabamento. A toalha estendida no chão torna-se 
mesa num piquenique, o caixote torna-se mesa num jogo de baralho, o 
saco de areia torna-se mesa numa trincheira de guerra.” (2004, p. 172-173) 
 
6 Nettleship comenta: “A concepção que vê em todo lugar meios e fins é tipicamente a visão filosófica grega. 
Isto pode ser expresso de forma simples na fraseologia grega pela grande questão, ‘O que é o bem?’ Pois, para 
colocar a questão em termos sumários: a palavra ‘bem’ significa aquilo que qualquer coisa deve fazer ou ser. O 
uso da palavra implica uma hipótese final sobre a natureza das coisas: que há razão operando no mundo, no 
homem e na natureza. Esta razão mostra-se em todo o mundo deste modo particular, que onde quer que 
existam elementos co-existentes será encontrada certa unidade, um princípio que os correlaciona, através do 
qual eles são o que são, e na luz do qual eles podem ser entendidos.” (1968, p. 225 – tradução nossa) 
Esta forma de pensar refere-se a todas as esferas da existência, à natureza, 
à arte e à ação ética, porque em todas elas está imanente a inteligibilidade. Enfim, a 
razão atribui fins e virtudes a toda realidade para que possa compreendê-la7. 
Voltando à realidade ética, o fim é o bem da ação, é o que torna o agir do 
homem ético, o que justifica racionalmente a praxis, portanto, o problema 
fundamental que busca Aristóteles solucionar é o da determinação do fim último ou 
bem supremo do homem. Ora, há fins que buscamos em vista de outros fins e que, 
portanto, são bens relativos. Entretanto, a própria noção de fim sugere um termo, 
assim, todos os fins perseguidos pelo homem estão em função de um fim último, de 
um bem supremo. E qual é o fim ou o bem supremo do homem? 
Esclarece Aristóteles: 
“Deixe-nos retomar o ponto em que se encontram nossas investigações, 
em vista do fato de que todo conhecimento e toda escolha visam a um 
bem, o que podemos afirmar sobre o objeto da ciência política, ou seja, 
sobre o melhor e maior dos bens alcancável pelo agir. As opiniões parecem 
convergir; pois tanto os homens comuns quanto aqueles possuidores de 
educação refinada, dizem ser a felicidade a resposta que buscamos e, como 
tal, identificam o viver bem e o fazer o bem; mas no que concerne ao que 
é a felicidade suas opiniões divergem, e os homens comuns não a 
conceituam da mesma maneira que os sábios.” (EN, I, 4, 1095 a 14-20 – 
tradução nossa)8 
Na visão do estagirita, o saber ético grego concorda que o fim último do 
homem seja a eudaimonia, mas diverge quanto ao seu conceito. 
Os homens, em geral, consideram-na o prazer. As pessoas mais cultas 
supõem ser a honra. Os doutos9, por fim, vislumbram-na no saber. Parece-nos à 
 
7 Não significa a concepção teleológica grega, em absoluto, que a natureza possua vontade e fins ou que o 
mundo foi feito para o homem. Nós, enquanto seres racionais, é que atribuímos fins a natureza como forma 
de compreendê-la e explicá-la. 
8 Texto original: “Let us resume our inquiry and state, in view of the fact that all knowledge and choice aims at 
some good, what it is that we say political science aims at and what is the highest of all goods achievable by 
action. Verbally there is very general agreement; for both the general run of men and people of superior 
refinement say that it is happiness, and identity living well and faring well with being happy; but with regard to 
what happiness is they differ, and the many do not give the same account as the wise.” 
9 Neste ponto, há uma crítica mordaz à teoria platônica da idéia de Bem. Primeiro o estagirita ataca a idéia de 
Bem como universal. Segundo ele, há aqueles que sustentam que, além dos muitos bens da vida humana, há 
outro, bom em si e que é causa de todos os outros, portanto, fim último. Para Aristóteles, estes estudiosos usam 
indiscriminadamente o termo ‘Bem’ nas categorias da substância, da qualidade e da relação, desconhecendo a 
hierarquia entre elas. A substância é anterior, por natureza, às outras, que são derivações daquela. Portanto, se 
primeira vista, que os homens julgam a eudaimonia segundo o gênero de vida que 
levam. Aquele que vive pelo gozo afirma ser felicidade o prazer10; os que se envolvem 
na vida política, se apressam em concluí-la como sendo a honra11; por sua vez, os que 
se dedicam à contemplação assemelham-na ao saber. 
Entretanto, mesmo os que sustentam tais posições divergem entre si e 
identificam a felicidade de acordo com as circunstâncias em que se circunscrevem 
suas ações. O doente logo a coloca na saúde; o que empobrece, na riqueza12. 
 
não há hierarquia entre as idéias, não pode haver a idéia de Bem, pois o Bem enquanto substância é superior 
ao Bem das categorias secundárias. Ora, o termo Bem é polívoco, tal como o ser. O Bem se diz de várias 
maneiras (como substância, razão; como qualidade, virtude; como quantidade, medida; e, assim por diante). 
Desta forma, o Bem não pode ser algo universal e único, senão não se falaria dele em todas as categorias, mas 
somente em uma. Há, pois contradição. Dizem o Bem em várias categorias, mas se ele fosse universal e único 
só poderia ser dito em uma. Dizem o Bem em várias categorias sem estabelecer qualquer hierarquia entre elas, 
mas a substância é anterior à todas as outras categorias. Enfim, ou a idéia é uma generalidade, um nome abstrato, 
vazio de realidade; ou é um real, um existente; mas, não pode ser uma e outra coisa simultaneamente. Depois, 
critica o Bem platônico enquanto transcendente. De acordo com Aristóteles, teríamos que assumir que se está, 
então, a falar que não há diferença entre o em si e o determinado, uma vez que este seria apenas um significado 
em relação àquele e em unidade com ele. Entretanto, os bens dividem-se naqueles que são buscados por sie 
naqueles que se quer em função destes. Se os bens em si são apenas a idéia, a classe dos bens em si torna-se 
inútil, pois não haveria outros bens fora dela. Se a idéia é um dos bens em si, então ela é existente e não mais 
uma generalidade. Ora, ainda que existisse o Bem transcendente, ou seja, único e predicado universal de todos 
os bens, separado e independente, ele não seria capaz de explicar as coisas que os homens consideram bens. 
Ademais, sendo enquanto idéia mero objeto do pensamento especulativo, não poderia ser atualizado, ser 
colocado em ação pelos homens, em geral. Finalmente, ele rebate até mesmo o valor da idéia de Bem como 
modelo de ação, pois, “não se tem notícia de que o tecelão que conheça o Bem em si se tenha avantajado em 
sua arte ou de que seja melhor o médico que contemplou a idéia de Bem.” (EN, I, 6, 1096 a 11 – 1097 a 14) A 
este respeito comenta Reale: “O Bem para Aristóteles não pode ser universal e transcendente, mas Bem 
imanente. Não se trata de um Bem definitivamente realizado, mas de um Bem realizável e atuável pelo homem 
e para o homem.” (1993, v. II, p. 408). 
10 Aristóteles refuta o valor da vida dedicada aos prazeres, pois segundo ele, estes tornam “o homem semelhante 
aos escravos, sendo vida digna dos animais.” (EN, I, 5, 1095 b 19 e ss.) Entretanto, há que se ressaltar a 
conotação senciente aqui vinculada ao prazer. O estagirita promoverá reavaliação dos prazeres e, portanto, não 
descartará sua importância no agir ético. A oposição aqui levantada refere-se ao sentido vislumbrado pela 
maioria dos homens no que concerne ao prazer. 
11 Segundo o estagirita, aqueles que identificam a felicidade da vida política com a honra o fazem de maneira 
imprecisa. A honra é algo externo, pois depende muito mais daqueles que a concedem do que daqueles que a 
recebem, uma vez que, na verdade, ela é o reconhecimento dos outros da virtude moral de alguém. Portanto, é 
mais correto indicar na virtude moral a eudaimonia da vida política (EN, I, 5, 1095 b 22-31). A conceituação 
de virtude moral, entretanto, não é ainda apresentada, mas o será, quando o autor tratar das virtudes éticas. 
12 Aristóteles repudia, com grande desprezo, a vida dedicada ao comércio destinado a obter coisas necessárias 
à subsistência material: “A vida de fazer riquezas é empreendida sob compulsão e a riqueza não é evidentemente 
o bem que estamos procurando; trata-se de uma vida apenas útil e com vistas a algo mais.” (EN, I, 5, 1096 a 6-
5) Alguns podem inferir que este algo mais é um fim, porque perseguido por si mesmo, mas este não é um fim 
autêntico. As riquezas são meio para se alcançar outras coisas e, ademais, externas à natureza humana. 
A este respeito, comenta Guthrie: 
“A natureza da tarefa que Aristóteles havia colocado para si mesmo 
começava a se delinear. Ele não era um Sofista. Ele desaprovava o 
comportamento dos sofistas tanto quanto discordava de suas teorias 
morais relativistas. Ao mesmo tempo, ele havia se apartado do porto 
seguro das Formas (Idéias) platônicas. O problema agora, ao qual de um 
jeito ou de outro a maior parte da Ética a Nicômacos é dedicada a resolver, 
era o de construir uma Ética que, sem recorrer à ‘metáfora vazia’ de um 
Bem transcendente a ser copiado ou, de alguma forma não muito clara, 
partilhado pelos bens humanos, pudesse manter padrões e princípios não 
menos seguros, na medida em que se baseia na percepção realista da 
natureza e das necessidades humanas. A palavra ‘humano’ aqui contrasta-
se não apenas ao que, se existe, está acima de nós – o ideal – mas 
primordialmente ao que está abaixo de nós, a vida irracional dos animais.” 
(1990, v. VI, p. 340 – tradução nossa)13 
Aristóteles procurará, então, determinar qual é a causa da ação ética. O 
homem age eticamente por natureza, pelo conhecimento ou pelo hábito? A vida 
melhor, o viver bem é proporcionado pelo prazer, pelo saber ou pela virtude moral? 
Ora, o fim último da vida humana, que a Ética tem a missão de indicar, depende da 
solução desta questão: qual é a melhor forma de vida, qual viver proporciona ao 
homem a sua realização plena? 
Explicitemos. A eudaimonia é o fim último da vida humana e viver é estar 
em atividade. Todos os seres têm algo a realizar que lhes é próprio assim também o 
homem. Portanto, devemos identificar a obra humana, ou seja, aquilo que ele deve 
realizar por meio de suas ações, para se tornar o melhor de si. 
A obra humana específica é a atualização da razão, ou seja, a existência de 
uma vida ativa da parte racional, a atividade da alma segundo a razão. A vida vegetativa 
compartilhamos com plantas e animais e a sensitiva apenas com estes, portanto, o que 
carateriza o homem e o diferencia dos demais seres vivos é o logos. 
 
13 Texto original: “The nature of the task that Aristotle had set himself is now beginning to appear. He was no 
Sophist. He disapproved of the Sophists’ behaviour in practice no less than of their relativistic moral theories. 
At the same time he had cut himself adrift from the secure anchorage of the Platonic Forms. The problem 
now, to which in one way or another most of the Nicomachean Ethics is devoted, was to construct an ethic 
which, without relying on the ‘empty metaphor’ of a transcendent Good to be copied or in some mysterious 
way ‘shared in’ by human goodness, should yet maintain standards and principles none the less secure for being 
based on a realistic assessment of human nature and human needs. The word ‘human’ here is to be contrasted 
not only with what, if it existed, would be above it – the ideal – but even more emphatically with what is below 
it, the irrational life of animals.” 
A vida racional é a obra própria do homem e a atuação virtuosa, excelente 
da razão constitui a perfeição do ser humano. 
Explicita Guthrie: 
“Em relação ao homem não há qualquer dúvida quanto à sua atividade 
peculiar. A vida ele compartilha com as plantas; a sensação, com os 
animais. Somente o logos, o poder de conhecer e julgar, é dele apenas, assim 
sua função adequada enquanto ser humano é ‘a atividade da psyche [alma] 
de acordo com o logos [a razão]’, ou pelo menos não desacompanhada do 
logos. Ser racional significa possuir sensação de moralidade ou percepção 
do certo e errado, e o bem do homem torna-se a atividade da psyche 
(expressão acuradamente equivalente seria ‘o exercício da vida’) em 
conformidade com a virtude (αρετη)” (1990, v. VI, p. 342 – tradução 
nossa)14 
Assim, podemos identificar o fim último ou o bem supremo do homem 
como sendo a realização excelente da obra que lhe constitui como ser livre, ou seja, a 
atividade plena, melhor da razão, possibilitada pela virtude, a faculdade que permite a 
realização perfeita do fim. O homem racional tende à atuação excelente da razão. 
A presença intencional do fim último no agente e sua atuação segundo a 
virtude realiza no homem sua perfeição e seu efeito é a eudaimonia, o bem-estar consigo 
mesmo, o estado de auto-realização, de plenitude da vida. 
Ressalte-se que, a eudaimonia é atividade, exercício, uso e, não 
simplesmente, posse. Portanto, é a vida ativa da razão, segundo a sua excelência, a 
auto-realização do homem. 
As conclusões de Ross, a este respeito, são esclarecedoras: 
“O bem-estar [eudaimonia] deve ser a vida desta faculdade [a racional]. Em 
segundo lugar, deve ser atividade e não mera potencialidade. Em terceiro 
lugar, deve ser conforme à virtude ou, se há mais de uma, à melhor e mais 
perfeita entre elas. Em quarto lugar, deve se manifestar durante toda a vida 
e não somente em alguns curtos períodos.” (1957, p. 274 - tradução 
nossa)15 
 
14 Texto original: “In the case of man there is no doubt of his peculiar faculty. Life he shares with plants, 
sensation with animals. Onlylogos, the power of reasoning, is his alone, so his proper function as a human 
being is ‘an activity of the psyche according to logos’, or not without logos. With logos as distinctively human 
goes (...) the moral sense or awareness of right and wrong, and the good for man becomes an activity of the 
psyche (an equally accurate rendering would be ‘an exercise of life’) in accordance with virtue (αρετη).” 
15 Texto original: “El bienestar debe ser la vida de esta facultad. En segundo lugar, debe ser actividad, no mera 
potencialidad. En tercero lugar, debe ser conforme a la virtud o, si hay más de una, a la mejor y más perfecta 
Devemos, então, investigar e demonstrar racionalmente o que é a 
eudaimonia, como o homem a atinge por meio da ação virtuosa ou ética e quais as 
virtudes possibilitadoras de sua realização no agir humano. Este é o caminho traçado 
pelo estagirita ao longo da Ética a Nicômacos que acompanharemos detidamente. 
Explicitemos. Aristóteles identifica no saber ético grego três formas de 
vida, derivadas das partes fundamentais da alma humana, das quais participa a razão 
e, portanto, fontes de todos os valores do homem: a vida da sabedoria (espírito 
cognoscente), a vida política ou prática (caráter moral) e a vida do gozo (experiência 
do desejo). 
O ponto central da Ética a Nicômacos é o da determinação da forma de vida 
que tem como efeito no agente a eudaimonia, ou seja, a posse do bem objetivamente 
melhor para o agente, capaz de proporcionar-lhe o viver bem (eu zen) e o agir bem (eu 
prattein). 
É importante salientar neste ponto, que, como veremos adiante, as 
conclusões finais de Aristóteles no que tange à eudaimonia não se fundamentarão na 
exclusão de uma ou outra forma de vida consagrada no saber ético grego, mas, antes, 
na reavaliação e sinergia dos valores que delas emergem. 
Ross esclarece nossas ilações: 
“Esta definição [a de eudaimonia como a atividade da alma segundo a razão] 
é confirmada pelas concepções comuns sobre o bem-estar [eudaimonia], e, 
ao mesmo tempo, as corrige. Alguns dizem que o bem-estar é a virtude; 
nós dizemos que é aquela espécie de ação qualificada de virtuosa, ou seja, 
o agir que realiza a virtude. Alguns dizem que é o prazer; nós dizemos que 
está acompanhada necessariamente do prazer. Alguns dizem que é a 
prosperidade exterior; nós dizemos que, sem certa prosperidade, o homem 
não pode exercer esta boa atividade que é o bem-estar. Desta forma, os 
principais elementos que compõem a noção comum de bem-estar, figuram 
igualmente em nossa definição. A virtude é a fonte da qual flui a boa 
atividade, o prazer é seu acompanhamento natural e a prosperidade sua 
condição prévia e normal. Ainda que Aristóteles tenha o cuidado de 
 
entre ellas. En cuarto lugar, debe manifestarse no solamente durante cortos períodos, sino durante una vida 
completa.” 
afirmar que a excelência moral pode ser realizada mesmo em 
circunstâncias adversas.” (1957, p. 274-275 - tradução nossa)16 
Aristóteles empreenderá, então, investigação minuciosa das três formas de 
vida consagradas pelo saber ético grego. Sendo a eudaimonia uma atividade da alma 
segundo a razão e em concordância com a virtude, os livros II-V da Ética a Nicômacos 
tratam das virtudes morais ou éticas; o livro VI, das virtudes intelectuais ou 
dianoéticas; o VII e a primeira parte do X, do prazer e, finalmente, o restante do livro 
X arremata o sistema ético aristotélico retomando definitivamente o conceito de 
eudaimonia. 
4.2) O sujeito da ação: a alma 
A eudaimonia consiste, como visto anteriormente, na atividade da alma 
segundo a razão possibilitada pela virtude. Desta forma, o aprofundamento destes 
tópicos depende da explicitação do conceito de alma aristotélico. 
É preciso, pois, neste ponto, que abordemos a questão do que é a alma 
para o estagirita. A teoria aristotélica da alma é desenvolvida no Da Alma, assim, 
apresentaremos, os contornos fundamentais desta obra17. 
Principia Aristóteles sua explanação da alma: 
“Nós afirmamos que substância é uma maneira de se dizer o que é, e que 
ela comporta muitos sentidos: no sentido de matéria ou aquilo que em si 
mesmo não é algo determinado, e no sentido de forma ou essência, que é 
precisamente aquilo em virtude do que algo é dito isto, e, finalmente, no 
sentido daquilo que é o composto de ambos. Matéria é potencialidade; 
forma, atualidade. [...] Dentre as substância existem, de acordo com o 
consenso geral, corpos reconhecidos e, especialmente, corpos naturais; 
pois estes são os princípios de todos os outros corpos. Dos corpos 
naturais alguns possuem vida, outros não; por vida nós queremos dizer 
 
16 Texto original: “Esta definición es confirmada por las concepciones comunes sobre el bienestar, y al mismo 
tiempo las corrige. Algunos dicen que el bienestar es la virtud; nosotros decimos que es aquella especie de 
acción hacia la cual tiende la virtud. Algunos dicen que es el placer; nosotros decimos que está acompañada 
necesariamente del placer. Algunos dicen que es la prosperidad exterior; nosotros decimos que, sin cierta 
prosperidad, el hombre no puede ejercer esta buena actividad que es el bienestar. Así los principales elementos 
que figuran en la noción común de bienestar entran igualmente en nuestra definición. La virtud es la fuente de 
donde fluye la buena actividad, el placer es su acompañamiento natural y la prosperidad su condición previa y 
normal. Aunque Aristóteles tiene el cuidado de agregar que la belleza del carácter puede ‘brillar a través’ de 
circunstancias adversas.” 
17 Não é o objetivo deste trabalho a explicitação profunda do pensamento do autor relativo à alma, mas tão 
somente utilizarmo-nos dos conceitos essenciais à compreensão da Ética aristotélica. 
nutrição de si mesmo, crescimento e morte. Isto significa que todo corpo 
natural que possui vida é uma substância no sentido do composto. Uma 
vez que existem corpos de diferentes tipos, ou seja, os vivos e os não-
vivos, a alma não pode ser um corpo; pois o corpo é o substrato ou matéria 
e não aquilo que a ele se atribui ou se predica. Assim sendo, a alma deve 
ser uma substância no sentido da forma dos corpos naturais que possuem 
a vida em potência. Mas a forma é atualidade, portanto, a alma é atualidade 
dos corpos caracterizados acima.” (DA, II, 1, 412 a 6-22 - tradução 
nossa)18 
Para o estagirita, a alma é o princípio que dá a vida aos seres animados. Os 
seres vivos são compostos de matéria e forma. A matéria é o substrato orgânico, 
físico, que é vida apenas em potência, ou seja, capacidade de assumir ou receber a 
forma. A forma é a essência, a substância que determina a matéria tornando-a aquilo 
que ela deve ser, ou seja, configura-se como ato ou atuação da capacidade de ser vivo, 
realização da vida no corpo físico, ou seja, o que diferencia os seres inanimados dos 
animados. Portanto a alma é causa e fim da vida, da qual o corpo é apenas 
instrumento. A alma é razão de ser vivo e fim da ação do ser vivente19. 
Feita esta definição, o estagirita observa que os fenômenos da vida 
pressupõem operações diferenciadas. Constatamos que a vida realiza diferentes 
atividades como alimentação, crescimento, sensação, movimento, conhecimento, 
deliberação, dentre outras. Se a alma é princípio da vida deve possuir, então, funções 
que regulam estes diferentes processos. Assim, o estagirita distingue as capacidades 
da alma em: vegetativa, sensitiva e racional20 e as distribui entre os seres vivos da forma 
 
18 Texto original: “We say that substance is one kind of what is, and that in several senses: in the sense of 
matter or that which in itself is not a this, and in the sense of form or essence,which is precisely in virtue of 
which a thing is called a this, and thirdly in the sense of that which is compounded of both. Now matter is 
potentiality, form actuality. […] Among substances are by general consent reckoned bodies and especially 
natural bodies; for they are the principles of all other bodies. Of natural bodies some have life in them, others 
not; by life we mean self-nutrition and growth and decay. It follows that every natural body which has life in it 
is a substance in the sense of a composite. Now given that there are bodies of such and such kind, that is: 
having and not having life, the soul cannot be a body; for the body is the subject or matter, not what is attributed 
to it. Hence soul must be a substance in the sense of the form of a natural body having life potentially within 
it. But form is actuality, and thus soul is the actuality of a body as above characterized.” 
19 Aristóteles opera a mediação entre as concepções pré-socráticas e platônicas de psyche. Os pré-socráticos 
identificavam-na com um princípio físico, ou pelo menos, possível de redução a um aspecto orgânico. Platão, 
por sua vez, a coloca em oposição ao corpo, visto como cárcere da alma. Para o estagirita, a alma é algo 
intrinsecamente unido ao corpo, mas ato, forma deste, que o conforma fazendo com que seja o que deve ser. 
Entretanto, não descarta, também, que a parte mais elevada da alma possa subsistir separadamente do corpo. 
O intelecto que nos aproxima do divino e, portanto, é incorruptível não é inconciliável com o corpo, mas pode 
existir como realidade independente, separável do corpo. 
20 No Da Alma ele menciona cinco atividades: a nutritiva, a apetitiva, a sensorial, a locomotiva e a intelectiva 
(II, 3, 414 b 31-32); entretanto, três delas atuam conjuntamente, a saber, a apetitiva, a sensorial e a locomotiva. 
escalonada21 que se segue: as plantas só possuem a alma vegetativa, os animais a 
vegetativa e a sensitiva e os homens a vegetativa, a sensitiva e a racional. Segundo ele, 
a posse da alma racional implica a da vegetativa e a da sensitiva22; a da sensitiva, a da 
vegetativa; ao contrário, a posse da vegetativa não requer a das outras23. 
A faculdade vegetativa (genetikhon) é a primeira e mais comum atividade da 
alma, princípio elementar da vida, responsável pela geração, pela nutrição, pelo 
crescimento e pela reprodução. Verifica-se que até mesmo as operações vitais são 
causadas e coordenadas pela alma e, não, pela matéria. 
 Cabe destacar a reprodução, à qual Aristóteles reserva o lugar de fim 
natural de todos os seres viventes, enquanto finitos no tempo, pois, como comenta 
Reale, “mesmo o mais modesto dos vegetais, reproduzindo-se, busca o eterno, e a 
alma vegetativa é princípio que, no mais baixo nível, torna possível esse perpetuar-se 
eternamente.” (1993, v. II, p. 391). 
Afirma o estagirita: 
“(...) a mais natural entre todas as funções dos seres vivos, acabados e não 
malogrados, ou nos quais a geração não é espontânea, é produzir outro ser 
semelhante a si: o animal, outro animal, a planta, outra planta, a fim de que 
participem do eterno e divino tanto quanto possível. Efetivamente é ao 
que aspiram e é o fim de toda a sua atividade segundo a sua natureza (...) 
Dado que os seres vivos não podem participar do eterno e divino 
 
21 Aristóteles refere-se a uma graduação ‘evolutiva’ das faculdades da alma, como se uma dependesse da outra 
e existissem entre elas zonas de interseção. Assim, as plantas, seres primários, compartilham com todos os 
viventes as básicas características da vida; os animais dividem com os homens as sensações e o desejo; os 
homens, topo da escala, possuem exclusivamente o desejo racional, a deliberação e a faculdade intelectiva. 
Natura non facit saltum. Afirma o estagirita: “A natureza avança do inanimado ao animal com tal inquebrantável 
continuidade que há casos de fronteira e formas intermediárias aos quais não podemos classificar com rigidez. 
Primeiro, depois do inanimado vêm as plantas. Estas diferem-se umas das outras quanto ao grau de vida que 
aparentam ter e em comparação aos inanimados parecem animadas, mas em comparação com os animais 
parecem inanimadas. E a transição delas para os animais, como dito, é contínua; há criaturas no mar sobre as 
quais pode-se ficar em dúvida se são animais ou plantas.” (HA, VIII, 1, 588 b 4-13) 
22 Neste ponto, são preciosos os esclarecimentos de Kahn: “Aristóteles apresenta-nos um esquema quaternário 
de corpos naturais, seres vivos, animais sencientes e animais racionais (i.e. humanos). [...] Seus quatro níveis 
representam uma escala ascendente ou piramidal na qual o níveis superiores pressupõem e fundamentam-se 
nos níveis inferiores: o homem é um tipo especial de animal, assim como o animal é um tipo especial de ser 
vivo, e o ser vivo é um tipo especial de corpo natural. [...] Na visão de Aristóteles, os níveis inferiores fornecem 
condição necessária, condição sine qua non, aos superiores. [...] Para Aristóteles não há redução ou explicação 
meramente indutiva. Há, entretanto, problemas complexos de interação entre os níveis [...].” (1996, p. 60 - 
tradução nossa) 
23 Cabe ressaltar que, em sentido próprio, como esclarece Ross, o estagirita estabelece uma distinção entre 
faculdades da alma que é uma só, homogênea e, não, uma separação entre partes qualitativamente diferentes. 
(1957, p.198) 
continuamente, pelo fato de nenhum dos seres corruptíveis poder 
permanecer idêntico e uno, então, cada um participa dele na medida em 
que é possível, uns mais e outros menos, e permanece, não ele, mas um 
outro semelhante a ele, uno, não idêntico, mas de mesma espécie.” (DA, 
II, 4, 415 a 26 – b 8) 
A alma sensitiva (aisthesis) é responsável pelas sensações, apetites e 
movimentos. As duas últimas atividades estão intrinsecamente relacionadas entre si e 
dependem da sensação, portanto, explicitemos, em primeiro lugar, o processo de 
formação desta. 
A sensação é resultado da atualização da faculdade sensitiva provocada 
pelo objeto sensível. As faculdades sensitivas que recebem as sensações não estão em 
ato, mas apenas em potência e, portanto, não atuam senão em contato com a coisa a 
se sentir, são, enfim, capacidade de sentir, que se torna em ato pela mediação do 
objeto sensível. Portanto, a causa eficiente do sentir, a passagem da potência de sentir 
ao ato, se dá por meio de algo externo, de coisas exteriores que são objeto dos 
sentidos. A sensação em ato tem por objeto os particulares e, por isso, o sentir 
depende da presença do sensível: 
“A sensação depende [...] de um processo de movimentação ou afecção 
de fora, por isto é tida como uma espécie de mudança de qualidade. [...] 
De fato, aquilo que é capacidade de sentir só o é em potência e não em 
ato. O poder de sentir é análogo ao que é combustível, pois este tipo de 
material nunca queima por si mesmo, espontaneamente, mas requer um 
agente que tem o poder de dar início à combustão; caso contrário, o 
combustível poderia queimar-se e não haveria qualquer necessidade do 
fogo para incendiá-lo.” (DA, II, 5, 416 b 31- 417 a 9 - tradução nossa)24 
Aristóteles refuta por completo as teorias materialistas anteriores, que 
afirmavam que a sensação resultava do contato material entre os órgãos dos sentidos 
e os objetos sensíveis que atuavam sobre eles afetando-os. Para o estagirita, a sensação 
ocorre através do órgão, mas é evento psíquico e não físico. Da mesma forma que a 
alma informa o corpo, também a faculdade sensitiva atua sobre os órgãos sensíveis, 
mas é essencialmente diferente deles. A visão não se confunde com os olhos. O objeto 
 
24 Texto original: “Sensation depends [...] on a process of movement or affection from without, for it is held to 
be some sort of changeof quality. […] It is clear that what is sensitive is so only potentially, not actually. The 
power of sense is parallel to what is combustible, for that never ignites itself spontaneously, but requires an 
agent which has the power of starting ignition; otherwise it could have set itself on fire, and would not have 
needed actual fire to set it ablaze.” 
 
sensível provoca a potencialidade do sentir, que, então se torna em ato, sensação 
daquele objeto, captando sua forma sensível. Esta captação é psíquica, mas tem lugar 
na matéria conformada pela sensibilidade. 
Explicita Guthrie: 
 “Um olho que vê é uma coisa, mas como todo objeto físico singularmente 
existente ele é, filosoficamente falando, um composto (syntheton); seus 
componentes materiais, com qualidades como tamanho e textura, serão, 
obviamente, definidos diferentemente de sua capacidade, a visão. A 
sensação ocorre através de um órgão material construído para ser capaz 
de ser posto em ato na presença de um objeto sensível; e.g. que contém 
em potência sua forma sensível; e esta potencialidade é atualizada quando 
ocorre a sensação. A faculdade (aisthesis ou dynamis) de ver não pode ficar 
ou tornar-se verde na medida em que percebe o verde, nem a faculdade 
do tato esquenta ao sentir o calor. Os órgãos da vista e do tato são afetados 
materialmente; a carne torna-se quente e o olho (ou a parte sensitiva do 
olho) torna-se colorida; mas Aristóteles insiste na diferença entre a 
alteração física do órgão sensível, pré-condição necessária da sensação, e 
a sensação em si, um evento puramente psíquico. A diferença entre o olho 
e a visão é tão real quanto (na verdade é idêntica) aquela existente entre o 
corpo e a alma, desta forma, alma:corpo :: visão:olho, ou seja, a alma está 
para o corpo, assim como a visão está para o olho.” (1990, v. VI, p. 302-
303 - tradução nossa)25 
Uma passagem da obra Do Sentido e da Sensibilidade, em que o estagirita 
comenta a opinião de Demócrito de que o ver é apenas a reflexão do objeto no olho, 
demonstra a posição aristotélica, de que a sensação é evento psíquico: 
“É estranho que nunca tenha ocorrido a ele se perguntar por que somente 
os olhos vêem, já que nenhuma das outras coisas nas quais as imagens se 
refletem são capazes de fazê-lo.” (1, 438 a 10-12) 
Diferentemente do que ocorre na nutrição, em que o objeto é assimilado 
como um todo, em sua forma e matéria, na sensação o ser só recebe a forma do 
objeto, ele acolhe em si somente a impressão sensível deste. 
 
25 Texto original: “A seeing eye is one thing, but like every separately existing physical object it is, philosophically 
speaking, a compound (syntheton); its material constituents, with qualities like size and texture, would obviously 
be defined differently from its capacity, sight. Sensation takes place through the agency of a material organ so 
constructed as to be capable of being acted upon in this way by the object perceived; i.e. potentially informed 
by its sensible form; and this potentiality is actualized in the occurrence of the sensation. [...] The faculty 
(aisthesis or dynamis) of sight cannot become green in perceiving greenness, nor the faculty of touch warm in 
perceiving warmth. The organs of sight and touch do become informed in this material way; the flesh becomes 
warm and the eye (or the sensitive part of it) coloured; but Aristotle insists on the difference between the 
physical alteration of the organ-sense, a necessary pre-condition of sensation, and sensation itself, a purely 
psychical event. The difference between eye and sight is as real as (in fact identical with) that between body and 
soul, for as we have seen, soul:body :: sight:eye.” 
Diz Aristóteles: 
“Em geral, para cada sensação, é preciso ter presente que o sentido é o 
que tem a capacidade de receber as formas sensíveis sem a matéria, como 
a cera recebe a marca do anel sem o ferro ou o ouro, portanto, recebe a 
marca do ouro ou do ferro, mas não enquanto ouro ou ferro. De modo 
semelhante, o sentido padece por obra de algum ente que tem calor ou 
sabor, ou som, mas não enquanto cada um destes entes é dito tal coisa em 
particular, mas enquanto tem determinada qualidade, e em virtude da 
forma.” (DA, II, 12, 424 a 17-24) 
Neste sentido, comenta Guthrie: 
 “O que é captado pela sensação em ato é a forma, e.g. algo não-físico, 
não-material, ainda que limitado à forma sensível. [...] Quando o órgão da 
visão torna-se colorido, em decorrência de uma alteração material, a alma [a 
faculdade sensitiva em ato pela provocação do objeto sensível] torna-se 
ciente da cor, percebe a cor. Isto não decorre de uma alteração material, 
portanto a percepção significa recepção da forma no sentido filosófico, ou 
seja, uma essência imaterial.” (1990, v. VI, p. 304 - tradução nossa)26 
Mas a passividade da alma sensitiva verifica-se apenas enquanto potência 
perceptiva. Quando o objeto sensível provoca os sentidos físicos, ela se torna em ato 
captando a forma sensível e torna-a também em ato, em sentido. 
Esclarece Hegel: 
 “A alma converte, portanto, a forma do corpo exterior na sua própria e 
somente é idêntica a tal qualidade abstrata porque ela mesma é esta forma 
geral.” (1995, v. II, p. 302 - tradução nossa)27 
 Da sensação decorrem a fantasia28 – produção de imagens – e a memória, a 
conservação das imagens; do acúmulo de memórias, a experiência. 
 
26 Texto original: “[...] What is perceived in the act of sensation is form, i. e. something non-material, 
even though limited to sensible form [...] When the organ of sight becomes coloured, undergoing a 
material alteration, the soul becomes aware of colour. It cannot undergo material alteration, therefore 
the awareness means reception of a form in the philosophical sense, an immaterial essence.” 
27 Texto original: “El alma convierte, por tanto, la forma del cuerpo exterior en la suya propia y sólo 
es idéntica a semejante cualidad abstracta por la sencilla razón de que ella misma es esta forma 
general.” 
28 A fantasia (φαντασια) é um fenômeno entre a sensação e o pensamento, pois se refere à retenção ou à 
recuperação de sensações passadas como imagens-memórias, à ocorrência de sensações sem a correspondente 
estimulação externa do objeto sensível, na forma de imagens. Estas imagens são abstratas ou gerais e podem 
ser substrato do processo de conhecimento do ser. 
O objeto sensível pode ser o próprio de cada sentido e o comum a todos 
eles29. A cor é sensível próprio da visão, assim como o som da audição. Já o 
movimento, a quietude, a figura e a grandeza não são percebidos por nenhum dos 
cinco sentidos em particular, mas por todos. 
Aristóteles afirma que os sentidos não cometem erros apenas quando 
percebem os sensíveis próprios, mas em relação à percepção dos comuns pode haver 
enganos. 
Segundo o estagirita, cada sentido capta a forma sensível do objeto, mas 
não é capaz de distingui-las entre si. A audição capta o som, a visão a cor, o tato a 
espessura e o tamanho e, assim por diante, mas cada um deles não pode dizer o que 
é o som e sua relação com a cor e com o tamanho e, nem mesmo, perceber que os 
está percebendo. 
Vejamos a passagem de Aristóteles: 
“Em todo sentido há, pois, algo de próprio e algo de comum: o próprio 
da vista é ver, do ouvido, ouvir, e assim para cada um dos outros, mas 
também existe uma potência comum que acompanha a todos os sentidos, 
pela qual, quem sente percebe que vê e ouve, pois não é com a vista que 
percebe que vê, nem julga nem pode julgar que são diferentes o branco do 
doce nem com o paladar, nem com a vista, nem com ambos, mas com 
uma parte comum a todos os sentidos, um único, a sensibilidade.” (SS, 2, 
455 a 13-20) 
A consciência do sentir não está ligadaa cada sentido separadamente, mas 
a algo comum a todos eles, a faculdade de sentir. É ela quem percebe que vê e que 
ouve e quem distingue uma sensação da outra. 
A consciência do sentir é um mesmo, é simultaneamente, faculdade 
sensitiva e intelectiva. A passagem das sensações singulares à sua ligação em relações 
 
29 Aristóteles refere-se a estes objetos sensíveis como aqueles percebidos essencialmente e menciona uma 
terceira classe a dos objetos sensíveis percebidos incidentalmente. Aquele do qual nos percebemos pelos 
sentidos, mas que em si só é objeto de sensação indiretamente, como, por exemplo, as coisas percebidas pelos 
sentidos em sua inteireza e não em suas diferenciadas qualidades dirigidas à visão, à audição, etc. Não os 
trouxemos, aqui, à colação, porque o autor os identifica na obra Do sentido e da Sensibilidade (7, 448 b 1 et seq.) 
com aqueles comuns a todos os sentidos. Ora, a percepção indireta do todo não é passível de ser específica de 
um sentido, mas apenas propiciada por todos eles em conjunto. 
está condicionada à intervenção de uma atividade sintética, o eu. O eu sinto, no 
estabelecer a relação e afirmá-la, é, conjuntamente, eu penso. 
Diz Aristóteles: 
“Mas não se pode julgar com sentidos separados que o doce é diverso do 
branco, ambas estas qualidades devem estar presentes em algo que é único 
(...) Algo único deve dizer que são distintos, porque o doce é diverso do 
branco. Portanto, quem o diz, é um mesmo e, enquanto o diz, é, ao mesmo 
tempo, inteligência e sensibilidade.” (DA, III, 2, 426 b 17-22) 
Aristóteles analisa aqui uma especial forma da atividade sintética, a 
distinção, mas, ainda assim, traz à luz a unidade sintética do eu, enquanto existir, 
também por ele afirmada no trecho seguinte: 
“Existe algo em nós que sabe da realização das ações, por isso, 
percebemos perceber e pensamos pensar; ora, o fato de que percebemos 
e pensamos é existirmos, uma vez que o existir é sentir e pensar” (EN, IX, 
9, 1170 a 31-33) 
Entretanto, há diferenças entre a sensibilidade e a inteligência. 
Primeiramente, a faculdade sensitiva é comum a todos os animais e a racional somente 
aos homens. Ademais, a sensação quando apenas captação dos sensíveis e, ainda, 
daqueles que são próprios a cada sentido é infalível. A inteligência, ao contrário, é 
capaz de erros. Ora, por isso é que a sensação quando capta os sensíveis comuns pode 
enganar-se! A percepção deles só é possível pela unidade da faculdade sensitiva, assim 
como, a distinção das formas sensíveis e a consciência da sensação só são possíveis, 
enquanto unidade de sensibilidade e inteligência e, portanto, ambas só se dão no ser 
que sabe de suas sensações, que pode distingui-las e que sabe do movimento, da figura 
e da grandeza de si e dos outros. A consciência do próprio sentir e julgar e do sentir 
do outro só se dá no homem, enquanto unidade racional de sensibilidade e 
inteligência. 
Vejamos o que afirma Aristóteles a este respeito: 
“Que a sensibilidade e a inteligência não são idênticas é óbvio; pois do 
sentir participam todos os animais, do pensar somente alguns. A 
inteligência é também distinta do sentir – digo, na qual encontramos 
verdade e falsidade; verdade no conhecimento e falsidade na opinião; a 
percepção dos objetos próprios é sempre livre de enganos, enquanto o 
pensar pode ser verdadeiro ou falso, então só pode ser encontrado onde 
há o discurso da razão.” (DA, III, 3, 427 b 7-14) 
Precisemos este ponto. É claro que os animais têm, ainda que em nível 
primitivo e precário, a capacidade de perceber e diferenciar sensações. Se assim não 
fosse, por que motivo possuiriam cinco sentidos? Ora, se não podem diferenciá-los 
era mais lógico e econômico que possuíssem apenas um. Mas, como faz questão de 
destacar o estagirita, a natureza não age ao acaso. Se os animais possuem mais de um 
sentido é porque também são capazes de, num nível inferior e inconsciente, distinguir 
as sensações de cada um deles. Assim, neles também se verifica um certo grau de 
unidade da sensibilidade, que propicia a distinção das sensações próprias e alguma 
percepção dos comuns. Entretanto, a unidade sintética do eu, de inteligência e 
sensibilidade capaz do saber das sensações de si e dos outros e de julgá-las e dizê-las 
diferentes, exige ser superior, ser dotado de razão e, portanto, autoconsciente. Enfim, 
o animal é capaz de ver, de ouvir, etc, distintamente, mas não o é de saber que vê, que 
ouve, etc, e que o doce e o branco são diferentes um do outro. O animal, em função 
da alma sensitiva, tem diversas sensações, mas não tem consciência de sua existência 
e diversidade30. Voltaremos à unidade do sentir e pensar e, também nela nos 
aprofundaremos, quando estivermos tratando da faculdade racional. 
Vejamos, por fim, as outras funções da alma sensitiva, o apetite e o 
movimento. O apetite é resultado da sensação, pois se refere ao prazer ou ao sofrimento 
que advêm do sentir. O movimento, por sua vez, deriva do apetite, pois quem o 
experimenta, deseja algo e move-se em relação ao objeto desejado. Assim, o sentir 
tem como conseqüências o prazer - ou dor - e o desejo, que move o ser em direção 
ao objeto do qual derivam as sensações. A causa eficiente do movimento dos seres 
vivos é o apetite, ou seja, o desejo do aprazível relativo ao sentir31. 
A alma racional ou faculdade intelectiva (νους) é apresentada por 
Aristóteles como sendo a potencialidade de assimilação das formas inteligíveis 
contidas, em potência, nas sensações e nas imagens da fantasia. Assim como a 
sensibilidade é a potência de receber a forma sensível dos objetos e de se tornar em 
 
30 Neste ponto nos distanciamos da posição de Guthrie (1990, p. 295-301), que compreende que Aristóteles 
situa na sensibilidade a percepção das sensações e o juízo distintivo entre elas, e nos aproximamos da 
interpretação de Mondolfo (1965, p. 62-64). 
31 O movimento não segue necessariamente à sensação, mas a pressupõe, na medida em que é uma resposta ao 
estímulo do apetite. 
ato ciente da sensação, a inteligência é potencialidade de receber a forma inteligível 
das sensações e fantasias, ou seja a essência, e de tornar-se em ato pensamento delas. 
Eis como Aristóteles caracteriza a faculdade intelectiva: 
“Sobre a parte da alma, com a qual ela conhece e pensa – seja ela separada 
ou não espacialmente, mas só idealmente – é preciso investigar o que 
diferencia esta parte e como se produz o pensar. Se o pensar é como o 
sentir, ele deve ser um processo no qual a alma sofre algo [is acted upon] 
daquilo que é capaz de ser pensado, ou algo deste gênero. A parte pensante 
da alma deve, então, ser, enquanto impassível [αpiαϑεια], capaz de receber 
a forma do objeto; isto é, deve ser potencialidade semelhante à coisa, mas 
não de fato a própria coisa. Pensar deve ser relacionado ao que é pensável, 
como sentir é ao que é sensível. Portanto, desde que tudo é objeto possível 
do pensar, o pensamento (νους) é, como Anaxágoras diz, dominar 
(χρατη), isto é, saber, deve ser puro, separado de toda a mistura (αµιγης); 
pois a co-presença com o que é alheio à sua natureza é um impedimento 
e um obstáculo: disto segue que o pensar não pode ter nenhuma natureza, 
exceto esta de ser potencialidade. Portanto aquilo que na alma chamamos 
nous (e, por isto, entendo, aquilo com que a alma pensa e julga) não existe 
em ato, antes de pensar. Por esta razão não é razoável que ele esteja unido 
ao corpo: se assim o fosse, logo adquiriria certa qualidade, e. g. calor ou 
frio, ou ainda teria um órgão como a faculdade sensitiva: ao contrário, não 
é nada disso. Têm razão aqueles que chamam a alma de ‘lugar das formas’, 
embora esta descrição só se aplique à alma intelectiva,e mesmo ela é a 
forma só potencialmente e não em ato.” (DA, III, 4, 429 a 10-28) 
Entretanto, inteligência e sensibilidade diferenciam-se, uma vez que, 
contrariamente à sensibilidade, a inteligência é separável do corpo, existe por si, 
enquanto a primeira não ocorre sem a matéria. A inteligência não atua por meio de 
um órgão físico, pois os objetos do pensar são puras formas, ideais (ειδος) unicamente 
inteligíveis. 
Comenta o estagirita: 
“A observação dos órgãos sencientes e do seu emprego revela uma 
distinção entre a impassibilidade da faculdade sensitiva e aquela da 
faculdade intelectiva. Depois de fortes estímulos os sentidos são menos 
capazes de sentir do que antes; assim se expostos a um som demasiado 
forte nós não podemos ouvir com facilidade imediatamente após, ou no 
caso de um brilho intenso ou de um poderoso odor nós não podemos ver 
ou cheirar. Mas quando o intelecto pensa um pensamento que está no mais 
alto grau de pensabilidade, não por isso ele tem menos capacidade de 
pensar as coisas menores, antes tem mais. A razão disto é que a faculdade 
sensitiva não existe sem o corpo e dele depende e o pensamento existe por 
si e é separado daquele. Portanto, ainda que se tenha convertido no 
individual, como acontece com o sábio que transforma sua capacidade em 
ato (e isso acontece quando esse seu atuar-se só depende dele), segue 
existindo, de certo modo, em potência, embora não no mesmo sentido em 
que o era antes de ter aprendido e descoberto. Assim o intelecto pode 
pensar por si próprio.” (DA, III, 4, 429 a 29-31 – 429 b 1-9) 
A inteligência é, em si, apatheia (αpiαϑεια), ou seja, livre de mudanças, 
declínio ou destruição pela atuação de qualquer coisa, apenas, aparentemente, afetada, 
pelo envelhecimento do corpo. 
Diz Aristóteles: 
“Mas o intelecto parece ser uma substância independente dentro de nós e 
que é incapaz de ser corrompida ou destruída. Se se corrompesse de 
alguma forma, deveria se corromper pelo enfraquecimento da velhice. O 
que realmente acontece, entretanto, é paralelo ao que acontece no caso 
dos órgãos sensoriais: se um homem velho recebesse um olho adequado, 
ele veria tão bem quanto um jovem. A incapacidade que advém da velhice 
deve-se a uma afecção não da alma, mas do seu veículo, como ocorre nos 
estados de embriaguez ou doença. A atividade do pensar e do especular 
parece enfraquecer quando uma outra parte no interior do corpo se 
desgasta, mas ela é por si impassível (αpiαϑες). O pensar, o amar e o odiar 
são afecções não do pensamento (νους), mas daquele que pensa, 
justamente enquanto ele o possui. Por isso é que quando o veículo é 
destruído, memória e amor cessam: estas são atividades não do intelecto, 
mas do composto que pereceu; o intelecto é, certamente, algo mais divino 
e impassível.” (DA, I, 4, 408 b 18-30) 
Podemos perceber pelo exposto que o texto aristotélico em relação ao nous 
difere-se daquele em que são descritas as demais faculdades e, até mesmo, parece 
contradizer a conceituação de alma (psyche) do estagirita. Desde o início do Da Alma, 
Aristóteles refere-se à razão diferenciando-a, colocando-a em um ponto diverso do 
que está sendo afirmado em relação à alma. 
Vejamos: 
“No que concerne ao nous e à capacidade contemplativa nada está claro 
ainda, mas parece ser um diferente tipo de alma (psyches genos heteron), e ele 
sozinho pode existir separadamente [do corpo], como o eterno em relação 
ao perecível.” (413 a 4) 
Segundo Aristóteles a alma é forma do corpo. Ora, se o nous não se vincula 
a nenhum órgão físico e é em si separável do corpo, então não pode ser definido 
como atualização da matéria. Existem duas espécies de alma em Aristóteles? 
Kahn ilustra com clareza nosso questionamento: 
“Se o nous é tão radicalmente diferente, como está conectado às outras 
partes da alma, que são atualizações de estruturas corpóreas? Nós somos 
animais sensíveis em virtude de nossa alma hilomórfica. Somos animais 
racionais em virtude de duas almas distintas, aquela que nos faz animail e 
‘um tipo diferente’ que nos faz racionais? A natureza humana é constituída 
por uma essência ou por duas?” (1996, p. 361 - tradução nossa)32 
À primeira vista, podemos nos prostrar diante desta dificuldade e afirmar 
que o pensamento aristotélico carece de unidade e, portanto, não se apresenta como 
um sistema. Esta é uma opção que nos recusamos a assumir. Ora a compreensão de 
um autor não pode prescindir da busca de sua coerência e sistematicidade. No que 
concerne a um pensador da estatura de Aristóteles, este esforço deve ser redobrado. 
Voltemos à questão. É a essência humana irremediavelmente cindida? O 
homem é parte da natureza, é organismo vivo e funcional que responde a estímulos 
externos como qualquer outro animal. Entretanto, é, também, capaz de se apartar da 
causalidade natural e se autodeterminar, criando para si regras de comportamento e 
modificando a realidade, não como animal, mas como possuidor do logos. Portanto, 
uma teoria sobre a natureza humana requer tanto a concepção analógica de sua 
animalidade, quanto uma visão mais acurada de sua incorpórea racionalidade. Desta 
forma, a teoria aristotélica só pode ser acusada de ter reconhecido a complexa e 
paradoxal essência do homem, limitado enquanto ser físico, mas totalmente aberto a 
infinitas possibilidades como pensamento. 
Mas o problema aprofunda-se. Se o nous é em si incorpóreo por que o 
estagirita afirma que não podemos pensar sem as imagens da fantasia, derivadas dos 
sentidos e, portanto, dependentes dos órgãos físicos? 
Para Aristóteles, como mencionado anteriormente, a consciência de si e 
do mundo, ou seja, o perceber a si e ao outro como existente, só é possível através da 
interação entre a faculdade sensitiva e a racional. 
Neste ponto, é necessário que nos apoiemos nos esclarecimentos de 
Kahn: 
“Aristóteles parte da assunção de que há duas condições necessárias a 
serem satisfeitas para que nossa atividade de pensar ocorra normalmente; 
 
32 Texto original: “If nous is so radically different, how is it connected to the other parts of the soul which are 
the actualizations of bodily structures? We are sentient animals in virtue of our hylomorphic soul. Are we 
rational animals in virtue of two distinct souls, the one that makes us animals and ‘a different kind’ that makes 
us rational? Is human nature constituted by one essence or by two?” 
‘pensar’ (dianoeisthai) está sendo tomado no sentido amplo daquilo que 
inclui a phantasia mas vai além dela, qualquer mínimo caminho racional que 
pode resultar naquilo que ele denomina hupolepsis, um julgamento ou 
crença que pode ser verdadeiro ou falso e que pode ser expresso em um 
logos ou juízo. Neste sentido, para que pensemos deve estar presente a 
primeira condição – a qual chamaremos condição A – qual seja, a 
consciência empírica ou sensibilidade, que compartilhamos com os 
animais. Sensibilidade é a parte subjetiva da faculdade sensitiva; a objetiva 
é a percepção, ou seja, a capacidade de receber informações sobre o 
mundo. A segunda condição, condição B, é a capacidade especificamente 
humana do nous, o acesso aos domínios noéticos. O que nos faz humanos é 
a posse conjunta destas duas capacidades e nossa vida consciente é a 
contínua experimentação da interação entre elas.” (1996, p. 362 - tradução 
nossa)33 
Sejamos mais claros. Duas são as condições do pensar. Por um lado, é 
necessária a existência humana e sua configuração sensível, ou seja, o estar no mundo 
e em si. Por outro, apenas a faculdade do logos, a possibilidade unicamente humana de 
reconhecer a si e ao outro como existente, que não se confunde com o corpóreo, 
acessa o pensável e torna em ato o pensar, que se dá naquele que pensa e, portanto, 
no corpóreo.Assim, não há qualquer contradição entre a incorporeidade do nous e a 
necessidade das imagens da fantasia no ato de pensar, posto que estas são 
conseqüências diretas de se dar o pensar em nós, existentes como animais sensíveis. 
Explicita Kahn: 
“Não é o nous apartado do corpo que requer imagens sensíveis; é a nossa 
utilização do nous, o adentrar do nous em nossas atividades físicas como 
animais sensíveis, que deve ocorrer por meio das imagens da fantasia, ou 
seja, através do mecanismo neurofisiológico dos sentidos e das imagens 
mentais do pensar consciente.” (1996, p. 362 - tradução nossa)34 
 
33 Texto original: “Aristotle assumes that there are two necessary conditions that must be satisfied for our 
ordinary acts of thinking to occur, where ‘thinking’ (dianoeisthai) is taken in the broadest sense for anything that 
includes phantasia but goes beyond it, any minimally rational train of thought that can eventuate in what he calls 
a hupolepsis, a judgement or belief that may be true or false and that can be formulated in a logos or statement. In 
order for thinking in this sense to take place the first condition – call it Condition A – is empirical consciousness 
or sentience, what humans share with the animals. Sentience is the subjective side of aisthesis, the faculty of 
sense; its objective side is perception, receiving information about the world. The second condition, Condition 
B, is the specific human capacity of nous, access to the noetic domain. What makes us human is the joint 
possession of these two capacities and our conscious life is the continuous experience of their interaction.” 
 
34 Texto original: “It is not the disembodied principle of nous that requires phantasms; it is our use of nous, the 
penetration of nous into our embodied activity as sentient animals, which must take place by means of the 
Para melhor entendermos estas relações entre a faculdade sensitiva e a 
faculdade racional precisamos fazer uma diferenciação entre seus objetos. 
Como já explicitado anteriormente, as sensações advém dos objetos 
sensíveis. Assim, temos objetos próprios dos sentidos, como as cores, os sons, os 
cheiros, os gostos, o quente e o frio, o molhado e o seco, o duro e o macio, e também, 
objetos percebidos não por um sentido em especial, mas pela unidade do sentir, como 
o movimento, a forma, o tamanho e a quantidade. 
Para Aristóteles, a percepção sensível do mundo é limitada. Pelas 
sensações somos capazes de identificar apenas particularidades, mas não noções 
gerais. Por exemplo, percebemos, pelos sentidos, o azedo e o amargo de algo em 
específico. Entretanto, não podemos, por meio deles, identificar o sabor como um 
conceito genérico. As noções gerais são objetos do nous. Vislumbramos, pelos 
sentidos, a cor de uma coisa ou de alguém, mas não percebemos, por meio deles, este 
algo ou este ser como substância individualizada, ou mesmo, como parte de 
determinado gênero. Os objetos sensíveis incidentais são percebidos pela ação 
conjunta da faculdade sensível e da faculdade racional, como ilustra Kahn: 
“Somente em virtude da especificidade da percepção humana, enriquecida 
pelos recursos conceituais provenientes de seu casamento com o nous, 
pôde Aristóteles referir-se a nós como seres conscientes da existência. Se 
estivéssemos restritos à recepção das formas sensíveis, tudo o que 
perceberíamos seriam cores e formas.” (1996, p. 369 - tradução nossa)35 
 
 
phantasms, that is, through the neurophysiological mechanism of sense and the mental imagery of conscious 
thought.” 
 
35 Texto original: “It is only in the case of human perception, enriched by the conceptual resources provided by 
its marriage with nous, that Aristotle can speak of us as a perceiving man. If we were restricted to the reception of 
sensible forms, all we could perceive would be colours and shapes.” 
Devemos abordar, ainda, a atividade específica do nous, ou seja, aquela em 
que ele atua separadamente, por si só. 
A inteligência é, em si, potencialidade de conhecer as puras formas, que, 
por sua vez, estão contidas, também em potência, nas sensações e nas fantasias. Ora, 
é necessário algo que torne em ato a potencialidade de conhecer do pensar e as formas 
em potência das sensações. Aristóteles introduz, então, a distinção entre intelecto 
potencial e intelecto atual. O intelecto potencial é faculdade de receber a forma inteligível 
contida em potência nas sensações e imagens da fantasia. O intelecto atual age sobre 
esta dupla potencialidade, recebendo as formas inteligíveis, ou melhor, conhecendo-
as e com isto tornando-as conceitos em ato: 
“Em toda a classe de coisas, e na natureza como um todo, nós 
encontramos dois fatores envolvidos, a matéria (que é o que todas as 
coisas são em potência) e a causa eficiente, enquanto produz todas as 
coisas, como faz, por exemplo, a arte com a matéria, é necessário que 
também na alma existam essas diferenciações. De fato o intelecto, como 
descrevemos, é potencial, enquanto é virtude de se tornar todas as coisas; 
e agente, enquanto é virtude de produzir todas as coisas, que é como um 
estado semelhante à luz: de fato, também a luz, em certo sentido, torna as 
cores em potência, cores em ato. E este intelecto é separável, impassível, 
não-misturado e intacto pela sua essência de atividade: pois, de fato o 
agente é sempre superior ao paciente e a forma é superior à matéria. [...] e 
sem ele nada pode pensar ou ser pensado.” (DA, III, 5, 430 a 10-25) 
Comenta Reale: 
“[...] Como as cores não seriam visíveis e a vista não as poderia ver se não 
existisse a luz, assim as formas inteligíveis contidas nas imagens sensíveis 
permaneceriam nelas em estado potencial, e o intelecto potencial não 
poderia, por sua vez, captá-las em ato, se não existisse uma espécie de luz 
inteligível, que permitisse ao intelecto ‘ver’ o inteligível, e a este, ser visto 
em ato36.” (1993, v. II, p. 397) 
A potencialidade da inteligência não se confunde com a da matéria. A 
inteligência é a própria potencialidade em geral, sem matéria alguma, porque sua 
essência é a atualidade. O intelecto é atividade absoluta, pois só é, quando está em 
 
36 Reale ressalta a utilização de Aristóteles de uma imagem também usada por Platão para explicitar a natureza 
do nous. 
ato. A alma racional só tem conteúdo quando efetivamente pensa e, portanto, a 
atividade real do pensar e, somente ela, é o verdadeiro. O intelecto passivo é, então, a 
potência antes do ato, ou seja, o pensável, ou melhor, a possibilidade de ser pensado 
o pensável. O intelecto ativo, por sua vez, é o próprio pensar, a faculdade específica 
do homem que possibilita que ele seja consciente de si, de suas obras, do outro e da 
natureza, que o situa no mundo como consciência que explica e julga, que determina 
e revela a inteligibilidade de todo o real, inclusive a dele mesmo e a do próprio 
pensar37. 
As conclusões de Kahn encerram com clareza nossas ilações sobre as 
funções da faculdade racional: 
“Portanto, o nous é consistentemente definido como a capacidade de 
apreender forma e essências: formas nos corpos e formas apartadas, 
formas nos compostos sensíveis e nas abstrações matemáticas. [...] Noesis, 
a atividade do nous, não é apenas a captação dos ‘indivisíveis’, ou seja, das 
formas simples; mas, também, o princípio de síntese dos conceitos em um 
juízo (430 a 26-8): ‘a causa da unidade é o nous em todos os casos’ (430 b 
5). Isto foi o que os medievais denominaram a segunda operação do 
intelecto, o ato de formar juízos, em contraste com a ‘simples apreensão’ 
das formas e essências. É aqui, diz Aristóteles, na síntese unificante do 
noemata, que a verdade e a falsidadeestão situadas.” (1996, p. 372 - 
tradução nossa)38 
Recapitulando, a alma divide-se, segundo Aristóteles, em três faculdades, 
duas irracionais, a vegetativa e a sensitiva, e uma racional, a intelectiva, como ilustra o 
quadro abaixo: 
 
37 Nossas afirmações encontram eco nas explicitações de Hegel sobre a faculdade intelectiva de Aristóteles. 
(1955, v. II, p. 304 e ss.) 
38 Texto original: “Thus nous is consistently presented as the capacity to apprehend forms and essences: both 
forms as embodied and forms alone, both forms in sensible compounds and in mathematical abstraction. [...] 
Noesis, the activity of nous, is not only the grasp of ‘indivisibles’, that is of simple forms; it is also the principle 
of the synthesis of concepts in a judgement (430 a 26-8): ‘the cause of unity is nous in every case’ (430 b 5). This 
is what the medievals called the second operation of the intellect, the act of judgement, in contrast to the ‘simple 
apprehension’ of forms and essences. It is here, says Aristotle, in the unifying synthesis of noemata, that truth 
and falsity are located.” 
 
Cada uma das partes da alma exerce atividade específica possibilitada por 
uma peculiar virtude. Mas, como já explicitado, para o estagirita, a virtude humana só 
tem lugar na atividade da qual participa a razão, traço distintivo do homem. 
Desta forma, a investigação aristotélica centrar-se-á em torno das virtudes 
próprias das faculdades sensitiva e intelectiva, pois da vegetativa não participa a razão. 
Diferentemente, na sensitiva, ainda que irracional por si, está presente a 
atividade racional. 
Afirma Aristóteles: 
“Não há dúvida, entretanto, que devemos supor que na alma há algo que 
resiste e se opõe à razão. De que maneira se dá a oposição não importa. 
Agora este algo parece estar emparelhado ou compartilhar da razão, como 
dissemos; em alguma relação em que ele obedece à razão quando pertence 
ao homem continente. E se pertence a um homem temperante e corajoso, 
ele é, talvez, ainda mais dócil; tudo nele está, de fato, em harmonia com a 
razão. Portanto a parte irracional mostra-se de duas espécies: uma, 
vegetativa, não participa em nada da razão; a outra, ao invés, sensitiva e, 
em geral, apetitiva, participa dela de certo modo, enquanto escuta e 
obedece à razão.” (EN, I, 13, 1102 b 23-31) 
Há, então, uma virtude da faculdade sensitiva, que consiste em refrear os 
impulsos e desejos desmedidos, por sua própria natureza e, torná-los obedientes aos 
ditames da razão, à qual Aristóteles denomina virtude ética. E há também uma virtude 
específica da parte puramente racional do homem, a que ele chama virtude dianoética. 
Desta forma, passaremos a expor a seguir os traços constitutivos de cada uma delas.

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