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85 Reabilitação de um paciente vítima de acidente vascular cerebral Autora: Paula Bortolin Professora Orientadora: Ms. Giovana de Cássia Rosim* Fisioterapeuta co-orientadora: Cleusa Maria Francisco Centro Universitário Anhanguera -Câmpus Leme Resumo Introdução O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma patologia que se refere ao desenvolvimento súbito de um déficit neurológico provocado por anormalidades do aporte sangüíneo no cérebro. Os objetivos deste trabalho foram estudar a literatura, avaliar um caso, realizar a fisioterapia e reavaliar em seguida, para avaliar a eficácia da fisioterapia para o caso estudado. A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica, elaboração e aplicação de uma ficha de avaliação, realização do tratamento e reavaliação. Os dados da avaliação e reavaliação foram analisados e foi possível detectar melhora na recuperação da função do lado acometido, diminuição da espasticidade e mais facilidade na realização das atividades da vida diária. Poucas alterações positivas também foram detectadas na marcha a na amplitude de movimento. O trabalho nos permitiu concluir que a aplicabilidade dos recursos e técnicas fisioterapêuticas tem grande potencial para interferir na qualidade de vida do paciente vítima de acidente vascular cerebral, sendo a avaliação inicial um dos pontos mais importantes para o sucesso das condutas eleitas para o tratamento. Palavras-chave: Acidente vascular cerebral; hemiplegia; hemiparesia; reabilitação; fisioterapia. * Bolsista FUNADESP O acidente vascular cerebral, popularmente conhecido como “derrame”, é mais comum em idosos e tem tido sua freqüência de aparecimento aumentada em pessoas cada vez mais jovens. (Santos, 2004) É uma doença caracterizada por um déficit neurológico (diminuição da função) decorrente de uma restrição na irrigação sangüínea ao cérebro devido a uma hemorragia (sangramento) ou isquemia cerebral. Podem ser classificados em dois grandes grupos: o AVC isquêmico (chamado de infarto cerebral) e o AVC hemorrágico (chamado de hemorragia cerebral). Como conseqüências, podem surgir síndromes de imobilização, síndromes neurológicas, fraqueza, distúrbios visuais, alterações de sensibilidade, distúrbios da linguagem e da fala e convulsão. (Santos, 2004) Os danos às funções neurológicas são dependentes da região afetada, da localização anatômica e da extensão da lesão. Esses fatores é que determinarão o quadro neurológico apresentado por cada paciente. (O’Sullivan e Schimitz, 1993) André (1999) investigou a epidemiologia do AVC e constatou uma incidência maior no sexo masculino em relação ao sexo feminino. Em relação à faixa etária, a incidência maior atingiu a faixa de 56 a 65 anos para homens e 46 a 55 anos para mulher. Os fatores de risco que mais atingem os pacientes, ainda segundo este autor, são a hipertensão arterial, o tabagismo e o diabetes. André (1999) também afirma que o AVC pode surgir em qualquer idade, inclusive entre crianças e recém-nascidos. Afirma que a raça negra exibe maior tendência ao desenvolvimento de AVC, provavelmente por maior tendência genética ao desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica, concluindo assim, que os fatores de risco dependem de fatores ambientais e genéticos. Quanto às causas do AVC, são consideradas as mais comuns os trombos, embolismos e hemorragias. (O’Sullivan e Schimitz, 1993) 86 Após o diagnóstico clínico realizado pelo médico, o paciente pode ser encaminhado para o serviço de Fisioterapia. Antes de iniciar o tratamento fisioterapêutico, é feita uma avaliação inicial para que seja possível a elaboração de um plano de tratamento adequado. A partir daí, deve ser realizada a monitoria contínua a fim de acompanhar o progresso do paciente. (Downie, 1987) Os objetivos deste trabalho foram estudar a literatura, avaliar um caso, realizar a fisioterapia e reavaliar em seguida, para avaliar a eficácia da fisioterapia para o caso estudado. Metodologia A metodologia utilizada foi estudo da literatura, elaboração e aplicação de uma ficha de avaliação, realização do tratamento fisioterapêutico em um paciente vítima de AVC e reavaliação. O local de estudo foi o Abrigo São Vicente de Paulo, localizado em Leme - SP, domicílio do paciente que participou do estudo. Apresentação do caso O paciente A. S. V., 71 anos, viúvo há sete meses, residente no Abrigo São Vicente de Paulo, chegou ao abrigo apresentando um quadro de depressão, após a morte de sua esposa, associado a seqüelas de um AVC (acidente vascular cerebral). Hipertenso e sedentário, sofreu um AVC isquêmico, em setembro de 2001, ficando por dez dias hospitalizado. Após a alta hospitalar, permaneceu por 2 anos e um mês na residência de seus familiares, sendo em seguida encaminhado ao abrigo, onde vive há um ano e recebe tratamento fisioterapêutico 3 vezes por semana desde então. O paciente não possui exames laboratorias e/ou de imagens, que pudessem ser estudados junto com a avaliação fisioterapêutica. Na avaliação fisioterapêutica, realizada em julho de 2004, foram detalhadas as disfunções presentes no paciente. Foi observada a presença de uma hemiparesia e hipoestesia esquerda, com hipotonia muscular. O teste de força muscular foi aplicado segundo Kendall (1987) utilizando a escala: 5 para normal; 4 para bom; 3 para regular; 2 para precário; 1 para traço de contração; e 0 para ausência de contração. Os resultados encontrados no teste de força muscular foram abaixo de precário para o hemicorpo esquerdo nos grupos musculares dos flexores, extensores e abdutores de ombro; flexores de punho; flexores e extensores dos dedos da mão; flexores, extensores e abdutores de quadril; e abdutores de quadril, certamente afetados pela perda da função deste lado. A goniometria revelou limitações nas amplitudes de movimento passiva de ambos os lados, com maior acometimento do lado esquerdo. A avaliação também identificou dificuldades na fala e limitações nos testes de coordenação e equilíbrio. Seu equilíbrio sentado demonstrou- se bom. Para a marcha, o paciente necessitou auxílio, ou das barras paralela ou do fisioterapeuta. Para as outras AVDs (atividades da vida diária), o paciente demonstrou-se totalmente dependente para vestimenta e higiene pessoal e parcialmente dependente para sua alimentação. Objetivos do tratamento De acordo com os dados da avaliação fisioterapêutica, foram apontados os seguintes objetivos para o caso estudado: melhorar as amplitudes de movimento (ADM); melhorar força muscular, sensibilidade e função; alcançar a independência nas AVDs; melhorar equilíbrio e coordenação; manter as capacidades pulmonares; e promover sociabilização. Apresentação do tratamento O tratamento fisioterapêutico foi realizado no abrigo São Vicente de Paulo, 3 vezes por semana, durante 1 mês, totalizando 12 sessões contendo exatamente os exercícios e técnicas apresentadas a seguir. Este protocolo de tratamento foi baseado nas considerações de Downie (1987), O’Sullivan e Schimitz (1993) e Kisner & Colby (1998). 87 Coluna cervical e face: • Alongamento passivo para músculos do pescoço (flexão, extensão, flexão lateral para direita e esquerda, rotação para direita e esquerda); • Exercícios de fortalecimento para os músculos do pescoço (flexão, extensão, flexão lateral para direita e esquerda, rotação para direita e esquerda); e • Mímicas faciais em frente ao espelho com cinesioterapia ativa e resistida. Cintura escapular: • Cinesioterapia resistida do lado direito e ativa do lado esquerdo; • Movimentação passiva de escápula esquerda; e • Técnica de alongamento passivo e técnica de contração / relaxamento em ombros (flexão, extensão, abdução, adução horizontal, rotação interna e rotação externa), bilateralmente. Membros superiores: • Técnica de alongamento passivo e técnica de contração / relaxamentoem grupos musculares do cotovelo, punho e artelhos bilaterais; • Exercícios de amplitude de movimento passivos e ativo-assistidos em cotovelo, antebraço, e punho no lado esquerdo; e • Cinesioterapia ativa e resistida em grupos musculares do cotovelo, punho e mão no lado direito. Tronco: • Técnica de alongamento passivo em grupos musculares da coluna lombar (extensores e rotadores); • Exercícios de fortalecimento de músculos abdominais retos e oblíquos internos e externos; • Dissociação de cintura pélvica e escapular ativa e resistida; e • Cinesioterapia respiratória ativa. Membro inferior: • Técnica de alongamento passivo e técnica de contração / relaxamento em grupos musculares do quadril, joelhos, tornozelos e artelhos, bilaterais; • Cinesioterapia ativa e resistida em grupos musculares do quadril, joelho, tornozelo e pé no lado direito; • Exercícios ativos de tornozelo para melhor a circulação; • Técnicas de facilitação (tapping com gelo) visando dorsiflexão do tornozelo esquerdo; e • Estímulos sensitivos no lado esquerdo utilizando diferentes texturas e temperaturas. Treino Sentado: • Transferência de peso para lado direito e esquerdo; • Dissociação de cinturas pélvica e escapular com bastão, bola e bambolê; e • Exercícios ativos e ativo-assistidos membros superiores, visando equilíbrio e coordenação. Treino na bola: • Exercícios de transferência de peso, dissociação de cinturas escapular e pélvica e treino de equilíbrio e coordenação. 88 Em pé: • Treino funcional de sentado para em pé, com apoio no espaldar; (FIGURA 1) • Transferência de peso com apoio no espaldar; • Alongamentos de membros superiores utilizando espaldar; e • Exercícios resistidos utilizando espaldar e peso corporal. (FIGURA 2) Na barra paralela: • Treino de marcha; (FIGURA 3) • Exercícios de coordenação e equilíbrio com auxílio das barras; e • Exercícios de transferência de peso. (FIGURA 4) No colchonete: • Treino funcional - De decúbito dorsal para decúbito 89 lateral (para direita e esquerda); - De decúbito lateral para decúbito ventral; - De decúbito ventral com os membros inferiores estendidos para decúbito ventral com membros inferiores flexionados; - De decúbito ventral com os membros inferiores flexionados para gato; - De gato para sentado; - De sentado para ajoelhado; - De ajoelhado para semi-ajoelhado; e - De semi-ajoelhado para em pé. Treino das outras AVDs: • Simulação da alimentação; • Simulação higiene pessoal; • Simulação da vestimenta. Resultados Os dados da avaliação inicial e da reavaliação realizada após 1 mês de tratamento foram comparados e, para testar o efeito do tratamento, aplicou-se o teste t para as observações pareadas. Na comparação da goniometria da cervical, a média das diferenças foi 1,83, a variância das diferenças foi 4,6 e o valor de t foi 2,09. Para os cálculos desenvolvidos temos um grau de liberdade de 6 – 1 = 5 ao nível de significância de 1%. Sendo 4,03 o valor de t correspondente na tabela do teste t para grau 5 e significância de 1% e tendo sido encontrado o valor de t de 2,09, podemos afirmar que o tratamento ainda não apresentou efeitos significativos ao nível de 1%. Em termos práticos o tratamento ainda não comprovou total eficiência neste segmento corporal observado. Na comparação da goniometria do membro superior e inferior esquerdos, a média das diferenças foi 2,6 e 2,0, respectivamente, a variância das diferenças foi 55,4 e 12,5, respectivamente e o valor de t foi 0,59 e 1,59, respectivamente. Para os cálculos desenvolvidos temos um grau de liberdade de 8 – 1 = 7 ao nível de significância de 1%. Sendo 3,5 o valor de t correspondente na tabela do teste t para grau 7 e significância de 1% e tendo sido obtidos os valores de t de 0,99 e 1,59, respectivamente para o membro superior membro inferior esquerdos, podemos afirmar que o tratamento ainda não apresentou efeitos significativos ao nível de 1%. Em termos práticos o tratamento ainda não comprovou total eficiência para esses segmentos corporais observados. Já na comparação da evolução da força muscular do membro superior e inferior direito, a média das diferenças foi 0,59, a variância das diferenças foi 0,34 e o valor de t foi 4,72. Para os cálculos desenvolvidos temos um grau de liberdade de 22 – 1 = 21 ao nível de significância de 1%. Sendo 2,83 o valor de t correspondente na tabela do teste t para grau 21 e significância de 1% e tendo sido obtido o valor de t de 4,72, podemos afirmar que o teste apresentou resultado positivo em relação aos dados, ou seja, houve uma significativa evolução dos graus de força muscular no hemicorpo direito. Resumindo, na goniometria realizada em cervical, membro superior e inferior esquerdos, apesar do ganho numérico das ADMs, não houve diferença significativa sob o ponto de vista bioestatístico, diferente da observação dos graus de força muscular do lado direito, quando o tratamento realizado comprovou ser eficaz, sob o ponto de vista da bioestatística. Quanto ao equilíbrio, coordenação e AVDs, após um mês, não foram observadas alterações positivas. Em compensação, o paciente melhorou o aspecto da sociabilização e humor, tomando iniciativas de interação com a fisioterapeuta e com os companheiros do Abrigo. Conclusão O tratamento fisioterapêutico deve ser iniciado precocemente, o que não aconteceu neste caso estudado, em que o paciente ficou na casa de seus familiares por cerca de 2 anos sem intervenção de reabilitação. Deve haver maior empenho dos profissionais de fisioterapia na questão das orientações familiares e do próprio paciente, quando possível, pois a partir do momento em que as pessoas se tornam cientes de sua situação e da extensão das suas 90 disfunções, elas se envolvem mais com o propósito do tratamento. O fisioterapeuta deve ajudar as pessoas a entender o ocorrido e suas conseqüências, além de dar um retorno ou feed back periódicos à medida que o paciente evolui positivamente e adapta-se a nova situação. O fisioterapeuta começará por atividades de mobilidade. Conforme aumenta a confiança entre o fisioterapeuta e o paciente e entre as próprias inseguranças do paciente nessa nova situação, deverão ser iniciados os exercícios de fortalecimento muscular, treino de equilíbrio, coordenação, propriocepção e atividades da vida diária. A partir dos autores estudados para a realização deste estudo, não temos dúvidas dos benefícios do tratamento fisioterapêutico para pacientes vítimas de AVC, principalmente quando a intervenção é precoce. Porém, podemos afirmar que o tempo de duração do tratamento é um fator determinante para os sucessos alcançados, ou seja, o tempo que utilizamos neste estudo (1 mês) foi muito curto para atingir todos os objetivos pertinentes ao caso. Portanto, a proposta seguinte é aplicar este protocolo de tratamento em mais casos semelhantes e por um tempo mais prolongado. Referências Bibliográficas ANDRÉ, C. Manual de AVC. 1. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 1999. Downie, P. A. Cash Neurologia para Fisioterapeutas. São Paulo: Panamericana, 1987. FILHO, G. B. Bogliolo Patologia Geral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. Kendall, F. P.; Mc Creary, E. K. Músculos: Provas e Funções. 3. ed. São Paulo: Manole, 1987. KISNER, C.; COLBY, L. A. Exercícios Terapêuticos. Fundamentos e Técnicas. 3. ed. São Paulo: Manole, 1998. O’Sullivan, S.B; Schimitz, T. J. Fisioterapia Avaliação e Tratamento. São Paulo: Manole, 1993. Santos, J. F. L. Documentário do Jornal Notícia - Leme/ SP, 2004. Agradecimentos Agradecimento especial à fisioterapeuta Cleusa Maria Francisco, responsável pelo Abrigo São Vicente de Paulo e à Profa. Daniela Amadeu Zacatei, pela valiosa colaboração na análise estatística dos dados. 2 reabilitacao_de_um_paciente_85-90
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