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FICHAMENTO CIVIL CAP V livro de Chves

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V- Modalidade de Resp Civil
1- A clássica dicotomia: responsabilidade negocial e extranegocial (ou simplesmente “civil”)
A imposição de uma obrigação de indenizar é historicamente atribuída a danos contratuais ou derivados de um ilícito. Em face dessa clássica dicotomia, em sentido amplo a responsabilidade civil se notabilizou como uma obrigação de reparar danos, sejam eles resultantes do descumprimento de uma obrigação ou da violação de outros direitos alheios. 
Já de longa data se estabeleceu a dicotomia entre a responsabilidade civil stricto sensu (delitual ou aquiliana) e a responsabilidade contratual (negocial ou obrigacional). Trata-se de uma summa divisio decorrente do critério da origem do dever descumpri-lo, ou seja, o contrato ou o delito. Dois fundamentos para a imputação de um dano. O regime das sanções será diverso, conforme se verifique uma violação a um direito de crédito ou a um dever genérico imposto pela norma. Do ponto de vista formal, na primeira se incorre quando da inobservância de qualquer dever emanado de uma relação obrigacional, enquanto na segunda a responsabilidade nasce de um dano sofrido por alguém, prescindindo -se de uma preexistente relação entre lesante e lesado, sendo suficiente o descumprimento de um dever que emerge do tráfico social.
O inadimplemento corresponde ao descumprimento de um dever jurídico qualificado pela preexistência de relação obrigacional. Requer, portanto, um preceito individual unindo credor e devedor, vinculados a uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Na lógica da obrigação como processo, o inadimplemento corresponderá a uma indesejada etapa final na qual será alterado o conteúdo do vínculo. Substitui-se a prestação originária por uma obrigação sucessiva de indenizar.
Já a responsabilidade civil em sentido restrito e técnico – extranegocial ou extra-obrigacional – requer o descumprimento de um dever genérico e universal de não causar danos. Não há agora intervenção direta em uma ordem de condutas preestabelecidas pela autonomia privada, mas tão somente a presença de um dever de indenizar, pelo qual se atribui a alguém a obrigação de suportar um dan o sofrido por outrem. 
Aliás, não é raro encontrarmos obras que identificam a responsabilidade civil com a expressão responsabilidade aquiliana. Surgiu com a lex aquilia, intimamente conectada à noção do ilícito, portanto dissociada das hipóteses de responsabilidade objetiva. Ou seja, toda responsabilidade aquiliana é uma responsabilidade civil, mas nem toda responsabilidade civil é responsabilidade aquiliana, haja vista que nas hipóteses de imputação objetiva da obrigação de indenizar, dispensa-se a constatação do ilícito culposo.
Evita-se, aqui, a adoção do par responsabilidade contratual e extracontratual pela sua incompletude. O inadimplemento não é um fenômeno restrito aos contratos, mas se estende a qualquer obrigação, tenha ela origem em um contrato ou em um negócio jurídico unilateral. Ilustrativamente, uma promessa de recompensa inclui-se entre os negócios unilaterais que são fontes de obrigações. Aquele que promete recompensa está vinculado ao cumprimento da prestação oferecida (art. 854, CC). A sua obrigação não depende do consentimento da outra parte, nascendo exclusivamente da manifestação pública de vontade do promitente. O descumprimento da promessa se insere dentre as hipóteses de responsabilidade negocial.
Ademais, se nem todo inadimplemento de obrigação é um descumprimento contratual, a recíproca não se impõe. Todo descumprimento contratual é um inadimplemento, apenas qualificado pelo fato de que a fonte da obrigação é um contrato. Assim, os efeitos do descumprimento serão específicos, quando referentes ao contrato, como demonstra a exceção do contrato não cumprido, o vencimento antecipado do débito e o direito potestativo à resolução. Não obstante a consagração pelo uso da expressão responsabilidade contratual, pelas razões técnicas ora suscitadas, optamos pela decomposição do fenômeno da responsabilidade em negocial e extranegocial.
1.1 O dano como elemento comum às duas responsabilidades
Na ampla acepção do ilícito, o inadimplemento obrigacional no âmbito de um negócio jurídico perfaz um “ilícito relativo” – transgressão a um preceito negocialmente concebido –, ao contrário do que se dá na responsabilidade civil, na qual a expressão “ilícito absoluto” consubstancia uma violação ao neminem laedere. Porém, o ilícito só será pressuposto de responsabilidade civil na teoria subjetiva. Na teoria objetiva, o nexo de imputação será delimitado pelo risco da atividade ou pelo legislador, independente da constatação da antijuridicidade do comportamento do agente.
Igualmente na responsabilidade negocial, nem sempre o inadimplemento obrigacional corresponderá a um comportamento antijurídico da parte. Se a mora invariavelmente demanda o elemento subjetivo da culpa do devedor como causa do imperfeito cumprimento da obrigação (art. 396, CC), no inadimplemento absoluto a relação obrigacional será extinta por hipóteses de impossibilidade superveniente inimputável ao devedor (art. 234, CC), ou de inexigibilidade econômica decorrente da impossibilidade econômica da parte fazer frente a alteração de circunstâncias (art. 317, CC).Outrossim, na esteira da lição de Jorge Cesa Ferreira Da silva, considerando-se o inadimplemento como o não cumprimento de qualquer dever emanado do vínculo, ele surgirá independente do responsável pelo descumprimento, sendo suficiente que restem os interesses do credor não atendidos – seja por ato do devedor ou fato da natureza. No campo dos efeitos, classifica-se o inadimplemento em objetivo, quando independe do devedor e, subjetivo, quando decorre do ato do devedor. Neste, liga-se a conduta ao resultado; naquele, presta-se atenção apenas ao resultado. Destarte, o elemento comum e indispensável à eclosão das duas responsabilidades é o dano. Nessa passagem de uma sanção punitiva para uma sanção reparatória, um ato ilícito que não repercuta em lesão a interesses patrimoniais e existenciais da vítima será insuscetível de responsabilidade civil (art. 927, CC). A responsabilidade extranegocial é a obrigação de indenizar. 
1.2 As distinções entre a responsabilidade civil e a responsabilidade negocial
Vislumbramos oito distinções entre a responsabilidade negocial e a responsabilidade civil no plano consequencial. Assim, vejamos: 1- no que concerne à gradação da culpa, em sede de responsabilidade civil, o fato ilícito do agente não será sancionado de maneira mais ou menos intensa, conforme a variação da intensidade da culpa, eis que a reparação será medida pela extensão do dano (art. 944, CC). Excepcionalmente, haverá redução do quantum reparatório nas hipóteses em que surgir evidente desproporção entre a grande extensão do dano e a mínima incidência de culpa (parágrafo único, art. 944, CC). Todavia, no setor da responsabilidade negocial a gradação da culpa será em alguns casos fator prévio e abstrato de isenção de obrigação de indenizar. Assim ocorre nos contratos gratuitos, nos quais uma das partes obtém vantagem, enquanto para a outra há apenas sacrifício. Ao teor do artigo 392 do Código Civil, “nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça”. Observa-se que a culpa grave se equipara ao dolo. 2- diferenciam-se os regimes no tocante à extensão da reparação. No campo da responsabilidade extranegocial, o montante da reparação será balizado pela extensão do dano (art. 944, CC). Excepcionalmente, em homenagem à regra da proporcionalidade, existem dispositivos que permitem ao magistrado reduzir equitativamente o montante da indenização, tais como a desproporção entre a pequena gravidade da culpa e a extensão do dano (parágrafo único, art. 944 CC) ou a mitigação do quantum reparatório a ser subsidiariamente pago pelo incapaz (parágrafo único, art. 928, CC). Em contraposição, a responsabilidade negocial admite a inserção de cláusulas limitativas de responsabilidade e, mesmo,
a cláusula de não indenizar, desde que respeitem os seguintes requisitos: não colisão com preceito de ordem pública; ausência de intenção de afastar obrigação inerente à função; inexistência do escopo de eximir o dolo ou a culpa grave do estipulante; bilateralidade de consentimento; igualdade de posição das partes; e não existência de limitação legal. Contudo, pela natural posição de vulnerabilidade do consumidor, o CDC veda a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar (art. 25, Lei nº 8.078/90). 3-distanciam-se ainda os regimes pela possibilidade de exercício da autonomia privada em negócios jurídicos, com o fito de inserção de cláusula penal ou cláusula de perdas e danos, seja para prefixar uma pena como sanção para o eventual inadiplemento, ou para estabelecer uma prévia liquidação de perdas e danos, evitando a discussão judicial sobre o montante dos prejuízos. Todavia, face à ausência de deveres decorrentes de um negócio jurídico, na responsabilidade civil os danos patrimoniais e extrapatrimoniais serão quantificados em juízo. 4- há oscilação no tocante à exigência de capacidade dos agentes. Naturalmente, na responsabilidade negocial a validade de qualquer relação obrigacional requer a capacidade de fato das partes ou o seu suprimento por institutos, sob pena de decretação judicial das sanções de nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Portanto, a responsabilidade contratual de incapazes só surgirá em raras hipóteses, como a do relativamente incapaz, impossibilitado de arguir a anulabilidade do negócio, quando se valeu de sua malícia para ludibriar o outro contratante, forjando capacidade plena (art. 180 CC). Contudo, na responsabilidade civil o ordenamento jurídico permite que um incapaz possa obrigar-se a indenizar, mesmo que a sua inimputabilidade exclua a possibilidade da prática de um ato ilícito (art. 928, CC). 5- há singularidades no regime da mora e de suas consequências. Na responsabilidade negocial a mora incidirá automaticamente com a fluência do termo ajustado (art. 397, CC), em sua falta mediante interpelação (parágrafo único, art. 397, CC), ou ainda, a partir da citação, se ilíquida a obrigação ou quando nenhum fato anterior tenha constituído em mora o devedor. Já na responsabilidade civil, a mora é presumida a contar da data da ocorrência do evento (art. 398, CC). Via de consequência, os juros moratórios incidem a partir da prática do fato danoso (Súmula nº 54 STJ). No particular, trazemos à colação o Enunciado nº 163 do Conselho de Justiça Federal: “A regra do artigo 405 do Código Civil (‘contam-se os juros de mora desde a citação inicial’) aplica-se somente à responsabilidade contratual, e não aos juros moratórios na responsabilidade extracontratual, em face do disposto no artigo 398 do Código Civil (‘nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou’), não afastando, pois, o disposto na Súmula 54 do STJ (‘os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual’).” 6- relativamente à matéria de prova, na responsabilidade civil stricto sensu, como regra geral, será a vítima que provará o ilícito, a culpa, dano e nexo causal. Nas hipóteses de incidência da teoria objetiva, restam expurgados os dois primeiros pressupostos. Contudo, no campo da responsabilidade negocial, da simples constatação do inadimplemento (seja por mora ou inadimplemento absoluto) automaticamente decorrerá a obrigação de indenizar do devedor, cabendo a ele a demonstração de que o descumprimento da prestação a ele não poderia ser imputável. Neste sentido se coloca o Enunciado 548 do Conselho de Justiça Federal: “Caracterizada a violação de dever contratual, incumbe ao devedor o ônus de demonstrar que o fato causador do dano não lhe pode ser imputado.” 7- naquilo que concerne à prescrição, na responsabilidade civil o fato jurídico que neutraliza a pretensão de reparação de danos patrimoniais e/ou morais surgirá em três anos a contar do fato danoso (art. 206, parágrafo 3º, inciso V, CC). No regime do Código de Defesa do Consumidor a prescrição é cinco anos a contar do conhecimento pela vítima da autoria do fato do produto ou do ser viço (art. 27, CDC). Porém, no campo da responsabilidade negocial os prazos se adaptam ao tipo de tutela adotada pelo credor. Conforme ele se sirva de uma tutela executiva, monitória ou ordinária, os prazos variam intensamente, alcançando cinco anos para a cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, ou mesmo atingindo o patamar máximo de dez anos do artigo 205 do Código Civil. 8-quanto ao foro competente para a propositura de demandas, será o domicílio do réu na responsabilidade negocial (art. 94, CPC), exceto se pactuado foro de eleição ou cláusula compromissória. Caso a obrigação deva ser satisfeita em algum local específico, ela deve ser ali proposta, conforme enuncia o art. 100, IV, d, do Código de Processo Civil. Todavia, na responsabilidade civil há regra mais benéfica para a vítima. O foro competente é o local em que o fato ocorreu (art. 100, V, CPC). Porém, tratando-se de reparação de danos decorrente de acidente de veículo, o processo poderá se desenvolver tanto no local do fato como no domicílio da vítima (parágrafo único, 100, CPC).
1.3 O concurso de responsabilidades
No plano puramente teórico não é árdua a tarefa de delimitar a responsabilidade negocial da extranegocial. Aquela demanda danos oriundos do inadimplemento de uma obrigação e, portanto, pressupõe um ato de autonomia privada que deu origem a uma relação jurídica entre credor e devedor. Em contrapartida, a responsabilidade extranegocial dispensa essa prévia aproximação jurídica, pois o ofensor será sancionado por uma lesão a um dever genérico de não causar danos. Certos danos representarão tanto uma ofensa a uma obrigação como uma violação ao neminem laedere. Basta pensarmos em um passageiro de um táxi que é vítima de uma colisão por negligência do condutor, ou do extravio da sua bagagem no transcurso da execução do contrato por descuido da empresa contratada. Nas duas singelas e corriqueiras situações, a par da existência de um negócio jurídico, a mera constatação do ilícito culposo seria motivo suficiente para imputar obrigação subjetiva de indenizar ao transportador. Temos aqui o que se pode chamar de concurso entre duas responsabilidades, a negocial e a civil (ou extranegocial). No exemplo citado, a tendência natural do civilista seria a de optar pelo regime da responsabilidade negocial, partindo-se da tradicional premissa de uma ofensa a uma cláusula tácita de incolumidade. Toda vez que o dano se relacione imediatamente com a violação a cláusulas contratuais ou obrigações legais especificamente relacionadas ao negócio jurídico, a responsabilidade será negocial. Todavia, mesmo havendo um vínculo contratual, se o dano decorreu da quebra de um dever geral de cuidado, prevalecerá o direito geral da responsabilidade civil extranegocial. A preferência por uma ou outra solução gera consequências jurídicas relevantes. Na hipótese de demanda promovida pelo passageiro acidentado, se a opção for pela responsabilidade negocial do transportador, os juros de mora incidirão a partir da citação (art. 405, CC). Porém, deliberando-se pela responsabilidade civil stricto sensu, antecipa-se a contagem dos juros de mora para o instante da lesão. Para agravar a situação, se entendermos pela aplicação da responsabilidade negocial ao caso, teremos que proceder a uma nova escolha, na hipótese em que, além do passageiro, um transeunte sofre lesões físicas em consequência da desídia do mesmo condutor do veículo. Um idêntico fato desencadeando, simultaneamente, duas responsabilidades distintas, com eficácias jurídicas diferenciadas! A situação se tornaria ainda mais complexa (e absurda) se uma terceira vítima fosse um “caroneiro”. Segundo a responsabilidade negocial, aplicar-se-ia a ele a regra geral dos contratos gratuitos, pela qual, “nos contratos
benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça”. Quer dizer, enquanto se aplica em prol do transportado o sistema da responsabilidade objetiva contratual (art. 734, CC), para o transeunte haverá a necessidade de demonstração de culpa extranegocial do condutor (teoria subjetiva) e, finalmente, terá o “caroneiro” que demonstrar culpa grave ou dolo do transportador, equiparada a sua situação à de parte beneficiada por um contrato gratuito. Paradoxalmente, um único evento com três soluções conflitantes. Exemplo medico Aliás, em caso de morte, quem pede a indenização (os familiares) nem participou de nenhum contrato e ajuíza a ação de indenização por direito próprio, pela dor própria. A indenização em todos esses casos não é prevista contratualmente, mas decorre de ato ilícito, muito embora em uma situação haja um contrato subjacente, cujo devedor não está em mora, mas está absolutamente inadimplente. Reiteramos, portanto, nossa clara defesa pela adoção do regime geral de responsabilidade civil sempre que o dano extrapole as regras concebidas pelas partes e corresponda verdadeiramente a um descumprimento de um dever de cuidado oponível em caráter erga omnes. Implicitamente daí decorre a impossibilidade de mistura de regimes ao bel-prazer do lesado, ou mesmo a criação de um terceiro regime de responsabilidade que lhe possa conferir aquilo que há de mais vantajoso em um ou outro sistema. Vale dizer, aferida a origem extranegocial da lesão, ofensor e ofendido respeitarão as regras relativas à responsabilidade civil, com os seus bônus e ônus.
1.4 A responsabilidade pela confiança – a superação da clássica dicotomia responsabilidade negocial e extranegocial
Em princípio as dicotomias clássicas (v. g. capacidade/incapacidade, validade/invalidade) surgem para conferir segurança jurídica, evitando a imponderabilidade e o domínio da contingência. Evidentemente é válido todo o esforço legislativo no sentido de conferir uma ordem de estabilidade e para tanto o Código Civil estabeleceu um sistema dualista de responsabilidade civil. Como é sabido, a responsabilidade obrigacional serve à tutela e à realização das expectativas relacionadas à prestação. Seu fundamento é a frustração da promessa de adimplemento assumida na autovinculação negocial. Esta forma de responsabilidade protege contra um risco específico de dano, aquele que deriva da precedente relação obrigacional instaurada entre dois sujeitos e que se pode definir como risco do próprio programa obrigacional.
Em sentido diverso, na responsabilidade extranegocial ou extraobrigacional, conhecida como responsabilidade civil, inexiste vínculo negocial preexistente. O fundamento da responsabilidade será um fato ou um comportamento social que afeta a ordenação geral de bens. O dano será o momento em que ocorrerá um contato meramente ocasional entre lesado e lesante. A reparação dos danos será uma reação capaz de exprimir a necessidade de defesa de uma coexistência pacífica. Porém, nas situações que estudaremos a partir de agora, esfacelam-se as extremas entre as duas grandes vias da responsabilidade. Ao inserirmos a confiança lateralmente à autonomia privada, criamos um terceiro fundamento para a imputação de um dano. Um espaço fecundo para a irrupção de deveres que não se vinculam a uma prestação delineada pelas partes e nem tampouco vinculam indivíduos aleatoriamente atados pela violação de um dever genérico de abstenção. O milenar dualismo normativo é matizado por “ligações especiais” a impor uma correta colaboração intersubjetiva. Essa responsabilidade pela confiança não se afeiçoa às tradicionais exigências de civilidade em sociedade e nem a uma autorregulamentação negocial. O direito encontra legitimidade justamente no proteger das expectativas legítimas e da confiança dos indivíduos. Inexiste convivência pacífica sem a confiança de que outras pessoas adotem comportamentos conformes às normas jurídicas disciplinadoras de convivência. Se partíssemos para esse caminho vago e impreciso, culminaríamos por dissolver a legitimidade da confiança no interno das demais formas de responsabilidade. Portanto, as bases conceituais da responsabilidade pela confiança serão extraídas de situações em que a sua justificativa é indispensável e com total independência do contrato e do ilícito. Ela tomará vulto em contextos como o da violação positiva do contrato, das responsabilidades pré e pós-contratual e da tutela externa ou transubjetiva do contrato. Em todos esses casos perceberemos com relativa nitidez que havia uma lacuna no sistema dicotômico de responsabilidade, o que perigosamente abria caminho para especiais interferências danosas na esfera jurídica alheia. A introdução da confiança amplia a segurança jurídica, pois orienta condutas socialmente desejáveis, estabilizando expectativas de comportamento. 
Cremos que a responsabilidade pré-negocial não se afeiçoa categoricamente à dicotomia responsabilidade civil/contratual. Preferimos inserir a sua sistemática em uma terceira via: a responsabilidade pela confiança. O processo de formação de um contrato envolve um mínimo de confiança recíproca. Já há um contato social entre os interessados. Em contrapartida, a responsabilidade civil assegura a tutela dos sujeitos e de seus bens contra agressões praticadas por terceiros “anônimos”, especificidade que a distancia de uma necessária identificação e interação por meio de uma especial relação entre indivíduos mediante negociações preliminares para a formação de um contrato. Ademais, as partes já estão adstritas a um comportamento diligente, correto e leal – ou uma programação de condutas devidas –, ou seja, um proceder bem diferenciado do que um mandamento geral e genérico de abstenção de causar lesões a outrem, como preconiza a responsabilidade aquiliana. Por outro lado, os contratantes não se encontram (ainda) vinculados por qualquer dever contratual. Os deveres de conduta são infensos a uma origem negocial. A celebração de um contrato requer, estruturalmente, um encontro entre uma proposta e uma aceitação. A culpa in contrahendo não se assemelha a uma responsabilidade por frustração de interesses de cumprimento, sendo inconsistente a afirmação de uma “responsabilidade contratual sem contrato”.A teoria da confiança ingressa justamente neste vácuo entre as responsabilidades contratual e aquiliana. O seu reconhecimento, explica carneiro Da Frada radica in-timamente na indeclinável exigência do Direito segundo a qual aquele que origina a confiança de outrem e a frustra deve responder em certas circunstâncias pelos danos causados. A partir dela, justifica-se a responsabilidade pré-contratual pela tutela direta à fundada confiança experimentada por cada uma das partes no sentido de que a outra conduza as negociações segundo a boa-fé. A defraudação da confiança constitui o vero fundamento da obrigação de indenizar. Não existe ainda um dever primário de prestar, mas o ordenamento jurídico objetivamente enquadra os sujeitos. Eles ficam adstritos a condutas retas e honestas com vista a uma contratação mais consciente e segura, prevenindo um iter negocial potencialmente gerador de desequilíbrios e injustiças contratuais, sob pena de ressarcimento dos danos causados. A responsabilidade pela confiança se edifica em torno da expectativa de cumprimento de determinados deveres de comportamento. Trata-se de uma concepção normativa, objetivada de confiança. 
1.4.1 Responsabilidade civil pela violação positiva do contrato
Com supedâneo na abstração e generalidade do princípio da boa-fé, alarga-se o conceito de adimplemento. Adimplir significará atender a todos os interesses envolvidos na obrigação, abarcando tanto os deveres ligados à prestação propriamente dita, como aqueles relacionados à proteção dos contratantes em todo o desenvolvimento do processo obrigacional. O descumprimento dos deveres anexos provocará inadimplemento, com o nascimento da pretensão reparatória ou o direito potestativo à resolução do vínculo.Apesar
de variações doutrinárias, os deveres laterais podem ser classificados em três categorias: deveres de proteção, informação e cooperação. Os deveres de proteção relacionam-se ao acautelamento patrimonial e pessoal da contraparte. Surgem com muita frequência na responsabilidade pré-contratual, quando ainda não há um dever de prestação, mas já se exige um cuidado com a integridade do eventual parceiro. Já os deveres de cooperação pressupõem que as partes não pratiquem atos capazes de frustrar as finalidades materializadas no contrato. Isto é, pede-se um comportamento leal entre os contraentes, para que possam ser alcançados os objetivos convencionados. Enfim, os deveres de informação obrigam cada contratante a conceder ao outro amplo conhecimento acerca dos fatos relacionados ao objeto do contrato, para que todas as decisões possam ser fruto de uma vontade livre e real. A lesão aos deveres genéricos de proteção, informação e cooperação repercute na chamada violação positiva do contrato. Cuida-se de uma terceira modalidade de inadimplemento das obrigações, ao lado da mora e do inadimplemento absoluto. Nota-se que a noção de obrigação se amplia. O seu conteúdo é reconduzido a deveres que serão determinados na concretude de cada situação. Enquanto o inadimplemento absoluto e a mora concernem ao cumprimento do dever de prestação, a violação positiva do contrato aplica-se a uma série de situações práticas de inadimplemento que não se relacionam com a obrigação principal – mais precisamente, o inadimplemento derivado da inobser vância dos deveres laterais ou anexos. Em abastada monografia sobre o tema, Jorge Cesa Ferreira Da Silva culmina por concluir que “a violação positiva do contrato, no direito brasileiro, corresponde ao inadimplemento decorrente do descumprimento de dever lateral, quando este dever não tenha uma vinculação direta com os interesses do credor na prestação”. Também é conhecido o modelo da violação positiva do contrato como adimplemento ruim ou insatisfatório, pois, apesar de alcançar-se o cumprimento do dever de prestação, sobejaram frustrados o exercício da boa-fé e a salvaguarda da confiança alheia.O Código Civil de 2002 partiu de um modelo de obrigações ainda forjado em paradigmas da metade do século XX. A correta hermenêutica da função integrativa da boa-fé objetiva remete à aceitação da violação positiva do contrato pela janela da cláusula geral do art. 422 do Código Civil. Com tal propósito, editou-se o Enunciado 24 do Conselho de Justiça Federal: “em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”. O mérito do referido enunciado consiste em demonstrar que a responsabilidade civil decorrente dessa espécie de inadimplemento não corresponde a um simples ato ilícito culposo, mas a uma responsabilidade pela confiança. A violação positiva do contrato como rompimento da relação de confiança que conecta as partes, mesmo que não atrelada aos deveres de prestação, deverá ser identificada em seus efeitos patrimoniais com o inadimplemento, para que dela se possa extrair o direito da parte ofendida à resolução do vínculo obrigacional ou, mesmo, à oposição da exceptio non adimpleti, inclusive com todas as consequências da responsabilidade civil, sobremaneira o dever de indenizar em prol do lesado. Poderíamos exemplificar a violação positiva do contrato com base em três interessantes situações descritas: a) médico realiza tratamento e alcança a cura do paciente. Porém, a técnica empregada é extremamente dolorosa, quando existiam meios alternativos na ciência para se alcançar idêntico resultado sem que isto implicasse sofrimento para o paciente; b) uma empresa contrata com agência de publicidade a colocação de outdoors pela cidade para a exibição de um novo produto. Todos os anúncios são colocados em locais de difícil acesso e iluminação, em que poucas pessoas tenham a possibilidade de visualizar a propaganda; c) proprietário de haras adquire valioso cavalo e, em razão de falha no transporte, o animal chega em seu novo endereço magro e fragilizado.14Nos três casos não podemos falar em inadimplemento absoluto, pois as prestações de fazer e de dar foram adimplidas. Nada obstante, nas três situações retratadas o adimplemento se deu de forma ruim, insatisfatória, ofendendo deveres instrumentais diretamente vinculados à realização da prestação, sejam eles deveres de proteção (1º caso), colaboração (2º caso) ou ambos (3º caso). 
1.4.2 A violação de deveres anexos
Se compreendermos o inadimplemento como descumprimento de qualquer dever emanado da relação obrigacional, seremos inclinados a inserir a violação positiva do contrato no regime da responsabilidade negocial. Todavia, ao contrário do que ocorre com a prestação, os deveres anexos não decorrem da autonomia privada, mas de imposições éticas do sistema jurídico. A boa-fé objetiva é fonte de deveres de conduta. Quando ocorre a violação a um destes deveres não há nenhuma quebra da palavra dada. Os danos derivados da violação positiva não traduzem uma omissão no cumprimento da obrigação, os interesses frustrados perturbam a prestação, mas escapam ao âmbito voluntarístico do negócio jurídico. Aliás, os deveres de conduta podem até mesmo subsistir após a extinção do contrato. Apurada a autonomia desses deveres em relação ao nível da relação de prestação, vê-se que o adimplemento ruim ou insatisfatório escapa ao conteúdo da regulamentação intersubjetiva. Por outro lado, diversamente ao que ocorre na responsabilidade civil, não estamos aqui tratando de um dever geral de não causar danos. A responsabilidade extrao-brigacional foi concebida como pura ordem de defesa dos bens contra intromissões danosas originadas de outros sujeitos da comunidade. O dever genérico e negativo de abstenção não se amolda às exigências ativas de colaboração intersubjetiva, em contextos de interações sociais particularizadas em que os indivíduos transcendem o isolacionismo da responsabilidade aquiliana. Destarte, parece-nos que a violação positiva do contrato será aferida por uma terceira via de responsabilização, pois o dano à confiança é uma ofensa a deveres que concretamente pertencem a uma relação obrigacional, mas não se vinculam imediatamente à prestação. Ela surge pelo fato de o lesado expor a sua pessoa ou os seus bens à intromissão da outra parte e nesse sentido, “lhes confiar ”. Surge uma responsabilidade especial lateralmente ao descumprimento dos deveres fundados na relação prestacional dominante. Funda-se entre as partes uma ordem especial de proteção de seus bens pessoais e patrimoniais que suplanta o mandamento genérico do neminem laedere, aplicável a tutela geral e a indiferenciada convivência social, pois aqui há uma pessoa que confiou de fato na correção do comportamento da outra parte.
1.4.3 A responsabilidade pré-negocial – os deveres anexos desvinculados da obrigação
A teoria da responsabilidade pré-contratual, teve como ponto de partida a análise da possibilidade de indenização decorrente da celebração de um contrato nulo, mais precisamente se aquele que culposamente dá causa à nulidade de um contrato deve ser responsabilizado pelos danos sofridos pela contraparte que confiou na validade do negócio. O grande jurista alemão, amparado no direito romano, concluiu positivamente à questão, observando a existência de um dever de diligência, surgido em momento anterior à conclusão do contrato. A doutrina e jurisprudência desenvolveram e aplicaram a teoria da responsabilidade pré-contratual, que posteriormente foi ligada à proteção da confiança por Larenz e seu discípulo Canaris. Na sistemática da obrigação como processo o contrato se desenvolve em três etapas sucessivas: (a) pré-contratual; (b) contratual; (c) pós-contratual. A fase pré-contratual se inicia com as negociações preliminares, culminando, em caso positivo, com a conclusão do contrato, seja pela via do acordo entre as partes, nos contratos consensuais, ou pela entrega da coisa,
nos contratos reais. As tratativas também se dividem em três momentos: (a) negociações; (b) proposta; (c) aceitação. Nas tratativas as partes analisam a conveniência de eventualmente se submeter ao vínculo contratual. É o período propício para esclarecimento do conteúdo necessário à implementação do negócio jurídico. O início das negociações preliminares, em uma primeira abordagem, poderá consistir em uma solicitação de orçamento, a indagação do preço de um ser viço ou por qualquer comportamento indicativo do interesse de celebrar um contrato. Neste momento surge uma identidade de propósitos entre os pré-contratantes, em que ambos desejam prosperar nas tratativas. Essa trilha paradoxalmente conduzirá a um momento em que as vontades se tornam divergentes. Será a fase da conclusão do contrato, em que um desejará comprar e o outro vender; um desejará locar e outro ser locatário. E por aí vai...Mesmo nos negócios jurídicos instantâneos, contratos de adesão e relações contratuais de fato, há uma fase preliminar. É uma etapa breve, que não se exterioriza por ser de natureza psicológica, mas na qual o contratante calcula as vantagens patrimoniais e existenciais de se submeter a uma determinada contratação. No âmbito das tratativas inexiste proposta formalizada, hábil a vincular as partes (art. 427, CC). Nesta fase, eventualmente haverá uma carta de intenções subscrita pelas partes ou uma minuta, consubstanciando um documento em que se fixa por escrito o desenho do contrato. Mas ainda não há o consentimento necessário ao contrato definitivo. Realmente, na fase das negociações preliminares as partes costumam celebrar os chamados acordos provisórios, usualmente denominados de minutas, esboços ou cartas de intenção. Elas já se vinculam a determinados pontos do negócio, mas sem a obrigação de celebração do contrato principal enquanto não se acertam com relação aos demais aspectos. Os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não se pactuou ainda no que tange às cláusulas em aberto. Assim, se as partes não celebram o contrato definitivo, por não alcançarem consenso em relação aos pontos em aberto, automaticamente se extingue o acordo provisório. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se os promitentes aos termos das minutas parciais. Uma importante distinção delimita o contrato preliminar e as tratativas. Em comum, ambos antecedem o contrato definitivo. Todavia, o contrato preliminar não pode ser enfrentado como uma categoria intermediária entre as negociações preliminares e o contrato definitivo. Cuida-se de figura autônoma. Enquanto as tratativas são levadas a efeito independentemente de qualquer compromisso, pois as partes não sabem se irão ou não contratar, o contrato preliminar é uma convenção completa que demanda um acordo de vontades e uma relação jurídica concluída, de natureza patrimonial. Já há o consentimento dos pré-contratantes, cuja finalidade é a segurança do negócio substancial que se tem em mira. A fase das tratativas é concluída positivamente, porém, as partes optam pela não celebração do contrato definitivo. Com o contrato preliminar, as partes não se obrigam a prosseguir nas negociações, mas concluir certo conteúdo, pronto e acabado, pois elas já “fecharam o negócio”. Em regra as negociações preliminares não vinculam, sejam elas orais ou escritas, pois é inerente ao princípio da liberdade contratual que os indivíduos tenham a autonomia de optar pela contratação, sem que a negativa estabeleça a obrigação de indenizar em favor do outro negociante. Todavia, as negociações preliminares não são procedimentos completamente dicricionários. Os deveres de conduta emanados da boa-fé objetiva já estão presentes ao tempo das tratativas. Eles antecedem ao momento da contratação, surgindo com o início do contato social entre os parceiros. Concilia-se a autonomia privada com a noção da indispensável responsabilidade dos contratantes sobre as legítimas expectativas de confiança depositadas parte a parte. Assim surgem: (a) deveres laterais de informação (b) deveres de proteção (c) deveres de cooperação. De acordo com o artigo 422 do Código Civil, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. Ao interpretar o conteúdo do referido artigo 422 do Código Civil, dispõe o Enunciado nº 170 do Conselho de Justiça Federal que “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.Na lição de nelson nery se extrai que estão compreendidas no artigo 422 “as tratativas preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações derivadas do contrato, ainda que já executado. Com isso, os entabulantes – ainda não contratantes – podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da celebração e da formação do contrato e os ex-contratantes também respondem por fatos que decorram do contrato findo (pós-eficácia das obrigações contratuais)”.Se nas negociações preliminares já há um contato social entre os contraentes, de onde emergem deveres de conduta vazados na preservação de condutas leais e cuidados recíprocos ao transcurso das tratativas, a ruptura imotivada e danosa das conversações é fator que vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado.Cumpre ressaltar que a responsabilidade civil pré-contratual não se dá apenas na ruptura das negociações preliminares. A doutrina acentua outras três hipóteses: (a) responsabilidade por danos causados à pessoa ou aos bens do outro contraente durante as negociações contratuais; (b) responsabilidade pela constituição do contrato inexistente, nulo ou anulável; (c) responsabilidade por danos causados por fatos ocorridos na fase das negociações, quando tenha sido validamente constituído o contrato. Apesar da pluralidade de hipóteses de incidência, indubitavelmente o aspecto mais examinado da fase pré-contratual é a desistência injustificada das negociações preliminares. Até que ponto é lícita a recusa de contratar? Para enzo roppo, o ponto de equilíbrio encontra-se na regra segundo a qual a ruptura das negociações gera responsabilidade apenas quando é injustificada e arbitrária, e não quando apoiada numa justa causa que a torne legítimo exercício de uma liberdade econômica, tal como quando sobrevêm circunstâncias inesperadas que tornam inconveniente a contratação, ou a contraparte modifique inopinadamente sua posição, pretendendo impor condições mais gravosas. Nessas circunstâncias não se pode dizer que a parte desistente se comportou de modo incorreto e violou o dever de boa-fé. Portanto, se em princípio cuida-se de regular exercício do direito, ocasionalmente a liberdade de não contratar poderá lesar legítimas expectativas. Trata-se da quebra da confiança, do affidamento que se depositou na conclusão do contrato. Ao analisarmos as categorias de abuso do direito, observaremos que há um exercício desleal do direito de recesso por parte daquele que adota condutas isoladamente lícitas, mas incompatíveis com o dever de correção, quando vistas em conjunto. Trata-se da proibição ao venire contra factum proprium.Com efeito, a culpa in contrahendo, evidenciada na quebra da confiança pelo recesso intencional, não se verifica no início das tratativas, mas quando as conversações preliminares se encaminham para a conclusão, pois a confiança se intensifica na mesma proporção que as negociações avançam e se aprofundam. Mais precisamente ao tempo em que as partes já tenham alcançado os elementos essenciais do contrato, instante em que uma delas surpreendentemente muda de ideia, injustificadamente desistindo da contratação, ou então fazendo exigências desproporcionais que obrigam a outra a desistir, ou mesmo de forma culposa dar início a um contrato ir realizável, por saber de antemão que ele nunca seria concluído. Em uma ou outra situação, evidente o exercício abusivo do direito de
não contratar quando comparado com toda a atividade pretérita daquele que, agindo de forma aparentemente dirigida à conclusão do contrato, induz o outro a negociar, atrai a sua confiança, propicia a realização de despesas fundadas em tais expectativas, para, na iminência da conclusão do contrato, retirar-se abruptamente. Contudo, sob o manto das boas intenções, não podemos super valorizar a tutela da confiança em detrimento da liberdade contratual. É que converter uma mera proposta de conversações e negociações numa proposta definitiva e irrevogável, com a velada insinuação de que toda a retirada de uma proposta negocial tende a ser oportunista, é destruir a própria lógica das negociações, animadas por graus variáveis de elasticidade ao conteúdo de propostas e contrapropostas. Vejamos elucidativo exemplo de boa aplicação da teoria da culpa in contrahendo: A deseja alugar um andar comercial de 800 m2. B demonstra inequívoco interesse em alugar, todavia deseja apenas metade do espaço (400 m2). Pelo fato do candidato à locação garantir a conclusão do contrato se atendido o seu pleito – inclusive enviando projeto de como seria a ideal divisão dos espaços físicos –, o proprietário executa as obras necessárias para adequar a unidade aos desígnios do potencial locatário. Concluídas as obras, surpreendentemente o entabulante desiste das negociações preliminares. Cabe a reparação de danos? Em sendo a resposta positiva, em qual extensão?A nosso sentido, a responsabilidade pré-negocial está devidamente delineada. PrImeiramente houve uma conduta do pré-inquilino consistente em concitar a confiança do proprietário quanto à celebração do contrato; em um segundo momento, a pedido do futuro locatário o proprietário efetuou despesas, fiando-se na indução à contratação; por fim, a imotivada e abrupta recusa à contratação se mostrou comportamento contraditório relativamente à confiança outrora depositada. Prospera assim a indenização pela responsabilidade pré-contratual, até mesmo pela impossibilidade de coagir alguém a celebrar um contrato nas relações puramente civis. A contradição representada pela ruptura das tratativas tem como única consequência a reparação por perdas e danos. Discute-se sobre a abrangência desta reparação. De um lado se colocam os “inte-resses negativos”, tidos como os prejuízos decorrentes da não conclusão do contrato. Cuida-se do “dano à confiança“ verificado em decorrência das tratativas frustradas. Os danos emergentes consistem nas despesas efetuadas pelo lesado ao curso das negociações preliminares. Já os lucros cessantes concernem às oportunidades de negócios que a parte perdeu no período em que se envolveu nas tratativas. Deverá ela efetivamente demonstrar as “ocasiões frustradas”, por ter acreditado na certeza do êxito das conversações. Cogita-se, ainda, dos “interesses positivos”. Seriam as vantagens obtidas pelo negociante lesado se o contrato fosse concluído. Dolph von iherinG, primeiro formulador da teoria da responsabilidade civil pré-contratual, limitou o dano indenizável na culpa in contrahendo ao que chamou de interesse negativo, cingindo -se a colocar a parte lesada na mesma situação em que se encontrava no momento anterior à estipulação do negócio. O dano a ser ressarcido nesses casos não coincide com o interesse que a parte tinha na execução do contrato. Esses prejuízos se limitam às despesas em que incorreu no desenrolar das tratativas e, eventualmente, na perda de algum outro negócio que tenha desistido em virtude de estar negociando o contrato que posteriormente não veio a se estabelecer. Pensamos da mesma maneira. Caso o interesse positivo fosse indenizável, reflexamente o lesado seria colocado em posição de exigir o contrato. Por via oblíqua haveria severa ofensa ao princípio da liberdade contratual, na medida em que a parte desistente seria condenada a valor semelhante à própria prestação que o lesado auferiria se o contrato fosse celebrado. 
1.4.4 A responsabilidade pós-negocial – os deveres anexos transcendem a obrigação
A relação obrigacional é atualmente concebida como um “processo”. Trata-se de um conjunto de atos coordenados cujo ápice será o adimplemento. Afinal, desde as tratativas, passando pela fase da contratação e de todas as vicissitudes do negócio jurídico, o que evidentemente se deseja é que a obrigação culmine com a extinção pelo cumprimento, obedecendo estritamente o projeto contratual desen hado pelas partes. No momento do pagamento o credor satisfaz o seu interesse sobre o bem e o ser viço; o devedor recupera a liberdade que cedeu quando vinculou a sua palavra e, finalmente, a obrigação se extingue.Todavia, este “happy end” somente fazia sentido quando o momento do pagamento era aferido isoladamente – mero ato -fato de iniciativa do devedor –, em uma concepção singela das obrigações. Diferentemente, se partirmos do contexto presente no qual as obrigações são complexas, posto acrescido o ato de autonomia privada ao influxo sistêmico da boa-fé objetiva, teremos que necessariamente mudar a nossa perspectiva e recusar o ponto de vista que considera o adimplemento o epílogo da relação entre credor e devedor.Em sua função integrativa (art. 422, CC32), a boa-fé objetiva insere na obrigação os deveres anexos, laterais ou de conduta. Para além do conteúdo prestacional dado pel os contratantes, os deveres de proteção, informação e cooperação são involuntários, pois introjetados a qualquer relação obrigacional como exigências éticas do ordenamento jurídico, aptas ao estabelecimento de uma ordem de cooperação intersubjetiva, indu-tora de um ambiente de confiança que guiará o negócio jurídico para o adimplemento.A plasticidade dos deveres anexos revela que o seu perímetro é mais amplo que o da própria prestação. A obrigação principal – de prestar uma coisa, um fato ou uma abstenção – desponta com a celebração do contrato e encontra o seu decesso ao tempo do cumprimento. Já os deveres anexos são mais extensos: revelam-se no momento das tratativas e sobrevivem ao adimplemento. Com efeito, a responsabilidade pela confiança demanda um especial relacionamento entre os sujeitos, que se inicia na fase do pourparler (negociações preliminares), espraiando -se para a etapa pós-n egocial.De fato, mesmo após o cumprimento de todas as obrigações negociais, credor e devedor mantêm uma aproximação, pois a boa-fé pressupõe que uma par te assegurará à outra a mais ampla fruição dos resultados obrigacionais bem como a não defrauda-ção das legítimas expectativas de confiança depositadas naquele projeto comum e em seus escopos. Portanto, a responsabilidade pós-contratual, também conhecida como culpa post pactum finitum ou pós-eficácia das obrigações, representa uma obrigação de reparação de danos decorrente da violação de deveres laterais mesmo após a extinção dos deveres prestacionais.
Conforme revela o Enunciado nº 25 do Conselho de Justiça Federal: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.Cumpre-nos trazer à colação alguns interessantes exemplos em que bem se acomoda a responsabilidade pós-contratual, em nível de relações interindividuais, interempre-sariais e de consumo:a) Uma empresa demite o seu diretor de informática. Seis meses depois ele é contratado pela concorrência e revela segredos empresariais que são utilizados com eficácia pelo novo empregador, causando danos ao antigo empregador. Caso houvesse cláusula de confidencialidade, ou seja, uma obrigação de não fazer que impusesse uma abstenção ao funcionário, seria o caso de imposição de responsabilidade negocial em decorrência de inadimplemento (sem se olvidar de uma demanda contra o novo em-pregador na qualidade de terceiro ofensor, como veremos adiante). Provavelmente, o contrato estabeleceria uma cláusula penal compensatória que predeterminasse a pena privada decorrente do comportamento culposo do agente.Porém, não tendo sido pactuada a cláusula de sigilo, caracterizada restará a pós-e-ficácia da obrigação diante da ofensa
ao dever de proteção da integridade patrimonial do ex-empregador. O segredo do negócio é um patrimônio imaterial do empresário que foi subtraído justamente por quem tinha o imperativo moral de lhe preser var em razão da confiança depositada pela relevante função exercida. Quer dizer, só podería-mos recorrer à tese da responsabilidade civil stricto sensu se o autor da conduta ilícita fosse um estranho aos quadros da empresa, o que atrairia a clássica antijuridicidade por desobediência ao dever geral de abstenção.b) A adquire uma padaria de propriedade de B. O negócio jurídico é fielmente executado em todos os seus termos. Inesperadamente, dois meses após a transação, o vendedor B abre uma grande padaria a 500 metros de seu antigo estabelecimento comercial. Em razão do vulto de seu empreendimento a padaria de A sofre esvazia-mento, gerando grandes perdas econômicas. Isoladamente aferido, o comportamento de B é um ato lícito, pois a ordem econômica constitucional (art. 170 CF) concita à livre-iniciativa e ele nada mais fez do que inaugurar um empreendimento comercial. Da mesma maneira, não havia qualquer cláusula contratual que proibisse ao alienante a abertura de um novo comércio. Ou seja, se o sistema de responsabilidade civil fosse tão somente fundado na dicotomia ilícito/contrato, A não teria condições de transfe-rir o seu prejuízo para a órbita jurídica de B, eis que o dano sofrido seria justificado pelo ordenamento, na medida em que não se adapta à responsabilidade negocial ou à extranegocial (civil).Nada obstante, podemos fundamentar a responsabilidade pela violação da confiança na fase pós-contratual, a teor do venire contra factum proprium. Ao alienar a padaria, B não apenas executou uma obrigação de dar coisa certa como também se converteu em titular de um dever de proteção da integridade patrimonial de A no que tange ao empreendimento alienado; mas o segundo comportamento de B foi contraditório e incompatível com a expectativa de confiança antes transmitida ao adquirente, afinal, tor-nou-se ele o responsável pelo insucesso da padaria que vendera meses antes. Ressalte-se o principal: a constatação de um dano patrimonial causado pela quebra da confiança. Enfim, visualizamos o abuso do direito do alienante ao praticar um comportamento que formalmente atende regras, mas materialmente desafia as exigências éticas do ordenamento. A capa de legalidade do ato é desmascarada pela evidente ilegitimidade da conduta (art. 187, CC). É exatamente a aplicação da teoria do venire que qualifica o dano sofrido por A como “injusto”, na ponderação com os interesses do lesante.c) Vejamos agora um exemplo de responsabilidade pós-negocial no âmbito de rela-ções de consumo: A adquire uma televisão com garantia de dois anos. Um ano após a superação do biênio contratual, inexplicavelmente o aparelho explode. De acordo com o CDC, o fornecedor se eximiria de indenizar o consumidor, pois a responsabilidade contratual se restringiria aos dois anos concedidos pela empresa, acrescidos ainda dos 90 dias de garantia legal (art. 50, c/c 26, ambos do CDC). Em situação semelhante a esta, o Superior Tribunal de Justiça34 considerou que o fornecedor não é, ad eternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita, pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre isento de res-ponsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno. Deve ser considerada, para a aferição da responsabilidade do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, são um inter valo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterio -ração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende “durável”. Ao adotarmos o critério da vida útil do bem em detrimento do critério da garantia, admitimos que possa o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Ora, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.d) Um último exemplo demonstra a inconveniência da aplicação da culpa post pactum finitum de forma exacerbada e desprovida de critérios técnicos. Vamos supor que A aliena um apartamento a B e dias após a conclusão do negócio se arrepende da operação. Ao manifestar a sua vontade de se retratar, A é rechaçado por B, que alega a conclusão do contrato com ares de definitividade. Inconformado, A saca de uma arma e ameaça a integridade corporal de B caso ele não “rasgue” o instrumento e aceite de volta o pagamento (aliás, devidamente corrigido!).Caso B se dirija ao judiciário alegando que os danos sofridos se amoldam à figura da responsabilidade pós-contratual, terá a sua pretensão rechaçada. A pós-eficácia das obrigações é evidenciada na frustração dos deveres anexos de informação, cooperação e proteção da outra parte, naquilo que apenas diga respeito à fidúcia esperada para a fase posterior ao cumprimento das obrigações. Contudo, direcionar uma arma ao comprador é um ato ilícito clássico. Trata-se de responsabilidade civil stricto sensu pe-los danos causados em razão do comportamento antijurídico do alienante. FernanDo noronha35 se refere à responsabilidade supranegocial (ou supracontratual) naqueles casos em que há ofensa de deveres que são independentes da relação estabelecida, razão por que sempre se imporiam às partes, mesmo que o negócio não tivesse sido celebrado. Neste exemplo não ocorreu violação a deveres fiduciários, o que se deu foi a pura e simples lesão a um dever geral de neminem laedere, em relação aos quais não se justificará falar em violação da confiança. Isto é, não é possível atribuir ao princípio da boa-fé um alcance assim tão amplo, que o deixaria demasiado abstrato e faria dele base de toda a responsabilidade fundada na culpa.
1.4.5 A responsabilidade civil transubjetiva e os deveres anexos
Ao reconhecer a autonomia dos deveres de conduta em relação à prestação primá-ria, no âmbito de uma relação obrigacional complexa e dinâmica, vislumbra-se não ser necessária a coincidência temporal entre o nascimento da obrigação principal e dos deveres laterais, eis que afloram mesmo para antes da contratação, mantendo-se inclusive depois do cumprimento do dever de prestar. Ou seja, os deveres anexos (fruto da boa-fé
objetiva) antecedem à assunção das obrigações e extravasam o adimplemento delas. É o que vem se denominando responsabilidade civil pré e pós-contratual.No entanto, não é apenas nesse quadrante intersubjetivo que se pode notar a possi-bilidade do desencontro entre a eclosão de uma responsabilidade pelo descumprimento de obrigações derivadas da autonomia privada, com relação àquelas introduzidas pelos deveres anexos e modeladas por standards objetivamente delineados pela boa-fé objetiva .Com efeito, a consciência da independência dos deveres de conduta em relação ao nível da prestação viabiliza, outrossim, uma ampliação quantitativa dos sujeitos ativos e passivos atingidos pelos deveres de conduta impostos pela boa-fé objetiva, de modo a atingir igualmente pessoas que originariamente não participaram do momento constitutivo da relação obrigacional. Quer dizer, trata-se de uma eficácia obrigacional transubjetiva, apta a alcançar terceiros estranhos ao negócio jurídico.Em termos mais diretos, enfatizamos a necessidade de compreensão acerca da fundamental distinção entre os conceitos de relatividade e oponibilidade negocial. As obrigações persistem relativas às partes no sentido de que uma prestação – seja ela de dar, fazer ou não fazer – somente se compreende no contexto de vinculatividade, delineado pela necessidade do credor a um comportamento exclusivo do devedor e não de qualquer outra pessoa. É o interesse à entrega de um bem ou fato por parte do sujeito passivo que outorga a qualquer relação obrigacional o traço da relatividade. Nada obstante, para além do contexto interno das partes, a oponibilidade traduz uma reflexão atual do direito civil, calcada na legítima percepção de que o negócio jurídico não é um átomo, mas um fato social cujas consequências necessariamente alcançarão seres humanos a princípio desvinculados da relação jurídica. A responsabilidade civil surgirá tanto quando os contratantes causarem danos a esses terceiros, como também quando os terceiros interfiram negativamente na relação obrigacional. O que temos que investigar é se esta responsabilidade civil será negocial ou extranegocial (aquiliana).Com esteio na concepção social do contrato (art. 421, CC) e na quebra do dogma de sua relatividade, teresa neGreiros alude à atual distinção entre a eficácia das obri-gações contratuais e a sua oponibilidade, nos seguintes termos: “o princípio da função social condiciona o exercício da liberdade contratual e torna o contrato, como situação jurídica merecedora de tutela, oponível erga omnes. Isto é, todos têm o dever de se abster da prática de atos (inclusive a celebração de contratos) que saibam prejudiciais ou comprometedores da satisfação de créditos alheios. A oponibilidade dos contratos traduz-se, portanto, nesta obrigação de não fazer, imposta àquele que conhece o con-teúdo de um contrato, embora dele não seja parte. Isto não implica tornar as ob rigações contratuais exigíveis em face de terceiros (é o que a relatividade impede), mas impõe a terceiros o respeito por tais situações jurídicas, validamente constituídas e dignas da tutela do ordenamento (é o que a oponibilidade exige)”. 
Todo dever de cuidado envolve, em maior ou menor grau, uma forma de cooperação para com o álter. Nessa cooperação é afirmada a ideia solidarista veiculada no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal. Em interessante projeção, luis r enato Ferreira D a silva considera que o binômio cooperação versus solidariedade pode ser considerado de duas maneiras: (a) dentro da relação contratual ele atua por meio do princípio da boa-fé (art. 422, CC); (b) já os reflexos externos das relações contratuais, que podem afetar a esfera de terceiros, impõem um comportamento solidário cooperativo, que é atuado pela noção da função social do contrato (art. 421, CC).37
1.4.6 O terceiro ofendido e a relação obrigacional
Dentre os titulares de deveres de proteção, incluem-se terceiros – estranhos à relação obrigacional – que estão expostos aos riscos de danos pessoais ou patri-moniais oriundos da execução de um determinado contrato. Seriam os “contra-tos com eficácia de proteção para terceiros”, em que caberia ao terceiro, vítima, a percepção de uma indenização, não em razão de uma violação de algum dever de prestar advindo da relatividade contratual (pois este seria específico das par-tes), mas em virtude de ter sido ofendido em sua integridade psicofísica ou econômica, o que desencadeia a pretensão de reparação de danos, com fundamento no descumprimento de deveres laterais pelas partes, consistentes na inobservância do necessário cuidado e proteção perante a sociedade que os circunda.Ao permitirmos que a responsabilidade civil englobe terceiros lesados pelo des-cumprimento de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato de cuja formação não participaram, devemos assumir que o princípio pelo qual os efeitos do contrato só se produzem inter partes deverá ser interpretado de forma que, no conceito de “oponibilidade obrigacional”, incluam-se pessoas que não consentiram na formação do negócio jurídico, mas que estão sujeitas a ser por ele afetadas, precisamente no que se refere à sua função social.Quer dizer, seria ingênuo supor a permanência do contrato como res inter alios acta, excluindo-se de seus efeitos todo aquele que não tenha declarado a sua vontade. Não há mais lugar para a neutralidade. Positiva ou negativamente, o contrato subscrito por A e B repercutirá em face de C, D e E, em uma espécie de “efeito dominó”. No lúcido pensamento do argentino JorGe Mosset i turraspe, a obrigação não mais pode ser o reino do egoísmo, do puro interesse individual, sem pôr em grave risco o bem comum e a paz social, exigindo-se, via de consequência, uma concepção mais socializada.38Vejamos a matéria com mais aprofundamento através dos seguintes exemplos:a) Em razão de uma falha no sistema de frenagem, o veículo de A atinge um poste e o proprietário e condutor do automóvel sofrem ferimentos. A sua pretensão contra os causadores do dano (fabricante e fornecedor da peça defeituosa) será justificada pelo fato do produto, na medida em que o consumidor foi ofendido em sua legítima expectativa de confiança com relação à segurança do produto (art. 12, CDC).Todavia, se esse mesmo acidente ocasionar ferimentos em um pedestre que se encontrava junto ao poste atingido pelo veículo, este poderá demandar diretamente contra os fornecedores mesmo não tendo contratado com a empresa fabricante. Ora, a verticalização do dever anexo de proteção implica afirmar que quem introduz um produto ou ser viço no mercado não apenas assume obrigações relativamente ao con-sumidor stricto sensu, como também perante qualquer pessoa exposta aos riscos de-correntes de acidentes de consumo, que será considerada como bystander, uma espécie de consumidor lato sensu, por equiparação (art. 17, CDC).Ao dilatar a tutela consumerista em prol de vítimas em eventos danosos causados por produtos ou ser viços defeituosos, o Código de Defesa do Consumidor promove uma unificação entre os sistemas de responsabilidade negocial e extranegocial, permi-tindo ao terceiro ofendido o acesso a uma demanda de responsabilidade objetiva em face do responsável, inclusive com o mecanismo de solidariedade passiva na presença de mais de um fornecedor envolvido no acidente de consumo. 39b) Vamos supor que A se envolva em um acidente de veículos causado por B. A poderia dirigir a sua demanda ressarcitória diretamente contra a seguradora do veículo de B? De acordo com as regras de direito material e processual vigentes, A fracassaria em seu intuito, tendo em vista que não há relação jurídica entre a vítima do acidente automobilístico e a seguradora do causador do dano, porém apenas entre estes. Daí a previsão do artigo 787 do Código Civil, no sentido de que “no seguro de respon-sabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”. A essência do dispositivo reside no fato de que o ajuizamento direto exclusivamente contra a seguradora ofenderia os
princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ré não teria como defender-se dos fatos expostos na inicial, especialmente da descrição do sinistro. Este, aliás, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.40 A via crucis da vítima será a de demandar apenas contra o causador do dano, que deverá “torcer ” para que o ofensor exiba patrimônio capaz de satisfazer a obrigação na fase de cumprimento da sentença.Contudo, em uma renovada e prospectiva leitura do contrato de seguro, temos que o segurado paga o prêmio à seguradora a fim de garantir eventual indenização a terceiro por danos causados. Os contratantes assumem um dever de proteção perante a sociedade. Não se amplia a obrigação que é relativa aos limites do negócio jurídico, mas sim à tutela da legítima expectativa de segurança de terceiros, em prol de quem o contrato se torna oponível. Assim, a vítima ostenta legitimidade para pleitear di -retamente do segurador o pagamento da indenização ou concomitantemente com o segurado. Há, portanto, uma estipulação em favor de terceiro, que será determinada se ocorrer o sinistro, tendo em vista a álea presente nesse contrato. Não é outro o mecanismo do seguro obrigatório da responsabilidade civil, de índole essencialmente essencial; como garantia de indenidade em prol de vítimas potenciais e indeterminadas. O artigo 788 do Código Civil determina que “nos seguros de responsabilidade legal-mente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado”.Esta é a ratio do Enunciado 544 do Conselho de Justiça Federal: “O seguro de res-ponsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.”Vê-se uma incompatibilidade entre a posição sustentada no referido enunciado e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Talvez, a solução de consenso consista em uma ação de reparação de danos com litisconsórcio passivo entre segu-rado e seguradora. Nenhum prejuízo haveria para a seguradora pelo fato de ter sido convocada a juízo a requerimento do terceiro autor da ação – tendo em vista o fato de que o réu segurado iria mesmo denunciar a lide à seguradora. Em caso de condenação, a seguradora culminou por se defender em litisconsórcio com o réu, respondendo solidariamente com este pela reparação do dano decorrente do acidente até os limites dos valores segurados contratados. Abre-se então a possibilidade de a vítima executar diretamente a seguradora – superando a questão processual da ilegitimidade –, impondo a um contratante uma obrigação perante um terceiro que não era parte no contrato, demonstrando que o contrato de seguro detém função social relevante de recompor o patrimônio de vítimas de acidentes.No mais, ao contrário do que ocorre na relação entre seguradora e segurado, a responsabilidade da seguradora será extranegocial (aquiliana), seguindo o regramento dos artigos 927 e seguintes do Código Civil.c) Como exemplo derradeiro da distinção entre relatividade e oponibilidade obriga-cional, demarcando novos limites entre a responsabilidade negocial e a responsabilidade civil, podemos citar a situação em que A vende um imóvel para B, posterior mente B aliena a C e, tempos depois transmite a propriedade a D. Certo dia surge E rei-vindicando a titularidade do imóvel em face de D, sob o argumento de que a cadeia dominial iniciada por A é viciada, eis que se deu a non domino, pois dispôs de um bem que na verdade pertencia a E. Seria pertinente ao atual proprietário D, no intuito de se ressarcir dos danos sofridos pela perda da titularidade, promover a denunciação da lide diretamente contra A na eventualidade da evicção, mesmo que inexista relação contratual entre eles?Vale destacar que o art. 456 do Código Civil permite a denunciação da lide pelo evicto para alcançar o “alienante imediato ou qualquer dos anteriores”. Antes disso, o comando do art. 70, inciso I, do Código de Processo Civil disciplinava a matéria, restringindo aquela modalidade de inter venção de terceiros ao ingresso do alienante imediato, para fins indenizatórios, quando o adquirente, em contrato oneroso, per-desse a coisa em razão de uma decisão que a concedesse a um terceiro. Doravante, a elogiável novidade do Estatuto Civil permite que o adquirente lesado possa obter res-sarcimento contra qualquer um dos componentes da cadeia dominial, mesmo que não seja parte naquelas relações jurídicas, buscando conferir maior efetividade e proteção ao adquirente lesado. Ora, qualquer contrato irradia os seus efeitos para terceiros, pois assume relevância no mundo econômico. Sendo o evicto ofendido por uma relação contratual que formalmente lhe é estranha, contudo, tornou-se materialmente relevante em virtude da lesão dela advinda, surge a legitimação para nela intervir, superando os obstáculos de ordem processual, que apenas permitiriam
a chamada denunciação sucessiva da lide. Agora, faculta-se a chamada denunciação da lide “por saltos” com obtenção de imediato título executivo contra o alienante mediato.Nesta linha foi editado o Enunciado nº 29 do Conselho de Justiça Federal: “A inter-pretação do artigo 456 do Código Civil (‘para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo’) permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício.”Concluindo, todas as situações acima expostas revelam que em certos contextos é injustificada a discriminação normativa entre lesado ou terceiro, evidenciando -se a necessidade de superação da dicotomia entre a responsabilidade aquiliana, baseada na culpa, e a contratual, reser vada às partes no negócio jurídico. Esta correção de rumos pode ser legitimamente atribuída à responsabilidade pela quebra da confiança do contratante, causando danos injustos ao terceiro ofendido. Em comum, tanto o bystander quanto o lesado por um veículo segurado e o adquirente de um imóvel não são sujeitos aleatoriamente escolhidos a quem se imputam danos por uma omissão genérica de cuidado. Não obstante a inexistência de um contato social prévio entre lesante e lesado, há por parte do fornecedor de bens e ser viços, do segurador e do alienante um dever especial de proteção perante estas pessoas. Por outro ângulo, an-tes da incidência do evento danoso já existe uma confiança realmente experimentada pelas potenciais vítimas na seriedade do comportamento dos referidos agentes e na especial colaboração nas hipóteses de irrupção de danos.
1.4.7 O terceiro ofensor e a relação obrigacional
A eficácia transubjetiva das obrigações não permite apenas a tutela de terceiros estranhos ao negócio jurídico, vítimas de danos dele proveniente.Na atual concepção da obrigação como processo polarizado ao adimplemento das obrigações, há toda uma expectativa do ordenamento jurídico de que as partes cola-borarão para o êxito do negócio jurídico, pois o cumprimento do projeto contratual implica na satisfação do interesse do credor, na liberação do devedor e na extinção da obrigação. Para que esse empreendimento seja alcançado, o sistema internaliza o mecanismo ético da boa-fé objetiva ao ato de autonomia privada – tornando a obriga-ção complexa –, convidando os contratantes à preservação de comportamentos leais e honestos que induzam a obrigação ao seu término fisiológico.Porém, isso não é suficiente para assegurar a integridade da obrigação. Neste sentido, haverá uma verticalização dos deveres anexos perante o corpo social. Toda a sociedade terá um dever de colaboração perante os contratantes no sentido de se abster de qualquer ato que possa induzir o contrato ao inadimplemento. Com efei-to, a violação ao dever de proteção será igualmente visualizada quando um terceiro contribuir para o descumprimento de uma relação obrigacional em curso, através da realização
de um segundo contrato – incompatível com o primeiro –, frustrando as finalidades do negócio jurídico.Na linha da função social do contrato, propugna-se por uma “tutela externa do crédito”, pela qual o terceiro ofensor seja responsabilizado, não propriamente pela prestação convencionada, mas pela ofensa a dever de conduta nela consubstanciada. É inadmissível que a sociedade comporte-se como se o contrato não existisse ou, se existisse, fosse algo estranho a ela, a ponto de ser ignorado.A responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito do crédito é a solução equilibrada ao valor da justiça, harmonizando os princípios da reparação do dano e da liberdade contratual, resultando em aumento da confiança nos contratos e em sua estabilidade, por evitarem-se interferências materiais de terceiros sobre o crédito.Em princípio, os terceiros não têm o dever de conhecer a existência do crédito alheio, mas, quando o conhecem na sua existência e configuração mínima, então aquele dever geral de respeito concretiza-se, passa a configurar como um concreto dever de respeito, que se incrusta na esfera jurídica desse terceiro e limita então a sua liberdade de agir. O conhecimento do crédito constitui uma condição de oponibilidade efetiva do direito de crédito a terceiros.É o que já vem se chamando de terceiro cúmplice, pois ocorre nas hipóteses em que o terceiro assume papel relevante na violação de interesses de outrem. otavio luiz roDri-Gues Júnior lembra o interessante exemplo de um artista de televisão que, contratado para um período de 50 meses, rompe o contrato, sem justo motivo, e passa a se exibir na empresa televisiva concorrente. E arremata: “ao garantir-lhe um suporte negocial, jurídico e econômico (o terceiro cúmplice, que, no caso, é a sua nova emissora), agiu como um tiers complice, coadjuvando -o e favorecendo -se com sua conduta, o que daria ensanchas a admitir que os efeitos da responsabilidade contratual estender-se-iam a um terceiro”.41Ilustrativamente, lembre-se a disposição do art. 608 do Código Civil destacando que “aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar ser viço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houves-se de caber durante 2 (dois) anos”. O dispositivo é de clareza solar. O ordenamento repugna a ofensa por terceiro de uma relação obrigacional já consumada.Ora, fundado nos valores supracitados (função social do contrato e a ruptura do princípio da relatividade dos efeitos dos negócios jurídicos entre as partes), é possível efetuar uma distinção entre a eficácia das obrigações contratuais e a sua oponibilida-de. A eficácia das obrigações mantém-se restrita às partes, respeitando -se o princípio da relatividade contratual, pois as prestações de dar, fazer e não fazer só poderão ser exigidas reciprocamente dos contratantes.Porém, o princípio da função social condiciona o exercício da liberdade contratual de terceiros, pois torna o contrato oponível erga omnes. Toda a coletividade tem o de-ver de abster-se de entabular negócios jurídicos que comprometam ou perturbem a realização de obrigações anteriormente assumidas entre sujeitos distintos.É verdade, assume perlinGieri,42 que a obrigação é relação entre credor e devedor, mas também é verdade que esta relação tem relevância externa. O próprio crédito é um bem, um interesse juridicamente relevante e, enquanto tal, deve ser respeitado por todos. Pense-se no fato ilícito de terceiro que impeça o credor de ter o próprio interesse satisfeito; o dano do terceiro não configura um inadimplemento, mas um fato ilícito. Se o comportamento de um sujeito é lesivo a uma situação juridicamente relevante, de modo a provocar um dano injusto, não existe motivo para excluir a responsabilidade daquele que provocou a lesão.Exemplo vivo dessa nova compreensão do contrato é o propagado caso do cantor Zeca Pagodinho, que foi convidado por uma cer vejaria para romper o contrato de ex-clusividade que mantinha com outra. Não é difícil notar que o terceiro (a cervejaria AMBEV, detentora da marca Brahma) causou o rompimento do contrato mantido entre o famoso sambista e a cer vejaria Nova Schin, para quem vinha realizando campanha publicitária. Foi exatamente por isso que o aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo asseverou que “ainda que a AMBEV não tenha sido signatária do contrato entre Zeca Pagodinho e Schincariol, sua conduta, ao deixar de obser var o pacto de exclusividade nele contido, é potencialmente apta a gerar dano indenizável”.43Ora, a oponibilidade dos contratos traduz-se, portanto, em um dever jurídico co-letivo de abstenção – semelhante ao tradicionalmente reconhecido aos direitos reais –, atribuível a qualquer um que conheça o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte.A distinção entre a eficácia das obrigações e a sua oponibilidade é sugestiva, tanto na hipótese do terceiro ofensor como na do terceiro ofendido pela relação contratual. Sugere que o direito de crédito, como qualquer direito subjetivo, conduz à ideia de exclusividade da atuação de um titular na atuação de um bem (crédito), mediante a cooperação do devedor. Terceiros não podem ser credores ou devedores de prestações em contratos de que não foram partes.Todavia, eles podem ser credores ou devedores de deveres de conduta, sobretudo de proteção, pois a complexidade de qualquer obrigação exige que, no processamento da relação jurídica, as partes não possam lesar a sociedade ou por elas ser lesada. Há uma via de mão dupla que demanda um atuar dos contratantes para o bem comum, assim como um agir da sociedade que não sacrifique o bem individual, considerado solidário em relação aos bens dos demais.Há de se considerar, todavia, que nem toda interferência em contrato alheio será reputada ilícita a ponto de qualificar o terceiro como um “ofensor ”. Suponhamos que um sindicato insufle determinados membros a entrar em greve diante das péssimas condições de trabalho em sua empresa. Cuida-se de uma “interferência benigna”. A reação do ordenamento jurídico será diversa se o incentivo à paralisação partisse jus-tamente de outra empresa com o objetivo de prejudicar a atividade de seu concorrente. Daí a importância de se perquirir a justiça ou injustiça do dano que frustrou o regular andamento do contrato. 44Da mesma forma, por mais que se possa considerar o casamento como um contrato, ao cônjuge vítima de adultério não será facultada a opção de obter reparação de danos em face do cúmplice do cônjuge adúltero, invocando a teoria do terceiro ofensor no setor do direito da família. Por mais que o artigo 1.513 do Código Civil sustente a tutela da privacidade do casal, a extinção do vínculo conjugal determinada pelo envolvimento de um dos cônjuges com terceira pessoa deve ser aferida à luz de aspectos existenciais e afetivos que fogem ao âmbito da autonomia privada nas relações patrimoniais.45A teoria do “terceiro ofensor ” propicia ótimo momento de reflexão sobre as estremas entre a responsabilidade civil e a contratual. Artistas, esportistas e outros profissionais já vinculados por exclusividade a uma empresa são constantemente assediados por ofertas de concorrentes, gerando a resilição unilateral do contrato com o pagamento de uma multa pela denúncia do contrato. Quer dizer, o profissional que exerce o direito potestativo de se desvincular do negócio em andamento assumirá a consequente res-ponsabilidade contratual de indenizar nos termos do contrato, comumente com base no montante prefixado de uma cláusula penal compensatória (art. 410, CC).Porém, o terceiro que aliciou o contratante e frustrou a relação obrigacional primitiva poderá ser condenado a indenizar por responsabilidade civil pela confiança. A ofensa a um contrato em andamento por parte daquele que conhecia o vínculo obrigacional em andamento – e no mínimo deveria respeitar a sua pacífica tramitação – impede que a obrigação alcance os seus efeitos econômicos e sociais. A cláusula penal não será exigida do “terceiro predador”, pelo singelo fato dele se situar

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