Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DESCUBRA OS SEGREDOS DOS CÓDIGOS E SÍMBOLOS DE TODOS OS TEMPOS. São mais de 1.000 signos e símbolos. Cada um com seu ideograma, explicações e aplicações. /editoraescalaoficial Ou acesse www.escala.com.br JÁ NAS BANCAS! editorial Ser mãe é vivenciar contrações e contradições Gláucia Viola, editora 3ER�MÎE�NÎO�Ï�UMA�PROlSSÎO�� NÎO�Ï�NEM�MESMO�UM�DEVER��Ï�APENAS�UM� DIREITO�ENTRE�TANTOS�OUTROS� Oriana Fallaci A maternidade é, sem dúvida, a construção de um novo papel na vida da mulher. Acredito que mesmo já tendo passado por esse momento mais de uma vez, cada gravidez tem a sua particu- laridade de sentimentos e emoções. O fato é que a idealização da maternidade faz parte da nossa cultura. Ela já começa antes da gestação, com um movimento punitivo e de muito julgamento às mulheres que defendem o seu direito de NÎO�QUERER�SER�MÎE��¡�DIFÓCIL�A�SOCIEDADE�ENTENDER�O�DESEJO�DE�NÎO�TER�lLHOS��/�CONCEITO�DE�SER�COMPLETO�POR� meio da maternidade manifesta-se ainda durante a infância através das brincadeiras de boneca. /�MITO�DE�QUE�ESSE�Ï�O�PERÓODO�MAIS�LINDO�DA�VIDA�DE�UMA�MULHER�PERMANECE��PELO�MENOS�ATÏ�O�lNAL�DA� INFÊNCIA�E�A�ENTRADA�DA�ADOLESCÐNCIA�DO�lLHO��.OS�PRIMEIROS�ANOS��TUDO�Ï�UMA�NOVA�DESCOBERTA��O�ANDAR�� O�FALAR��O�COME¥O�DA�ESCRITA��ENTRE�OUTROS�ENCANTAMENTOS��/�FOCO�Ï�SEMPRE�A�CRIAN¥A��-AS�ONDE�lCA�A�MÎE� nesse processo? Seus medos, suas inseguranças, suas dúvidas? Permanece tudo pra- ticamente invisível, diluído em meio aos cuidados do bebê e na luta emocional de conciliar maternidade, carreira, vida afetiva e individualidade. Sim, porque a perda da identidade da mulher diante da vivência materna é um fenômeno aceito socialmente. Frente a esse cenário, esta edição da Psique Ciência & Vida, convidou a psicóloga perinatal Raquel Jandozza para debater esse paradoxo que envolve intensa felicidade EM�SER�MÎE�E�OS�CONmITOS�GERADOS�PELA�hINVISIBILIDADEv�DA�PRØPRIA�IDENTIDADE�A�PARTIR�DAÓ�� h!O�ENGRAVIDAR�� A�MULHER� SE�VÐ�DIANTE�DE�MUDAN¥AS� FÓSICAS�E�BIOLØGICAS�COMUNS�� contudo, ao mesmo tempo, passa a ocupar um papel social investido de uma série de VALORES�E�CONCEP¥ÜES�QUE�A�ENGESSAM�EM�UM�hMODELOv�NO�QUAL�SØ�LHE�RESTA�SE�ADE- QUARv��EXPLICA�2AQUEL�NO�ARTIGO�DA�PÉGINA���� Essa adequação, porém, é custosa em muitos sentidos e possui questões muito sub- jetivas da mulher. É por essa razão que a maternidade passou a ser estudada e com- PREENDIDA�POR�DIFERENTES�CAMPOS�DO�SABER��INCLUSIVE�PELA�0SICOLOGIA��.ESSE�SENTIDO��O� texto apresenta também a discussão sobre o modelo obstétrico tradicional e a imple- mentação de alternativas como o Parto Humanizado. Para a psicóloga, esse procedi- mento oferece à mulher a possibilidade de retomar seu lugar de protagonista ativa tanto na sua gravidez, no parto diferenciado e, consequentemente, no exercício materno. Que esse artigo contribua para que as contrações e as contradições da maternidade sejam vividas em equilíbrio aos outros aspectos também importantes da vida. Boa leitura! Gláucia Viola WWW�FACEBOOK�COM�0ORTAL%SPACODO3ABER 12 3R F CAPA sumário 07/03/2017 13:17:5 9 MATÉRIAS ENTREVISTA Para Cristiana Facchinetti, a Psicanálise precisa descobrir novos caminhos para enfrentar alterações profundas nas subjetividades humanas SEÇÕES 06 EM CAMPO 16 IN FOCO 18 PSICOPOSITIVA 20 PSICOPEDAGOGIA 22 UTILIDADE PÚBLICA 30 PERFIL 32 COACHING 34 LIVROS 48 NEUROCIÊNCIA 50 RECURSOS HUMANOS 52 CIBERPSICOLOGIA 54 SEXUALIDADE 64 DIVà LITERÁRIO 66 CINEMA 80 EM CONTATO 82 PSIQUIATRIA FORENSE Dislexia em pauta Não se trata de um problema comportamental ou educacional, AINDA�QUE�ESSES�POSSAM�DIlCULTAR�A� IDENTIlCA¥ÎO�E�MELHORA 08 Afetividade rompida !�DIFÓCIL�ACEITA¥ÎO�DO�lM�DA�RELA¥ÎO� ESBARRA�EM�CONmITOS�PSICOLØGICOS� COMO�O�AMOR�PRØPRIO�E�O�RESGATE� de quem somos como indivíduos Diagnósticos incerto Equívocos sobre a Dislexia ainda a relacionam às questões de hereditariedade e à possível maior incidência em meninos 24 74 IM AG EM D A CA PA : S HU TT ER ST OC K Combate à invisibilidade /�MERGULHO�NO�UNIVERSO� MATERNO�DA�GRAVIDEZ� e na criação de um lLHO�FAZ�COM�QUE�A� mãe vivencie a perda da identidade de mulher Dossiê: NOVOS MECANISMOS DE APRENDIZAGEM Habilidades socioemocionais SÎO�FERRAMENTAS�DE�APRENDIZADO� E�DEVEM�SER�ALVO�ESTRATÏGICO�DA� atenção de educadores e familiares www.portalciencia evida.com.br psique ciência&vid a 35 E d u c a ç ã o e P s ic o lo g ia Pesquisadores como Jean Piag et dedicaram sua obra para compreen der e explicar o mu ndo da criança e o seu desenvolvimen to emocional, além do tanto que e sses fatores influenc iam no processo de aprendizado d o s s i ê E d u c a ç ã o e P s ic o lo g ia O universo da COGNIÇÃO e o ato de aprender SH UT TE RS TO CK 23/02/2017 12:50:32 35 70 56 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5 CONSCIÊNCIA FEMININA REVISTA FILOSOFIA – EDIÇÃO 124 giro escala Em artigo da edição 124 da revista Filosofia Ciência&Vida , Isaque Trevisam Braga, mestre em Filosof ia pela Pontif ícia Universi- dade Católica de São Paulo e espe- cialista em Filosof ia Clínica pelo Instituto Interseção de São Paulo, destaca como a Filosof ia tem o ob- jetivo de liberar o homem daquilo que é denominado imprevisível, além de indicar os limites de qual- quer classif icação, acabando por oferecer ao homem a liberdade que, em uma situação de ordena- mento total, coincide com a indi- cação do espaço do possível. Para ele, em consonância com ESSE� PAPEL� ATRIBUÓDO� Ì� &ILOSOlA�� A� &ILOSOlA� 0RÉTICA� COMO� ACONSELHA- MENTO� lLOSØlCO� SURGE� COMO� UMA� atividade bastante conhecida na %UROPA� E� NO�MUNDO�� NA� QUAL� O� l- lósofo, com seu olhar através da &ILOSOlA�� PROPORCIONA� A� ASCENSÎO� às dimensões de mundo e do eu, introduzindo a procura por um dis- cernimento daquilo que se subtrai, daquilo que não é, mas poderia ser, lembrando seu papel fundamental de orientar o outro com a investi- GA¥ÎO�DO�lLOSOFAR� COMO�UMA�CHA- ma que acende improvisadamen- te na alma. Não perca esse ótimo conteúdo presente na edição 124 da revista &ILOSOlA, além de arti- gos sobre política, ética, socieda- de, comportamento e economia, todos elaborados por especialistas e desenvolvidos com base em uma AMPLA�VISÎO�lLOSØlCA�E�ACADÐMICA� O LEGADO DE BAUMAN REVISTA SOCIOLOGIA – EDIÇÃO 68 No início do mês de janeiro, o mundo perdeu um de seus prin- cipais intelectuais do século XX e XXI. Aos 91 anos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman mor- reu em Leeds, na Inglaterra, cida- de onde vivia desde a década de 1970. Bauman deixou uma exten- sa e relevante obra, sendo mun- dialmente reconhecido pelo con- ceito de modernidade líquida. A importância e a peculiaridade de seus pensamentos despertaram, no início dos anos 2000, o inte- resse de Dennis de Oliveira, pro- fessor associado da Universidade de São Paulo, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação. Para Dennis de Oliveira, Bau- man discutia estruturas sociais, analisando os impactos nas rela- ções entre as pessoas como con- sequências dos ordenamentos sociais contemporâneos. O pro- fessor acompanhou toda a trajetó- RIA� LITERÉRIA�DO� SOCIØLOGO�POLONÐS� e tem ideias consolidadas a res- peito do legado deixado por ele. Destaca que a teoria crítica e o marxismo apresentam referências importantes para se compreenderO� MUNDO� ATUAL�� AO� CONTRÉRIO� DE� muitos que acham que essas teo- rias morreram. Em entrevista ao número 68 da revista Sociologia, /LIVEIRA� ABORDA� VÉRIAS� QUESTÜES� que diziam respeito ao universo e às ideias de Zygmunt Bauman e fala sobre o legado deixado por sua extensa e rica obra. TON MARAR A sinergia entre as várias disciplinas do saber para a exposição da matemática REFLEXÃO E PRÁTICA: Ética e julgamento sobre o prisma da escolha A filosofia prática como um importante exercício terapêutico na contemporaneidade ÓDIO A PRIMEIRA VISTA A correspondência entre afeto e razão na construção da tolerância BELEZA PURA? Em meio aos padrões, como pensar sobre questões de autenticidade ANO X No 124 – www.portalespacodosaber.com.br EQUILÍBRIO CONSTANTE �(',d2�������35(d2�5������� RENATO JANINE RIBEIRO A dura realidade da supressão do ensino das matérias humanas O LEGADO NADA LÍQUIDO DE BAUMAN, POR DENNIS DE OLIVEIRA, DA ECA www.portalespacodosaber.com.br O VERDADEIRO DESENVOLVIMENTO Em Sala de Aula: Discuta o trabalhismo e seus desdobramentos atuais Os aspectos que o infl uenciam e como o Estado pode promovê-lo, na teoria e na prática Mundo na era Trump Ações do novo presidente dos EUA podem TF�DPOm�HVSBS� enormes paradoxos, B�TVSQSFFOEFS�� os reacionários F�B�FTRVFSEB� Quem é o novo intelectual? Pensadores precisam rever TFV�QBQFM� frente aos novos cenários sociopolíticos Política na modernidade 3FHSBT � JOTUJUVJªFT�F� atores políticos DPOTBHSBEPT� não mais respondem isoladamente às demandas na BUVBMJEBEF 6 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br em campo EDUCAÇÃO EMOCIONAL Competências socioemocionais são a aposta de iniciativa mundial na educação com vistas a uma formação diferencial no novo milênio. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) encabeça a construção de instrumentos que meçam tais competências no ensino público, e quem auxilia nesse trabalho é uma entidade brasileira, o Instituto Ayrton Senna. Resiliência, autocontrole, perseverança, protagonismo, entre outras características já são conteúdo ensinado na escola estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro, referência em competências emocionais. A instituição continua, pelo terceiro ano executivo, sendo indicada como colégio de excelência na rede pública nacional, apresentando excelentes resultados acadêmicos e na gestão de vida de seus alunos. EMPRESAS POSITIVAS Pelo menos três grande empresas brasileiras perceberam que bem-estar e produtividade caminham juntas e aplicaram conhecimentos da Psicologia Positiva em seus treinamentos e gestão. Natura, Elektro e 3M já colhem excelentes resultados, que extrapolam as suas instalações e contribuem na gestão pessoal de vida de seus funcionários. A taxa de retorno do investimento nesse tipo de iniciativa é sempre positiva, segundo estudos do especialista norte-americano em Psicologia Positiva Shawn Archor. No Brasil não tem sido diferente e a aplicação da abordagem nas companhias tende a ser um novo paradigma na condução dos por Jussara Goyano FORMA X CONTEÚDO ANATOMIA DO CÉREBRO ESTÁ ASSOCIADA A PERSONALIDADE E DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS, DIZ ESTUDO #ADA�VEZ�MAIS�ACHADOS�DEMONSTRAM�COMO�A�ANATOMIA�E�A�lSIOLOGIA�DO�CÏREBRO� determinam nossos comportamentos. Altos níveis de neuroticismo, que predispõem as pessoas a distúrbios neuro-psiquiátricos, por exemplo, foram associados com o aumento da espessura e à área reduzida em algumas regiões do córtex, como pré- -frontal e temporal. Por outro lado, uma personalidade mais aberta, ligada à curiosi- dade, à criatividade e ao gosto por novidade, foi associada com o padrão oposto: re- duzida espessura e um aumento na área do córtex pré-frontal. Um estudo a respeito, CONDUZIDO�PELA�5NIVERSIDADE�DO�%STADO�DA�&LØRIDA��FOI�PUBLICADO�NA�REVISTA�CIENTÓlCA� Social Cognitive and Affective Neuroscience. A pesquisa baseou-se em neuroimagens de mais de 500 indivíduos, disponíveis através do Human Connectome Project, uma iniciativa dos Institutos Nacionais de Saú- de dos EUA para mapear vias neurais de funcionamento do cérebro humano. O arquivo do projeto contém imagens de indivíduos saudáveis entre 22 e 36 anos de idade, sem histórico de graves problemas médicos neuro-psiquiátricos ou outros. Os pesquisadores explicam que a relação entre a estrutura do cérebro e traços de personalidade em pessoas jovens e saudáveis pode mudar à medida que as pessoas envelhecem, como indicado em estudos anteriores conduzidos pela mesma equipe, incluindo a colaboração de especialistas da Universidade de Cambridge. PARA SABER MAIS: Roberta Riccelli, Nicola Toschi, Salvatore Nigro, Antonio Terracciano, Luca Passa- monti. 3URFACE BASED�MORPHOMETRY�REVEALS�THE�NEUROANATOMICAL�BASIS�OF�THE�lVE- -factor model of personality. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 2017; nsw175 DOI: 10.1093/scan/nsw175 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 7 IM AG EN S: 1 23 RF EXERCÍCIO E VISÃO ATIVIDADE FÍSICA PODE INTERFERIR NO PROCESSAMENTO VISUAL Bom para a depressão e o coração, determi- nante da longevidade, excelente para a memória: o exercício f ísico é remédio e terapia para uma série de distúrbios e parece interferir, também, em nossa visão, embora ainda não seja possível determinar, com precisão, em que nível ele é capaz de aumentar nossa acuidade visual. Estudos anteriores já haviam determinado re- lação entre a ativação dos mecanismos de proces- samento visual de ratos e a atividade f ísica, em nível cerebral e, agora, pesquisadores da Univer- sidade de Santa Barbara trataram de verif icar se o mesmo acontece no cérebro humano, quando praticamos esporte. Um experimento baseado em neuroimagem e testes comportamentais, envolvendo também ati- vidade f ísica, resultou na descoberta de que exer- cícios de baixa intensidade impulsionam a ativação do córtex visual e podem mudar a forma como a informação visual é processada. O estudo foi publi- cado no Journal of Cognitive Neuroscience. PARA SABER MAIS: Tom Bullock, James C. Elliott, John T. Serences, Barry Giesbrecht. Acute Exercise Modulates Feature-selective Responses in Human Cortex. Journal of Cognitive Neuroscience, 2016; 1 DOI: 10.1162/ jocn_a_01082 AR Q UI VO P ES SO AL Jussara Goyano é jornalista e coach certificada pelo Instituto de Psicologia Positiva (IPPC). Atua com foco em performance e bem-estar. Estudou Medicina Comportamental na UNIFESP. COGNIÇÃO NA DEPRESSÃO ESTUDO IDENTIFICA PROTEÍNAS POSSIVELMENTE RELACIONADAS AOS PROBLEMAS DE MEMÓRIA E CONCENTRAÇÃO EM QUADROS DA DOENÇA Quase 7% da população mundial (apro- ximadamente 400 milhões de pessoas) é afetada pela depressão, considerada pela Organização Mundial de Saúde a doença mais incapacitante da atualidade. Tristeza, fadiga e pensamentos obsessivamen- te negativos fazem parte do quadro, que também engloba disfunções cogni- TIVAS��$IlCULDADE�DE�CONCEN- tração, de memória e tomada de decisões são sintomas que tendem a se arrastar até mesmo quando os outros sintomas desaparecem, o que carateriza o potencial incapacitante da doença. O pesqui- sador Marco A. Riva e seus colegas determinaram, por meio de pesquisa em animais, como a depressão cerebral pode afetar a COGNI¥ÎO�EM�UM�NÓVEL�MOLECULAR��IDENTIlCANDO�SUBSTÊNCIAS�QUE� sinalizam as mudanças ocasionadas pelo distúrbio. Certas proteínas foram encontradas em maior quantidade nogrupo de ratos de controle em resposta a um teste cognitivo normal, de reconhecimento de objetos, e em menor frequência no grupo de ratos com sintomas característicos de depressão humana. Outros estudos recentes sugeriram que essas proteí- nas (oligophrenin-1 e Bmal1) desempenham funções nos pro- cessos cognitivos. A descoberta servirá de base para futuras pesquisas sobre tratamentos para depressão maior e transtor- nos relacionados ao estresse, que também ocasiona as mesmas disfunções cognitivas. PARA SABER MAIS: Francesca Calabrese, Paola Brivio, Piotr Gruca, Magdalena Lason-Tyburkiewicz, Mariusz Papp, Marco A. Riva. Chronic Mild Stress-Induced Alterations of Local Protein Synthesis: A Role for Cognitive Impairment. ACS Chemical Neuroscience, 2017; DOI: 10.1021/acschemneuro.6b00392 8 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br CRISTIANA FACCHINETTI CR ÉD IT O DA F OT O: D IV UL GA Çà O Cristiana acredita que os conceitos permanecem, mas ela não concorda com a ideia de comparar as diversas linhas existentes da Psicanálise www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 9 Lucas Vasques é jornalista e escreve nesta publicação. Na opinião de Cristiana Facchinetti, por isso mesmo a Psicanálise deve se repensar para lidar com esse novo cenário contemporâneo, com as subjetividades adquirindo formas muito distintas daquelas produzidas desde o século XVII E N T R E V I S T A O documentário Hestórias da Psicanáli- se – Leitores de Freud discorre sobre a apropriação brasileira da obra de Sigmund Freud e da Psicanálise e foi elaborado a partir de entrevistas com leito- res de Freud espalhados por cidades brasileiras e europeias. O f ilme toca em temas como história, tradução, cultura, linguagem e, principalmen- te, Freud. A partir da obra do diretor e também psicanalista Francisco Capoulade, a psicóloga e psicanalista Cristiana Facchinetti, uma das con- vidadas a participar do documentário, fala sobre esses e outros temas. Cristiana possui graduação em Psicologia (1993) e mestrado (1996) e doutorado (2001) em Teoria Psicanalítica, todos pela Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Tem um estágio de pós-doutoramento em História das Ciências e da Saúde (2006) pela Fiocruz. Atualmente é pes- quisadora do Departamento de Pesquisa e pro- fessora do Programa de Pós-Graduação em His- tória das Ciências e da Saúde, ambos da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de professora do Programa de Mestrado Prof issional em Atenção Psicossocial do IPUB (UFRJ) e coordenadora da Rede Iberoamericana de Investigadores em His- tória da Psicologia. É especializada nas áreas de Psicanálise e de História, atuando como orienta- dora principalmente nos seguintes temas: Brasil, Psicanálise, Psiquiatria e Psicologia. ESTAMOS VIVENDO UM MOMENTO DE MUDANÇAS NAS SUBJETIVIDADES Por Lucas Vasques 10 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br mento é construído com os instrumen- tos dados pela língua, pela cultura e pela história social e familiar que antecedem o sujeito, de onde ele surge, como efei- to dos discursos que o atravessam. Se os sujeitos não têm imanência e não ante- cedem os discursos, mas são produzidos por eles, o que dizer dos objetos? Pode- mos dizer que há um referente externo? Não é o que parece. Eles são tão variáveis quanto é variável a compreensão sobre eles. Por isso, usos e leituras dos objetos é que determinam seu sentido. E tal leitu- ra, que é psíquica, é também limitada por uma determinada Weltanschauung. ATUALMENTE, COM TANTAS COMPLEXI- DADES QUE NORTEIAM O COMPORTAMEN- TO HUMANO, O MÉTODO DE FREUD AIN- DA É INDICADO PARA OS MESMOS CASOS DE SUA ÉPOCA? EM CASO POSITIVO, POR QUAIS RAZÕES? CRISTIANA: Mais uma pergunta difícil. As complexidades do comportamento humano sempre existiram; sempre exis- tirão. A questão é que o que é patológico ou anormal em um período pode deixar de ser em outro. Mais do que biológica, então, a questão do comportamento é uma questão cultural. Por exemplo, até algumas décadas atrás a homossexuali- dade era considerada patologia (inver- são sexual) pela Medicina mental. Hoje não mais, graças ao movimento social e político que lutou pela capitulação da Medicina nesse caso. Desde o século XIX, muitos indivíduos, especialmente mulheres com crises histéricas graves, adentravam os asilos e os consultórios médicos. Além disso, mulheres que não QUERIAM� CASAR�� QUE� NÎO� QUERIAM�lLHOS�� que estudavam muito etc. foram toma- das como alienadas. Mas essas moças, frequentemente diagnosticadas como histéricas, desapareceram dos prontuá- rios ainda na primeira metade do século XX, dando lugar no asilo para a psicose maníaco-depressiva e para a degenera- ção. Mudou a cultura, mudou o tempo. Com a entrada da Psicanálise no discur- so da Psiquiatria dinâmica, em meados DO�SÏCULO�88��MUDOU�O�PERlL�DOS�SUJEI- tos internados, mapeados nos prontuá- rios como neuróticos ou psicóticos. Essa FORMA�DE�IDENTIlCAR�O�SOFRIMENTO�PSÓQUI- co ganhou a opinião pública, as artes, os jornais, gerando em muitos lugares aqui- lo que se concebeu como cultura psica- nalítica. A partir do DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e com o crescimento da Psiquiatria dita biológica, certamente diminuiu o núme- ro de mulheres que chegam ao consul- tório do analista se intitulando como histérica. Por outro lado, o DSM ganhou circulação social: os pacientes que nos chegam ao consultório hoje já nos che- gam frequentemente anunciando serem portadores de síndromes e transtornos, lidos nas revistas femininas ou obtidos através de questionários para medica- mentos, ou mesmo dados pelo ginecolo- gista, ou clínico geral... às vezes até pelo psiquiatra (rs.). Os diagnósticos, por sua vez, criam – eles próprios – uma identi- dade de doente para o paciente. Então, sem dúvida, a Psicanálise precisa hoje lidar com os novos sujeitos advindos das condições da cultura do nosso tempo; e também com a nova/velha maneira de perceber o sujeito e seu sofrimento psí- quico como resultado de uma disfunção IMA GE NS : D AN IE L IS AI A/ AG ÊN CI A BR AS IL E 1 23 RF BASICAMENTE, SOBRE O QUE FOI SEU DE- POIMENTO NO DOCUMENTÁRIO HESTÓRIAS DA PSICANÁLISE? CRISTIANA: Tratamos de diversos as- suntos. A minha entrevista foi feita em diálogo com Sérgio Paulo Rouanet. Então, falamos bastante de literatura, romantismo, iluminismo e Psicanálise. Mas eu diria que o que mais apareceu DA�MINHA�FALA�NO�lLME�FOI�A�DIMENSÎO�DA� Hestória da Psicanálise, tanto no sentido das apropriações singulares – a história pessoal de encontro com esse Estranho mundo do Inconsciente e as apropria- ções sociais – quanto no sentido das condições locais de apropriação. Quem SABE�NA�CONTINUA¥ÎO�DO�lLME�A�DIMEN- são estética e cultural por nós dois assi- nalada seja mais sublinhada. A PSICANÁLISE ESTÁ SEMPRE EM EVOLU- ÇÃO. MESMO ASSIM, VOCÊ CONSIDERA QUE AS IDEIAS DE FREUD AINDA SÃO ATUAIS? COMO ADAPTAR OS PRINCIPAIS CONCEITOS FREUDIANOS PARA OS DIAS DE HOJE? CRISTIANA: Vamos começar pela ideia de evolução, que eu considero equivocada, porque remete a progresso, melhoria. Eu não acho que a Psicanálise esteja sempre em evolução. Eu acho que ela é sempre apropriada de acordo com os contextos – temporais, sociais, culturais – e que o referente “Psicanálise”, isto é, aquilo que Freud realmente pensou ao escre- ver seu trabalho, seu sentido último, está para sempre perdido; a escritura é sem- pre apropriada e reapropriada de modo particular, incessantemente. No capítulo sete da Interpretação dos Sonhos (1900), &REUD� AlRMA�QUE� AS�MARCAS�MNÐMICAS� sempre tendem a seguir as mesmas Bah- nungen, facilitadas que são, mas que, ao mesmo tempo, sempre se produz um diferencial, mesmo quando se trata de repetir o idêntico. Assim, ainda que se pense que os conceitos são universais e atemporais, como alguns o propõem, a Psicanálise também se faz marcar pelo contingente e pela historicidade. Só é possível compreender aquilo que passa pelo aparelho psíquico. Esse entendi- Ainda que se pense que os conceitos são universais e atemporais, como alguns o propõem, a Psicanálise também se faz marcar pelo contingente e pela historicidade. Só é possível compreender aquilo que passa pelo aparelho psíquico www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 11 te, não se trata de necessidade de atuali- zações, mas da existência de circulação e apropriações diferenciadas. EXISTEM NOVAS PESQUISAS SENDO DESEN- VOLVIDAS HOJE EM DIA A RESPEITO DA EFI- CÁCIA DO MÉTODO FREUDIANO, E SE EXIS- TEM, COM QUAIS OBJETIVOS? CRISTIANA: A pesquisa em Psicanálise que se realiza atualmente traz a marca de sua historicidade. De fato, desde Freud se questiona sobre o estatuto da Psica- nálise. Sua Interpretação dos Sonhos (1900) foi muitas vezes considerada como ad- VINDA�DO� CAMPO�DA�lC¥ÎO�� ASSIM� COMO� sua Metapsicologia (Strachey, 1975; Ellenberger, 1976). Já Legrand (1973) a contrapôs à ciência empírica, propondo a Psicanálise como uma terceira via de conhecimento. Tais debates sobre o esta- tuto da Psicanálise ganharam particular interesse primeiro na França e depois no Brasil, especialmente a partir da década de 1990, quando passaram a ser sistema- tizados nas universidades – em particu- lar nas pós-graduações. De lá para cá, um número muito grande de pesquisas vem sendo desenvolvido no campo. Nes- sa tradição, fazer pesquisa em Psicaná- LISE�Ï�RECONHECER�SUAS�ESPECIlCIDADES��O� legado da clínica e a centralidade do su- jeito do Inconsciente, para começar; sua metodologia; e o retorno aos textos que formulam suas teorias para a construção de novas perguntas, a partir de interes- ses particulares de pesquisas e dos novos contextos históricos e culturais. Já com RELA¥ÎO�Ì�ElCÉCIA��ALGUNS�OUTROS�ESTUDOS� – em sua maioria advindos de uma tra- dição anglo saxã – buscam estabelecer e comprovar os resultados positivos da te- rapia psicanalítica, como indica Wallers- tein (2001). Entretanto, é bom chamar atenção que tais investigações parecem estar mais preocupadas com dados para a assistência e para os planos de saúde, assim como com bons argumentos para os consumidores, do que propriamente com a singularidade do sujeito do In- consciente, pesquisa essa que não pode SER�QUANTIlCADA��#OMO�JÉ�APONTOU�,ACAN� neuronal, hormonal etc. Mas enquanto houver esse sujeito moderno – dividi- DO�� EM� CONmITO��MARCADO�PELO� RECALQUE� e pelo inconsciente, mas também pela liberdade –, a Psicanálise também conti- nuará a existir. COMO PESQUISADORA DA HISTÓRIA DA PSICANÁLISE, VOCÊ ACREDITA QUE É POS- SÍVEL COMPARAR AS DIVERSAS LINHAS DE FREUD, LACAN, WINICOTT, MADALAINE ETC., EM TERMOS DE CONCEITOS E PRÁTI- CAS CLÍNICAS? CRISTIANA: Alguns conceitos permane- cem, mas não compreendo a ideia de comparação; são apropriações diversas, que valorizam determinadas partes da teoria freudiana sob a luz de interesses e entendimentos locais e particulares. LACAN, APESAR DE ADEPTO DE FREUD, DESENVOLVEU ALGUMAS RELEITURAS E REFORMULOU TEORIAS QUE SÃO MUITO CONCEITUADAS HOJE. ISSO NÃO SIGNIFICA QUE AS IDEIAS DE FREUD PRECISAM SER ATUALIZADAS? CRISTIANA: Considero que Lacan, ao se dizer freudiano, ao propor um retorno a Freud, o faz dando plena legitimidade PARA� AQUILO� QUE� OUTROS� lZERAM�� TALVEZ� sem perceber: ele reconhece essa apro- priação e faz dela sua própria escritura. E é justamente o reconhecimento dessa apropriação personalíssima – marca da circulação da Psicanálise na França de seu tempo e de seus círculos intelectuais – que faz a obra dele ganhar a originali- dade e a dimensão que possui. E por ou- tro lado, é por isso também que ele pode AlRMAR�SUA�LEITURA�COMO�FREUDIANA��SEM� hesitar. Assim, como disse anteriormen- Se os sujeitos não têm imanência e não antecedem os discursos, mas são produzidos por eles, o que dizer dos objetos? Podemos dizer que há um referente externo? Não é o que parece. Eles são tão variáveis quanto é variável a compreensão sobre eles Cristiana cita que, até algumas décadas atrás, a homossexualidade era considerada patologia. Hoje não mais, graças, principalmente, ao movimento social e político 12 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br As complexidades do comportamento humano sempre existiram; sempre existirão. A questão é que o que é patológico em um período pode deixar de ser em outro. Mais do que biológica, então, a questão do comportamento é uma questão cultural (1998), tal preocupação com o sucesso pode levar à tentativa de vender a Psica- nálise dentro de um regime de exigência de felicidade, o que seria mesmo uma to- tal renegação da Psicanálise. QUAIS OS IMPACTOS DO LEGADO DE FREUD PARA OS PROFISSIONAIS DA PSICANÁLISE E POR QUE HÁ TANTOS ESPECIALISTAS QUE DIVERGEM DE SUAS IDEIAS? CRISTIANA: Freud reabriu a ferida narcí- sica que a Medicina positiva e tecnológi- ca, apoiada na promessa de cura, sempre insistiu em fechar. O legado de Freud é justamente essa insistência de se apontar para o mal-estar estrutural do sujeito na cultura. É esse chamado mal-estar, que não é sempre o mesmo, ainda que pos- tulemos e saibamos de sua insistência permanente, assim como esse método OBSCURO��QUE�ESCAPAM�Ì�QUANTIlCA¥ÎO�E� à objetivação e que atraem as críticas. Os especialistas desejam um modelo experi- mental de observação e teste, para ade- quar o saber psicanalítico à ciência po- sitiva. Como se o humano coubesse em uma expressão matemática. Ou numa estatística. Não cabe. E isso incomoda. Como Freud mesmo observou, isso fez – e faz – com que a Psicanálise perca “a simpatia de todos os amigos do pensa- MENTO� CIENTÓlCOv� �&REUD�� ������ P�� �� �� Além disso, suas teorias sobre a sexua- lidade ganham até hoje certa resistência. HÁ UMA PSICANÁLISE BRASILEIRA? E HÁ UMA PREVALÊNCIA DA PSICANÁLISE NO BRASIL FRENTE A OUTROS PAÍSES? CRISTIANA: No caso da primeira resposta, PODEMOS�AlRMAR�QUE�OS�CONCEITOS�DE�CIR- culação e apropriação implicam sempre em considerar a existência de estilos pró- prios e preferências, dependendo de con- textos culturais e estilos pessoais, como disse anteriormente. No caso da segunda hipótese, a Psicanálise é hoje muito cen- tralizada nos países latinos: França, Ar- gentina, Brasil são centrais não apenas no uso do método, mas na circulação de uma cultura psicanalítica, difundida por grande parte da sociedade letrada. Por OUTRO�LADO��DIlCILMENTE�PODERÓAMOS�FALAR� do método de Freud hoje sem estar atra- vessado pelos discursos pós-freudianos, como o de Lacan, por exemplo. QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS FUTURAS DAS TÉCNICAS DA METODOLOGIA FREUDIANA? CRISTIANA: Creio que estamos vivendo um momento de muitas mudanças nas subjetividades. Alguns apostam que, nessa modernidade tardia, os sujeitos vêm exacerbando determinadas carac- terísticas modernas, e que se desdobram no aumento do individualismo, numa cultura da imagem, no abuso de substân- cias psicoativas. Nesse sentido, a Psica- nálise deve se repensar para lidar com as subjetividades contemporâneas. Outros, ENTRETANTO��APOSTAM�NO�lM�DA�MODERNI- dade. No cenário da pós-modernidade, as subjetividades podem adquirir formas muito distintas daquelas produzidas des- de o séculoXVII. Para estes, o processo de interiorização que caracterizou o su- jeito moderno pode estar acabando, com a construção desses sujeitos em rede, na SUPERFÓCIE��SEM�TANTA�DElNI¥ÎO�ENTRE�O�IN- terior e o exterior, assim como uma apos- TA�NO�lM�DA�SEPARA¥ÎO�ENTRE�O�PÞBLICO�E� o privado, como já discutiu Joel Birman (2000) ao tratar do lugar da Psicanálise nesse imbróglio. Nesse caso, as marcas na pele pelas tatuagens viriam substituir as marcas simbólicas. As redes sociais SUBSTITUIRIAM�A�REmEXÎO�SISTEMÉTICA����EN- lM��ESSAS�E�TANTAS�OUTRAS�MUDAN¥AS�VÐM� colocando em questão a manutenção do sujeito como o conhecemos.... nesse futuro, a Psicanálise poderia funcionar como resistência... e insistência, me pa- rece. Ou, como querem alguns, poderia desaparecer. Espero que não. Falar do Na visão de Cristiana, Lacan, ao propor um ��������G�!��� 9��������G�����������������G�9��� �����G��I�������������I����hG����G�G������GhÔ�� e faça dela sua escritura Segundo a psicanalista, Freud reabriu a ferida narcísica que a Medicina positiva e tecnológica, apoiada na promessa de cura, sempre insistiu em fechar Joel Birman, ao tratar do lugar da Psicanálise, discutiu a separação entre público e privado, ou seja, as marcas na pele pelas tatuagens substituem as marcas simbólicas www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 13 A Psicanálise precisa hoje lidar com os novos sujeitos advindos das condições da cultura do nosso tempo; e também com a nova/velha maneira de perceber o sujeito e seu sofrimento psíquico como resultado de uma disfunção neuronal, hormonal etc. lM� DO� SUJEITO�MODERNO� PODE� SIGNIlCAR� O�lM�DO�SUJEITO�LIVRE��DETERMINADO�PELO� cérebro e pela hereditariedade. QUAL A SUA AVALIAÇÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE E CULTURA? É POSSÍ- VEL TRAÇAR UM PARALELO ENTRE TEORIA E VERDADE A PARTIR DESSE TEMA? CRISTIANA: Lacan dizia que “o incons- ciente é o social”. Por quê? Desde a desco- berta do inconsciente, suas implicações para a reformulação social e seu impacto na constituição das subjetividades têm convocado a Psicanálise a pensar seu lugar na cultura. Com a circunscrição do conceito de recalque como parte dos traços de moralidade existentes em uma dada cultura, não é possível pensar no sujeito do inconsciente sem pensar na- quilo que o circunda e que, nessa fricção, produz e é produzido. Assim, o analista, ao ocupar-se de questões clínicas e dos regimes de verdade que se estabelecem de maneira singular nesse processo, não precisa produzir qualquer ruptura fren- te a um pensamento mais amplo e que abarca o campo sociocultural ou abrir MÎO�DAS�FERRAMENTAS�DA�&ILOSOlA� A RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE E CUL- TURA PODE SER UMA TRADUÇÃO DA DU- ALIDADE RECEPÇÃO X APROPRIAÇÃO E, TAMBÉM, SOBRE A CIRCULAÇÃO TRANSNA- CIONAL DOS SABERES? CRISTIANA: A relação da Psicanálise com a cultura é completamente íntima, já que o sujeito é efeito dela, dos poderes e sa- beres que a conformam. Por outro lado, os indivíduos são capazes de seleção e de dar sentido próprio àquilo que rece- bem, se apropriando do conhecimento e criando a partir dele também. EM SUA OPINIÃO, DO PONTO DE VISTA DA PSICANÁLISE, EXISTE, DE FATO, UM POVO BRASILEIRO, OBSERVANDO OS ASPECTOS CULTURAIS PRÓPRIOS? EM CIMA DISSO, QUAL O VALOR QUE O POVO ATRIBUI, POIS O BRASILEIRO É CONHECIDO COMO UMA NAÇÃO QUE NÃO DÁ O REAL VALOR PARA A SUA CULTURA? CRISTIANA: A Psicanálise – tal como pen- sada hoje – se difere da Sociologia ou Antropologia. Não está voltada para dis- cutir valores sociais comuns ou buscar uma marca identitária única nem forjar uma entidade psíquica permanente que nos reúna como povo. Ao contrário, a 0SICANÉLISE�CHAMA�ATEN¥ÎO�DA�lC¥ÎO�QUE� constitui a identidade. Trata-se muito MAIS�DE�DESCONSTRUIR�A�lC¥ÎO��PERMITIN- do novos arranjos do sujeito em análise. PODE EXPLICAR, EM LINHAS GERAIS, A AFIRMAÇÃO DE QUE A PSICANÁLISE ESTÁ SEMPRE IMERSA NA CULTURA NA QUAL SE INSERE E QUE GUARDA MARCAS DESSE CON- TEXTO LOCAL, COLOCANDO EM QUESTÃO A UNIVERSALIDADE E A NEUTRALIDADE COS- TUMEIRAS E CONSIDERANDO AS APROPRIA- ÇÕES ATIVAS COMO POSSIBILIDADES LEGÍTI- MAS, AINDA QUE NEM SEMPRE NA DIREÇÃO DO NOSSO DESEJO? CRISTIANA: Não existe a possibilidade de efetuarmos o uso da Psicanálise de maneira asséptica, neutra e objetiva. Ela sempre é lida e compreendida a partir de um psiquismo (no caso individual) e de UM�CONTEXTO�ESPECÓlCO��0OR�OUTRO� LADO�� isso não implica numa recepção passiva: a apropriação desse saber é ativa, e os indivíduos se apropriam da Psicanálise a partir de seus referenciais, problemas de pesquisa e interesses. COMO A PSICANÁLISE PENETRA HOJE NA SOCIEDADE, SENDO APROPRIADA POR COLU- NAS SENTIMENTAIS, NOVELAS, PROPAGAN- DAS ETC.? CRISTIANA: É possível notar que além de um modelo de escuta, leitura do mundo e tratamento, a Psicanálise se articulou a um processo de “psicologização” da sociedade. Esse conceito foi utilizado por um grupo de antropólogos do Mu- seu Nacional (UFRJ), quando buscaram analisar cidades urbanas brasileiras. O grupo, iniciado por Gilberto Velho, pro- duziu diversas análises, nas décadas de 1970 e 1980, que investigaram a amplia- ção dos discursos psi por toda a socie- dade. Nessa linha de análise, Jane Russo (2002), por exemplo, utiliza o conceito quando trata do boom psicanalítico entre as classes médias urbanas da década de 1970. Embora a sociedade brasileira te- nha sofrido essa expansão vertiginosa da Psicanálise na década de 1970, a cir- culação social da Psicanálise começou a ocorrer a partir dos anos 30, em revistas femininas e manuais de educação, alcan- çando certo espaço simbólico no sistema de valores, noções e práticas sociais das cidades urbanas. EM SUA AVALIAÇÃO, MANIFESTAÇÕES COMO O CINEMA PODEM SER CONSIDERADAS ARTE OU COMUNICAÇÃO? ELE DEVE SER UM FIM EM SI MESMO, EXPLORANDO SUA PRÓPRIA LINGUAGEM PARA FORNECER UMA VISÃO DE MUNDO, OU USAR A POPULARIDADE DO MEIO PARA TRANSMITIR UMA MENSAGEM ÚTIL À SOCIEDADE? CRISTIANA: A arte transmite mensagens, ainda que não necessariamente voltadas para a utilidade. O cinema é hoje, talvez, aquilo que a literatura representou nos sé- culos XIX/XX: é a possibilidade de nos experimentarmos no outro como outro, ampliando, assim, nossas possibilidades de nos aproximarmos da alteridade. Não acho que a arte deva estar a serviço do so- cial, embora seja sempre social/cultural. IM AG EN S: 12 3R F 14 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br O QUE SÃO TEORIAS BIODETERMINISTAS E O QUE VOCÊ QUER DIZER QUANDO FALA QUE HOJE EXISTEM EMBATES ENTRE A PSI- CANÁLISE E ESSAS TEORIAS? CRISTIANA: !�0SIQUIATRIA�SURGIU�EM�lNS�DO� século XVIII, com o emblemático gesto de Philippe Pinel (1745-1826). Com ela, organizou-se o asilo como instrumento de cura e nele a clínica psiquiátrica foi mar- cada pelo tratamento moral. Assim, desde esse momento, a Psiquiatria se constituiu como disciplina médica sem, entretan- to, jamais ter se enquadrado plenamente em sua metodologia, permanecendo em constante diálogo com saberes do cam- po biomédico e, ao mesmo tempo, com o campo moral, ou das humanidades. Até os dias de hoje, podemos observar essa oscilação: ora busca em cada (psico)pato- logia o mecanismo biopatológico carac- terístico e curso da doença que permitam a construção de categorias diagnósticas generalizáveis, ora emoldura o sofrimen- to humano a partir das mais diversas in- mUÐNCIAS��QUE�NECESSARIAMENTE�INCLUEM�AS� dimensões psíquicas, sociais e culturais para o adoecimento. Tal oscilação pode ser acompanhada ao longo dahistória DESSA�DISCIPLINA��NO�lNAL�DO� SÏCULO�8)8�� as explicações de cunho moral perderam a hegemonia, dando espaço para teorias organicistas, que passaram a explicar a loucura exclusivamente a partir de fatores biológicos – o que, nesse contexto, impli- cava necessariamente considerar fatores hereditários e degenerativos. Já a partir do segundo pós-guerra, quando as teorias eugênicas e a Psicologia dos povos pas- saram a ser consideradas como um erro, após o massacre do holocausto, ganharam novamente destaque as teorias de cunho psicológico e/ou humanista, como a Psi- canálise ou o existencialismo, por exem- plo. Nesse período, conceitos como os de neurose, recalque, édipo, inconsciente, perver- sidade polimorfa, entre outros, passaram a circular não apenas no campo mesmo da Psiquiatria, mas foram sendo difundidos pelo corpo social, sendo apropriados pela educação, pela literatura e por diversos outros setores da sociedade, construindo paulatinamente a cultura psicanalítica de QUE�TRATAMOS�ACIMA��%NTRETANTO��AO�lNAL� do século XX, as matrizes biológicas da Medicina mental voltaram a ser privile- giadas. Como consequência, a sociedade passou também a utilizar tais referenciais para pensar as relações humanas e inter- vir nessas relações. Apesar de podermos AlRMAR�QUE�NO�"RASIL�HÉ�UMA�DISPUTA�EN- tre os dois modos de pensar o sujeito e a sociedade, não é possível negar que hou- ve, a partir desse período, a ascensão das teorias biomédicas nas ciências neuropsi- quiátricas assim como na opinião pública. Vale lembrar, a retomada do viés biológi- co ganhou ímpeto principalmente a partir do surgimento da vertente da Psiquiatria biológica norte-americana, consolidada internacionalmente a partir da publicação do DSM-III, em 1980. UMA DE SUAS ÁREAS DE ESTUDO É A HIS- TÓRIA DA CIÊNCIA PSIQUIÁTRICA, DE SUAS PRÁTICAS E TECNOLOGIAS. COMO VOCÊ OBSERVA A INFLUÊNCIA NA TECNOLOGIA E SEUS AVANÇOS QUASE DIÁRIOS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO? CRISTIANA: Bem, cada época tem a sua tecnologia psiquiátrica. Mas o movimen- to para a retomada de um referencial exclusivamente biológico ou organicista das doenças mentais articula os desen- volvimentos de pesquisas realizadas (e lNANCIADASå � NO� CAMPO� DA� "IOQUÓMICA�� com a tentativa de enquadramento da Psiquiatria dentro do campo médico mais geral, além, é claro, do surgimen- to dos psicofármacos, a partir dos anos 50, e o fortalecimento dessa indústria farmacêutica, que passou a estimular e lNANCIAR� PESQUISAS� QUE� VIABILIZASSEM� diagnósticos que pudessem ser associa- dos a medicamentos. Em consequência de tais estímulos e investimentos, essa abordagem começou a ser difundida também na opinião pública, e tal circula- ção passou a produzir e responder a uma demanda dos próprios sujeitos na busca de dar um sentido (mais) “objetivo”, mais médico e menos psicológico “mais real E�MENOS�IMAGINADOv�PARA�SEUS�CONmITOS� e sofrimentos. Segundo George Weisz (2005), essa aproximação da Psiquiatria das ciências de laboratório corresponde- ria ao objetivo de dar maior autoridade à Medicina mental, aliando seus resultados a tecnologias a partir das quais dados es- tatísticos poderiam ser recombinados em múltiplas formas de pesquisa, dando maior visibilidade ao seu conteúdo, cons- truindo regimes de verdade, marcados PELAS�IMAGENS�NEUROCIENTÓlCAS�E�POR�SEUS� dados quantitativos, bem de acordo com A� IDEOLOGIA� DA�-EDICINA� CIENTÓlCA� CON- temporânea, que considera as ciências básicas como a principal fonte de inova- ção em Medicina (Löwy, 1994). UMA DE SUAS PESQUISAS MAIS RECENTES É SOBRE A APROPRIAÇÃO, INTERNALIZAÇÃO E NEGOCIAÇÃO DOS SABERES MÉDICO-MEN- TAIS NOS MODOS DE SER, SENTIR E FAZER DOS INDIVÍDUOS EM UM DADO CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL. A QUE CONCLU- SÕES VOCÊ CHEGOU? CRISTIANA: Atualmente estou coordenan- do uma pesquisa bem grande a partir de documentos clínicos do antigo Hospício Nacional (apoio: Proep, CNPq/Fiocruz). Essa pesquisa a que você alude, e que ob- teve apoio da Faperj, já terminou. Para a investigação, utilizei como fonte cartas de leitores e de conselheiros em revistas de grande circulação. A ideia era justa- mente avaliar até que ponto e de que for- ma os saberes psi eram apropriados pe- las pessoas comuns na capital brasileira na Era Vargas (1930-1945). O resultado Enquanto houver esse sujeito moderno – DIVIDIDO��EM�CONmITO�� marcado pelo recalque e pelo inconsciente, mas também pela liberdade –, a Psicanálise também continuará a existir www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 15 permitiu acessar formas de apropriação das novas ideias psi que circulavam pe- las revistas e o modo como impactaram DE�MANEIRA�DIVERSIlCADA�A�PRODU¥ÎO�DOS� sujeitos concretos e da cultura urbana DO� PERÓODO�� 0UDE� IDENTIlCAR� DISPUTAS� E� negociações pela hegemonia discursiva na construção do ideal de mulher e de homem modernos, em que o processo DE�APROPRIA¥ÎO�DOS�SABERES�CIENTÓlCOS�SE� mostra sempre relativo e parcial nos dis- cursos do público leitor leigo, permitindo refutar a ideia de um controle biopolítico ABSOLUTO�NO�PROCESSO�DE�REDElNI¥ÎO�DOS� papéis sociais. VOCÊ É UMA ESTUDIOSA ESPECIALISTA NA HISTÓRIA DA PSICANÁLISE. EM LINHAS GERAIS, O QUE MUDOU EM TERMOS DE CONCEITOS E PRÁTICAS PSICANALÍTICAS AO LONGO DOS ANOS? CRISTIANA: Não trabalho com a episte- mologia da Psicanálise, mas com a his- tória social da Psicanálise. Nesse sentido, faço parte de um grupo de autores que, nos últimos anos, vem chamando aten- ção para a importância de se considerar a Psicanálise como um fenômeno social, cultural e político, seja como saber, mo- vimento internacional ou epifenômeno mesmo da modernidade, sua crítica. Isso implica alertar para os efeitos que a Psi- canálise adquire em cada contexto. No caso da América Latina, de passado co- lonial (de fato e cultural), a discussão ga- nha novos contornos. Trata-se, aqui, de considerar também as discussões mais amplas acerca das ciências instituídas no mundo europeu, principalmente francês, germânico ou anglo-saxão, e sua recep- ção em países tradicionalmente conside- rados na periferia da modernidade. Esse interesse é movido pela compreensão de que o campo intelectual tem apenas cer- ta autonomia frente aos determinantes sociais particulares, como busquei desta- car ao longo dessa entrevista. Por meio DESSA�CHAVE�DE�LEITURA�Ï�POSSÓVEL�VERIlCAR� QUE� PAUTAS� POLÓTICAS� ESPECÓlCAS�� ASSIM� como contextos sociais, impactam na apropriação de um saber. ESPECIFICAMENTE NO QUE SE REFERE À PRÁTICA CLÍNICA DAS DOENÇAS MENTAIS, QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS AVANÇOS? CRISTIANA: O desenvolvimento das Neu- rociências e de suas tecnologias possibili- tou a aproximação da Psiquiatria da Me- dicina somática geral, sonho acalentado desde Pinel, que já sonhava com o dia em QUE� SE� CHEGARIA� Ì� CAUSALIDADE� lSICALISTA� das perturbações psíquicas. Nesse diapa- são, o funcionamento psíquico se aproxi- ma cada vez mais da idealização de uma subjetividade reduzida ao cérebro e aos seus neurotransmissores. Em resposta, no campo das terapêuticas, os psicotrópicos se tornaram o centro do tratamento, ao passo que as psicoterapias foram relega- das a segundo plano, ou mesmo recu- sadas como importantes. A Psicanálise PERDEU�ESPA¥O�SIGNIlCATIVO�NO�CAMPO�DA� Psiquiatria, portanto. Se entre as décadas de 1950 e 1970 ela era o discurso teórico central da Psiquiatria, após o DSM-III e seu paradigma biológico o processo de autonomização da Psiquiatria frente à Psicanálise se radicalizou. De acordo com alguns autores, como Birman (2005), teria ocorrido uma inversão de planos: a Psica- nálise estaria enfrentandoum processo de medicalização, passando a ser atravessa- da por discursos advindos das Neurociên- cias e do cognitivismo. Além disso, teria passado a ocupar um plano secundário no campo da intervenção terapêutica. Inves- tigar tais acontecimentos históricos, não como avanços ou evoluções, mas como essa luta de forças em que o somático e o psíquico se tensionam (no sentido de tensão mesmo), e entender os contextos que os fazem mover-se é o interesse do historiador dos saberes psi. Compreender por que a Psicanálise permanece resistin- do em alguns contextos culturais é outro DESAlO��4EMOS�MUITO�O�QUE�ESTUDAR� A pesquisa em Psicanálise que se realiza atualmente traz a marca de sua historicidade. De fato, desde Freud se questiona sobre o estatuto da Psicanálise. Sua Interpretação dos Sonhos foi muitas vezes considerada como ADVINDA�DA�lC¥ÎO O cinema é o que a literatura foi nos séculos XIX/XX, a chance de experimentar no outro como outro, ampliando as chances de aproximação da alteridade 16 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br in foco por Michele Müller DESAFIOS da comunicação O PAPEL DA LINGUAGEM INFLUENCIA NA FORMA COMO NOS RELACIONAMOS E ENXERGAMOS O MUNDO, E O SEU EXERCÍCIO ENVOLVE CAPACIDADES QUE NÃO SÃO ESQUECIDAS A LINGUAGEM PODE NÃO NOS SALVAR DA CONDIÇÃO SOLITÁRIA DE PERCEBER O MUNDO DE UMA PERSPECTIVA ÚNICA. MAS NOS OFERECE O ALÍVIO DE COMPREENDER E SER COMPREENDIDO pensamentos e sentimentos continu- am desordenados, incomunicáveis e, muitas vezes, indecifráveis. Outros são desf igurados por uma comunicação não apenas incompleta, mas suscetível a inúmeras falhas, sendo que muitas delas estão fora do nosso controle e ja- mais serão esclarecidas. A linguagem pode não nos salvar da condição solitária de perceber o mun- do de uma perspectiva única. Mas nos oferece o alívio de compreender e ser compreendido em um nível que, mesmo dando acesso à beirada do mar de per- cepções da nossa mente, favorece cone- xões profundas e signif icativas. Além disso, ao tornar mais nítido aquilo que percebemos e sentimos, nos permite ter um maior domínio sobre as emoções e ações. Sobre esse poder das palavras, a psicóloga e escritora americana Tara Brach, uma das mais populares professoras de mindfulness no Ocidente, ensina, em uma de suas meditações guiadas: “Aquilo que você nomeia passa a ter menos controle so- bre você. Nomeie um medo e será mais forte que ele. Dê nome a uma ref lexão e você sairá do meio da nuvem de pen- samento e estará aberto a algo maior”. Ao ganharmos familiaridade com determinados conceitos, eles passam a fazer parte da forma como opera- mos. Se integram aos pensamentos, sidade vital de conexão, é um dos aspec- tos mais fundamentais daquilo que nos faz humanos. A linguagem, assim como a capacidade de interpretar a mente do outro, partindo dos mais sutis e incons- cientes sinais, é uma derivação da nossa interdependência, da busca pelo amor, aceitação e aprovação. A comunicação representa a busca fundamental pelo conforto de termos testemunhas da nossa experiência nes- se mundo. Mas mesmo com toda a sua complexidade, transforma apenas uma pequena parte desse f ilme mental ca- ótico e subjetivo em informações que podem ser compartilhadas e que façam sentido aos outros. Muitos dos nossos N ão foi a necessidade de apren- der sofisticadas fórmulas mate- máticas ou de construir espa- çonaves que obrigou a evolução a nos privilegiar com um cérebro tão complexo. Foi a necessidade de conviver e de interagir com tantas mentes dife- rentes da nossa. A natureza sabiamente poupou espécies mais individualistas ou que vivem em grupos pequenos de carregar o peso de um cérebro volumo- so e que consome tanta energia. E nos diferenciou com um equipamento bio- lógico que permite criar vínculos e re- solver conf litos, ao custo de incontáveis desaf ios psicológicos, como ansiedade, solidão, perdas afetivas e rejeição. Com a ajuda de uma nova tecnologia, conhecida como agent based modeling, foi f inalmente possível comprovar que espé- cies que vivem em grupos precisam de cérebros maiores e as que vivem em gru- pos muito grandes e complexos precisam de um que comporte recursos altamente sofisticados, como a linguagem. A in- vestigação foi feita por pesquisadores da Universidade de Oxford para avaliar a demanda cognitiva das decisões sociais, simuladas por uma ferramenta que re- produz situações com muitas variáveis e que não podem ser explicadas com a precisão de uma fórmula. Nossa extraordinária habilidade de comunicação, resultado de uma neces- www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 17 IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L oferecem novas formas de interpretar o mundo e modif icam ou formam os padrões de expectativas que temos em relação aos outros e a nós mesmos. Somam-se à nossa própria essência, que a f luidez da língua tem o poder de remodelar. “(...) as palavras têm por característica fundamental serem um ref lexo generalizado do mundo. Este aspecto da palavra conduz-nos ao li- miar de um tema muito mais profundo e mais vasto – problema geral da cons- ciência. As palavras desempenham um papel fundamental, não só no de- senvolvimento do pensamento mas também no desenvolvimento histórico da consciência como um todo. Cada palavra é um microcosmos da cons- ciência humana”, coloca Vygotsky em Linguagem e Pensamento. Passamos a enxergar injustiças e desigualdades, a identif icar melhor sentimentos como mágoa e remorso e a entender comportamentos movidos pelo orgulho ou ganância depois que esses conceitos são incorporados ao nosso vocabulário. Essa compreensão não ocorre de uma forma restrita e den- tro de um tempo limitado. Depende de conhecimentos dominados em níveis variados – mesmo dentro de uma mes- ma faixa etária e contexto cultural – e aprimorados no decorrer de toda a vida, nas diversif icadas formas de interação social e troca de informações. E por não se reduzirem a um conjunto de regras que podem ser transmitidas por meio de métodos sistemáticos, com resultados facilmente medidos, acabam trabalha- dos no meio acadêmico apenas de for- ma indireta e não planejada. A educação formal, em geral, es- pera que estudantes ganhem natural- mente a capacidade de compreensão necessária para assimilar uma quan- tidade de informações crescente em volume e complexidade. Desconsidera que a comunicação, com suas possibi- lidades ilimitadas, representa um desa- f io para muitos e envolve capacidades que podem ser exercitadas no ambiente escolar. Práticas que estimulam o de- senvolvimento das habilidades verbais são fundamentais na superação de di- f iculdades acadêmicas. Mais que isso, ajudam na formação do pensamento crítico e da consciência da intenção por trás dos discursos. E, mesmo en- tre aqueles que não se intimidam com a f lexibilidade que a linguagem exige, exercem um grande impacto na forma como se relacionam com o mundo. Michele Müller é especialista em Neurociências e Neuropsicologia da Educação. Pesquisa e cria ferramentas para o desenvolvimento da linguagem. É autora do blog www.leituraesentido.blogspot.com 18 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br psicopositiva por Lilian Graziano Mas vejamos até onde consegue ir a nossa incoerência. E para isso, per- mita-me, leitor, recorrer novamente ( já o f iz na coluna anterior) à f igura de Jesus. Observe que não o faço aqui (como não of iz anteriormente) a partir de uma perspectiva religiosa, nem mesmo espiritual. Recorro aqui à imagem de Jesus como elemento cultural e f igura importante da cultura ocidental. Nesse sentido, é inegável que a f igura de Jesus Cris- to seja vista como ícone de bondade e de humildade. Na coluna anterior falei sobre a bondade, razão pela Sendo assim, vamos direto ao ponto. Imagine a seguinte situação: você está conversando com uma pes- soa em uma festa e, dentro de um determinado e pertinente contex- to dessa conversa, a pessoa lhe diz: “Eu sou muito inteligente”. Seja sin- cero(a): você diria que essa pessoa é humilde? Muito provavelmente não. E, pior, diria tratar-se de alguém ar- rogante, não é mesmo? Pois saiba que você pode estar errado, sendo def ini- tivamente vítima de uma cultura po- pular que absolutamente desconhece o signif icado da palavra “humilde”. As FORÇAS incompreendidas (parte II) DE TODAS AS FORÇAS PESSOAIS ELA É A MAIS INCOMPREENDIDA. E VOCÊ, SABE O QUE SIGNIFICA HUMILDADE? É realmente incrível. Apesar de sua signif icativa importância para a Psicologia Positiva, algumas das forças pessoais ainda são bastante incompreendi- das, seja por parte do público leigo quanto, pasmem, dos prof issionais. Nesse sentido, demos início, na edição passada, a uma série de três textos que têm por objetivo discu- tir sobre o que chamamos de as três forças mais incompreendidas da Psi- cologia Positiva: a bondade (sobre a qual falamos na coluna passada), a humildade e a perspectiva. www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 19 Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área. graziano@psicologiapositiva.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K / A CE RV O PE SS OA L qual f icaremos apenas com a humil- dade. Jesus é símbolo de humildade. Não obstante isso, disse, de acordo com a Bíblia: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Se utilizarmos os mesmos padrões de julgamento que utilizamos naquela festa hipotética do parágrafo anterior, a conclusão seria inevitável: Jesus era um tremen- do arrogante! Por que então essa incoerência? Por que Jesus permanece há milê- nios como símbolo de humildade enquanto nós não podemos sequer reconhecer publicamente nossas qualidades sem que sejamos julga- dos como arrogantes? Porque ao longo dos séculos, e mui- to provavelmente pela própria ação das religiões, o conceito de humilda- de foi sendo distorcido até chegarmos nos dias de hoje, quando confundimos humildade com insegurança, com falta de assertividade e, por vezes, com au- sência de autoestima. Eu o desaf io, leitor, a relacionar as pessoas do seu círculo social que você costumeiramente classif icaria como humildes. Você poderia af ir- mar com toda certeza não se tratar de sujeitos inseguros? Pois é, essa distorção talvez tenha feito de nós uma sociedade pouco humilde. Não admiramos os humildes. Temos pena deles. Isso porque, def initivamente, não sabemos o que é humildade. Para a Psicologia Positiva, humil- AO LONGO DOS SÉCULOS O CONCEITO DE HUMILDADE FOI SENDO DISTORCIDO ATÉ CHEGARMOS NOS DIAS DE HOJE, QUANDO CONFUNDIMOS HUMILDADE COM INSEGURANÇA E FALTA DE ASSERTIVIDADE dade corresponde à característica daquele que deixa que as suas rea- lizações falem por si, sem procurar estar o tempo todo em evidência. Trata-se do sujeito despretensioso, que não se considera mais especial que os demais, e, o mais importante, alguém que possui uma percepção correta – e não aquém – de si mesmo. Confesso, com um pouco de constrangimento, que demorei mais de 40 anos para entender precisa- mente o conceito de humildade. E como a vida acontece para além dos estereótipos, quem me ensinou sobre isso foi um CEO de uma grande em- presa, rico e com MBA em Harvard. Ele era meu último paciente da noi- te, razão pela qual o estacionamen- to do meu prédio estava sempre fe- chado. Nunca reclamou por ter que parar seu carro na rua, nem sobre as confusões que o guarda da noite fazia, tentando substituir o porteiro do meu prédio. “Isso acontece com todo mundo. Por que não acontece- ria comigo?”, dizia. Eu sorvia essas e outras manifestações de humildade com a avidez de uma aluna dedica- da. Mas senti que a lição estava com- pleta no dia em que, durante uma sessão, eu disse a ele: “...Mas você é muito inteligente!”; ao que ele me respondeu com f irmeza: “Eu sei”. Sim, ele sabia. Mas não precisava f ingir. Porque a verdadeira humilda- de não precisa de falsa modéstia. Loja Acesse www.escala.com.br e aproveite! ACOMPANHE OS MOVIMENTOS DO MERCADO e reconheça as boas oportunidades para o caminho do sucesso profi ssional 20 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br psicopedagogia por Maria Irene Maluf Desenvolvimento INFANTIL OS MARCOS IMPORTANTES DE CADA FASE NUNCA DEVEM SER NEGLIGENCIADOS, POIS OS SINAIS DE QUE HÁ ALGO ERRADO APARECEM SEMPRE NO DIA A DIA E NÃO APENAS NO CONSULTÓRIO MÉDICO cer sozinha uma escada, chutar uma bola com objetivo, assim como aos 36 meses completos deve copiar um círculo dese- nhado em um papel e andar de triciclo. Não ser capaz de copiar uma cruz ao completar 4 anos, e um quadrado aos 5, assim como abotoar seu casaco, amarrar os cadarços do tênis, usar talheres para comer, não desenhar como esperado para essa idade levantam a suspeita de um problema de coordenação motora. Existem pequenas variáveis no tempo dessas aquisições, devido às oportunida- des de treino, mas a avaliação da gravi- dade em atrasos de mais de 6 meses deve SER�FEITA�POR�PROlSSIONAIS� No 5º aniversário, a criança é capaz de armar um quebra-cabeça de 4 peças em até 20 segundos, pode abotoar seis botões em até 70 segundos, pula com os pés juntos uma corda, e aos 6 anos avança em linha reta com os olhos abertos, colo- cando alternadamente o calcanhar do pé que avança contra a ponta do que apoia. Nessa idade também pula bem corda, se equilibra em um pé só por 15 segundos, distingue direita e esquerda e recorta cor- retamente com a tesoura. Outra aquisição muito importante é a da linguagem. Bebês muito quietos, que não vocalizem antes dos 12 meses e À parte o amor que temos pelos lLHOS��HÉ�TAMBÏM�UMA�GRANDE� responsabilidade por seu de- senvolvimento sadio. Assim, o acompanhamento pediátrico é muito importante, mas o olhar diário da famí- lia é imprescindível. Para além de problemas emocionais e comportamentais, inclusive aqueles que merecem atenção redobrada, há uma pergunta que os pais sempre se fa- zem: essa aquisição está de acordo com a faixa adequada de desenvolvimento ou existe um atraso? Algumas áreas podem ser de im- portância vital no amadurecimento da criança e alguns sinais estão presentes desde os primeiros meses de vida. São alertas que podem ajudar famílias a pro- CURAREM� PROlSSIONAIS� E� ASSIM� IMPEDIR� DANOS�MAIORES�AOS�lLHOS��ANTES�DA�ENTRA- da no ensino fundamental. A primeira aquisição que exige aten- ção diz respeito ao desenvolvimento motor dos bebês. Segurar a cabeça, o TRONCO��SENTAR SE�E�AlNAL�INICIAR�O�ANDAR� são etapas esperadas do crescimento que acontecem sucessivamente antes dos 12 ou até 15 meses de idade. Ao entrar na pré-escola, aos 2 anos, a criança deve ser capaz de subir e des- só falem mamãe e papai no seu segundo aniversário, ou que cheguem aos 3 anos e não formem frases com linguagem com- preensível pela maioria das pessoas, de- vem serlevados para uma avaliação, pois esses atrasos repercutem de modo decisi- vo na aquisição da alfabetização. O próprio desenvolvimento cognitivo pode ser avaliado, em parte, pela riqueza e tipo de linguagem que a criança utiliza e também por seus desenhos, mas entre 3 e 4 anos espera-se que já domine algumas FORMAS�E��NO�lNAL�DESSE�PERÓODO��SEU�DE- senho tenha intenção clara de reproduzir um ser humano reconhecível, com ca- beça, pernas, braços e tronco. Estimular essas formas de linguagem é muito im- portante também para o incremento de novas habilidades indispensáveis para a escolarização. Por volta dos 6 anos, a criança já re- corda uma historinha, sabe explicar um fato ocorrido, fala articulando muito bem todos os sons, ordena objetos de acordo com determinada qualidade (grossura, cor, tamanho). Reconhece os números www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 21 Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A RQ UI VO de 1 a 10 associando-os com as quanti- dades que representam e faz somas sim- ples. Distingue palavras escritas singelas como seu nome, mamãe e papai. Até completar 7 anos, é capaz de ex- plicar o porquê de um raciocínio seu, e as diferenças principais entre um homem e um cachorro, por exemplo. Faz analogias (por exemplo: um irmão é um menino, uma irmã é...), conta moedas fracionárias e notas de dinheiro, mostra rápida pro- gressão do pensamento. É um ser curio- so, de lógica concreta e pronto para a al- FABETIZA¥ÎO�E�OS�DESAlOS�ESCOLARES� Voltando à fase de bebê, ressalto a im- portância do aspecto social. Aos 3 meses a criança de desenvolvimento adequado mostra interesse pelo rosto das pessoas que cuidam dela, por objetos em movi- mento, e até os 6 meses deve reconhecer a mãe de modo especial, demostra curio- sidade por coisas, e aos 9 meses mostra sentir angústia perto de estranhos en- quanto em seu rosto já se percebem ex- pressões variadas de acordo com a situa- ção vivenciada. Ao assoprar a primeira velinha, uma de suas brincadeiras favoritas consiste em brincar de se esconder com sua mãe, mostra preferência por um ou outro brin- quedo, enquanto engatinha ou anda ex- plora o espaço a sua volta. Perto dos 2 anos, a criança estabelece contato visual O PRÓPRIO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO PODE SER AVALIADO, EM PARTE, PELA RIQUEZA E TIPO DE LINGUAGEM QUE A CRIANÇA UTILIZA E TAMBÉM POR SEUS DESENHOS mais continuado, sorri quando alguém sorri para ela, responde ao ser chamada, imita ações e compartilha interesses. Aos 3 anos já brinca em grupo de crianças e procura se enturmar. Por volta dos 6 anos é esperado que tenha um melhor amigo E�PRElRA�BRINCAR�SOZINHA�OU�COM�DOIS�OU� três companheiros da mesma idade do que em grupos numerosos. É conhecendo nossas crianças e ob- servando seu desenvolvimento que as TORNAMOS� APTAS� AOS� PRIMEIROS� DESAlOS� da vida. Qualquer atraso no desenvolvi- mento até essa fase é de suma importân- CIA�� DEVE� SER� AVALIADO�POR�PROlSSIONAIS�� pois vai atuar de modo a prejudicar todo o aproveitamento pessoal e acadêmico subsequente, além de diminuir sua auto- estima e ter repercussão na sua seguran- ça emocional. www.portalcienciaevida.com.br IM AG EN S: 1 23 RF A NEUROCIÊNCIA TEM SE POSICIONADO COMO O PRINCIPAL ADVOGADO DE DEFESA DOS GAMES. PESQUISAS RECENTES MOSTRAM OS EFEITOS POSITIVOS DOS JOGOS SOBRE AS FUNÇÕES COGNITIVAS utilidade pública Por Tiago J. B. Eugênio O APRENDIZADO ENVOLVE A REPETIÇÃO POR UM PERÍODO DE TEMPO E FAZER ISSO NOS GAMES LEVA O CÉREBRO A CRIAR NOVAS CONEXÕES NERVOSAS LIGADAS À ATIVIDADE CEREBRAL 22 psique ciência&vida Estímulo à perseverança nejamento, a inibição comportamental e o raciocínio abstrato. Estudos anteriores mostraram que essa área desempenha um papel importante na forma como pro- cessamos decisões complexas, tais como aquelas que envolvem opções que incluem a realização de objetivos de curto prazo com implicações a longo prazo. O FEF é responsável pela elaboração de julgamen- tos sobre como lidar com os estímulos ex- ternos. Também é importante na tomada de decisão, uma vez que permite ao cére- bro atentar ao tipo de reação mais adequa- DA�FRENTE�A�UM�ESTÓMULO�ESPECÓlCO�� Juntos, DLPFC e FEF são cruciais no sistema de tomada de decisão executivo do nosso cérebro. Maior espessura nessas áreas do cérebro (em outras palavras, mais conexões entre as células cerebrais) indica maior capacidade de lidar com diversas variáveis e as implicações dessas de for- ma imediata e a longo prazo. Resultados de estudos como esse podem representar a base biológica e os efeitos da sociedade gamer sobre nossos cérebros. É como se estivéssemos descobrindo uma nova aca- demia e encarando o cérebro como um novo músculo que precisa ser exercitado e DESAlADO��!SSIM�SENDO��SE�HOJE�O�personal trainer�Ï�O�PROlSSIONAL�MAIS�ADEQUADO�PARA� elaborar exercícios para o corpo, pode ser que no futuro o designer de games seja o PROlSSIONAL� MAIS� ADEQUADO� PARA� ELABO- rar exercícios para nossos cérebros. As gião mostrou perda da espessura cortical em associação com o uso dos jogos. O DLPFC é uma das áreas do cór- tex pré-frontal mais recentes do cérebro primata, que sofre mudanças estruturais e funcionais por um longo período – até o início da vida adulta. Relaciona-se às funções executivas, como a memória de TRABALHO�� mEXIBILIDADE� COGNITIVA�� O� PLA- J ogos de videogame são feitos de de- SAlOS��/�SUCESSO�Ï�MEDIDO�QUASE�QUE� totalmente pela destreza do jogador, sobretudo a coordenação. Se alguém acredita que jogar videoga- me é uma atividade passiva, pode ser que desconheça ou subestime o poder ativo do cérebro necessário para integrar todas AS�A¥ÜES�E�CONlGURAR�A�VITØRIA�DO�JOGADOR� SOBRE� OS� DESAlOS� CRIADOS� PELO� DESIGNER� do game. Acredite, jogar videogames é a nova academia para nossos cérebros. A Neurociência tem se posicionan- do como o principal advogado de defesa dos games. Pesquisas recentes mostram um efeito positivo dos jogos sobre as fun- ¥ÜES�COGNITIVAS��%SSA�INmUÐNCIA�TEM�SIDO� relacionada a mudanças de massa cin- zenta dos jogadores, especialmente no córtex pré-frontal. Em estudo publicado na revista PLoS ONE, 152 adolescentes foram submetidos à ressonância mag- nética enquanto jogavam videogame. O experimento estimou a espessura corti- cal e relacionou com o tempo (horas) de jogatina dos participantes por semana. Os cientistas observaram uma correla- ção positiva entre a espessura cortical e o tempo em contato com os jogos no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC, sigla em inglês para dorsolateral prefrontal cortex) e o campo visual do lobo frontal esquerdo (FEF, sigla em inglês para LEFT� FRONTAL� EYE� lELDS . Nenhuma re- www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 23 escolas devem ser as próximas instituições A�ABSORVEREM�ESSE�NOVO�PERlL�PROlSSIONAL� capaz de criar um ambiente de aprendiza- GEM�MAIS�ElCAZ�E�DIVERTIDO�� Porém, segundo um artigo publica- do na revista Neurology Now, o contato excessivo com jogos causa mudanças no comportamento dos adolescentes. %SSA�MODIlCA¥ÎO�SE�DEVE�AO�EXCESSO�DE� produção de dopamina pelo cérebro, neurotransmissor relacionado à depen- dência em jogos, inclusiveos eletrônicos. A estrutura de recompensa dos games é similar ao de máquinas de um cassino. O jogador insiste em bater um recorde, a solucionar um quebra-cabeça, matar um inimigo, coletar um item raro, conquistar mais territórios, passar aquela fase difícil. A vitória e a conquista fazem o cérebro produzir dopamina enquanto joga. A produção de dopamina aumenta quando o jogador vê a possibilidade de conquistar UM�DESAlO�MAIOR�AINDA��.ÎO�Ï�Ì�TOA�QUE� o level design dos jogos segue uma lógica UNIVERSAL�� AUMENTO�GRADATIVO�DA�DIlCUL- 25 e 30 anos, esse tipo de problema é ain- da mais preocupante nos jovens. -ESMO� DIANTE� DESSE� DESAlO�� NÎO� Ï� a melhor estratégia proibir os jovens de jogar videogames. Isso porque eles tam- bém trazem benefícios. Jogos são uma ótima ferramenta de aprendizado e de estímulo à perseverança. Tiago J. B. Eugênio é coordenador do curso de pós-graduação em Games e Tecnologias da Inteligência aplicados à Educação da Capacitar. Mestre em Psicobiologia pela UFRN e licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas pela UNESP. Possui formação em Game-Based Learning na Quest to Learn (NY - EUA) É professor STEAM e de projetos relacionados a produção de jogos e ciências forenses do Colégio Bandeirantes. tiagoeugenio20@gmail.com DADE��.OSSO�CÏREBRO�ADORA�SER�DESAlADO� e a resposta neuroquímica será mais efe- tiva quando as tarefas tendem a se tornar mais difíceis com a progressão do jogo. Como o cérebro gosta de dopamina, não é difícil compreender a preferência das pessoas pelos bons games que exigem mais do jogador paulatinamente. O córtex pré-frontal é um dos princi- pais alvo da dopamina. No entanto, em excesso, pode desativá-lo. Como essa re- gião é ligada à tomada de decisões, jul- gamentos e autocontrole, o aumento de dopamina no pré-frontal faz com que os jogadores percam a noção de tempo, de- DICANDO SE�HORAS�A�lO�AO�GAME�E�DEIXAN- do de lado outras tarefas. Ainda, como essa região do cérebro completa sua for- mação apenas quando a pessoa tem entre REFERÊNCIAS KÜHN, S.; LORENZ, R.; BANASCHEWSKI, T.; BARKER, G. J.; BÜCHEL, C.; CONROD, P. J.; HEINZ, A. Positive association of video game playing with left frontal cortical thickness in adolescents. PLoS ONE, v. 9, n. 3, p. 1-6., doi:10.1371/journal.pone.0091506 PATUREL, A. Game theory: how do video games affect the developing brains of children and teens? Neurology Now, v. 10, n. 3, doi: 10.1097/01.NNN.0000451325.82915.1d 24 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br RELACIONAMENTO Andreia Calçada é psicóloga, psicoterapeuta com formação em Gestalt, psicoterapia breve, terapia cognitivo-comportamental, hipnose ericksoniana, pós-graduada em Psicopedagogia, especialista em Psicologia Clínica e Psicopedagogia Clínica. Professora de cursos sobre avaliação psicológica e experiência de 10 anos em Psicologia Jurídica, como assistente técnica ou perita. Autora dos livros Falsas Acusações de Abuso Sexual – o Outro Lado da História. Coautora do livro Guarda Compartilhada – Aspectos Psicológicos e Jurídicos. Por Andrea Calçada 12 3R F COMO ACEITAR O O ser humano ainda encontra muitas dificuldades no sentido de saber lidar com alguns desafios afetivos, como, por exemplo, como amar ou ser amado ou como enfrentar questões relacionadas ao amor-próprio Este é um tema univer-sal! Entra ano e sai ano e apenas muda de tom em suas abordagens e apresenta novas roupa- gens; seja ele com enfoque presencial ou virtual, entre adolescentes, jovens adultos ou na maturidade. Hetero, homo ou bissexual. É sobre o amor enquanto este existe e sua felicidade. Sobre o amor quando finaliza e suas dores! Das depressões advindas des- sas rupturas aos crimes passionais que nos impressionam. A ideia desse artigo é abordar através da pesquisa de alguns autores, bem como da experiência psicológica clínica, as diferentes formas como as pessoas lidam com o rompimento afe- tivo nos relacionamentos amorosos, bem como esclarecer essas dinâmicas, a fim de explorar formas mais equili- bradas para lidar com esse tipo de si- tuação. Quem dera se pudesse sempre lidar com perdas conforme o poema de Fernando Pessoa. FIM Dificilmente encontra-se alguém que não tenha tido tal tipo de vivência. Os consultórios psicológicos e psiqui- átricos estão cheios de pacientes que os procuram após um rompimento, seja para lidar melhor com o luto, seja para controlar uma crise mais grave que foi disparada. Bielski e Zordan (2014) definem que “o relacionamento amoroso é com- preendido como um fenômeno afetivo social que abrange os sentimentos e os processos de comunicação na dinâmi- ca das relações amorosas. Abrange o cotidiano e os hábitos dos relaciona- mentos, o processo histórico de cons- trução dos papéis na conjugalidade e sua dimensão jurídica, a consciência do valor atribuído aos vínculos nas re- lações afetivas, como também os senti- mentos e os processos de comunicação envolvidos na dinâmica das relações amorosas” (Cruz; Maciel, 2012). Ainda segundo os autores: “O desejo pessoal de encontrar o par- ceiro ideal corresponde à principal característica das relações amorosas. Atualmente, esse desejo convive com a facilidade em desistir da relação frustrada e seguir buscando uma nova relação prazerosa, o que é estimulado por fatores externos, tais como mídia, novas tecnologias e artes em geral, que enfatizam a busca de uma grande paixão. Todos são influenciados des- de o nascimento com a informação de que, se não encontramos no outro a felicidade, deixamos de vivenciar o www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 25 Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já me não dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou, O que deixou alegria Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia (Fernando Pessoa) 26 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br RELACIONAMENTO Dificilmente encontra-se alguém que não tenha tido tal tipo de vivência. Os consultórios estão cheios de pacientes que os procuram após um rompimento, seja para lidar melhor com o luto ou para controlar uma crise mais grave que foi disparada desejado bem-estar subjetivo” (Silva Neto; Mosmann; Lomando, 2009). Assinalam que, de acordo com a literatura, o luto é uma resposta natu- ral ao rompimento de um vínculo sig- nificativo para o indivíduo, e quanto mais dependente e intenso for o vín- culo, e a dependência, mais difícil po- derá ser o processo de luto. Durante e após esse processo a pessoa precisará se reorganizar. A pesquisa desses autores buscou identificar os sentimentos predomi- nantes em adultos jovens após o tér- mino de relacionamentos amorosos. Nesse estudo, constatou-se o seguin- te: após o fim do relacionamento amo- roso, houve uma predominância de sentimentos positivos tanto para ho- mens como para as mulheres, embora em intensidades diferentes, pois o ní- vel de sentimentos positivos para eles foi superior ao delas. Além disso, as mulheres atingiram níveis mais eleva- dos de sentimentos negativos quando comparadas aos homens, o que indica um maior sofrimento por parte delas. Esses achados podem estar relaciona- dos a aspectos culturais que caracteri- zam a diferenciação de gênero, pelos quais as mulheres ainda são educadas com uma maior valorização do rela- cionamento amoroso, estimuladas a encontrarem um parceiro, enquanto os homens são educados com maior ênfase no aspecto predominantemen- te profissional, preponderando a ex- pectativa de que eles devam exercer maior autocontrole, não se envolven- do tanto nos relacionamentos
Compartilhar