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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS COMPETÊNCIAS // As competências estão descritas nos artigos 21, 22, 23 e 24 da CF, dando fim ao capítulo II, que é o capítulo relativo à União. A matéria da competência é um assunto materialmente constitucional, só quem pode tratar disso é a constituição; só a constituição vai definir as competências dos níveis de governo que ela criou (União, estado e município). As competências são o tema central da Federação, o que supõe uma boa definição no sistema das competências. Isso porque sobre cada parte do território nacional se exercem três autoridades: municipal, estadual e federal. Sendo assim, é necessária uma definição atribuições pelas quais se designa sobre o que cada esfera vai coordenar. Quem é mais importante, qual é mais valiosa das três? Do ponto de vista constitucional, essas três pessoas jurídicas de direito público interno são iguais porque a fonte da autoridade de cada um deles deriva do mesmo documento, a Constituição Federal. E nenhum dos outros dois pode interferir nas atribuições da cada um. Se a União interferir nas atribuições dos outros dois, estará agindo inconstitucionalmente e deverá ser derrubada por vias próprias. Essa foi, por exemplo, a fraqueza da constituição de 1891, quando previa que o município era autônomo, mas não dava um conteúdo pra essa autonomia do município, tornando-o muito vulnerável nas mãos do estado, quem ia organizar o município. A partir de 1934, a autonomia municipal se define por alguns assuntos que são do município e, por conseguinte, assuntos que são vedados ao estado e à União. Existe o domínio privado e o domínio público. Esses dois domínios têm características completamente diferentes: aquele famoso princípio da liberdade, que aparece no inciso II do art. 5º da Constituição (“ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), é um princípio que vigora na esfera privada, não na esfera pública. O que vigora na esfera pública é um outro princípio: princípio da legalidade, pelo qual esses entes públicos só podem fazer aquilo que a lei expressamente der autoridade para fazer. Para que uma autoridade possa fazer alguma coisa, é preciso que haja expressa previsão legal atribuindo a ela essa faculdade. Portanto, ela não pode dizer “vou fazer isso porque a lei não proíbe”, por que o princípio da liberdade vigora na esfera privada, não na esfera pública. Na esfera pública o princípio é “eu só posso fazer se a lei autorizar”. O assunto das competências tem uma face positiva: a competência é o poder dado a algum órgão para fazer alguma coisa; e ao mesmo tempo tem uma face negativa, de vedação, porque quando se está dando competência está-se proibindo os outros órgãos de fazerem essa mesma coisa, conforme o princípio da legalidade. Há dois sistemas básicos para se distribuir competências. Você pode atribuir umas tantas competências à União, outras tantas ao estado e outras tantas ao município, esse é um sistema. Ou você pode atribuir umas competências a um deles (qualquer um), atribuir competências a outro (qualquer um) e dizer que o resto é do terceiro. O Brasil adotou este último sistema, sendo o terceiro, ao qual todo o resto é atribuído, o estado. A exceção a esse sistema adotado é a matéria tributária: no sistema tributário, a Constituição diz claramente quais são os impostos de competência da União, dos estados e dos municípios (os tributos novos são atribuídos à União). Portanto, a União tem as chamadas competências específicas e o estado tem a chamada competência geral ou remanescente, isto é, aquilo tudo que resta, porque na verdade ele tinha tudo originariamente, menos aquilo que ele transfere para a União (o organismo maior que eles criam). Além disso, os estados não têm o chamado peculiar interesse local, que era a regra competência do município. Na prática, o que se viu foi o contrário: isso, na verdade, não fortaleceu os estados. Os estados ficaram e ainda hoje ficam cada vez mais debilitados, enfraquecidos diante da União. Na verdade o que a gente tem no Brasil é uma situação de alta centralização em favor da União. Se o estado-membro passa a ter uma série de competências específicas claras, definidas constitucionalmente, nelas a União não avança. Há autores que falam de competência remanescente ou residual. No pensamento deganiano, essas duas não são sinônimas. A competência residual é a do sistema tributário, em que você define a competência de cada órgão e aí tem que prever o resíduo; a competência remanescente é o sistema de distribuição de competências em geral, em que você supõe que uma entidade preexistida, os estados no caso do Brasil, e essas entidades tinham todos os poderes em geral, desses poderes vão destacar alguns pra União e o que não destacou, isto é, o que remanesceu, o que continuou fica com o estado-membro. A Constituição de 88 faz uma distinção muito boa; no art. 21 ele define o que é a competência material da União; e no art. 22 ele dá a competência legislativa da União. Essa distinção, evidentemente, é uma técnica muito melhor, as coisas ficam mais claras, mais nítidas. A competência legislativa é aquilo que a União só pode fazer mediante lei, e a competência material da União, aquilo que a União faz sem ser através de lei. A competência material da União é uma competência específica (tá no art. 21), a competência legislativa da União é uma competência específica (tá no art. 22). A competência legislativa do estado, em princípio, é uma competência geral ou remanescente, a material e também a legislativa. E a regra geral do município é a competência geral ou remanescente do estado. Ao lado disso, a Constituição prevê, matéria do art. 23, alguns assuntos que são de competência material comum, isto é, são assuntos que constituição manda que sejam feitos, desempenhados pelos três níveis de governo (União, estados e municípios). Portanto, ao lado da competência material, a gente tem também uma competência material comum. A competência própria, na União, é a competência específica e a competência comum; a competência própria do estado é a competência geral ou remanescente e a competência material comum. A competência própria, no município, é o “peculiar interesse local” – a gente tem esses dois níveis de competência; o que não significa que na competência material comum os três níveis de governo vão atuar caoticamente, em duplicidade. Não vai haver um conflito aí, o parágrafo único do art. 23 prevê isso. Prevê que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União, estado, distrito federal e municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento, bem estar, em âmbito nacional. Portanto, esses assuntos que são objeto da competência material comum, eles vão ser regulados em lei complementar federal e vão dizer como é que esses sistemas vão se associar, vão se compor, para que não haja conflitos. Em relação à competência legislativa, a Constituição também prevê um outro tipo de legislação que é a matéria do art. 24, que prevê outro sistema que é a competência legislativa concorrente. Essa competência legislativa concorrente funciona no nível da União e do estado, mas não no nível do município. Há uma competência legislativa concorrente, que é matéria do art. 24, e aí você tem uma série de assuntos que a Constituição atribui à União, aos estados e ao DF: "compete à União, aos estados e ao DF legislar concorrentemente sobre". Parágrafo primeiro. Portanto a tarefa da União, em matéria de competência concorrente, é a matéria das normas gerais. Parágrafo segundo. Os estados vão ter uma competência suplementar em relação às normas gerais e também uma competência específica, isto é, se a União temas normas gerais, as normas específicas são dos estados. E aí vem mais outra regra: inexistindo lei federal sobre normas gerais - se, por acaso, a União não baixar estas normas gerais -, os estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades. Quer dizer, haverá uma hipótese de se suprir as normas gerais e, porventura, inexistentes por parte da União: se a União não as fizer, os estados podem suprir isso e exercer a competência legislativa plena. Nesse caso, eles terão as duas competências: a específica e a de suprir a competência legislativa plena, que é da União. Agora, não havendo lei geral, lei da União sobre normas gerais, havendo norma estadual para suprir essa deficiência da União, e se amanhã vier lei federal? Aí o parágrafo quarto diz: "a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual que lhe for contrária". Portanto, esse é o sistema que a gente tem com relação às competências. A competência da União é das normas gerais. Os estados tem as normas específicas. Além disso, eles tem uma competência suplementar de normas gerais: não havendo normas gerais da União, os estados exercem a competência legislativa plena. Se vier norma da União, esta realiza a competência plena e suspende a eficácia da norma estadual. Em relação ao município, sobre matéria legislativa de competência concorrente, ele vai ter uma competência para completar normas estaduais e federais eventualmente existentes. Então, ele vai ter uma competência nesse sentido de suplementar, mas não tem competência de suprir a competência das normas gerais, que é da União. A União, em matéria de competência material, tem uma competência própria, que é uma competência específica, é um rol; e tem uma competência comum (no art. 23). Em matéria de competência legislativa, ela tem uma competência específica (no art. 22) e tem a competência concorrente, que é essa das normas gerais, do artigo 24. O estado, em matéria de competência material, tem uma competência própria, que é essa competência geral remanescente, e tem a competência material comum do artigo 23. Em matéria de competência legislativa, tem a competência geral remanescente e tem a competência concorrente, que é uma competência, no caso do estado, grande. Primeiro tem a competência específica, depois tem a competência para suplementar das normas gerais, e depois tem ainda a competência para suprir normas gerais eventualmente inexistentes. O município tem competência material própria, que é o peculiar interesse local, e tem a competência material comum. Tem a competência legislativa própria, legislar sobre assuntos do peculiar interesse local. Em matéria de competência legislativa concorrente, em princípio, ele não a tem, porém ele vai ter um papel apenas de suplementar a legislação estadual, se houver necessidade para isso. Esse é o quadro geral. Toda vez que a gente tem um rol, a gente precisa saber se o rol é exaustivo ou exemplificativo. Esse rol é, sobretudo em relação às competências próprias, exemplificativo, não é exaustivo, e isso fica muito claro no problema da competência legislativa. (fala sobre os arts 22 e 48 falarem da mesma coisa -> Então, tirando o 49, o artigo 48 define o que é matéria de lei, e o 22 também define o que é matéria de lei. E um complementa o outro: há alguns assuntos que estão em um e não estão no outro. Portanto, fica muito claro que esse rol do artigo 22 é apenas exemplificativo, tanto que existe claramente esse artigo 48 definindo a matéria de competência legislativa da União. No caso dos estados, além dessa competência própria, que é a competência geral remanescente, há várias passagens que dão competências expressas aos estados, que na verdade são explicitações da competência remanescente. Tudo aquilo que não for vedado ao estado, é do estado: tudo aquilo que a CF não deu à União ou ao peculiar interesse local, é do estado. Porém, algumas dessas competências estão expressas na CF. É preciso distinguir o que é competência da União e saber de quem é a competência de fazer essas coisas dentro da União. O assunto ser competência da União, não significa ser assunto do Poder Executivo. Como esse assunto vai ser realizado na prática é também matéria constitucional: aquilo que compete ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário dentro da União. Portanto, o problema reside principalmente no assunto da competência material, porque a competência legislativa é clara: é do Congresso Nacional mais o presidente da República. Mas o assunto de competência material, não necessariamente todo ele será objeto do Poder Executivo ou será objeto do Poder Executivo sozinho. Será uma segunda etapa definir, dentro da União, quem vai realizar cada uma dessas tarefas, a distribuição dessas competências entre os poderes. Casos de competência da União. A péssima doutrina, que estava por trás de várias reformas constitucionais que foram feitas nesse período, tinha a ideia de que haveria umas funções típicas do Estado (país, soberano). Inventaram o projeto de Reforma do Estado, que tinha uma série de aspectos, de elementos, mas cuja origem é esta: definir funções típicas do Estado. Por conseguinte, é essa a origem da privatização, é essa a origem do projeto neoliberal (para Delga PALEOLIBERAL), um péssimo liberalismo antigo, do Estado transferir os serviços públicos para os particulares. Outra consequência é o princípio de que existem funcionários públicos de dois tipos: os das funções típicas e os das funções não típicas. Funcionários públicos das funções típicas devem bem remunerados. Funcionários públicos das funções não típicas, esses podem ser abandonados. Eram funções típicas, por exemplo, as dos agentes do fisco, encarregados de fazer a arrecadação; eram os procuradores do Estado, aqueles encarregados de fazer a defesa judicial do Estado; eram os diplomatas, os encarregados de representar o Estado internacionalmente; eram os militares, encarregados da defesa do Estado diante dos outros países; era os policiais, encarregados da ordem. Os juízes, encarregados do poder de resolver os litígios do Estado, também os legisladores, encarregados de fazer as leis. Essas funções são absurdas porque não distinguem os fins dos meios do Estado. Os fiscais não são fim do Estado, são meios; os procuradores idem, o Estado não existe para ter procuradores, mas, em existindo, precisa, eventualmente, de uma defesa judicial. O mesmo valendo para os diplomatas e os militares. Mas e a ordem? E os policiais, encarregados da ordem? Agora sim, a ordem, sim, é fim do Estado! A ordem é o primeiro dos fins do Estado. Os policiais, sim, são fins do Estado, bem como os juízes e os legisladores. Todas aquelas quatro atividades são meios, portanto funções típicas sim, mas a título de meios, não são fins do Estado. O único fim do Estado é a ordem e você está ignorando outros fins do Estado, como o bem-estar social, que é um Estado intervencionista, que é um Estado para diminuir as desigualdades, etc., etc., e foi a grande conquista do séc. XX, que está ignorada aí. O que é que o Estado tem que fazer é uma definição constitucional, é uma opção constitucional. É a Constituição que vai escolher o papel do Estado, qual sua atuação, em que campo ele irá atuar. Como eu disse, esse grande domínio privado e o grande domínio público. A CF é que vai dizer o que é domínio público, o que é matéria do Estado, e o que não é matéria do Estado e, por conseguinte, é deixado aos particulares. Portanto, o que é tarefa do Estado? Aquilo que a Constituição disser que é tarefa do Estado. E é por isso que aquela ideia de FHC e Bresser é imbecil: não há funções típicas do Estado.Quando você está falando de funções típicas, você está imaginando umas funções que são do Estado pré- constitucional, funções que são intrinsecamente do Estado, ontologicamente do Estado. É função do Estado aquilo que a CF disser que é função do Estado. Aí está a importância do assunto das competências. A CF vai definir o que é competência do Estado e, nessa definição, a distinção que será feita e entre serviços exclusivos e serviços não exclusivos. Serviços exclusivos são aqueles que o Estado tem que fazer e o particular não pode fazer. E serviços não exclusivos, aqueles que o Estado é obrigado a fazer, mas que também podem ser feitos pelos particulares. A definição constitucional é esta.
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