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Professor Me. Adriano Steffler LINGUÍSTICA I GrAdUAção LETrAS MArINGÁ-pr 2013 reitor: Wilson de Matos Silva Vice-reitor: Wilson de Matos Silva Filho pró-reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho pró-reitor de EAd: Willian Victor Kendrick de Matos Silva presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi NEAd - Núcleo de Educação a distância diretor Comercial, de Expansão e Novos Negócios: Marcos Gois diretor de operações: Chrystiano Mincoff Coordenação de Marketing: Bruno Jorge Coordenação de Sistemas: Fabrício Ricardo Lazilha Coordenação de polos: Reginaldo Carneiro Coordenação de pós-Graduação, Extensão e produção de Materiais: Renato Dutra Coordenação de Graduação: Kátia Coelho Coordenação Administrativa/Serviços Compartilhados: Evandro Bolsoni Coordenação de Curso: Roberta Fresneda Villibor Supervisora do Núcleo de produção de Materiais: Nalva Aparecida da Rosa Moura Capa e Editoração: Daniel Fuverki Hey, Fernando Henrique Mendes, Humberto Garcia da Silva, Jaime de Marchi Junior, José Jhonny Coelho, Robson Yuiti Saito e Thayla Daiany Guimarães Cripaldi Supervisão de Materiais: Nádila de Almeida Toledo revisão Textual e Normas: Hellyery Agda Gonçalves da Silva, Janaína Bicudo Kikuchi, Jaquelina Kutsunugi, Keren Pardini, Maria Fernanda Canova Vasconcelos e Nayara Valenciano Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UniCesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a distância: Linguística I / Adriano Steffler . Maringá - Pr., 2013. 145 p. Curso de Graduação em Letras “EaD”. 1. Linguística . 2. Estudos . 3. História. 4. Gramática. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 411 “As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites pHoToS.CoM e SHUTTErSToCK.CoM”. Av. Guedner, 1610 - Jd. Aclimação - (44) 3027-6360 - CEP 87050-390 - Maringá - Paraná - www.cesumar.br NEAD - Núcleo de Educação a Distância - bloco 4- (44) 3027-6363 - ead@cesumar.br - www.ead.cesumar.br LINGUÍSTICA I Professor Me. Adriano Steffler 5LINGUÍSTICA I | Educação a Distância AprESENTAção do rEITor Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja reconhecimento como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo do- cente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesqui- sa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. Professor Wilson de Matos Silva Reitor 6 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar, mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo(a) no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma, possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se de que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. Então, vamos lá! Desejo bons e proveitosos estudos! Professora Kátia Solange Coelho Coordenadora de Graduação do NEAD - UniCesumar 7LINGUÍSTICA I | Educação a Distância AprESENTAção Livro: LINGUÍSTICA I Professor Me. Adriano Steffler Olá, prezado(a) aluno(a), Que bom começarmos nossa disciplina de Linguística! Nela, faremos uma incursão pela ciência linguística em forma de introdução breve e metódica, apresentando alguns conceitos teóricos, a definição e a diferenciação de língua e de linguagem, caracterizando cada uma delas. Além disso, estudaremos como o objeto da Linguística – a própria língua – evoluiu ao longo do tempo e como eram feitos os estudos sobre língua e linguagem na antiguidade por diferentes povos. Esse desenvolvimento passou pela gramática especulativa, depois pela gramática geral, pela linguística histórico-comparativa, pela neogramática, culminando, por fim, no Estruturalismo. Alguns princípios norteadores que motivaram o surgimento desses movimentos foram explicitados para que você compreenda melhor como a língua e a linguagem se desenvolveram. Ressaltamos que, durante a redação deste livro, procuramos manter um posicionamento teórico neutro, de modo a evitar distorções e parcialidade no tratamento das questões referentes à linguagem. De modo semelhante, buscamos equilibrar a complexidade do assunto e a dialogicidade do texto. Sugerimos, assim, algumas leituras complementares indicadas no final de cada unidade; tais obras serão de grande auxílio para compreender satisfatoriamente as questões que, por ventura, o aluno julgar mais complexas. O livro está dividido em cinco unidades; cada unidade apresenta seções em número variável. Nos parágrafos abaixo, apresentaremos, de forma sucinta, os conteúdos a serem trabalhados e discutidos. Na primeira unidade, são apresentados os conceitos de língua e de linguagem,definindo a diferença existente entre eles. Em seguida, o aluno encontrará a definição do objeto de estudo da linguística, multifacetado por natureza, para, então, elencar as características das línguas naturais, oferecendo um aporte teórico básico para compreender as noções e conceitos a serem apresentados nas unidades seguintes. Na segunda unidade, a questão dos estudos linguísticos na antiguidade será abordada. 8 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Diferentemente do que comumente se faz em introduções sobre linguística, partiremos de uma perspectiva cronológica para considerar os fatos, e não de uma perspectiva cultural que implicaria uma posição etnocêntrica, ou seja, que considera determinada etnia como o centro irradiador de cultura. Assim, embora a tradição gramatical do português tenha recebido enorme influência da tradição gramatical greco-romana, trataremos, primeiramente, dos estudos gramaticais na Índia, visto que a primeira obra de descrição sistemática de uma língua surgiu nessa nação, tendo se desenvolvido em solo indiano uma frutífera tradição de estudos linguísticos. Em seguida, veremos brevemente como eram os estudos gramaticais na Arábia, para, então, prosseguirmos até a Grécia antiga, mostrando como algumas das concepções linguístico-gramaticais se desenvolveram de modo descontínuo e gradual. Na sequência, veremos como essas concepções influíram na tradição gramatical romana, que nos foi legada sob a forma de gramática tradicional. Na terceira unidade, será apresentada a gramática especulativa que foi, de certo modo, a precursora das correntes teóricas que consideram a relação entre língua, pensamento e realidade. Em seguida, abordaremos a gramática geral ou gramática de port-royal, constituindo a primeira tentativa de racionalizar o estudo da gramática. Na sequência, analisaremos como e quando surgiu e o que ocasionou a gramática histórico-comparativa. Continuando nossos estudos, faremos uma incursão na neogramática, movimento de oposição à gramática histórico-comparativa. Na quarta unidade, nos ocuparemos do Estruturalismo, o movimento linguístico considerado o marco inicial da linguística moderna, ao postular a língua como um sistema, formando uma entidade a partir das dicotomias por ela apresentadas. Discorreremos também, de forma sucinta, acerca de seus pressupostos teóricos e o momento histórico de seu surgimento. A quinta unidade é inteiramente dedicada à explicação das dicotomias saussureanas e às implicações destas nas teorias subsequentes. Mostrar-se-ão os desdobramentos teóricos e metodológicos a partir de cada elemento da dicotomia, culminando no surgimento das teorias pós-estruturalismo. Esperamos que este livro seja bastante proveitoso e que atinja o objetivo de apresentar a ciência linguística. Desejamos, assim, muito sucesso a você, aluno(a)! SUMÁrIo UNIdAdE I LÍNGUA E LINGUÍSTICA A CIÊNCIA LINGUÍSTICA .......................................................................................................16 OS CONCEITOS DE LÍNGUA E DE LINGUAGEM .................................................................19 O CONCEITO DE GRAMÁTICA .............................................................................................23 OBJETIVO E OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA.........................................................29 PROPRIEDADES DA LINGUAGEM HUMANA .......................................................................34 OUTRAS CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM ..................................................................39 UNIdAdE II ORIGENS HISTÓRICAS DA LINGUÍSTICA ESTUDOS GRAMATICAIS NO ANTIGO ORIENTE ...............................................................49 ESTUDOS GRAMATICAIS NA ÍNDIA E A PRIMEIRA GRAMÁTICA .....................................50 ESTUDOS GRAMATICAIS NA CHINA ...................................................................................53 ESTUDOS GRAMATICAIS NA ARÁBIA .................................................................................55 ESTUDOS GRAMATICAIS NA GRÉCIA ANTIGA ..................................................................58 ESTUDOS GRAMATICAIS EM ROMA ...................................................................................64 UNIdAdE III OS MOVIMENTOS LINGUÍSTICOS DO PRÉ-ESTRUTURALISMO A GRAMÁTICA ESPECULATIVA ............................................................................................72 A GRAMÁTICA GERAL OU GRAMÁTICA DE PORT-ROYAL ................................................73 A GRAMÁTICA HISTÓRICO-COMPARATIVA ........................................................................74 A NEOGRAMÁTICA ................................................................................................................90 UNIdAdE IV O ESTRUTURALISMO HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DO ESTRUTURALISMO .............................................101 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DO ESTRUTURALISMO .........................................................106 O ESTRUTURALISMO EUROPEU ....................................................................................... 111 O ESTRUTURALISMO AMERICANO ................................................................................... 112 BIOGRAFIAS DE AUTORES ESTRUTURALISTAS ............................................................. 115 CRÍTICAS AO ESTRUTURALISMO .....................................................................................120 UNIdAdE V AS DICOTOMIAS SAUSSUREANAS LÍNGUA E FALA ....................................................................................................................127 SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO..........................................................................................130 SINTAGMA E PARADIGMA ..................................................................................................132 SINCRONIA E DIACRONIA ..................................................................................................134 ARBITRARIEDADE E MOTIVAÇÃO .....................................................................................137 FORMA E SUBSTÂNCIA ......................................................................................................138 CoNCLUSão ........................................................................................................................142 rEFErÊNCIAS ....................................................................................................................143 UNIdAdE I LÍNGUA E LINGUÍSTICA Professor Me. Adriano Steffler objetivos de Aprendizagem • Estabelecer a distinção entre linguagem e língua. • Definir os objetivos e objeto de estudo da Linguística. • Determinar as características das línguas naturais. plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • A ciência linguística • os conceitos de língua e de linguagem • o conceito de gramática • objetivo e objeto de estudo da Linguística • propriedades da linguagem humana • outras características da linguagem humana 15LINGUÍSTICA I | Educação a Distância INTrodUção Ao estudar a linguagem, enfocamos em uma característica única aos seres humanos. Todos nós, não importando o lugar onde nascemos ou a cultura em que vivemos, independentemente de nosso grau de escolaridade, conseguimos produzir linguagem articulada e, assim, comunicamo-nos uns com os outros. Dificilmente haverá um momento de nossas vidas em que não usaremos linguagem – há aqueles que falam dormindo ou se veem falando em sonhos, não é mesmo? A linguagem, muito mais do que qualquer outra característica, distingue eminentemente o ser humano dos animais. O ser humano consegue adaptar a sua linguagem às mais diversas situações, encontrando formas para se comunicar de maneiraeficiente. Assim, a linguagem é uma característica universal dos seres humanos. No entanto, os seres humanos podem se subdividir em agrupamentos, cada qual tendo a sua própria língua (entendida aqui como idioma). Por esse motivo, falantes de diferentes línguas, ou seja, de diferentes idiomas – como o inglês ou o francês –, embora possuam linguagem, não conseguirão, a princípio, estabelecer comunicação entre si, uma vez que não dominam o mesmo idioma. Em meio à heterogeneidade linguística, que forma um “caos aparente”, é, portanto, objetivo da Linguística definir quais aspectos da linguagem serão por ela considerados e de que modo isso será feito, a fim de obter regras gerais que possam explicar o funcionamento da linguagem como um todo, partindo da análise das línguas particulares. Surgem, assim, diferentes modos de considerar o mesmo objeto de estudo, resultando nas teorias linguísticas. Levando-se em conta essas questões, trataremos, nesta primeira unidade, da questão da linguagem como característica propriamente humana, procurando demonstrar como a ciência linguística se ocupa desse assunto. 16 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância A CIÊNCIA LINGUÍSTICA A linguística moderna é fruto de um longo desenvolvimento, permeado de questões controversas e de disputas internas. Esse desenvolvimento pode ser melhor compreendido em termos históricos, tanto ao se referir à ciência linguística do passado distante ou recente quanto às peculiaridades de seu desenvolvimento em contextos socioculturais diversos. Os estudos da linguagem eram primordialmente constituídos por atividades relacionadas com a criação e o melhoramento da escrita, com o ensino do léxico (do vocabulário), com a interpretação de textos sagrados e de textos de obras antigas, com o desenvolvimento da relação entre fala, estrutura e som, especialmente na poesia, e com a busca de maneiras mais eficazes de influenciar as palavras consideradas mágicas e empregadas em ritos sacerdotais. Inicialmente voltada a problemas de cunho mais prático, a linguística, como a conhecemos hoje, foi paulatinamente tomando forma: a gama de problemas abordados foi ampliada, as suas análises foram aumentadas e mais aspectos da linguagem passaram a ser levados em consideração, fato esse que levou à construção da ciência linguística e ao desenvolvimento de novos métodos de pesquisa. A linguística, que antes era mais um “filosofar” sobre a linguagem, passa a estudar as línguas particulares, constituindo uma ciência, com métodos e premissas próprios. Como conjunto de estudos sistemáticos sobre a linguagem, a linguística passou a ser divulgada mais amplamente apenas no século XX, sobretudo, na Europa, onde foram realizadas várias conferências de linguistas, os famosos Círculos Linguísticos. A comunicação entre os linguistas aumentava à medida que se desenvolviam os meios de comunicação; depois da segunda metade do século XX, os avanços dessa disciplina podiam ser transmitidos a todo mundo em questão de horas. A linguística se tornou, ao menos aparentemente, uma ciência unificada e internacional. Embora pretenda ser una de um ponto de vista científico, é possível notar várias influências nacionais e de línguas específicas. Os esforços para a aproximação das escolas linguísticas são, por vezes, notadamente marcados pela tendência em se concentrar 17LINGUÍSTICA I | Educação a Distância na compreensão eurocêntrica (a Europa entendida como o centro cultural) de linguagem. A respeito desse assunto, Charlier (1981, pp. 30-31) escreve: A linguística é uma ciência porque se constitui num conjunto sistemático de factos e de teorias para o estudo da linguagem e das línguas. Tem um objeto definido, a linguagem e as línguas, e métodos definidos que se pode descrever, comunicar, reproduzir, pôr à prova. Como todo o estudo de dados “observáveis”, implica naturalmente a percepção e a escolha destes dados, portanto um certo elemento pessoal (e a formulação de hipóteses assenta naturalmente também no génio individual), mas o que é fundamental, em oposição, por exemplo, a certos tipos de explicações de textos, é que, em qualquer momento, o seu percurso é explícito, as intuições são transmissíveis, as escolhas operadas reportam-se a um raciocínio sistemático, as hipóteses de partida cujas consequências lógicas são examinadas, a princípios gerais que constituem uma teoria que se pode enunciar, formular, de maneira que se possa verificar pelos dados da língua qualquer consequência logicamente inferida das hipóteses. […] A história da linguística sempre se circunscreve, mesmo que de modo velado, a um determinado país, região, cultura ou língua, estando sujeita à história cultural, social e política do lugar onde se originou. Assim, o ritmo de desenvolvimento do conhecimento linguístico e o rumo tomado pelas pesquisas são variados: em alguns casos, situa-se em primeiro plano o problema da criação e da melhoria de sistemas de escrita e da interpretação dos textos escritos, como é o caso das tradições gramaticais chinesa e grega; em outros, há a preocupação com o discurso, como ocorre com os estudos gramaticais indianos. O objetivo do estudo da linguagem pode retroceder a algumas centenas ou mesmo milhares de anos, principalmente em termos de trabalho lexicográfico, como ocorreu na China, ou então se direcionar para a análise gramatical, como foi o caso dos estudos greco-romanos e da linguística em si. No que se refere ao trabalho de campo, em algumas tradições linguísticas ele é relativamente independente, em outras, ele constitui um dos aspectos epistemológicos e metodológicos de um plano mais amplo. As diferentes vertentes de estudo da linguagem apresentam uma ordenação hierárquica e métodos de pesquisa diversos, bem como diferentes formas de considerar as suas unidades básicas de análise. Do mesmo modo, relacionam-se com outras ciências, a fim de estabelecer o lugar da linguagem na hierarquia dos valores humanos, tais como filosofia, epistemologia, teologia, lógica, retórica, poética, filosofia, literatura, história, estética, psicologia, biologia, 18 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância antropologia, etnologia, história, sociologia, estudos culturais, antropologia, medicina, matemática, semiótica, teoria da comunicação, cibernética, informática, didática, tradução etc. A respeito desse fato, Martelotta (2009, p. 21-22) mostra que: Uma vez afirmada como ciência, delimitando objeto e metodologia próprios, a lingüística reivindica sua autonomia em relação às outras áreas do conhecimento. No passado, o estudo da linguagem se subordinava, por exemplo, às investigações da Filosofia através da Lógica. Sobretudo a partir do século XX, com a publicação do Curso de lingüística geral (marco inicial da chamada lingüística moderna), obra póstuma do linguista suíço Ferdinand de Saussure, instaura-se uma nova postura, e os estudiosos da linguagem adquirem consciência da tarefa que lhes cabe: utilizando-se de uma metodologia adequada, estudar, analisar e descrever as línguas a partir dos elementos formais que lhes são próprios. A diversidade teórica da linguística não impede a sua existência como ciência. De modo semelhante, as diversas formas de analisar o mesmo objeto de estudo levam a refutar a noção de que, […] haja apenas uma teoria. Este domínio é mesmo caracterizado no momento presente por uma proliferação de teorias diversas, o que não impede que, para qualquer teoria linguística “científica”, se conheçam claramente os axiomas postos à partida e as vias seguidas. Pode-se então avaliar a força e o interesse das hipóteses, em face das predições que permitem fazer sobre a língua e do modo como estas predições são verificadas ou infirmadas pelos factos; pode-se claramente ver as consequências do que foi excluído e tomado em consideração nos axiomas de partida e comparar as teoriasentre si, visto que, sendo explícitas, são compreensíveis e aplicáveis. Certamente que todos os gramáticos desde sempre tentaram raciocinar bem em vez de mal, mas é a noção de hipótese que é extremamente importante: a atitude científica consiste em construir, a partir de observações limitadas e provisórias, teorias ou modelos hipotéticos que explicam estas observações e permitem fazer outras. Uma teoria linguística não é verdadeira ou falsa, apenas é mais adequada do que outra em vista dos dados, ou é menos adequada, isto é, explica menos factos ou explica-os menos bem, por processos menos justificados, mais arbitrários, menos sistemáticos ou menos simples (CHARLIER, 1981, p. 31). Essa postura teórica implica, aparentemente, um isolamento de outras disciplinas. No entanto, com isso são estabelecidas relações ainda mais próximas e bastante frutíferas com outras áreas do conhecimento. Ainda segundo Martelotta (2009, p. 22), 19LINGUÍSTICA I | Educação a Distância [...] isso não significa dizer que a lingüística encontra-se isolada das demais ciências e de outras áreas de pesquisa. Ao contrário, existem relações bastante estreitas entre elas, o que faz com que, algumas vezes, seus limites não se apresentem nitidamente. Desse modo, a caracterização dessas disciplinas é útil na medida em que permite delimitar mais claramente o campo de atuação da lingüística, contrastando-o com o de outras ciências. Temos, assim, duas faces da relação entre lingüística e as demais ciências. Contudo, nem sempre há apenas diferenças no tocante à origem e ao desenvolvimento do conhecimento linguístico em diferentes contextos etnoculturais. Muitas tradições linguísticas nacionais discutem problemas relacionados à filosofia da linguagem, como a sua origem, a sua natureza, a relação entre linguagem e pensamento, a relação entre os meios linguísticos de expressão e de conteúdo, a natureza natural ou convencional da relação entre as palavras e as coisas, as semelhanças e diferenças entre a linguagem humana e a “linguagem” dos animais. oS CoNCEIToS dE LÍNGUA E dE LINGUAGEM De modo a melhor entender o objeto de estudo da Linguística, devemos distinguir os conceitos de língua e de linguagem. Resumidamente, pode-se dizer que a linguagem se refere, de forma bastante ampla, a sistemas de comunicação, não somente humanos, mas também animais. A língua, por sua vez, é o conjunto de signos convencionados e empregados por determinada linguística (no caso do português, nosso alfabeto, por exemplo, e o modo como empregamos as letras, formando as palavras). Assim, pode se dizer que as línguas são linguagens, mas as linguagens não são necessariamente línguas. 20 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Fo nte : S HU TT ER ST OC K. CO M Essa divisão entre o que é língua e o que é linguagem apresentará implicações no momento de estudar o fenômeno da linguagem, pois há teorias que se voltam para o todo, procurando encontrar na linguagem o que há de universal. Outras teorias, por sua vez, analisam as línguas em particular, com o objetivo de encontrar nelas estruturas comuns, de modo a definir como se estabelece o todo que é a linguagem. Há também algumas teorias que procuram mostrar que a linguagem não apresenta características universais e que o seu desenvolvimento varia de cultura para cultura. A linguagem constitui, portanto, um elemento estruturador da sociedade na medida em que intermedeia a comunicação entre os sujeitos falantes, sendo por ela perpassadas todas as atividades nela desenvolvida. Manifestada sob a forma de línguas naturais, ocorre entre essas línguas um incessante cruzamento e complementação, que seguem a transformação do ser humano e das formas de organização social. A finalidade primária da linguagem é a comunicação verbal, e essa característica isoladamente justificaria a sua existência. É isso que possibilita a construção das sociedades e de conhecimento, por mais distintos que sejam. Por apresentar um caráter comunicativo, a linguagem apresenta também um caráter social, no sentido de que existe como suma do conhecimento linguístico de todos os falantes individuais. 21LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Quando nascemos já a encontramos pronta, bastando aprendê-la; quando deixamos de existir, a língua continuará à disposição dos outros falantes. Assim, a língua se constitui como patrimônio social e cultural de uma comunidade de falantes. O conceito de linguagem é mais amplo do que aparenta ser à primeira vista, pois se refere não somente à linguagem verbal, mas a todo e qualquer conjunto de sinais empregados pelo ser humano para estabelecer comunicação, seja por meio de sinais auditivos, visuais, por meio de linguagem corporal ou linguagem verbal. Esses sinais são convencionados por determinada comunidade, a fim de permitir o entendimento mútuo ou, em certos casos, também o sentimento de exclusão. A língua, considerada dessa forma, constitui um constructo sócio-histórico, que nunca permanece estanque, posto estar sempre a sofrer alterações em todos os seus níveis, de modo a se adaptar à sociedade, à cultura e à situação em que é empregada. Esse caráter social e histórico é mais nitidamente percebido se entrarmos em contato com diversos falantes e notarmos que nenhum deles fala da mesma forma. Essas diferenças encontradas em uma mesma língua constituem o que se denomina variante linguística. Vejamos, brevemente, quais tipos de variação as línguas podem apresentar: a) Variação diafásica: é a alteração do registro de fala de acordo com o ambiente comunicativo em que a pessoa se encontra. Assim, ao participar de uma reunião, um indivíduo diria, por exemplo: Eu poderia tomar a palavra, a fim de elucidar esta questão? Em situações informais, como em um churrasco com os amigos, esse mesmo indivíduo diria, por exemplo: Quero falar pra explicar esse troço aí! Por meio da alteração de seu registro de fala, o indivíduo falante consegue se adaptar às mais diferentes situações comunicativas, a fim de obter êxito na comunicação. b) Variação diastrática: é a alteração do registro de fala de acordo com a camada social e cultural do indivíduo. Nesse caso, é importante alertar para o fato de que estar em uma camada social mais elevada não implica, necessariamente, um conhecimento linguístico maior e uma 22 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância fala mais apurada. A camada cultural em que o indivíduo se situa é mais decisiva para definir como ele empregará a língua. Assim, uma pessoa mais instruída poderia dizer, por exemplo: Nós vamos para casa agora, ao passo que alguém com um menor grau de instrução poderia dizer: Agora nóis vai pra casa. A variação diastrática é, muitas vezes, empregada como fator de discriminação, sobretudo, quando entendida erroneamente, ao relacionar camadas sociais mais elevadas com um conhecimento linguístico maior. c) Variação diatópica: é a alteração do registro de fala de acordo com o local em que a língua é falada, correspondendo aos falares regionais. Essa forma de variação é, certamente, a que causa maior estranhamento nos indivíduos. Assim, na fala de um gaúcho perceberíamos diferenças léxicas, morfológicas e fônicas, se comparássemos a sua fala com a de outras regiões. Ele diria, por exemplo: Tu vais comprar aipim?, ao passo que em outras regiões normalmente ouviríamos: Você vai comprar mandioca? Essa forma de variação, por vezes, também é fator de discriminação, sobretudo, quando se fazem afirmações que promulgam determinada variante regional melhor e mais correta do que a de outras regiões. Tal forma de considerar nunca é movida por critérios linguísticos, mas sim por interesses políticos e, por vezes, financeiros, o que exige que nos mantenhamos cautelosos diante de tais situações. d) Variação diacrônica: é a alteração do registro de fala com o decorrer dotempo. Essa alteração é bastante perceptível se considerarmos as gírias empregadas em cada época. Uma pessoa que nasceu nos anos 1950 provavelmente conheceu as palavras supimpa, barato, maneiro, massa, todas com a noção da palavra legal, empregada atualmente. Essa pessoa provavelmente também atualizou a sua forma de falar e dificilmente se pode imaginar alguém empregando a palavra supimpa nos dias atuais. Essa variação é mais difícil de ser percebida pelo fato de requerer certo grau de conhecimento da história da língua, ao menos de algumas décadas. Além da definição dos conceitos de língua e de linguagem, é importante também definir de forma mais detalhada o conceito de gramática, o que será feito nos próximos parágrafos. 23LINGUÍSTICA I | Educação a Distância o CoNCEITo dE GrAMÁTICA Ao se estudar a linguagem, deparamo-nos frequentemente com o termo gramática. As concepções veiculadas por este termo podem ser bastante variadas, tendo seguido também o curso de desenvolvimento da linguística. Embora haja diversas concepções de gramática que, por vezes, parecem incompatíveis entre si, pois apresentam diferentes metodologias e terminologias para considerar o mesmo fato – a linguagem – essas mantêm pontos em comum entre si. Verificaremos isso nos parágrafos seguintes, em que descreveremos brevemente a evolução histórica e as diferenças epistemológicas entre as diferentes acepções do termo gramática. Na antiguidade, incluindo-se aí não somente a Grécia Antiga e Roma, mas também a China e a Índia, a noção de gramática representava um conjunto de regras a serem seguidas para falar e escrever de forma clara e racional. Essa concepção visava, sobretudo, a fins práticos de preservação da forma original da língua em questão, considerada dádiva dos deuses e empregada, por conseguinte, em rituais religiosos. Tinha-se o objetivo de prescrever o que seria a língua correta, apresentando a esse tipo de gramática características altamente reguladoras, motivo pelo qual ela é chamada de gramática prescritiva ou gramática normativa. Nesse período, surgiu a noção de certo e de errado na língua, concepção essa que se mantém até os dias atuais, sobretudo entre, o público leigo. Pelo fato de apresentar um caráter exclusivamente pedagógico, a gramática normativa não tem pretensões científicas. Ela pode ser definida como um conjunto de regras aprioristicamente estabelecidas, que visam a orientar os falantes pertencentes à determinada comunidade linguística no emprego da variante culta de sua língua. O seu caráter prescritivo surgiu com os primeiros estudos gramaticais dos gregos, muito embora outras civilizações também já apresentassem esse conceito. A fundamentação para as regras a serem seguidas se encontra em padrões literários, geralmente antigos e idiossincráticos. É nessa época que surgem os germes da gramática tradicional, de caráter normativo e prescritivista. A respeito dessa questão, Saussure (2012, p. 31) afirma: 24 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse estudo, inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente pelos franceses, é baseado na lógica e está desprovido de qualquer visão científica e desinteressada da própria língua; visa unicamente a formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas; é uma disciplina normativa, muito afastada da pura observação e cujo ponto de vista é forçosamente estreito. A gramática tradicional apresenta alguns problemas interessantes que não podem ser negligenciados. O aspecto mais notório desse tipo de gramática é a deficiência no tratamento dado ao uso efetivo da língua, apresentando como exemplo somente a língua de grandes escritores do passado. Assim, as características do estado atual da língua são deixadas de lado, apresentando, em lugar delas, arcaísmos que não encontram mais uso na língua atual. Em língua portuguesa, por exemplo, o uso da forma cadê?, derivada da expressão que é feito de?, é condenado em gramaticas mais tradicionais. Entretanto, a última expressão não pode mais ser considerada como fazendo parte do atual estado da língua. Outra questão importante a ser considerada é o fato de a língua falada ser relegada a segundo plano, por vezes ocorrendo também a confusão entre a variedade falada e escrita. Para exemplificar esse fato, podemos citar a questão da metaépia em português, que faz com que as vogais /e/ e /o/ sejam pronunciadas /i/ e /u/ em posição átona, respectivamente: menino /miniː nʊ/, livro /livrʊ/, pequeno /pikenʊ/. De modo semelhante, poderíamos citar a questão da metafonia em português, ou seja, a alternância de o fechado /o/ para o aberto /ɔ/, sobretudo, em formas do plural. Essa questão está ausente da maioria das gramáticas tradicionais do português: poço – poços, povo – povos, porco – porcos, tijolo – tijolos, novo – novos, ovo – ovos. Pelo fato de não haver representação gráfica dessa alternância, estudantes estrangeiros de língua portuguesa terão dificuldades para compreender em quais casos ocorre a variação. Ademais, mencione-se o fato de que as gramáticas tradicionais se detêm demasiadamente em questões secundárias da língua, omitindo questões importantes. As gramáticas de língua portuguesa costumam trabalhar exaustivamente os substantivos coletivos e os particípios duplos, por exemplo, deixando a sintaxe em segundo plano. É, sobretudo, nessa questão que 25LINGUÍSTICA I | Educação a Distância se pode perceber o caráter prescritivista da gramática tradicional, visto que ela se preocupa mais em elencar exceções, a fim de que o falante evite erros, do que explicar a formação dos sintagmas, das orações e dos enunciados. Desse modo, é dada uma excessiva atenção à morfologia, deixando de lado a sintaxe. O resultado disso é um conjunto de regras esparsas que, por não apresentarem sistematicidade, não possibilitam a correta formação de orações complexas. As falhas da gramática tradicional podem ser notadas não somente no plano do conteúdo, mas também no modo como os diversos tópicos gramaticais são apresentados. Assim, um dos principais problemas é a definição e explicação vaga de certos conceitos. Prescinde-se da clareza de expressão em prol de uma apresentação supostamente lógica e pouco elucidativa. A vagueza desse tipo de definição dificulta, quando não impede, uma correta compreensão dos fatos da língua. Desse modo, nota-se que as explicações apresentadas pelas gramáticas tradicionais são, muitas vezes, incorretas pelo fato de se fundamentarem em critérios de ordem diversa. A organização e a disposição das explicações da gramática tradicional favorecem uma dispersão das informações. Normalmente, as gramáticas classificam as suas explicações a partir das tradicionais classes de palavras. Desde tempos remotos, a gramática esteve atrelada ao pensamento filosófico, sobretudo, na cultura greco-romana. Essa forma de pensar se desenvolve desde a Idade Antiga, atingindo o seu apogeu na Idade Média, momento em que surge a chamada gramática filosófica, que objetivava descrever as línguas a partir das leis que regem o pensamento. Nessa época, acreditava-se que o funcionamento e a organização das línguas refletiam fielmente as leis do raciocínio, ideia que foi abandonada séculos mais tarde. Quando a gramática filosófica deixou de ser um referencial para os estudos linguísticos, passou-se a considerar a língua como um reflexo dos processos humanos, marcados pela emoção e pelos sentimentos. Esses aspectos psicológicos, exteriorizados pela linguagem, passaram a ser considerados nos estudos gramaticais, advindo daí a denominação gramática psicológica. 26 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Com os desenvolvimentos posteriores dos estudos linguísticos, e devido a um conhecimento mais extensivo das diversas línguas do mundo, os estudiosos notaram a semelhança entrea estrutura básica de todas as línguas, demonstrando que a sua estruturação se fundamentava em critérios altamente racionais. Assim, entendia-se a linguagem humana, aqui no sentido de conjunto de todas as línguas naturais, como um sistema universal, portanto, um conjunto de regras básico aprendido na infância, que está à disposição dos falantes de uma comunidade linguística e que possibilita formar os enunciados das línguas particulares. Essa forma de pensar constituía o que hodiernamente se costuma denominar gramática universal. Outro termo corrente na linguística é gramática internalizada. Esse tipo de gramática considera as línguas como sistemas de normas que regularizam e possibilitam o emprego e a consequente combinação das unidades e das estruturas linguísticas que as compõem. Desse modo, as línguas naturais formam um sistema de possibilidades linguísticas, do qual se servem os falantes de determinada comunidade linguística. Esse fato, já referido por Ferdinand de Saussure no ano de 1913, tornar-se-ia um dos conceitos estruturadores de várias teorias linguísticas que surgiriam após o estruturalismo, como o gerativismo e o funcionalismo. O conjunto de possibilidades linguísticas a que aludimos anteriormente constitui a língua em si, coincidindo, nesse caso, com o conceito de gramática. A gramática, nessa forma de considerar, é o conjunto de conhecimentos linguísticos do falante que se estabelecem de maneira gradual em sua memória, desde os primeiros anos de vida em diante. A assimilação da gramática, no sentido de língua, ocorre de maneira espontânea, bastando a criança estar em contato com determinada língua e receber estímulos positivos que contribuam para que ela a aprenda. Por esse motivo, todo ser humano, em condições normais, domina alguma língua com eficiência, ou seja, de forma profunda, que permita comunicação com outros indivíduos, falantes da mesma língua. Assim, todos conhecem uma gramática que oferece as regras para a exteriorização do pensamento e para o estabelecimento de comunicação, embora nem sempre tenham consciência desse conhecimento. A gramática internalizada permite aos falantes analisarem diversos aspectos das elocuções 27LINGUÍSTICA I | Educação a Distância que ouvem, por exemplo, se um enunciado está corretamente estruturado (*Água um beber de gostaria pouco eu. / Eu gostaria de beber um pouco de água.), se ele apresenta relações de significado corretas (*Conversei com o fogo sonolento. / Conversei com o motorista sonolento.) e em quais situações ele pode ser empregado (Fale baixo! / O senhor poderia, por obséquio, falar mais baixo?). A partir desses aspectos, podemos explicar a noção de gramaticalidade, que equivale basicamente à noção de aceitabilidade de uma elocução linguística. O conhecimento gramatical internalizado dos falantes nunca é homogêneo, como preveem algumas concepções de linguagem. Assim, a língua internalizada pelos falantes apresenta diferenças quanto ao seu uso em determinada região, nível social e também no que se refere ao estilo da língua, o que, todavia, não impede a comunicação e a compreensão mútuas. A língua, devido ao seu caráter sistêmico, apresenta regularidade e organização estrutural. Essas características são passíveis de análise e, consequentemente, de descrição, surgindo daí o conceito de gramática descritiva. A descrição de uma língua pode abranger diferentes níveis, partindo de unidades mínimas, como os fonemas e os morfemas, passando pelo estudo das palavras, dos sintagmas, das orações, dos enunciados, para chegar, por fim, ao texto e ao discurso. A descrição gramatical objetiva demonstrar a forma como essas unidades se exteriorizam em forma de sons (fonologia); como diferentes unidades se combinam para expressar novos significados e formar novas palavras (morfologia); como elas são dispostas e organizadas nas orações e nos enunciados (sintaxe), além de procurar explicar os diferentes valores e significados de uma mesma palavra de acordo com o contexto em que está situada (semântica). Por conseguinte, a gramática descritiva, diferentemente da gramática normativa, objetiva descrever as possibilidades combinatórias e discursivas de uma língua sem fazer juízos de valor sobre elas. Por esse motivo, todas as variedades da língua podem servir como objeto de estudo para o linguista, prevalecendo, nesse tipo de gramática, o caráter científico. A língua apresenta determinado grau de fixidez, no sentido de que não podemos alterá-la 28 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância completamente para obter determinado propósito: temos sempre de nos valer de estruturas, formas e palavras estabelecidas em uma espécie de acordo implícito entre os falantes de uma comunidade linguística. Apesar disso, há certa liberdade para a criação e a alteração dos elementos e estruturas já existentes quando o contexto ou a situação assim o exigirem; por outro lado, o caráter histórico da língua, quer dizer, o seu estabelecimento por meio de um grupo de falantes em determinado momento, impede que a alteração se suceda de forma descontrolada. Caso a língua se alterasse de maneira profunda em pouco tempo, surgiriam sérios impedimentos à comunicação. A partir desse fato, percebe-se que a língua é, antes de mais nada, uma instituição social, e que os indivíduos falantes não apresentam liberdade com relação à linguagem. Por volta do século XIX, surgiu na Europa uma corrente marcada pela comparação entre diversas línguas, geralmente pertencentes a uma mesma família linguística. Essa corrente fora denominada gramática comparativa. Além dessa forma de considerar os fenômenos da linguagem, procurava-se também analisar as línguas à luz de seu desenvolvimento: as línguas apresentam, além de uma realidade estrutural e de uma realidade social, uma realidade histórica, que, de certa maneira, se entrelaça com as duas anteriores. Devido à sua importância, procurou-se explicar a linguagem a partir de uma perspectiva que levava em consideração as mudanças ocorridas em determinada língua, a fim de determinar direções gerais de desenvolvimento. A esse tipo de gramática, voltada ao estudo histórico das línguas, denominou-se gramática histórica. Considerando separadamente cada um desses conceitos de gramática, chega-se a conclusões pouco frutíferas: comparar línguas sem um critério histórico é de pouco valor, permitindo apenas mostrar quantitativamente as semelhanças entre duas ou mais línguas. De modo semelhante, analisar a história de uma língua sem tecer comparações com outras línguas pode levar a conclusões errôneas a respeito do seu desenvolvimento histórico. Pelo fato de as fraquezas de cada concepção de gramática terem sido reconhecidas, passou-se a reuni-las sob a denominação gramática histórico-comparativa. O seu principal objetivo é, portanto, 29LINGUÍSTICA I | Educação a Distância oferecer uma descrição científica do desenvolvimento das línguas, organizadas em períodos bem definidos, por meio de comparações sistemáticas entre elas. Conforme vimos, o conceito de gramática é bastante amplo e, por vezes, parece-se confundir com o conceito de linguística. Devemos, no entanto, ser cautelosos ao empregar cada termo: gramática se refere à sistematização e descrição do conjunto de fenômenos, possibilidades combinatórias, regras e tendências de uma língua; já a linguística remete ao estudo do conjunto de gramáticas. Desse modo, pode-se dizer que a linguística constitui um superconjunto da gramática. oBJETIVo E oBJETo dE ESTUdo dA LINGUÍSTICA O objetivo principal da Linguística é estudar a linguagem humana, manifestada em forma de línguas naturais, e dessas línguas depreender e explicar leis, regras e tendências gerais que regulam os sistemas imanentes a essas línguas. Embora compartilhando o mesmo objeto de estudo, as diferentes teorias linguísticas não partilham da mesmaconcepção de língua, havendo, portanto, diferentes orientações teóricas nelas presentes. Assim, para algumas delas, o termo lei parecerá por demasiado restrito, para outras, o termo regra terá uma conotação prescritivista; outras, ainda, consideram o termo tendência demasiadamente vago. A linguística apresenta múltiplas concepções acerca do que é e de como se constitui esse sistema. A respeito disso, Moura Neves (2002, p. 11) mostra que, Depois de organizada a ciência linguística, passa a língua a ser verdadeiro objeto de estudo, constituindo-se um método próprio de investigação linguística. Diferentes correntes, então, se sucedem, assentadas em diferentes concepções de linguagem e governadas por diferentes finalidades. Centradas nas estruturas, ou centradas em princípios gerais, centradas no conhecimento linguístico do falante, ou centradas no uso, as diversas correntes explicitam seus princípios e oferecem suas análises, seguindo tais princípios. Dessa maneira, relativamente ao seu objeto de estudo e às metodologias empregadas, podemos dividir os estudos linguísticos em três períodos principais. 30 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância O primeiro período se estende desde o momento da criação do primeiro sistema de escrita até por volta do fim do século XVIII. Todos os povos da antiguidade que se dedicavam ao estudo de sua língua apresentavam dois pontos em comum: a consideração primária, por vezes, exclusiva de sua língua, vista como superior, e a grande preocupação com a designação da palavra e a sua relação com as coisas por ela denominadas. A tendência, portanto, é surgir primeiramente um interesse lexicográfico, voltado para a confecção de dicionários com objetivos bastantes específicos, como os que elucidam o significado de palavras empregadas em rituais ou de palavras arcaicas, os que trazem listas de rimas etc., e apenas posteriormente se estabelecerem as bases para um tratamento gramatical da língua. Bastante marcante para esse período é também a relação entre religião, filosofia e língua: pelo fato de ser considerada um dom divino ou um sistema natural, os estudos da linguagem quase sempre se subordinavam a estas duas outras áreas. O estudo da linguagem na antiguidade tinha também uma finalidade prática, voltada, na maioria das vezes, à preservação e à interpretação de textos literários, considerados exemplos de uso correto e elegante da língua. Com essa forma de pensar, estabeleceu-se, relativamente ao uso da língua, uma orientação prescritivista, regida por normas que comandariam o bom uso da língua. Essa visão, preservada até hoje em manuais escolares e em gramáticas normativas, é a mais importante característica que diferencia a linguística antiga da linguística moderna. Parte desse caráter normativo era orientado também pela necessidade de unidade nacional por meio da língua. Devido às concepções epistemológicas em voga na época, não havia uma real distinção entre língua e linguagem. Embora diversas civilizações tenham se dedicado ao estudo da língua, como os hindus, os árabes, os chineses, toda a nossa tradição linguístico-gramatical se fundamentou em modelos greco- romanos, que exerceram significativa influência até por volta do final do século XVIII, momento em que ocorre uma enorme ruptura epistemológica no campo dos estudos da linguagem. O segundo período, que podemos denominar histórico-comparativo, apresenta uma nova forma de considerar as línguas por meio do estabelecimento de comparações sistemáticas entre 31LINGUÍSTICA I | Educação a Distância elas e da consideração do seu caráter histórico. Diferentemente do que se fazia no período anterior, em que se buscava explicar a língua por meio da filosofia e da religião, no período histórico-comparativo buscava-se chegar, por meio de comparações, à língua primordial que teria originado as línguas faladas na Europa e na Índia. Assim, o interesse por uma única língua foi considerado infrutífero, e passou-se a levar em conta tantas línguas quanto possível. Empreendeu-se, então, uma incessante busca da língua-mãe, mais tarde denominada indo-europeu. As primeiras comparações feitas agrupavam línguas de períodos cronológicos muito distintos; por vezes, eram separadas por um abismo temporal de um ou até dois milênios. Apenas mais tarde é que se passou a comparar as línguas com base no momento histórico de sua existência, daí o motivo de esses estudos serem denominados histórico-comparativos. Essa forma de consideração permitiu detectar a extensão das mudanças ocorridas e o modo como elas se estabeleceram. De modo a manter a homogeneidade de suas análises, a gramática histórico-comparativa omitia deliberadamente quaisquer características dialetais, culturais ou sociais da linguagem, o que mais tarde seria apontado como um dos defeitos conceptuais e metodológicos desse período. Essa postura metodológica fez com que os linguistas voltassem a sua atenção para as regras que coordenavam a mudança, levando ao estabelecimento das famosas leis fonéticas, consideradas, a princípio, sem exceção. Devido à constatação de algumas exceções, buscou-se as explicar por meio do conceito de analogia, que previa que as formas linguísticas poderiam ser alteradas, a fim de se adequarem a paradigmas mais comuns, ou seja, que se manifestavam em mais palavras. A preocupação histórica se manteve até o início do século XX, quando o interesse da linguística passou a se concentrar em períodos bem definidos da história das línguas. O terceiro período, que se estende do início do século XX até os dias atuais, é caracterizado, sobremaneira, pelo seu caráter sincrônico e pela sua diversidade teórica. Após a publicação da obra Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure, a investigação linguística voltou a sua atenção para o caráter sistêmico da linguagem. O objetivo 32 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância do estudo não mais se restringia apenas às línguas da Europa e da Índia, mas procurava-se analisar o máximo de línguas possível, de modo a obter um modelo teórico adequado. Esse momento é caracterizado por um forte empirismo, ou seja, qualquer hipótese postulada deve ser submetida à análise com dados reais e diversificados, a fim de que possa ter a sua validade comprovada. Consequentemente, diversos aspectos da língua, escamoteados nos períodos anteriores, passaram não somente a ser considerados, mas constituíram a diretriz de pesquisa fundamental de diversas teorias. O florescimento desses posicionamentos teóricos tão heterogêneos exigiu, de certo modo, que as afinidades com outras áreas também fossem diversificadas. As teorias linguísticas contemporâneas se dedicam a questões bastante pontuais da linguagem, e sua heterogeneidade teórica permite dividir a Linguística em correntes, que objetivam, cada uma ao seu modo, estudar o complexo fenômeno da linguagem. Vejamos as diferentes concepções e princípios por elas veiculados: • língua como sistema extrínseco ao ser humano, constituindo um organismo autônomo; • língua como conhecimento inato; • língua como característica do falante; • língua como sistema intrínseco; • língua como sistema extrínseco; • língua como soma de relações sociais. Pode-se dizer, dessa maneira, que o objeto de estudo da Linguística é multifacetado e compreende diversos aspectos da linguagem humana. A respeito desse assunto, Martelotta (2009, p. 21) afirma que: 33LINGUÍSTICA I | Educação a Distância A linguística tem como objeto de estudo a linguagem humana através da observação de sua manifestação oral ou escrita (ou gestual, no caso da língua de sinais). Seu objetivo final é depreender os princípios fundamentais que regem essa capacidade exclusivamente humana de expressão por meio de línguas. Para atingir esse objetivo, os lingüistas analisam como as línguas naturais se estruturam e funcionam. A investigaçãode diferentes aspectos das diversas línguas do mundo é o procedimento seguido para detectar as características da faculdade da linguagem: o que há de universal e inato, o que há de cultural e adquirido, entre outras coisas. Fo nte : S HU TT ER ST OC K. CO M A Linguística, ao se ocupar com diversas áreas, acaba estabelecendo divisões internas relativamente ao seu objeto de estudo. Primordialmente, a Linguística dava mais atenção à morfologia do que a qualquer outra questão: procurava-se estudar as características morfológicas das línguas, estabelecendo classificações tipológicas (como língua flexional, isolante, aglutinante, polissintética). A respeito dessa questão, Charlier (1981, p. 30) afirma: […] Uns, considerando as línguas como organismos naturais que nascem, vivem e morrem, procuram estabelecer as leis a que estas existências estão submetidas, com o mesmo rigor das leis da física ou da química. Outros definem com precisão os critérios que permitem classificar as línguas em tipos, por exemplo, em línguas “isolantes” (as palavras são invariáveis e justapostas, as relações que mantêm entre si são indicadas pela sua ordem e por palavras gramaticais; por exemplo, em chinês, algumas palavras apenas têm um sentido global e não têm categoria gramatical, sendo o seu lugar na frase que as faz perceber como nome, verbo, etc., com o sentido de, por exemplo, “altura”, “subir”, etc.), línguas “aglutinantes” (as palavras são compostas por várias “sub-palavras” aglutinadas, cada uma das quais exprime uma noção ou uma relação 34 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância gramatical; por exemplo, em turco, “a minha rosa” é expresso por “rosa + feminino + singular + mim”) e línguas “flexivas” (as palavras têm desinências, modificações da sua forma, que marcam simultaneamente várias noções e relações gramaticais; por exemplo, em latim, caso + número + gênero = 1 desinência). […] Posteriormente, a preocupação maior era com a estrutura das línguas: estudava-se a sintaxe, a colocação dos elementos principais da oração (a tríade sujeito - verbo - objeto, tão recorrente nas classificações tipológicas das línguas). Como os estudos linguísticos que levavam em conta critérios morfossintáticos pareciam insuficientes para alguns linguistas, passou-se a considerar o sujeito falante e as variações resultantes do uso efetivo da língua: buscou-se trabalhar a linguística sob um prisma sociológico, antropológico, filosófico e histórico. Entretanto, nem todas as teorias incluem essa vasta gama de áreas: algumas se ocupam mais com o papel social do indivíduo falante, outras com a posição histórica deste com relação à sua língua. Poderia se dizer que as concepções teóricas da Linguística são tão complexas e imbricadas quanto o seu objeto de estudo. Há, na linguística, também, a corrente imanentista, que considera a linguagem intrínseca aos seres humanos, definindo-a como uma característica inata. De modo semelhante a como a Linguística do século XIX procurou o protótipo das línguas indo-europeias, a linguística do século XX buscou o protótipo das línguas naturais humanas: essa espécie de arquétipo comum a todas as línguas naturais é denominada gramática universal. As regras que determinam o seu funcionamento interno constituem os universais linguísticos. Há também as teorias voltadas ao significado das palavras isoladas ou em contextos, que se denomina semântica, e a análise do efeito desses significados em enunciados efetivamente produzidos, o que então é chamado pragmática. proprIEdAdES dA LINGUAGEM HUMANA O domínio da linguagem é intrínseco à nossa espécie: onde há seres humanos, também há linguagem. Por isso, a linguagem é o marco estruturador de toda a nossa existência: sem linguagem, não haveria sociedade, não haveria nem religião nem ciência. Questões extremamente diversas, de complexidade variável, por vezes contraditórias, são todas 35LINGUÍSTICA I | Educação a Distância reunidas sob a égide da linguagem e por ela perpassadas. Assim, a linguagem, estruturadora do ser humano e de tudo o que o torna humano, é onipresente. Todo ser humano, submetido a condições apropriadas e com o devido estímulo cognitivo, desenvolve linguagem articulada. Poderíamos ainda complementar essa asserção: a linguagem é única dos seres humanos, e permite estruturar o mundo físico, estabelecer e permear as relações sociais que nele ocorrem. A sociedade humana como a conhecemos só pode existir por meio da linguagem. Com referência a essa questão, Neves (2002, p.17) afirma: Por natureza racional, dotado de linguagem, o animal homem estrutura seu pensamento em cadeias faladas. Codifica-as e decodifica-as porque, independentemente de alguém que anuncie isso, ele é senhor das regras que regem a combinação dos elementos das cadeias que tem a faculdade de produzir. A partir dessa faculdade que lhe dá sua natureza, o homem cumpre sua vocação de animal político [...] comunicando-se com voz articulada que produz sentido e, assim, criando uma sociedade política. Por esse motivo, quaisquer outras características biológicas e, inclusive, comportamentais aplicadas aos animais, podem ser aplicadas aos seres humanos, no entanto, a linguagem é característica única de nossa espécie. Além disso, a linguagem humana se diferencia das ditas linguagens animais por algumas características: reflexividade: apesar de a comunicação ser considerada a função primária da linguagem humana, ela não constitui um traço distintivo, pois várias espécies animais apresentam algum tipo de comunicação. Entretanto, apenas os seres humanos conseguem se referir à linguagem empregando a linguagem. Essa característica é denominada reflexividade. Sem ela, dificilmente poderíamos pensar sobre a língua e estabelecer organizações e divisões internas a ela e, por conseguinte, não poderíamos identificar as outras características da linguagem humana. Assim, se dissermos que chover é um verbo, estaremos nos referindo à linguagem com o emprego da própria linguagem. deslocamento: os seres humanos, em qualquer língua, conseguem se referir a momentos que não se situam no presente imediato, fazendo referências ao que passou e ao que está por vir. Como consequência disso, podemos nos referir também a entidades imaginárias, que 36 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância não existem em momento algum. Dessa maneira, orações como as elencadas abaixo não poderiam ser produzidas por linguagem animal, por mais evoluída e complexa que ela possa ser: (1) Viajarei só depois de amanhã. (2) Comprei este livro na semana passada. A simples falta de referência a momentos temporais que divergem do momento da elocução, do presente, já constituem impedimentos suficientes para a existência de sistemas comunicativos eficientes. Como se isso já não fosse o bastante para impedir a existência de sistemas de comunicação animal complexos, temos de lembrar que a linguagem humana, além de poder fazer referência ao passado e ao futuro, consegue fazer referências secundárias a esses momentos temporais, tomando-os como ponto de partida. Vejamos alguns exemplos: (3) Depois que haviam terminado a construção da mansão, José passaria a morar nela. (4) Ele vivera nove anos em uma casa alugada, até que se mudou para uma casa própria. (5) Quando você chegar, terei terminado o meu trabalho. Expliquemos os enunciados apresentados acima: no exemplo (3), a ação descrita faz referência a um ponto qualquer do passado e, tomando-a como referência temporal, descreve-se uma ação realizada ainda no passado, mas que ocorreu depois da primeira ação. Dessa forma, mesmo havendo a indicação de dois momentos temporais distintos, não se chega a expressar o presente. O exemplo (4), que também se refere ao passado, contém duas indicações de tempo passado: a primeira se refere a uma ação ocorrida em um ponto temporal anteriorà segunda ação. De modo semelhante ao exemplo (3), o presente não é expresso, apesar da dupla indicação temporal. No caso do exemplo (5), toma-se, inicialmente, um momento futuro como ponto de referência temporal para, em seguida, elencar uma ação que ocorreu antes desse tempo. O presente também não é expresso. Arbitrariedade: esta característica se refere ao fato de não haver uma relação natural entre a forma linguística e o seu significado. Assim, se compararmos a palavra árvore em 37LINGUÍSTICA I | Educação a Distância várias línguas, perceberemos que nenhuma delas apresenta traços icônicos, ou seja, que apresentem alguma motivação natural, remetendo a um objeto com tronco, galhos, ramos e folhas, geralmente verdes, que pode produzir flores e/ou frutos: português Alemão Inglês russo Japonês árvore Baum tree djerevo ki Fonte: elaborado pelo autor A arbitrariedade pode ser comprovada apresentando-se essas palavras a pessoas que não as conheçam: nenhum traço ou características nelas presentes, sejam elas formais ou fônicas, indicam que se trata de uma árvore. Nem mesmo as onomatopeias, que parecem lembrar certos sons, como os de animais, são icônicas. Assim, se compararmos, a título de exemplo, o som do latido do cachorro em várias línguas, logo perceberemos a sua arbitrariedade: português Inglês Alemão russo Espanhol Chinês Japonês au-au woof-woof wau-wau gav-gav guau-guau wou-wou wan-wan Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Latido> Por esse motivo, afirma-se que o significado das palavras é totalmente arbitrário, no entanto, convencional, ou seja, estabelecido por uma comunidade linguística. produtividade: esta característica se refere à capacidade do ser humano em produzir novas expressões linguísticas por meio da manipulação e da alteração do inventário linguístico que possui, com o intuito de descrever novos fatos, objetos e situações. A capacidade de criação de novas expressões é infinita. Transmissão cultural: diferentemente de outras características, herdadas geneticamente, a linguagem tem de ser transmitida culturalmente. Embora tenhamos predisposição a aprender uma língua, não nascemos com a capacidade de produzir expressões linguísticas. dualidade: esta característica, também conhecida como dupla articulação, se refere ao fato de as línguas humanas serem organizadas simultaneamente em dois níveis distintos. 38 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância Assim, temos um nível em que são considerados os sons da fala, por exemplo, [a], [l], [v]. Isoladamente, esses sons não apresentam qualquer significado. Se forem combinados, podem produzir várias palavras com significados diferentes: lava, vala, aval. A dualidade permite produzir infinitas combinações com um número finito de sons, revelando-se uma característica bastante econômica das línguas humanas. Nos últimos anos, áreas do conhecimento não ligadas diretamente à ciência linguística insistem em empregar o conceito de “linguagem animal”. Devido à relevância dessa questão, teçamos algumas refl exões sobre ela. Sabemos que a linguagem é característica exclusiva do ser humano. Por que motivo a designação linguagem animal seria inadequada? Os animais, diferentemente dos seres humanos, não têm a ca- pacidade de produzir linguagem articulada, ou seja, não possuem um sistema formal de combinação de signos. Assim, apesar de os animais possuírem alguns signos, eles não conseguem combinar esses signos para produzir linguagem articulada. Mesmo as espécies de macacos que têm centenas de expressões e gritos, ainda não apresentam uma linguagem, pois não combinam esses elementos entre si, e nem conseguem interpretá-los. A linguagem articulada prevê uma organização formal, ou seja, exige que a língua apresente sintaxe e semântica, formando um sistema linguístico. Além dessa característica principal, há diversas outras características secundárias ausentes das “linguagens ani- mais”, como o deslocamento temporal, ou seja, aquilo que os animais expressam refere-se somente ao momento presente imediato, não sendo possível a eles fazer referência ao passado ou ao futuro. Fonte: elaborado pelo autor. 39LINGUÍSTICA I | Educação a Distância oUTrAS CArACTErÍSTICAS dA LINGUAGEM As línguas apresentam, além das características já citadas anteriormente, outras propriedades, que constituíram, com uma influência maior ou menor, as teorias linguísticas. Assim, a questão sobre se a língua era arbitrária ou motivada deu origem à discussão, na Grécia Antiga, entre os naturalistas e os convencionalistas. Cerca de dois milênios mais tarde, Ferdinand de Saussure daria respaldo aos convencionalistas, ao afirmar que a língua é um conjunto de signos com valor arbitrário, convencionados por uma comunidade de falantes. Alguns anos depois, as teorias funcionalistas retomariam, de certa maneira, a ideia de que a língua apresenta relações motivadas entre a palavra com a sua representação sonora e a coisa representada, ao trabalhar com o princípio da iconicidade (o termo iconicidade designa uma relação de semelhança entre o signo – forma de expressão ou símbolo – e aquilo que ele representa). Por outro lado, se consideradas de um ponto de vista formal, as línguas constituem sistemas que mesclam regularidade com irregularidade. A constatação desse fato já motivara o interesse dos filósofos gregos: os analogistas consideravam a língua como um sistema regular e os anomalistas viam a língua como um sistema irregular. Aproximadamente dois milênios depois, essa preocupação viria novamente à tona, embora com um foco e uma motivação diferente, com os gramáticos histórico-comparatistas que defendiam a regularidade das mudanças que ocorriam nas línguas. Os neogramáticos, que constituíam o movimento de oposição à gramática histórico-comparativa, enfatizaram, de forma ainda mais veemente, a ideia de que a mudança linguística ocorre de forma regular. A constatação de que as línguas mudam com o passar do tempo foi outra motivação para o estudo das línguas. Com isso, percebeu-se que existia uma língua anterior, a chamada língua-mãe, e, dessa maneira, foram empreendidos inúmeros esforços no sentido de reconstruí-la. Procederam, desse modo, a gramática histórico-comparativa e a neogramática. Posteriormente, por volta do início do século XX, o interesse na língua passou a se focar em suas características formais. Assim procedeu Ferdinand de Saussure, considerado o pai da 40 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância linguística moderna, em seu Curso de Linguística Geral, obra postumamente publicada, em que ele considera a língua como um sistema. No vídeo indicado a seguir, discute-se a questão da linguagem, relacionando-a com a questão da educação. A parte 1 do vídeo pode ser encontrada em: <http://www.youtube.com/watch?v=I1Zusz__3e8>. E a parte 2 em: <http://www.youtube.com/watch?v=4qr3CGs1Upg>. Neste vídeo, são feitos questionamentos a respeito dos pré-requisitos biológicos para a comunicação falada e se nossa linguagem é uma característica intrínseca da nossa espécie. Ele pode ser acessado em: <http://www.youtube.com/watch?v=cYJoXsfgenQ>. o QUE É LINGUÍSTICA? Nesse livro, Orlandi faz importantes elucidações sobre a história da linguística, desde o desenvol- vimento do pensamento linguístico, por meio de abordagens que retratam seus precursores, até a linguística moderna, a sua aplicação, bem como as suas concepções acerca do objeto de estudo que têm em comum: a língua. Assim, no primeiro capítulo, a autora discute a necessidade humana de obter conhecimento que, por sua vez, ocorre, sobretudo, via linguagem. Por isso, segundo ela, o interesse do homem pela linguagem remonta aos tempos mais longínquos, embora tenha alcançado status de ciência somen- te a partir dos estudos de Ferdinand Saussure com o advento da Linguística Moderna. 41LINGUÍSTICA I | Educaçãoa Distância Antes de se ater, contudo, a esse momento em si, a autora destaca obras e autores cujas contribui- ções foram decisivas: tratam-se, por exemplo, das gramáticas gerais do século XVII e das gramáticas comparadas do século XIX, que constituem os alicerces sobre os quais se assentaram as bases de duas tendências dos estudos linguísticos: o Formalismo e o Sociologismo. Já no terceiro capítulo, a autora dá prosseguimento à sua obra destacando como marco inicial da Linguística Moderna o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand Saussure. Dentre os principais pos- tulados dessa obra está o estabelecimento de quatro disciplinas que correspondem, por seu turno, a diferentes níveis de análise: a fonologia, a morfologia, a sintaxe, e a semântica. A partir dessas definições, Saussure apresenta também as chamadas diacronias (língua x fala; sincronia x diacronia; sintagma x paradigma; significado x significante). Assim, segundo o estudioso, a linguística deveria se dedicar, primeiramente, ao estudo da Langue, ou seja, da língua, e, por extensão, deveria considerar a sincronia. Definia-se, então, aquilo que Ferdinand denominou Sistema e que, a posteriori, foi definido por seus sucessores por Estrutura. Orlandi nos ensina que o estudo das estruturas linguísticas deu origem a outra linha de pensamento linguístico, que é o Funcionalismo. Essa linha, por seu turno, considera as funções dos elementos desempenhadas sob qualquer um de seus aspectos. Na sequência, agora no quarto capítulo, a autora dá continuidade ao assunto afirmando a existência de mais de um Funcionalismo e destaca aquele para o qual as funções que constituem a natureza da linguagem devem ser consideradas, pois que caracterizam o papel de cada elemento no processo comunicativo: expressiva (centrada no emissor), conativa (centrada no receptor), referencial (centrada no referente), fática (centrada no canal), poética e metalinguísticas (centradas no código). No quinto e último capítulo, Orlandi deixa entrever a importância de a linguagem não ser engessada a uma única teoria, pois que não há apenas uma maneira de pensá-la. Destarte, a autora aponta algumas linhas de pensamento que ligaram diferentes épocas no único objetivo, que é compreender a linguagem. Para tanto, ela ainda faz algumas indicações bibliográficas que, com certeza, são muito importantes para a compreensão mais exaustiva e abrangente dessa ciência que é a Linguística. Fonte: elaborado pelo autor. 42 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância TENdÊNCIAS ATUAIS dA LINGUÍSTICA E dA FILoLo- GIA No BrASIL Primeiramente, a obra de Anthony Julius Naro apresenta um levantamento bibliográfi co referente aos estudos de- senvolvidos no Brasil (até meados dos anos 1970) nas áreas de Linguística e de Filologia. Embora não explici- tamente, podemos identifi car sua concepção acerca do que, de fato, vem a ser o objetivo da Linguística a partir do Gerativismo de Noam Chomsky. A partir dessas conside- rações, o autor faz uma divisão do campo linguístico bra- sileiro que, segundo ele, se organiza em duas correntes: a norte-americana, advinda das propostas de Chomsky, Halle, bem como de colaboradores posteriores, e a fran- cesa, cujas bases se assentam nos estudos de Greimas e Pottier. Terminada essa primeira etapa, o autor tece, então, al- gumas considerações que nos direcionam no sentido de desconsiderar os trabalhos de orientação francesa como genuinamente linguísticos. Isso porque, segundo ele, o trabalho com essa corrente está limitado a um único pesquisador. Consequentemente, o enfoque de Julius Naro volta-se à linguística norte-americana, ou gerativa. Trata-se de uma obra essencial, pois possibilita a compreensão de fatos referentes à história da lin- guística, fundamentais para a formação do futuro profi ssional de línguas. Fonte: elaborado pelo autor. CoNSIdErAçÕES FINAIS Nesta unidade, vimos o porquê de a linguagem ser considerada uma capacidade única da espécie humana, a qual, devido à sua função comunicativa, permite a existência de sociedades. Partindo dessa noção, foram elencadas e descritas, em seguida, as características que fazem com que a linguagem humana se diferencie das linguagens animais, conferindo a nós uma capacidade comunicativa complexa e altamente eficiente. Diferenciou-se também o conceito de língua e de linguagem e foram apresentadas algumas de suas propriedades formais e comunicativas, que contribuíram para a formação das diferentes teorias linguísticas, tornando multifacetado e complexo o seu objeto de estudo. 43LINGUÍSTICA I | Educação a Distância ATIVIdAdES dE AUToESTUdo 1. A respeito da Linguística, reflita sobre as seguintes questões: a) O que é Linguística? b) Qual é o seu objeto de estudo? 2. Defina as seguintes características da linguagem humana: a) Arbitrariedade. b) Deslocamento. c) Reflexividade. 3. Por quais motivos a linguagem é considerada uma característica eminentemente humana? Explique com suas palavras. UNIdAdE II orIGENS HISTÓrICAS dA LINGUÍSTICA Professor Me. Adriano Steffler objetivos de Aprendizagem • Apontar cronologicamente a época dos primeiros estudos linguísticos. • Explicar como os diferentes povos da antiguidade consideravam a linguagem. • Mostrar os pontos de convergência entre os estudos da antiguidade e da moder- nidade. • Mostrar as contribuições desses estudos para a linguística. plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • origens históricas da linguística • Estudos gramaticais no antigo oriente • Estudos gramaticais na China • Estudos gramaticais na Índia e a primeira gramática • Estudos gramaticais na Arábia • Estudos gramaticais na Grécia Antiga • Estudos gramaticais em roma 47LINGUÍSTICA I | Educação a Distância INTrodUção Nesta unidade, faremos uma incursão nos períodos históricos dos estudos linguístico-gramaticais na antiguidade, apresentando a forma como os povos antigos, a saber, os hindus, os árabes, os gregos e os romanos, concebiam a língua e a linguagem. O objetivo principal desta unidade é apresentar as origens históricas da linguística e introduzir a reflexão sobre como ocorreu a evolução dos estudos linguísticos. Essa forma de proceder tem por objetivo possibilitar a você, aluno(a), compreender como as reflexões estabelecidas pelos povos antigos contribuíram, de forma contundente, para estabelecer os fundamentos da linguística moderna. A fim de manter a clareza, o texto desta unidade será dividido em seções, cada qual tratando de determinada cultura e de seus estudos. Vejamos, abaixo, os conteúdos de cada seção. Veremos, primeiramente, como eram realizados os estudos linguísticos na Índia, que, em nossa tradição gramatical, permaneceu ofuscada pela cultura greco-latina e pelo exagerado etnocentrismo ocidental, a despeito de os estudos hindus terem sido muito mais avançados do que os realizados pelos gregos e pelos latinos. A gramática de Panini, a primeira de que se tem notícia, apresentava um rigor descritivo e metodológico ainda não superado por gramática de língua alguma. Em seguida, veremos bastante brevemente a questão dos estudos gramaticais na Arábia, para depois passarmos à consideração dos estudos gramaticais na Grécia Antiga, considerada o berço da civilização ocidental. Pelo fato de nossas gramáticas tradicionais terem herdado, ainda que indiretamente pela gramática latina, os conceitos linguísticos e gramaticais dos gregos, mostraremos também como ocorreu o desenvolvimento das categorias de palavras a partir das categorias do pensamento aristotélicas. Será possível ver que elas foram estabelecidas paulatinamente e 48 LINGUÍSTICA I | Educação a Distância levando em conta critérios diversos. A questão da relação íntima entre filosofia, aqui entendida como lógica, e linguagem,
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