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___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Capítulo 2. RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente. MILTON SANTOS Inserido na malha urbana de Goiânia encontra-se o Setor Jardim Goiás, integrando o Centro Expandido da capital,28 como mostra o croqui da Figura 2.1. Figura 2.1. Centro Expandido de Goiânia. Fonte: PDIG, 1992; PAULA, 2003. Desenho modificado: Adélia Torreal, 2007. 28 Denominou-se Centro Expandido ou Centro Novo, atribuição do PDIG 1992, o conjunto dos bairros adjacentes ao centro original, que, a partir da década de 1970, foram abrigando e criando atividades de comércio e serviços especializados para as classes médias e altas, anteriormente localizadas naquele espaço. 55 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Esse bairro tem origem com o parcelamento de uma pequena fração da Fazenda Botafogo, de propriedade de Lourival Louza, localizado nas divisas das terras do Estado, dos Setores Sul e Leste Universitário, e com as terras da família Morais. Foi aprovado em 22 de setembro de 1950, pelo Decreto Municipal n.º 18. O projeto urbanístico teve a autoria do renomado engenheiro, e ex-prefeito de São Paulo, Francisco Prestes Maia, e contou com a colaboração de Roberto Magno Ribeiro, também engenheiro. Gonçalves (2003, p. 116) dá a nota daquela realização: “Um panfleto que circulou pela cidade e foi publicado no jornal O Popular em 1950 enaltecia o empreendimento como ‘uma jóia de perfeição urbanística à (sic) apenas 1.500 metros do Palácio das Esmeraldas’”. Referia-se, certamente, ao traçado mais orgânico de ruas sinuosas, que valorizava a topografia e respeitava a mata ciliar do córrego Botafogo e de seu afluente, o Córrego Sumidouro. ` Figura 2.2. Projeto original do Setor Jardim Goiás. Autor: Francisco Prestes Maia, 1950. Fonte: Gonçalves, 2002. Este projeto original foi desconfigurado, em parte, com a construção do Estádio Serra Dourada e, depois, por conta de retificações viárias e de outros remembramentos exigidos 56 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS pelas grandes plantas comerciais ali instaladas, como se pode observar na planta original que consta na Figura 2.2. Embora muito próximo do centro original da cidade, o Setor Jardim Goiás foi um bairro que durante décadas permaneceu quase intocado, ou melhor, sem constituir alvo do negócio imobiliário. Apenas na parcela norte, mais próxima ao Setor Leste Universitário, havia habitações. Teriam sido os obstáculos naturais representados por um córrego – afluente do Botafogo –, os planos inclinados de seu talvegue, sua mata ciliar e, principalmente, a presença de um grande latifúndio nesta vizinhança que inibiram aquela urbanização? Havia ali uma instituição, o Automóvel Clube, que era uma referência remota nos anos 1960/1970, além de pequenas chácaras que persistiram até os anos 1990 e umas tantas moradias de invasões, cuja população resistiu à produção do lugar. Mas como se encontra esse espaço hoje? Que paisagem apresenta? 2.1. Primeiro olhar para a espacialidade do Setor Jardim Goiás Cabe, antes de tudo, atentar para as categorias geográficas espaço e paisagem, com vistas à obtenção de uma certa clareza na análise que se pretende realizar. Santos (2006, p. 332) faz uma distinção que nos parece fundamental, a partir do conceito do espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Segundo esse autor, a natureza desses sistemas varia de acordo com o sistema técnico que os abriga em cada momento e cuja sucessão permite vislumbrar a história do espaço geográfico. Essa é também a história da apropriação do espaço pela sociedade, já que a técnica também é um dado social. A paisagem diz respeito à morfologia como expressão da herança concreta, resultado de sucessivas relações homem–natureza. É o conjunto de objetos passados e presentes que, segundo Santos, corresponde a uma construção transtemporal provida de um conteúdo técnico específico. O espaço contempla, além das formas, a vida que as anima no presente, uma construção horizontal, uma situação única que é resultado da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. O espaço é um sistema de valores em permanente transformação. É a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas. Para Santos (2006, p. 106), 57 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS a questão a colocar é a própria natureza do espaço, formado, de um lado, pelo resultado material acumulado das ações humanas através do tempo, e, de outro, animado pelas ações atuais que hoje atribuem um dinamismo e uma funcionalidade. Paisagem e sociedade são variáveis complementares cuja síntese, sempre por refazer, é dada pelo espaço humano. Podem ser observados, nas Figuras 2.3a e 2.3b, na paisagem do Setor Jardim Goiás, os edifícios que surgem da total horizontalidade que caracterizava o bairro até há poucos anos. Figuras 2.3a e 2.3b. Setor Jardim Goiás. Fotos a partir do Setor Marista (Avenida 136). Fonte: Rosa, 2006. Ao abordar a paisagem em sua textualidade, Soja (1993) diz que apenas começa a lê-la quando identifica seus movimentos mais amplos e seus eventos e sentidos inscritos. E tal é o tratamento dado a ela, que até parece conhecer exatamente o bairro em estudo, quando aborda o constante “refazer” de alguns de seus espaços e, de forma mais intensiva, os comerciais, movidos pela dinâmica capitalista. Soja (1993, p. 193) refere-se a Harvey, quando focaliza [...] a lógica implacável da paisagem, de seus caminhos estreitíssimos, seus pontos de luta perpétua, sua arquitetura devastadora e sua insistente unicidade. Nela o capital é o auteur rude e irrequieto. Ele se empenha e negocia, cria e destrói, sem jamais ser inteiramente capaz de decidir. [...] Essa tensionante ambivalência esboça-se por toda parte, organizando as formas materiais e as configurações da paisagem numa dança oximórica de criatividade destrutiva. Nada é completamente determinado, mas o enredo está estabelecido, os personagens principais, claramente definidos, e o tom da narrativa, inabalavelmente afirmado. 58 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS A paisagem atual do Setor Jardim Goiás permite identificar, de imediato, um bairro que está “na crista da onda”! Uma pesquisa realizada pelo CRECI-GO, em março de 2007, constatou que lá é comercializado o metro quadrado mais caro de Goiânia, sendo que, dos 128 edifícios em construção na cidade, 21 se encontram nesse bairro, ou 16% desse total. 29 Esses novos empreendimentos têm se multiplicado, transformando o bairro em um verdadeiro canteiro de obras, pois em todas as direções se divisam as construções em frenético andamento (Figuras 2.4a, 2.4b e 2.4c). Figuras 2.4a. Av. Jamel Cecílio; 2.4b. Av. “A” – Os novos edifícios são ao mais altos; 2.4c. Av. “E” – Setor Jardim Goiás. Fonte: Rosa, 2007. O uso misto, dada a presença marcante do Shopping Flamboyant e de hipermercados, como Carrefour e Wal Mart, justifica a crescente densidade habitacional e os inúmeros empreendimentos em construção. São sempre edifícios de alto padrão de qualidade,acima de quinze pavimentos, para famílias de elevado poder aquisitivo e que possuem condução própria. O preço médio do metro quadrado é de R$ 2,5 mil, chegando a R$ 2,9 mil em alguns empreendimentos, conseqüência de uma valorização de 70% nos últimos dois anos. Aqui também vale o alerta de Soja (1993, p. 193), ao apontar que [...] o capital, acima de tudo, nunca está sozinho na moldagem da geografia histórica da paisagem, e decerto não é o único autor ou autoridade. Contudo a paisagem descrita deve ser vista como uma paisagem persistentemente capitalista, com sua geografia histórica singular, sua própria estruturação espaço-temporal particularizada. Esse processo que se repete nas cidades obedecendo à ordem global, que “busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade” (SANTOS, 2006, p. 338), cuja dinâmica, disseminada por todo o planeta, constrói um continuum espacial, é também abordado por Peixoto (2004, p. 2001) e alvo de suas críticas: 29 Conforme veiculado pelo jornal O Popular, em 1° de abril de 2007, que abordou os motivos: “No caso do Jardim Goiás, que á a bola da vez, além da Prefeitura de Goiânia estar, há dois anos, investindo no setor, com a pavimentação das ruas e a construção do Parque Ecológico Flamboyant (que será inaugurado este mês), também pesou para elevar os preços dos imóveis em construção a oferta de serviços, como shopping, redes de supermercados, hotéis e vias de acesso”. 59 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Condomínios fechados e centros históricos revitalizados, aos moldes dos parques temáticos, não são únicos na configuração da cidade sucessora da experiência moderna. Os shopping centers e as grandes superfícies de comércio, como as redes internacionais de supermercados, proliferaram na realidade urbana e polarizaram seu entorno. Localizadas no encontro de grandes vias de fluxo, essas estruturas sobrepuseram uma nova trama à cidade. O urbanismo aos moldes de Las Vegas encontrava, assim, sua correspondência; em outras palavras, gigantescos edifícios providos de escadas e esteiras rolantes e climatização mecânica ganharam uma dimensão antes inimaginável, transformando-se em verdadeiros mastodontes do abastecimento. A localização próxima às duas rodovias importantes que ligam a capital ao centro-sul do país, como a BR-153 e a GO-020, e o rápido acesso ao centro da cidade pela Avenida Jamel Cecílio constituem o principal fator de atração para os empreendimentos de serviços e comércio. Essa avenida, eixo de maior hierarquia no trânsito local (Figuras 2.5a e 2.5b), é a que melhor representa, por sua extensão e importância, o dinamismo econômico e a constante reprodução do espaço, num processo de incessante renovação. As primeiras lojas que ali se instalaram, próximas ao bairro contíguo mais antigo e adensado (Setor Sul), nos anos 1980, eram de pequeno porte, improvisadas e vendiam produtos artesanais, muitos dos quais de origem indígena. Não exerciam atratividade para as pessoas que, em seus automóveis, passavam em direção ao shopping. Nas décadas seguintes, essas lojas foram sendo substituídas e surgiram outras, inclusive de vestuário, moda, concessionárias de automóveis e, também, bares e restaurantes que, ao usufruírem a força representada pela proximidade com o shopping, se apresentaram melhores e mais atraentes. Mas foram as do ramo mobiliário que criaram valor comercial para aqueles pontos estratégicos, em grande parte de móveis de fabricação própria, que se estenderam em rede e diversificaram as ofertas, melhorando a qualidade dos produtos e aumentando as áreas individuais de cada loja. Figuras 2.5a e 2.5b. Av. Jamel Cecílio, Setor Jardim Goiás, esquina com Rua 115, Setor Sul. Fonte: Rosa, 2007. 60 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS A Figura 2.6 apresenta algumas informações da ocupação do bairro referidas anteriormente. Figura 2.6. Planta do Setor Jardim Goiás com a localização dos principais equipamentos do bairro. Organizado por Rosa, 2007. Desenho: Adélia Torreal. Fonte: MUBDG, v. 19, 2007. 61 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Nos últimos dois anos, pode-se observar que o padrão do comércio já é outro, com a agregação de várias revendedoras de carros novos e usados, instaladas em edificações mais elaboradas, de maior porte e em espaços vistosos, inclusive ao ar livre. Observa-se que a reprodução do espaço tem estabelecido uma nova configuração territorial, ou seja, uma área caracterizada pelo elemento natural nascente de córrego foi edificada, instalando-se no local uma grande revendedora de veículos, praticamente à revelia da legislação urbana e ambiental. Em contrapartida, uma outra área, originalmente também nascente de córrego, teve sua característica natural garantida, ao se destinar a um parque urbano – o Parque Flamboyant –, recentemente inaugurado, cuja proteção ambiental era prevista desde muito antes de ali se pretender instalar um clube automobilístico. Logicamente, todo o bairro, e principalmente a região circunvizinha a este, tem sido valorizado perante a expectativa da realidade atual desse bem público que, mais uma vez, resultou da produção social bancada pelo Estado para o uso privilegiado de uma parcela da população. Diz-se “uso privilegiado” porque se trata de um parque público encravado no meio de um bairro e escondido dos olhares dos grandes fluxos de circulação, o que inibe a freqüência popular e, até mesmo, daqueles que, até com mais disponibilidade, não têm a iniciativa de visitar o local (Figuras 2.7a, 2.7b e 2.7c). Figuras 2.7a, 2.7b e 2.7c. Parque Municipal Flamboyant, Setor Jardim Goiás. Fonte: Rosa, 2007. As Figuras 2.8a, 2.8b e 2.8c apresentam as edificações já instaladas próximas ao Parque30 e o estoque de áreas para especulação, ou, pode-se pensar, as residências das classes médias e altas que resistem à produção do lugar. Sobre transformações como tais, a reflexão seguinte é de Gomes (2007, p. 36): 30 A discussão sobre esse assunto se encontra no artigo “A Morte das Nascentes do Parque Flamboyant”, de Wagner Oliveira, publicado no jornal Opção On Line, de 20-24 jun. 2004. 62 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS [...] na metrópole a vida acontece mais intensamente. A concentração de atividades e de identidades muda os lugares, agora metropolitanos. O local ressalta o global, porque imbricados e dependentes. Porém, há uma profusão de espaços e isto implica, também, a existência de especificidades, de resistências, embora ele esteja carregado de signos metropolitanos e mundiais. Figuras 2.8a, 2.8b, 2.8c. Setor Jardim Goiás. Simultaneidade dos diversos estágios do bairro. Fonte: Rosa, 2006. Enquanto os edifícios se multiplicam no bairro em grande quantidade de construções e lançamentos de publicidade cara, já se manifesta a preocupação de que se forme um “muro invisível” em torno do Parque Flamboyant, pois sendo um dos principais e dos mais recentes empreendimentos municipais há a expectativa de que se constitua no novo cartão postal de Goiânia. A tendência é de uma supervalorização das atividades em seu entorno com a conseqüente exclusão da população de baixa renda31 (SANTOS, 2007, p. B-1). Trata-se, assim, de um fenômeno que comprova a afirmação de Carlos (2001, p. 15), de que “a contradição entreo processo de produção social do espaço e sua apropriação privada está na base do entendimento do processo de reprodução espacial”. Essa é também a opinião de Moraes (1991, p. 32), ao afirmar “que o capitalismo, dependente ou autônomo, produz estruturas socioespaciais desiguais: as contradições são inerentes ao processo de produção capitalista [...]”. Isso porque o espaço, no caso, do Parque Flamboyant, é imediatamente acessível à população do bairro, especialmente para aquela que reside em seu entorno, o que torna seu uso privilegiado para essa pequena parcela, ainda que constitua um bem público. Essas relações dão a pauta para o conceito de tecido urbano explicitado por Reis (2006, p. 59), como segue: 31 “O novo cartão postal de Goiânia” é o título do artigo publicado no jornal Tribuna do Planalto/Comunidades, de 15-28 de março de 2007, que apresenta o Parque Flamboyant e os impactos de sua implantação na cidade. 63 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Entendemos tecido urbano o modo pelo qual se definem as relações entre espaços públicos e espaços privados, entre espaços de uso privado e de uso coletivo, sejam esses de propriedade pública ou de propriedade privada. É importante destacar que é na escala do tecido urbano que se definem as formas de propriedade de parcelas do solo urbano e a propriedade de edificações. É nessa escala que se definem os espaços de acesso e uso público e as formas de organização coletiva dos espaços. O tecido é, portanto, uma definição geométrica de relações de propriedade e uma definição social das formas de uso. É no tecido urbano que se concretizam as formas de desigualdade na apropriação e uso dos espaços, as formas de segregação social e apropriação dos valores econômicos produzidos pelo uso social. E se concretizam também os espaços de uso coletivo e suas formas de organização. Assim, a constatação é de que os preços dos lotes e imóveis valorizaram cerca de oitenta por cento após a chegada dos condomínios horizontais próximos à região, como se pode observar pelos valores médios alcançados pelo metro quadrado residencial divulgado pelo jornal O Popular e organizados na Tabela 1, que se segue. Tabela 1. Valores médios do m2 (residencial) em alguns bairros de Goiânia – 2007 Bairro/Setor Valor por m2 em R$ Aeroporto 1.995,89 Alto da Glória 2.047,43 Bela Vista 1.973,14 Bueno 2.107,82 Cidade Jardim 1.825,40 Criméia Leste 1.452,67 Eldorado 1.525,10 Funcionários 1.714,99 Jardim América 1.880,81 Jardim Ana Lúcia 1.267,21 Jardim Goiás 2.500,00 Jardim Novo Mundo 1.003,92 Negrão de Lima 1.535,50 Nova Suíça 2.465,14 Oeste 2.325,20 Parque Amazônia 1.557,44 Pedro Ludovico 1.968,70 Redenção 1.999,53 Sudoeste 1.444,94 Universitário 1.882,25 Vila Bela 1.993,49 Vila Nova 1.596,98 Fonte: O Popular, 1º. abr. 2007, p. 16. Dados organizados por: Alda Torreal Rosa, 2007. 64 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Uma outra importante avenida no bairro é a Fued José Sebba, que dá continuidade à Avenida 83 do Setor Sul e que no Jardim Goiás tem a caixa ampliada por um canteiro central, como se pode apreciar nas Figuras 2.9a, 2.9b e 2.9c. Seu valor foi sendo acrescentado ao longo dos anos em resposta à acessibilidade que esta permitia. Essa avenida originalmente, na década de 1950, era de terra e estreita, tinha uma precária ponte sobre o Córrego Botafogo e atendia quase exclusivamente ao Internato Assunção, colégio dirigido por religiosas e construído em grande parte com o auxílio do poder público. Décadas mais tarde, a referida avenida foi pavimentada, ao fazer a ligação com o Setor Universitário e também com o prédio do Internato, então adquirido por esse mesmo poder, para sediar a empresa estatal, e ocupado pela Saneago. Nos anos 1960, o bairro era pouco valorizado e na avenida havia basicamente casas de baixo padrão, além das invasões nas beiradas do Córrego Botafogo, que sofriam graves desmoronamentos nas enchentes anuais e contribuíam para não tornar atrativa e degradar continuamente a paisagem. Figuras 2.9a, 2.9b, 2.9c. Avenida Fued José Sebba, Setor Jardim Goiás. Vários pontos de vista. Fonte: Rosa, 2007. A Avenida Fued José Sebba foi depois estendida para dar acesso ao Estádio Serra Dourada e também aos bairros que já proliferavam do outro lado da BR-153. As invasões foram regularizadas pela denominada Comissão do Posseiro Urbano e surgiu, de forma alternativa, a Marginal Botafogo, inicialmente como uma ciclovia. O Córrego Botafogo, degradado, foi canalizado quando já havia incorporado uma pesada contribuição do esgoto doméstico oriundo de prédios construídos descontroladamente no Jardim das Esmeraldas, bairro limítrofe a Goiânia, no município de Aparecida de Goiânia. No final dos anos 1980, com a mudança na legislação de uso do solo, as construtoras “descobriram” o Jardim Goiás, a partir dessa avenida, e começaram a investir em alguns poucos edifícios de apartamentos que já surgiram com mais de dez pavimentos. Paralelamente, foram redesenhados dois importantes nós de trânsito: o cruzamento da Avenida com as Ruas 86, 83, 115 e 91, onde foi construída uma passagem de nível sobre a Marginal Botafogo, e próximo ao cruzamento com 65 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS a rodovia BR-153, onde uma rótula organizou o trânsito sob o viaduto da rodovia. Mais uma década se passou, a marginal foi remodelada para receber o trânsito de veículos, e novos empreendimentos se fizeram mostrar: uma universidade particular, a Cambury, cujas instalações foram depois adquiridas pela Universidade Católica de Goiás (UCG), e depois o prédio do Ministério Público do Estado, que juntos promoveram um grande afluxo de pessoas e de veículos, além de resultarem em grandes áreas de estacionamento e congestionamentos nas áreas circunvizinhas. Figuras 2.10a. Rua 59; 2.10b. Rua 54; 2.10c. Avenida “A” – Simultaneidade dos diversos estágios do Bairro Setor Jardim Goiás. Fonte: Rosa, 2007. Essa paisagem que se renova com a verticalização e com a demanda de serviços públicos, consideravelmente concentrados em alguns pontos específicos – Avenidas Fued José Sebba, “E”, Jamel Cecílio e outras (Figuras 2.10a, 2.10b e 2.10c), e suas imediações, cada vez mais atraentes e chamativos, recheados pelo burburinho incessante de pessoas e de carros – também apresenta outras contradições. Na contramão da reprodução espacial, algumas residências persistem em amplos lotes cobiçados pelos agentes imobiliários, ameaçadas pela indiscrição da vizinhança das alturas. O comércio ambulante disputa palmo a palmo os espaços restantes, inclusive da rótula do relógio de flores na Jamel Cecílio, para vender móveis rústicos, entalhes, brinquedos artesanais, filhotes de cães, churrasqueiras, mudas de frutíferas e frutas da estação. É como se estivessem a recordar que a rua é festa, que a rua é convivência e que pouco importa que, a poucos metros de onde se acomodem, os carros passem, às vezes, em alta velocidade, representando perigo iminente. Muitas pessoas transladam a pé ao longo das avenidas, mesmo desprovidas de calçadas contínuas, como a alertar à Administração Municipal sobre a ausência de transporte coletivo para atendimento à demanda local. Ao encarar a paisagem geográfica e analítica de forma mais abrangente, pode-se apreender, como indica Soja (1993, p. 191), 66 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDOO SETOR JARDIM GOIÁS uma dialética dinâmica e contraditória do espaço e do tempo, da ação humana e da restrição estrutural, uma geografia histórica tocada em muitas escalas diferentes, desde as práticas rotineiras da vida cotidiana até os rearranjos geopolíticos mais distantes de uma divisão espacial global do trabalho. A análise da estrutura urbana pressupõe o entendimento de que o deslocamento do ser humano, como portador da mercadoria força de trabalho ou como consumidor – reprodutor da força de trabalho –, representa o elemento de maior poder estruturador do espaço intra-urbano (VILLAÇA, 2001, p. 20). Justamente por isso as áreas centrais, assim como as de grande densidade comercial e de serviços, demandam estruturas que possam suportar o trânsito gerado pelo acúmulo de deslocamentos dos contingentes de pessoas que ali trabalham e também dos que se dirigem a esse local para realizar compras e buscar serviços. Mas como se insere o bairro em estudo na malha urbana de Goiânia? O Setor Jardim Goiás é um bairro fisicamente muito bem delimitado a leste pelo Córrego Botafogo, atravessado por três pontes, nas principais avenidas que o ligam ao Setor Sul, localizado na outra margem do Córrego, e a oeste pela rodovia BR-153. Ao norte é contíguo ao Setor Universitário, tendo a sua 6ª Avenida continuidade na Avenida “C”. Ao sul o Bairro Alto da Glória e a Vila São João são-lhe limítrofes. Vale o registro de que essas referências à localização, na realidade, são apenas um suporte para a análise do conteúdo da prática socioespacial, dentro desse bairro goianiense, que se manifesta nos movimentos de produção, apropriação e reprodução do espaço. Trata-se de movimentos que se baseiam no fato de ser, – como Carlos (2004, p. 15) caracteriza, “o processo de produção do espaço indissociável do processo de reprodução da sociedade – nesse contexto, a reprodução continuada da cidade se realiza enquanto aspecto fundamental da reprodução ininterrupta da vida”. No caso do Setor Jardim Goiás, a estrutura urbana que apóia as atividades do bairro constitui uma rede formada por ruas e avenidas que têm como característica ainda, fora dos horários de pico, um pequeno movimento de veículos; exceto, naturalmente, as Avenidas Jamel Cecílio, Fued José Sebba, e Avenida E, que são sobrecarregadas por intenso tráfego. O traçado das duas primeiras, juntamente com as Avenidas A e C, as coloca na condição de paralelas, na direção sudeste–noroeste, sem que nenhuma, de porte semelhante, as integre no eixo norte–sul, longitudinal ao bairro. No ano de 2006, a Rua 109, limítrofe com a Vila São João, foi retificada em seu traçado para dar continuidade à Avenida E, a partir do cruzamento com a Avenida Jamel Cecílio, o que atendeu, em parte, à dificuldade referida anteriormente, 67 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS quanto à integração norte–sul dentro do bairro. Ao ser alargado o trecho que dá acesso ao Shopping Flamboyant, permitiu maior fluidez ao trânsito, é verdade, mas aumentou tremendamente sua intensidade (Figuras 2.11a, 2.11b e 2.11c). Figuras 2.11a e 2.11b. Rua 109 retificada. Divisa da Vila São João e Setor Jardim Goiás. Figura 2.11c. Cruzamento da Rua 109 com a Avenida Jamel Cecílio. Fonte: Rosa, 2007. No geral, o bairro, projetado para uso residencial de baixa densidade, tem suas ruas com caixas pequenas, o que dificulta a circulação do transporte coletivo e faz com que sejam rapidamente pressionadas pelo acúmulo de veículos, em virtude da pouca flexibilidade para a expansão que o tráfego, nos horários de pico, requer. Há as que se situam no extremo norte: Avenida “C”, continuação da 6° Avenida; e a do extremo sul do bairro: Avenida Jamel Cecílio, que o atravessam e inclusive permitem o acesso à rodovia BR-153. As demais – Avenida Fued José Sebba e Avenida “A”, continuação da Rua 88 – terminam em ruas estreitas, de menor hierarquia. Nas Avenidas “E”, Fued José Sebba e Jamel Cecílio, e Marginal Botafogo, já ocorrem engarrafamentos diários, principalmente nos finais de tarde, com o retorno dos moradores aos bairros adjacentes, como o Alto da Glória, além do Setor Jardim Goiás, e aos condomínios residenciais horizontais, que utilizam essas vias como passagem para chegar às rodovias, especialmente a GO-020, em direção à Bela Vista, um dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Goiânia. Dando continuidade à estruturação urbana do Setor Jardim Goiás, observa-se que o transporte coletivo para essa localidade constitui um dos principais problemas apontados pela população goianiense, 32 especialmente para os bairros servidos pelas linhas que atendem ao Terminal do Novo Mundo. De acordo com a pesquisa realizada por Pagotto (2007) e com os dados da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), vinte linhas ligam o 32 Dado levantado pelo Centro de Pesquisas Econômicas, ECO/UCG, intitulada Fatores Primordiais para a Qualidade do Transporte Coletivo de Goiânia: a Opinião dos Usuários, em abril de 2007. O serviço de transportes coletivos de Goiânia foi avaliado como SOFRÍVEL (PAGOTTO, 2007, p. 1). 68 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Setor Jardim Goiás aos mais diversos bairros, terminais e cidades da região metropolitana, como Senador Canedo e Aparecida de Goiânia. Entretanto, a frota de ônibus é pequena – são dezesseis veículos na maior delas, que faz a ligação Praça “A”–Flamboyant via Terminal Isidoria – e realiza 140 viagens nos dias úteis, que é reduzida a oito veículos para 84 viagens nos domingos. A maioria das linhas atende com apenas três carros, ou menos, nos finais de semana, e duas linhas ficam sem nenhuma viagem aos domingos. Essa situação se agrava quando se leva em conta que além dos grandes empreendimentos comerciais, liderados em atratividade pelo Shopping Flamboyant, há, em suas imediações, instituições que deveriam ser facilmente alcançáveis para dar atendimento imediato à população como um todo, já que têm caráter público, como o Paço Municipal e as Secretarias Municipais, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Estado, e também o Estádio Serra Dourada, o Ginásio de Esportes Goiânia Arena, além da Telegoiás, da Unip e do Centro Cultural Oscar Niemeyer, 33 que têm difícil ou nenhuma acessibilidade por transporte público. 2.2. Historiando o bairro Setor Jardim Goiás Ainda nas primeiras décadas do século XX, o Centro-Oeste do Brasil constituía-se de terras de índios, uma região longínqua, rude, pobre, com e poucas referências e praticamente sem expressão no cenário nacional. Sua economia de exportação baseava-se principalmente na produção bovina, articulada, via Triângulo Mineiro, à de São Paulo. A produção agrícola regional limitava-se a uma situação quase de subsistência, quando esta foi rompida pela inauguração da Estrada de Ferro Goiás, que ligava o território goiano ao sudeste do país. A partir de então “as lavouras cresceram e especializaram-se ao ritmo do prolongamento dos trilhos” (BORGES, 2000, p. 256), produzindo um excedente que seria exportado para os mercados do Centro-Sul. 33 O Centro Cultural Oscar Niemeyer constitui um conjunto arquitetônico de quase 17.000 m2 composto por quatro volumes geométricos distintos: uma cambota, um triângulo, um cilindro suspenso e um pavilhão, que abrigam, respectivamente, teatro, memorial (Monumento aos Direitos Humanos), museu e biblioteca, dispostos em uma ampla esplanada de 26.000 m2. Foi inaugurado em 2006 (Figuras3.41, 3.42 e 3.43, no Capítulo 3). 69 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Em 18 de março de 1933, o então o governador do Estado, Pedro Ludovico Teixeira, assinou um decreto, de n º. 3.359, em que estabelecia o seguinte, em seu artigo 1º.: A região às margens do córrego Botafogo, compreendida nas fazendas denominadas Criméia, Vaca Brava e Botafogo, no município de Campinas, fica escolhida para nela ser edificada a futura capital do Estado, devendo o governo mandar organizar o plano definitivo da nova cidade. [Figura 2.12.] Goiânia teve sua pedra fundamental lançada em 24 de outubro de 1933. As condições da época eram precárias, mas, ainda assim, muitos eram atraídos por grandes expectativas. O sítio escolhido tinha terras planas e férteis, era bastante drenado, situado num planalto a 700 metros de altitude e com belas paisagens, no centro-sul econômico de Goiás. Figura 2.12. Delimitação da área do sítio original de Goiânia – 1933. Fonte: Ribeiro, 2004, p. 32. A Fazenda Botafogo abrangia extensa área, muito maior do a que foi destinada para a implantação urbana de Goiânia, na década de 1930. Uma pequena parte dessa fazenda foi desmembrada nos anos 1950, e seu loteamento deu origem ao Setor Jardim Goiás. A publicidade em torno do novo bairro estampava o projeto com os dizeres atraentes, mas havia uma profusão de lotes sendo oferecidos a uma população, pode-se dizer, aventureira e ainda sem muitos recursos, e o bairro permaneceu vários anos quase que vazio. Até os anos 1960, estava instalado, no Setor Jardim Goiás, incrustado solitariamente em ambiente totalmente rural e distante das atividades urbanas, o Internato Assunção, para 70 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS moças, ligado à cidade, propriamente dita, apenas por uma ponte muito precária sobre o Córrego Botafogo que tinha, na continuidade, estreita estrada de chão. Suas atividades foram suspensas definitivamente por força da renovação educacional mundial que retirou dos religiosos a hegemonia nessa função, que no Brasil aconteceu tardiamente. Em suas instalações, adquiridas pelo governo estadual, passou a funcionar, mais tarde, a Empresa de Saneamento de Goiás (Saneago). Durante muitos anos, aquela sede foi considerada muito distante, na “contramão”, e havia espaço sobrando naquelas instalações, que foi sendo preenchido gradativamente pela crescente atividade da instituição, enquanto a vizinhança permanecia rarefeita. Moysés (2001, p. 191), ao referir-se à exclusão socioterritorial, como um processo que é parte de uma lógica perversa e que tem uma função a cumprir, qual seja, a de limpar as áreas ocupadas pelos excluídos e atender às expectativas de ocupação com empreendimentos do capital imobiliário, cita a abertura da Avenida 136 na direção leste, em área nobre do Setor Marista: Na visão dos incorporadores imobiliários, era necessário romper as barreiras impeditivas de continuidade da avenida para viabilizar a ocupação do Jardim Goiás. A única barreira impeditiva era a “Invasão do Areião”, que se espraiou pelas margens dos Córregos Areião e do Botafogo. Apesar da resistência dos moradores, a avenida foi aberta. A população que ocupava o leito da avenida foi removida, e o capital imobiliário viabilizou uma das áreas de maior valorização da cidade, primeiro com a construção do Shopping Center Flamboyant e, em seguida, de prédios de apartamentos para a classe média. Abrir a invasão e remover os invasores era a senha para que o capital imobiliário iniciasse a ocupação do então Jardim Goiás, área reservada especulativamente desde os anos 50 para grandes empreendimentos. Desde então o seu processo de ocupação nunca parou. Realmente, as amplas terras remanescentes da fazenda Botafogo, de propriedade da família Lousa, assim como muitos lotes do Setor Jardim Goiás, constituem um latifúndio que tem sido liberado em pequenas partes para o parcelamento urbano. Na década de 1970, seus proprietários buscaram a parceria com o Estado para promover a dinâmica urbana nas áreas contíguas ao adensamento estabelecido, primeiramente para a construção do Estádio Serra Dourada, depois para o Autódromo Aírton Senna e, então, para apoiar seu principal empreendimento: o complexo urbanístico que teria como estrela principal o Shopping Flamboyant. Este foi construído no início dos anos 1980, constituindo o primeiro shopping center da capital e erguido na então periferia da zona urbana, quando a região era ainda quase 71 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS totalmente desabitada e onde somente havia o Estádio, ao qual se chegava pela Avenida Fued José Sebba. Para o acesso ao shopping, foi pavimentada uma única avenida, sem calçadas nem meio-fio, mas sua inauguração foi um grande acontecimento: Situado em uma esquina rodoviária, o Flamboyant Shopping Center causou furor e grande expectativa. Afinal, Goiânia entrava na “era do shopping”, como anunciavam manchetes jornalísticas da época, que esclareciam sobre o esforço de longa data da capital de integrar-se ao cenário nacional. Encartes preciosos alardeavam o conforto de um centro de compras climatizado, em lugar onde a temperatura externa varia entre 25° a 35o centígrados, sob um sol inclemente. Corpos libertos dos suores provenientes de longas caminhadas pelas ruas da cidade estavam, assim, mais aptos para o consumo. Não faltaram aos anúncios, veiculados no mais importante jornal da cidade, menções à fabulosa escada rolante e ao espetacular elevador panorâmico, projetado especialmente para o Flamboyant Shopping Center e fabricado pela Otis, como esclarece seu projetista. Os novos aparatos tecnológicos eram saudados: Elevador Panorâmico – Aquele que aparece nos filmes americanos, o Flamboyant tem. Ele leva você da praça do térreo I ao térreo II e depois ao terraço. Uma subida ou descida emocionante durante a qual você tem uma visão de toda a parte interna do Flamboyant com todas as vitrines explodindo em um mundo de cores. Uma viagem inesquecível. Um verdadeiro sonho realidade Ar condicionado – Respire fundo. Você já está sentindo o arzinho gostoso climatizado e permanente, em qualquer época do ano. Faça sol de rachar ou faça chuva de alagar, no Flamboyant o clima é sempre este: gostoso para comprar, lanchar, divertir-se e passear. Escada rolante – No Flamboyant há oito para você subir ou descer. Descer ou subir. Subir ou descer. Bom, você é quem decide. A única certeza que temos é que você sempre vai encontrar uma loja cheinha de novidades pela frente. (PEIXOTO et al., 2007, p. 12-13). Em pouco tempo, grandes lojas se abrigaram no entorno desse shopping, determinando um afluxo constante de consumidores, e esta via transformou-se na Avenida Jamel Cecílio.34 A extensão das infra-estruturas estimulou outros usos, oferecendo as condições necessárias para a localização de bares e restaurantes, edifícios habitacionais, de escritórios, hotéis, escolas e também mais alguns que formataram uma nova paisagem para o Setor Jardim Goiás, gerando vida para aquela região. Os fluxos que resultaram dessa atratividade foram exigindo do poder público alternativas de tráfego de qualidade, e mais 34 Embora a escala urbana seja outra, é possível conferir que, como aponta Carlos (2001, p. 52), “a mera construção de uma avenida não basta, todavia, para mostrar a dimensão do processo de transformação operado no espaço, pois as mudanças provocadas são mais profundas [...] o que nos leva a considerar [...]o processo de valorização da região atingida [...] e o plano da prática socioespacial [...]”. 72 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS linhas de ônibus surgiram para dar conta das demandas dos bairros adjacentes e do centro da cidade que foram parcialmente atendidas. Esse processo de produção do espaço deu continuidade ao que se iniciara cerca de trinta anos antes, com a implantação de loteamentos clandestinos e irregulares na região, a despeito do limite para a malha urbana estabelecido no Segundo Plano Diretor de Goiânia, de 1971, que ultrapassaram a rodovia BR-153. Mais recentemente, há menos de dez anos, na esteira dos novos produtos imobiliários característicos da estética da segurança surgidos nos mercados nacionais e internacionais, em zona rural, nas proximidades do Autódromo Aírton Senna e ao longo da rodovia GO-020 em direção a Bela Vista, foram criados vários condomínios de média e alta renda como o Portal do Sol, Alphaville, Jardins, Golf Residence, entre outros. Correspondem aos enclaves fortificados destinados à residência, que tal qual os de lazer, trabalho e consumo, são, na realidade, espaços privatizados, fechados e monitorados. Para Caldeira (2003, p. 12), 35 tais espaços contradizem “diretamente aos ideais de heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar tanto o espaço público moderno quanto as modernas democracias”. Grande parte da população residente nesses condomínios usa justamente a Avenida Jamel Cecílio, por ser esta a extensão urbana da GO-020, que é o acesso preferencial para o Shopping Flamboyant, Carrefour Sul e Tend Tudo, e, mais recentemente, o Wal Mart/Sam’s Club e o Centro Cultural Oscar Niemeyer. A sobrecarga dessa estrutura viária é constatada diariamente e agravada nos horários de pico. A partir do final da década de 1990, verificou-se que os lotes mais próximos ao Shopping Flamboyant, que até então haviam permanecido livres, foram sendo ocupados com edifícios residenciais, confirmando a migração de parte da população de alta renda dos setores mais centrais. Muitos dos novos lançamentos são de alto luxo, cuidadosamente elaborados e apresentados à venda por construtoras de renome no mercado. Na esteira desse vertiginoso adensamento, os bairros contíguos ao shopping, como o Alto da Glória e as Vilas Maria José e São João, anteriormente habitados pela classe média baixa e de forma rarefeita, têm se beneficiado dessa recente valorização e da mudança na legislação do uso do solo com a produção de condomínios de apartamentos para classes médias e altas. Pode-se observar também – e a Rua Terezina é um exemplo – a intensificação na instalação de escolas, hotéis, 35 Para Caldeira (2003, p. 12), “o novo meio urbano reforça e valoriza desigualdades e separações e é, portanto, um espaço público não-democrático e não-moderno. O fato de esse tipo de organização do espaço público se espalhar pelo mundo inteiro no momento em que muitas sociedades que o adotam passam por transformações como democratização política, fim de regimes racistas e crescente heterogeneização resultante de fluxos migratórios, indica a complexidade das ligações entre formas urbanas e formas políticas. Além disso indica que o espaço urbano pode ser a arena na qual a democratização, a equalização social e a expansão dos direitos da cidadania vêm sendo contestados nas sociedades contemporâneas”. 73 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS edifícios de escritórios e toda sorte de serviços como salões de beleza, lavanderias, academias de ginástica, padarias, locadoras, e também pet shop, consultórios médicos e odontológicos, bares, restaurantes por quilo etc. Simultaneamente, outro processo, que envolve a população menos favorecida, também tem ocorrido. Segundo Ribeiro (2004, p. 51), estima-se que até 199936 cerca de 35% da população migrou para as regiões periféricas ao núcleo urbano original, que inclui os setores Central, Sul, Oeste, Universitário e Bueno. Formaram um cinturão de bairros estabelecidos, muitos de forma ilegal, pois se localizavam, na época, em zona rural, sem nenhuma infra- estrutura. Na região sudeste de Goiânia, os bairros Jardim Brasil, Aruanã 1, Residencial Olinda e Jardim Califórnia são os que se avizinham aos grandes condomínios horizontais e mantêm com estes uma relação simbiótica, em que todos se beneficiam daquela associação estabelecida pela proximidade locacional: muitos de seus moradores são justamente os que assumem os empregos domésticos de cozinheiras, faxineiras, babás, piscineiros e jardineiros, e também pedreiros e outros empregados da construção civil, continuamente requeridos pelos mais abastados. Fica a questão, de ordem dialética: os muros separam, mas as pessoas precisam umas das outras, e essa interação entre ricos e pobres inevitavelmente acontece. Nesse caso, das necessidades domésticas, essa interação de confiança chega a ser íntima, já que dizem respeito à participação imprescindível de tais serviçais nos ambientes familiares, na limpeza das casas, no preparo das refeições e no trabalho de servir as mesas, no cuidado dos filhos pequenos. Os extensos muros, então e apesar de tudo, não somente agridem psicológica e visualmente, como também constrangem: longas filas se formam à entrada e à saída dos expedientes para as revistas pessoais que são obrigatórias (Figuras 2.14a, 2.14b e 2.14c). Figuras 2.14a, 2.14b. Av. Alphaville Flamboyant. Figura 2.14c. Portaria do Residencial Goiás/Alphaville. Fonte: Rosa, 2006. 36 Ribeiro (2004, p. 51) baseia-se em informação fornecida pela Secretaria de Planejamento Municipal (SEPLAM). 74 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Com essas referências, pôde-se caracterizar a paisagem e o espaço do Setor Jardim Goiás, sua estrutura urbana e dinâmica atual, levando em conta o que Santos (2004, p. 52) afirma: “tudo isto são paisagens, formas mais ou menos duráveis. O seu traço comum é ser a combinação de objetos naturais e de objetos fabricados, isto é, objetos sociais, e ser o resultado da acumulação da atividade de muitas gerações” . O espaço como resultante da acumulação de atividades ao longo de um período, e, portanto, resultado do que aconteceu na vida de várias gerações, é o assunto que se segue no próximo subcapítulo, com abordagem para aspectos históricos relativos às parcerias entre o Estado e a iniciativa privada em Goiânia. 2.3. Um empreendedorismo urbano precoce? O estudo da produção do espaço urbano e da configuração resultante desse processo de produção do bairro como uma nova área de centralidade exige rever um momento importante da década de 1970, quando o planejamento urbano esgotou suas estratégias sem mais dar conta da organização espacial das cidades, parecendo cada vez mais desacreditado. A esse momento de esgotamento Hall (2002, p. 407) refere-se como aquele “em que o movimento urbanístico começou a plantar bananeira e a virar do avesso; pareceu mesmo, por vezes, durante os anos 80, estar à beira da autodestruição”. Aconteceu que, até aquele momento, o Estado, que exercia função eminentemente administrativa nas cidades através de planos e regulamentos para orientar o uso do solo, perdeu o controle do crescimento urbano a ponto de torná-lo desacreditado, pois o inchamento das cidades de forma totalmente descontrolada e a ausência do Estado das periferias urbanas ameaçavam a legitimidade do próprio planejamento.Na realidade, houve uma exaustão do padrão de organização e funcionamento do Estado “keynesiano” desenvolvimentista, centralizado e burocrático. Considera-se importante observar que esse período foi marcado pela redefinição geopolítica da produção e consumo no capitalismo, a qual determinou a conseqüente migração de grandes e médias indústrias para regiões distintas de onde estavam instaladas as antigas plantas industriais fordistas. Assim, criaram-se novos mercados locais e regionais, ocorreram grandes movimentos populacionais campo/cidade e o surgimento de 75 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS novos padrões de assentamentos humanos superaram todas as expectativas de urbanização, estabelecendo um novo paradigma de organização do setor público. A partir daí tornaram-se presentes nas administrações de governos os conceitos de descentralização, eficiência e eficácia, participação e co-responsabilização social, parceria público-privado, administração por objetivos e voltada para o cliente, no caso, para a população. Soja (1993, p. 120) explica esse processo comparando os dois períodos. Segundo ele, no anterior, a industrialização produzia o urbanismo, no atual, [...] a industrialização e o crescimento econômico, base da acumulação capitalista, são primordialmente moldados pela e através da produção social do espaço urbanizado, planejada e orquestrada com crescente poder pelo Estado, e que se expande rumo a um abarcamento cada vez maior da população e dos recursos mundiais. Porém, de acordo com a afirmação lefebvriana, estamos num período em que a problemática urbana tornou-se mais decisiva, em termos políticos, do que as questões da industrialização e do crescimento econômico. A cidade tornou-se o ponto de controle da reprodução da sociedade capitalista em termos da força de trabalho, da troca e dos padrões de consumo, dando origem a novas relações espaciais e a uma nova paisagem urbana. Hall critica o planejamento que, de controlador do crescimento urbano e do uso do solo no período anterior, a partir de então, passou a encorajá-los, de todos os meios possíveis e imagináveis, referindo-se ao que ocorrera nos anos 1970, tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra. Começava, então, a “mudança para o empreendedorismo na governança urbana” (HARVEY, 2005, p. 166).37 É interessante observar que, de certa forma, simultaneamente isso também ocorria em Goiânia: o Estado era procurado por um grande latifundiário, Lourival Louza, e grande visionário, reconheça-se, de terras urbanas e rurais, contíguas ao perímetro urbano, para acordarem sobre dívidas tributárias e criarem juntos grandes empreendimentos. O objetivo, na realidade, era que tais empreendimentos valorizassem suas propriedades, de modo a extrair a mais-valia da produção daquele espaço. O primeiro arranjo foi feito para o projeto e construção de um estádio de futebol de nível nacional, assinado pelo reconhecido arquiteto paulista Paulo Mendes da Rocha, o Estádio Serra Dourada, localizado às margens da rodovia 37 Para Harvey (2005), “governança” urbana significa muito mais que “governo” urbano, pois o poder de organizar o espaço surge em um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos agentes sociais. 76 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS BR-153. Pouco depois, a participação brasileira vitoriosa nos circuitos europeus estimulou a instalação de um autódromo de padrões internacionais, o Autódromo Aírton Senna, às margens do que veio a ser a rodovia GO-020, na saída para Bela Vista de Goiás. Essas modernas construções, ao oferecerem condições de excelência e conforto, alavancaram Goiás ao cenário das disputas esportivas nacionais e internacionais. Entretanto, criavam grandes movimentos pontuais ao longo do ano sem gerar negócios de maior vulto no ramo imobiliário, permanecendo o Setor Jardim Goiás como reserva para a especulação. Ainda em meados da década de 1970, um arquiteto do órgão municipal de planejamento da capital foi “capitaneado” pelo senhor Lourival Louza, o proprietário da área em foco, para lançar idéias sobre os usos possíveis em uma gleba urbana, próxima ao Estádio. Num primeiro momento, o arquiteto-urbanista Arnaldo Mascarenhas, formado na Universidade de Brasília (UnB), reportou-se aos grandes centros comerciais que ele havia conhecido em viagem recente à América do Norte, muito diferentes das galerias de lojas existentes na cidade. Ao visitar esses centros nos EUA, observou que se tratava de um conjunto edificado de grandes proporções, cuja complexidade de projeto e construção envolvia também a circulação, o abastecimento e o consumo em níveis regionais, que exigiam estudos específicos. Os entendimentos proliferaram e Arnaldo Mascarenhas voltou aos Estados Unidos para se capacitar profissionalmente em projeto de shopping centers. Mais uma vez, estabelecia-se a ponte direta entre o capital e o governo, inicialmente por meio de um dos seus técnicos. Tal parceria, que duraria alguns anos, inaugurava, de certa forma, no interior do Brasil a era do empreendedorismo urbano, algo que seria consenso geral décadas à frente em todo o mundo capitalista avançado: “os benefícios positivos são obtidos pelas cidades que adotam uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico” (HARVEY, 2005, p. 167). Dentro dessa mesma linha de pensamento, Moraes (1991, p. 24) desenvolveu um estudo sobre a formação do espaço urbano de Goiânia no qual identificou o mercado imobiliário, capitaneado pelo empreendedor imobiliário, e o Estado como os agentes determinantes nessa produção do espaço. Definiu, então, o empreendedor imobiliário como a figura do incorporador que escolhe e compra a terra, analisa o mercado, providencia o projeto e mobiliza o capital necessário para a operação, combinada com a do proprietário fundiário especulador, com a do construtor e a do comercializador da mercadoria imobiliária. 77 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Moraes (1993, p. 6) observou também que a articulação entre o empreendedor e o Estado “se dá através da facilitação da aprovação do empreendimento, no fornecimento de energia, de infra-estrutura viária e de transportes, e, em alguns casos, até na expansão da rede de água e esgoto para áreas desocupadas em detrimento de áreas já densamente habitadas”. Certamente, a implantação de outros empreendimentos de grande porte, senão todos, advieram desse relacionamento próximo entre os gestores e representantes das questões públicas e o interesse privado. O resultado é o que hoje se observa: a produção é social, mas a apropriação é fragmentada, dirigida às camadas médias e altas, prevalecendo o interesse do capital, muito pouco preocupado com a problemática social ou em colaborar com a melhor qualidade de vida da cidade como um todo. De toda forma, o trabalho desenvolvido por Moraes (1991) busca oferecer novo enfoque às discussões sobre as intervenções estatais e empresariais na produção do espaço urbano. O autor considera que, regra geral, nos meios técnico-burocráticos, associações de moradores e representantes profissionais, as discussões utilizam um discurso neoliberal que apresenta o Estado como único responsável pelas mazelas urbanas, o que se revela em obras equivocadas, leis mal formuladas que são desrespeitadas pela população, espaços mal utilizados, depredados ou absolescentes. Em outros momentos é a especulação imobiliária responsabilizada pelos problemasurbanos e o Estado cobrado a atuar de forma mais autoritária, como se fora monolítico, o todo-poderoso, e seus servidores incompetentes. Daí que devam ser buscados a maior transparência, a contestação de mistificações que eximem a própria sociedade de responsabilidades, um planejamento menos idealista e a efetiva participação da sociedade civil, através de seus grupos mais organizados nas questões relativas ao urbano e à cidade. Dentro da apreensão do concreto, um levantamento das atividades econômicas desenvolvidas no bairro mostra a diversidade com que elas são desenvolvidas, gerando o movimento, os fluxos e a densidade socioespacial, de acordo com o Quadro 1, que se segue. 78 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Quadro 1. Total e percentagem de atividades por classe no Setor Jardim Goiás Classe Descrição Qtd. % 1 Profissionais Liberais I - Área de Saúde, Serviços e Produtos de Saúde 84 7,1 2 Profissionais Liberais II – Advogados 04 0,3 3 Profissionais Liberais III – Engenheiros e Arquitetos, Empresas de Engenharia e Construção Civil e Serviços Correlatos 89 7,6 4 Artigos de Vestuário, Confecção e Calçados 227 19,2 5 Óticas, Joalherias, Bazares e Bijuterias 53 4,5 6 Móveis & Decoração e Floriculturas 25 2,1 7 Papelarias, Bancas de Revista, Chaveiros e Cópias 15 1,3 8 Equipamentos Eletroeletrônicos, Telecomunicações e Processamento de Dados 48 4,0 9 Agências Públicas 07 0,6 10 Serviços Embelezamento, Higiene Pessoal e Academias de Ginástica 36 3,0 11 Serviços Imobiliários 42 3,6 12 Serviços de Contabilidade 20 1,7 13 Serviços de Agenciamento de Turismo e Hospedagens em Hotéis 08 0,7 14 Serviços de Publicidade, Propaganda e Comunicação 27 2,3 15 Serviços Bancários, de Créditos, Investimentos e Postagem 19 1,6 16 Serviços de Assessoria, Consultoria, Organização e Corretagens 28 2,4 17 Educação e Ensino 12 1,0 18 Serviços de Abastecimento por Combustíveis 14 1,2 19 Serviços Automotivos 20 1,7 20 Instituição, Associações e Entidades Representativas 18 1,5 21 Administração de Bens, Negócios e Representação Comercial 30 2,5 22 Diversão e Entretenimento 08 0,7 23 Serviços de Alimentação – Bares, Lanches e Restaurantes 123 10,4 24 Gêneros Alimentícios – diversos 43 3,6 25 Fabricação e Venda de Máquinas e Materiais Diversos, e Indústrias 03 0,2 26 Instrumentos Musicais e Acessórios 03 0,2 27 Outras Atividades Comerciais Não Especificadas 75 6,4 28 Outros Profissionais Não Especificados 97 8,2 TOTAL 1.178 100 Fonte: Cadastro de Atividades Econômicas do Município de Goiânia CAE – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SEDEM) – 2006. Organização do quadro e dos dados: Correa, 2006. Atividades componentes das classes que compõem o Quadro 1: Classe 1 – Profissionais Liberais I e Serviços e Produtos de Saúde – Área da Saúde: médicos, odontólogos, fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas etc. e clínicas, hospitais, laboratórios, postos de coleta de material, farmácias etc. Classe 2 – Profissionais Liberais II: Advogados. Classe 3 – Profissionais Liberais III: Engenheiros e Arquitetos e Empresas de Engenharia e Construção Civil e Serviços Correlatos. Classe 4 – Artigos de Vestuário, Confecção e Calçados. Classe 5 – Óticas, Joalherias, Bazares e Bijuterias. Classe 6 – Móveis & Decoração e Floricultura. Classe 7 – Papelarias, Bancas de Revistas, Chaveiros e Cópias. Classe 8 – Equipamentos Eletroeletrônicos, Telecomunicações e Processamento de Dados: Lojas de venda de equipamentos eletrônicos, de eletrodomésticos, artigos de informática etc. Classe 9 – Agências Públicas. 79 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS Classe 10 – Serviços de Embelezamento, Higiene Pessoal e Academias de Ginástica: salões de beleza, institutos de beleza, barbearias, academias de ginástica etc. Classe 11 – Serviços Imobiliários: imobiliárias, condomínios residenciais, condomínios comerciais. Classe 12 – Serviços de Contabilidade: escritórios de contabilidade e contadores autônomos. Classe 13 – Serviços de Agenciamento de Turismo e Hospedagem em Hotéis: agências de turismo e hotéis. Classe 14 – Serviços de Publicidade, Propaganda e Comunicação: gráficas, serviços de serigrafia. Classe 15 – Serviços Bancários, de Crédito, Investimentos e Postagem: bancos, empresa de concessão de crédito, empresas de investimentos e correios. Classe 16 – Serviços de Assessoria, Consultoria, Organização e Corretagem. Classe 17 – Educação e Ensino: pré-escolas, escolas de ensino fundamental ao médio, cursos preparatórios para vestibular, faculdades, escolas de natação, escolas de dança etc. Classe 18 – Serviços de Abastecimento por Combustíveis: postos de combustíveis. Classe 19 – Serviços Automotivos: serviços mecânicos, de lanternagem e funilaria, revenda de autopeças, concessionárias e garagens de venda de veículos, estacionamentos etc. Classe 20 – Instituições, Associações e Entidades Representativas: instituições religiosas e públicas, associações e entidades representativas diversas. Classe 21 – Administração de Bens Negócios e Representação Comercial. Classe 22 – Diversão e Entretenimento (Incluindo cinemas): Casas de dança, boates, etc. Classe 23 – Serviços de Alimentação: bares, lanchonetes e restaurantes. Classe 24 – Gêneros Alimentícios Diversos: frutarias, mercearias, panificadoras, confeitarias, açougues, supermercados etc. Classe 25 – Fabricação e Venda de Máquinas e Materiais Diversos, e Indústrias. Classe 26 – Instrumentos Musicais e Acessórios. Classe 27 – Outras Atividades Comerciais não Especificadas. Classe 28 – Outros Profissionais não Especificados: outros profissionais liberais, como geólogos, químicos, e autônomos como costureiras, faxineiros, lavadeiras, motoristas, pintores etc. Esses dados, organizados no Quadro 1 por Elaine Lobo Correa (2006, p. 47), permitem identificar o predomínio do shopping e dos hipermercados no comércio de artigos de vestuário e complementos (19,2%), de gêneros alimentícios e serviços de alimentação (10,4%), de óticas, joalherias, bazares e bijuterias (4,5%), e de eletrodomésticos e eletroeletrônicos (4,0%). E surpreendem pela alta freqüência de profissionais arquitetos e engenheiros, e de empresas de construção civil (7,6%) e também de profissionais e serviços da área da saúde (7,1%), justamente porque se trata de serviços que não se encontram tão evidenciados na paisagem, nem apareceram nas entrevistas do trabalho de campo, que serão tema do próximo capítulo. Observa-se na paisagem a constante renovação: de fachadas, de usos e funções, de morfologia, mas tudo responde a uma lógica. É que a reprodução do espaço no contexto 80 ___________________________________________________Capítulo 2 – RECONHECENDO O SETOR JARDIM GOIÁS capitalista se baseia na estreita relação entre os valores de troca do investimento feito, do que está construído e a caducidade ou destruição desses mesmos valores, com o objetivo de abrir espaço, criar, enfim, novos motivos que gerem mais acumulação. Harvey (apud SOJA, 1993, p. 126) explica bem sobre como ocorre esse processo: O capital se representa sob a forma de uma paisagem física criada à sua própria imagem, criada como valores de uso favorecedores da acumulação progressiva do capital. A paisagem geográfica daí resultante é a glória que coroa o desenvolvimento capitalista precedente. Mas, ao mesmo tempo, ela expressa o poder da mão-de-obra morta sobre a mão-de-obra viva e, como tal, aprisiona e inibe o processo de acumulação dentro de um conjunto de restrições físicas específicas. [...] O desenvolvimentocapitalista, portanto, tem que negociar um caminho muito estreito entre a preservação dos valores de troca dos investimentos de capital do passado, no meio ambiente construído, e a destruição do valor desses investimentos, a fim de abrir um novo espaço para a acumulação. No capitalismo, portanto, uma luta perpétua em que o capital constrói uma paisagem física apropriada à sua condição, em determinado momento do tempo, simplesmente para ter que destruí-la, geralmente durante situações de crise, num momento posterior do tempo. O fluxo e refluxo temporal e geográfico no meio ambiente construído só pode ser entendido em termos desse processo. A percepção ou reconhecimento do objeto de estudo, no caso o Setor Jardim Goiás, um bairro hoje vibrante na capital goiana, abarcou sua gênese histórica e a contemplação da realidade atual, identificando-se a intencionalidade da ordem espacial. Para Santos (2006, p. 334), [nesses] espaços da horizontalidade, alvo de freqüentes transformações, uma ordem espacial é permanentemente recriada, onde os objetos se adaptam aos reclamos externos e, ao mesmo tempo, encontram, a cada momento, uma lógica interna própria, um sentido que é seu próprio, localmente constituído. É assim que se defrontam a Lei do Mundo e a Lei do Lugar. A Lei do Lugar, a razão local, o olhar dos sujeitos que produzem e consomem o lugar, é o que se revelará no próximo capítulo, onde estão sintetizados os resultados da pesquisa de campo realizada. 81
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